
D.E. Publicado em 20/12/2018 |
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA - SEGURADO ESPECIAL COM INÍCIO DE PROVA MATERIAL - PROVA TESTEMUNHAL: NECESSIDADE - CERCEAMENTO DE DEFESA - APELO PARCIALMENTE PROVIDO - SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, para desconstituir a sentença e antecipar os efeitos da tutela, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | INES VIRGINIA PRADO SOARES:10084 |
Nº de Série do Certificado: | 11DE18032058641B |
Data e Hora: | 12/12/2018 15:40:41 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0018629-17.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido de concessão de APOSENTADORIA POR INVALIDEZ ou AUXÍLIO-DOENÇA, com fundamento na perda da qualidade de segurado, condenando a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais), suspensa a execução, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Em suas razões de recurso, sustenta a parte autora:
- que não perdeu a qualidade de segurada, pois deixou de trabalhar em razão da sua incapacidade;
- estar incapacitada total e permanentemente para sua atividade habitual, fazendo jus à concessão do benefício pleiteado.
Requer a reforma da sentença, para que seja concedido o benefício pleiteiado.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Certificado pela Subsecretaria da Sétima Turma, nos termos da Ordem de Serviço nº 13/2016, artigo 8º, que a apelação foi interposta no prazo legal e, ainda, que a parte autora é beneficiária da Justiça Gratuita.
É O RELATÓRIO.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, conforme certidão de fl. 126, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
Pleiteia a parte autora a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, alegando incapacidade laboral, por estar acometida por fratura no ombro e braço, fratura da diáfise do úmero, fratura das diáfises do rádio e do cúbito (ulna) e lesão do nervo radial.
Afirma que requereu o benefício na esfera administrativa em 09/02/2015, sem obter êxito, constando, dos autos, indeferimento do pedido administrativo em 23/03/2015 (fl.15).
Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (artigo 59).
No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação.
Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e afecções elencadas no artigo 151 da mesma lei.
Como se vê, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
No caso dos autos, o exame médico, realizado pelo perito oficial em 20/11/2015, constatou que a parte autora, trabalhadora rural, idade atual de 23 anos, está incapacitada temporariamente para o exercício de sua atividade habitual, como se vê do laudo juntado às fls. 93/100:
"Pericianda vítima de queda de própria altura em domicílio, com presença de fratura do úmero direito e lesão de nervo radial direito. Realizou cirurgia onde fixou a fratura através de material específico. No momento a periciada não possui limitações de movimento, dor em sítio cirúrgico e pequena diminuição de força em ombro direito, necessitando de realização de fisioterapia para fortalecimento muscular para retorno às atividades laborais." (fls. 94/95) |
"Quesito 19: Sabendo-se que a absoluta é incapacidade para qualquer atividade que garanta a subsistência da parte autora, ou seja, incapacidade omniprofissional, pergunta-se: A incapacidade da parte autora, caso constatada, é absoluta ou existe apenas para a atividade habitual? |
Resposta 19: Apenas para a atividade habitual." (fl. 98) |
"Quesito 6: De acordo com o quesito nº 4, qual atividade poderia ser desenvolvida pelo requerente levando em conta suas características pessoais (peso, idade, musculatura), principalmente pelo fato de que sempre desenvolveu serviços rurais? |
Resposta 6: Atividades normais, limitado a grandes esforços físicos." (fl. 94) |
"Quesito 7: Há possibilidade de o requerente desenvolver suas atividades habituais e laborativas, quais seriam elas e qual o prejuízo no tocante à readaptação? |
Resposta 7: Sim. Prejudicado, no momento agravamento do quadro álgico." (fl. 94) |
"Quesito 23: Sabendo-se que definitiva é a incapacidade laboral irreversível, pergunta-se: A incapacidade da parte autora, caso constatada, é temporária ou definitiva? |
Resposta 23: Temporária." (fl. 99) |
"Quesito 24: Conhecendo a incapacidade laboral, quais as limitações de acessibilidade? |
Resposta 24: No momento, realizar esforços físicos moderado/severo em membro superior direito." (fl. 99) |
"Quesito 17: Qual a data de início da incapacidade laborativa? Justifique a sua fixação. |
Resposta 17: Outubro de 2014." (fl. 98) |
Não há, nos autos, contudo, prova de que a parte autora, no período imediatamente anterior ao acidente que a incapacitou para o trabalho, exerceu atividade rural como diarista por período superior ao da carência de 12 meses, nos termos do artigo 25, inciso I, c.c. os artigos 26, inciso III, e 39, inciso I, da Lei nº 8.213/91.
A comprovação do tempo de serviço em atividade rural, seja para fins de concessão de benefício previdenciário ou para averbação de tempo de serviço, deve ser feita mediante a apresentação de início de prova material, conforme preceitua o artigo 55, parágrafo 3º, da Lei de Benefícios, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, entendimento cristalizado na Súmula nº 149, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário.
Dentro desse contexto, considerando as precárias condições em que se desenvolve o trabalho do lavrador e as dificuldades na obtenção de prova material do seu labor, quando do julgamento do REsp nº 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC/1973, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova admitindo-se início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Transcrevo, por oportuno, a ementa do julgado:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA. |
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias. |
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. |
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. |
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. |
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados. |
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. |
(REsp nº 1.321.493/PR, 1ª Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 19/12/2012) |
No caso, a parte autora instruiu o feito com:
- fl. 60: certidão de residência e atividade rural emitida em 16/12/2014 pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo - ITESP, que atestam que ela reside no lote rural nº 27 do Assentamento Guana Mirim, no Município de Euclides da Cunha Paulista / SP, desde abril de 2014;
- fls. 33, 34 e 61: comprovante de assentamento, desde 2001, em nome do seu padrasto Wilson Bezerra Fagundes, que aparece como titular juntamente com sua esposa e mãe da parte autora, Márcia Raimundo da Silva, constando, do registro, os nomes dos filhos, entre eles, a parte autora;
- fls. 36/37 e 61/65: termo de permissão de uso firmado entre o padrasto e a mãe da parte autora, como permissionários, e o diretor do ITESP, representando o permitente;
- fls. 38/41 e 66: notas fiscais de produtor, emitidas pelo padrasto da parte autora em entre 2010 e 2015;
- fl. 35: declaração cadastral de produtor, em nome do padrasto da parte autora, com início de atividade em 04/10/2002.
Tais documentos, isoladamente, não bastam para demonstrar o exercício da atividade rural, como segurado especial em regime de economia familiar, no período imediatamente anterior ao acidente que a incapacitou para o trabalho, mas constituem razoável início de prova material, que são suficientes para justificar a realização da prova pericial.
Na petição inicial, a parte autora protestou por todos os meios de prova em direito admitidos e o Juízo "a quo" propiciou apenas a realização da prova pericial, mas sem oferecer, à parte autora, oportunidade para especificar outras provas que pretendia produzir.
E, ao julgar o processo, sem propiciar a realização das provas pelas quais protestou na inicial, mormente a oitiva das testemunhas, o Juízo "a quo" vulnerou o princípio da ampla defesa, insculpido no artigo 5º da Constituição Federal, que diz:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. |
Desse modo, o julgamento da lide, sem a realização das provas pelas quais protestou a parte autora em sua petição inicial, mormente a prova oral, consubstanciou-se em evidente cerceamento do direito constitucional à ampla defesa.
Cabe lembrar, nesse sentido, anotação jurisprudencial dos ilustres THEOTÔNIO NEGRÃO et alii, em seu Código de Processo Civil e legislação processual em vigor (São Paulo, Saraiva, 2013, nota "6" ao artigo 130 do Código de Processo Civil, pág. 261):
Indeferimento imotivado de prova importa cerceamento de defesa. |
"O indeferimento de realização de provas, possibilidade oferecida pelo art. 130 do CPC, não está ao livre arbítrio do juiz, devendo ocorrer apenas, e de forma motivada, quando forem dispensáveis e de caráter meramente protelatório" (STJ-1ª T., REsp 637.547, Min. José Delgado, j. 10.8.04, DJU 13.9.04). |
O julgamento antecipado da lide deve acontecer quando evidenciada a desnecessidade de produção de prova; de outro modo, caracterizado fica o cerceamento de defesa" (RSTJ 48/405). |
"Se a pretensão do autor depende da produção da prova requerida, esta não lhe pode ser negada, nem reduzido o âmbito de seu pedido com um julgamento antecipado, sob pena de configurar-se uma situação de autêntica denegação de Justiça" (RSTJ 21/416). No mesmo sentido: RJM 189/95 (AP 1.0027.07.134463-7/001). |
Por outro lado, presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, com base no laudo pericial e documentos de fls. 33/41 e 60/66, e o perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício -, é de se antecipar os efeitos da tutela, requerido nas razões de apelo.
Junte-se, aos autos, extrato CNIS em anexo, como parte integrante desta decisão.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo da parte autora, para deferir a antecipação dos efeitos da tutela e desconstituir a sentença, determinando o retorno dos autos à Vara de origem, para que se dê prosseguimento ao feito, com a oitiva de testemunhas e a prolação de nova decisão.
Deferida a antecipação dos efeitos da tutela, DETERMINO a expedição de e-mail ao INSS, instruído com cópia dos documentos da segurada BRUNA RAIMUNDO DA SILVA, para que cumpra a obrigação de fazer consistente na implantação do benefício de AUXÍLIO-DOENÇA no prazo de 15 dias, no valor de um salário mínimo, sob pena de multa diária no valor de R$ 200,00.
OFICIE-SE.
É COMO VOTO.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal Relatora
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | INES VIRGINIA PRADO SOARES:10084 |
Nº de Série do Certificado: | 11DE18032058641B |
Data e Hora: | 12/12/2018 15:40:38 |