D.E. Publicado em 02/06/2016 |
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE INSALUBRE. OBSERVÂNCIA DA LEI VIGENTE À ÉPOCA PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE. EPI. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por interposta, e dar parcial provimento à apelação do impetrante, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002665-94.2015.4.03.6126/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se de apelações interpostas em face de sentença que concedeu parcialmente a segurança pleiteada, para reconhecer o labor especial desempenhado pelo impetrante no intervalo de 04.09.1990 a 19.11.2014. Não houve condenação em honorários advocatícios. Custas ex lege.
Em suas razões recursais, requer o impetrante seja reconhecida a insalubridade das atividades profissionais desenvolvidas também nos períodos de 02.09.1985 a 03.11.1986 e 01.12.1986 a 03.04.1987, com a consequente concessão do benefício de aposentadoria especial.
À fl. 102 foi noticiado o cumprimento da ordem.
A Autarquia, a seu turno, apela asseverando, em síntese, que o impetrante não logrou comprovar regulamente a efetiva exposição a agentes insalubres. Sustenta, ademais, que o uso de EPI elide a insalubridade eventualmente existente no ambiente de trabalho. Suscita o prequestionamento da matéria ventilada.
Com contrarrazões oferecidas apenas pelo impetrante, vieram os autos a esta Corte.
O ilustre Representante do Ministério Público Federal exarou parecer (fl. 140/143), opinando pelo parcial provimento do apelo do impetrante e pelo desprovimento do recurso do INSS.
É o relatório.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002665-94.2015.4.03.6126/SP
VOTO
Da remessa oficial tida por interposta.
Tenho por interposta a remessa oficial, nos termos do artigo 14, § 1º da Lei nº 12.016/2009.
Do mérito.
O remédio constitucional do Mandado de Segurança tem por finalidade assegurar a proteção a direito líquido e certo de ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, nos termos do inciso LXIX, do artigo 5º, da Constituição da República. O direito líquido e certo é aquele que decorre de fato certo, provado de plano por documento inequívoco, apoiando-se em fatos incontroversos e não complexos que possam reclamar a dilação probatória para a sua verificação.
Busca o impetrante, nascido em 10.05.1964, o reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais nos períodos de 02.09.1985 a 03.11.1986, 01.12.1986 a 03.04.1987 e 04.09.1990 a 19.11.2014, com a consequente concessão do beneficio de aposentadoria especial.
De início, cumpre distinguir a aposentadoria especial prevista no art. 57, caput, da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de serviço, prevista no art. 52 da Lei nº 8.213/91, porquanto a aposentadoria especial pressupõe o exercício de atividade considerada especial pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, e, cumprido esse requisito o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da E.C. nº 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, assim como não se submete ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Por outro lado, há a restrição do art. 46 da Lei nº 8.213/91, ou seja, não poderá continuar ou retornar a exercer atividade que o sujeite aos agentes nocivos prejudiciais à sua saúde (§ 8º do art. 57 do referido diploma legal). Diferentemente, na aposentadoria por tempo de serviço há tanto o exercício de atividade especial como o exercício de atividade comum, sendo que o período de atividade especial sofre a conversão em atividade comum aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da E.C. nº 20/98.
No que tange à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto n. 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de serviço para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei n. 8.213/91 dispunha, em sua redação original:
Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96 o dispositivo legal supra transcrito passou a ter a redação abaixo transcrita, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei n. 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória n. 1.523/96 (reeditada até a MP n. 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP n. 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei n. 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação somente foi definida com a edição do Decreto n. 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV).
Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei n. 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual apenas para atividades exercidas a partir de então é exigível a apresentação de laudo técnico. Neste sentido, confira-se a jurisprudência:
Pode, então, em tese, ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40, DSS-8030 ou CTPS, exceto para o agente nocivo ruído por depender de aferição técnica.
Ressalto que os Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
O Decreto n. 2.172, de 05.03.1997, que revogou os dois outros decretos anteriormente citados, passou a considerar o nível de ruídos superior 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o Decreto n. 2.172, de 05.03.1997, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 dB como agente nocivo à saúde.
Com o advento do Decreto n. 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao Colendo STJ que, no julgamento do Recurso Especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do CPC, Recurso Especial Repetitivo, fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, conforme ementa a seguir transcrita:
Dessa forma, é de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis.
Assim, deve ser reconhecida a especialidade do labor desempenhado pelo impetrante no período de 02.09.1985 a 03.11.1986, em que o impetrante exerceu a função de carregador junto à empresa Indústrias Romi S/A - Santo André visto que o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fl. 44/45 atesta a exposição a ruídos de intensidade equivalente a 81 decibéis, agente nocivo previsto no código 2.0.1 do anexo IV, do Decreto 3.048/99.
No que tange ao lapso de 01.12.1986 a 03.04.1987, o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fl. 46 não se mostra apto à comprovação do efetivo desempenho de labor especial, visto que emitido por empresa diversa daquela que fez a anotação do vínculo empregatício na CTPS do impetrante (fl. 28). Ademais, embora na seção de registros ambientais, tópico 15 do PPP, tenha sido declarado que o trabalhador ficava exposto a ruído de intensidade equivalente a 81,7 decibéis, o tópico 13.7 encontra-se "em branco", o que, segundo as informações de preenchimento de fl. 46, verso, significa que o empregado jamais esteve exposto a qualquer agente nocivo.
Assim, o período de 01.12.1986 a 03.04.1987 deverá ser computado como comum, visto que a alegada insalubridade não restou comprovada de plano por documento inequívoco, o que é imprescindível em se tratando de ação de mandado de segurança.
Por fim, segundo o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fl. 47/50, o impetrante, ao exercer as funções de embalador, conferente de material e operador de empilhadeira junto à empresa Volkswagen do Brasil - Indústria de Veículos Automotores Ltda., esteve exposto a ruídos de intensidade equivalente a 82 decibéis no período de 04.09.1990 a 30.06.1993 e 91 decibéis no interstício de 01.07.1993 a 19.11.2014.
Assim, em observância ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça acima mencionado, devem-se reconhecer como atividade especial os períodos de 02.09.1985 a 03.11.1986 e 04.09.1990 a 19.11.2014, conforme o código 2.0.1 do anexo IV, do Decreto 3.048/99.
Destaco que o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividade sob condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
De outro giro, no julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas:
Tese 1 - regra geral: O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial .
Tese 2 - agente nocivo ruído: Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial , tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos.
No caso dos autos, nos períodos de 02.09.1985 a 03.11.1986 e 04.09.1990 a 19.11.2014 o impetrante esteve exposto a ruídos acima dos limites legalmente admitidos, sendo, portando, desnecessário o debate sobre eventual eficácia de EPI.
Sendo assim, somados os períodos de labor especial ora reconhecidos, o impetrante totaliza 25 anos, 04 meses e 19 dias de atividade exclusivamente especial até 03.02.2015, data do requerimento administrativo, conforme planilha anexa, parte integrante da presente decisão.
Destarte, o impetrante faz jus ao beneficio de aposentadoria especial, com renda mensal inicial de 100% do salário-de-benefício, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91, sendo este último calculado pela média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, nos termos do art. 29, inc. II, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.876/99.
O termo inicial do benefício fica estabelecido na data do requerimento administrativo (03.02.2015; fl. 15), consoante firme entendimento jurisprudencial, com o pagamento das prestações vencidas, no âmbito deste feito, a partir de seu ajuizamento.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por interposta, e dou parcial provimento à apelação do impetrante, para reconhecer a especialidade do labor desempenhado também no período de 02.09.1985 a 03.11.1986, totalizando 25 anos, 04 meses e 19 dias de atividade exclusivamente especial até a DER. Em consequência, condeno o INSS a conceder ao impetrante o benefício de aposentadoria especial, a contar de 03.02.2015, data do requerimento administrativo, com renda mensal inicial de 100% do salário-de-benefício, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91, sendo este último calculado pela média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, nos termos do art. 29, inc. II, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.876/99. Sem condenação em honorários advocatícios.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos do impetrante JOSÉ NUNES, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja implantado o benefício de APOSENTADORIA ESPECIAL, com data de início - DIB em 03.02.2015, e renda mensal inicial - RMI a ser calculada pelo INSS, tendo em vista o caput do artigo 497 do CPC de 2015.
É como voto.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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