D.E. Publicado em 30/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, restringir, de ofício, a sentença aos limites do pedido, não conhecer de parte das apelações do INSS e da parte autora e, na parte conhecida, dar parcial provimento às apelações e não conhecer da remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0002893-92.2015.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em 22/4/15 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição a partir da data do requerimento administrativo (30/4/10 - fls. 156/157), mediante o reconhecimento do caráter especial das atividades desenvolvidas nos períodos de 1º/11/75 a 15/1/76, 20/6/77 a 4/8/77 e 1º/6/80 a 29/4/96 e o cômputo, para fins de carência e tempo de serviço, dos períodos de 28/4/06 a 19/2/07, 1º/4/07 a 10/6/07, 9/8/07 a 30/9/07, 4/5/09 a 30/9/09 e 6/10/09 a 6/11/09, nos quais o demandante esteve em gozo de auxílio doença previdenciário.
Foram deferidos à parte autora (fls. 162) os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, para reconhecer como especiais os períodos de 1º/11/75 a 15/1/76 e 20/6/77 a 4/8/77 e como comuns os períodos referentes aos recolhimentos efetuados de 1º/4/02 a 30/4/03, 1º/2/05 a 30/4/06, 1º/12/05 a 31/12/05, 1º/8/06 a 31/8/06, 1º/3/07 a 31/3/07, 1º/10/07 a 31/1/08, 1º/12/07 a 31/12/07, 1º/3/08 a 31/3/08, 1º/4/08 a 30/4/09, 1º/11/08 a 30/11/08, 1º/7/09 a 31/7/09, 1º/11/09 a 30/4/10 e os períodos de auxílio doença de 28/4/06 a 19/2/07, 1º/4/07 a 10/6/07, 9/8/07 a 30/9/07, 4/5/09 a 30/9/09 e 6/10/09 a 6/11/09. Condenou o INSS ao pagamento da aposentadoria por tempo de contribuição a partir da data do requerimento administrativo (30/4/10 - fls. 156). "Os juros moratórios são fixados à razão de 1% ao mês a partir da citação, nos termos do art. 406 do CC e do art. 161, § 1º, do CTN. A correção monetária incide sobre as diferenças apuradas desde o momento em que se tornaram devidas, na forma do atual Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal" (fls. 181/182). Os honorários advocatícios foram arbitrados em 15% sobre o valor total da condenação. "O INSS encontra-se legalmente isento do pagamento de custas" (fls. 182). Por fim, concedeu a tutela específica, nos termos do art. 461, do CPC/73.
O demandante e a autarquia opuseram embargos de declaração (fls. 193/194 e 198 e verso), os quais não foram acolhidos (fls. 200).
A fls. 204/205, o requerente opôs novamente embargos de declaração, sendo que os mesmos foram improvidos (fls. 207).
Inconformado, apelou o autor, alegando em breve síntese:
- o direito ao enquadramento, como especial, da atividade exercida no período de 1º/6/80 a 29/4/96, tendo em vista a "exposição a agentes químicos nocivos, dentre eles, thiner, benzina, tinta spray, dentre outros, tipificados nos códigos 1.2.11 do Decreto nº. 53.831/64 e 1.2.10 do Decreto nº. 83.080/79" (fls. 217);
- o direito à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data do requerimento administrativo (30/4/10), "incidindo correção monetária desde o momento em que tornaram-se devidas e juros de 1% ao mês, a contar da citação" (fls. 231) e
- a fixação dos "honorários advocatícios na proporção de 15% do valor da condenação" (fls. 231).
A autarquia também recorreu, aduzindo:
a) Preliminarmente:
- a necessidade de sujeição da sentença ao duplo grau obrigatório.
a) No mérito:
- a improcedência do pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, tendo em vista o não cumprimento dos requisitos necessários para aposentação;
- a impossibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades exercidas no período de 1º/11/75 a 15/1/76, na qualidade de "frentista", uma vez que "o trabalhador não fica exposto aos agentes nocivos químicos de forma permanente, além de que os possíveis e baixos níveis de gases se diluem, face às condições do próprio ambiente de trabalho (aberto e arejado)" (fls. 237), bem como que "revela-se inadmissível entender pela incidência do código 1.2.11 em todo caso de segurado que tenha exercido a função de frentista até 28.04.95, primeiramente porque o referido código trata de reconhecimento do direito à aposentadoria especial face a exposição aos agentes nocivos, e não por categoria profissional" (fls. 238) e
- a impossibilidade de enquadramento do período laborado como "vigilante", de 20/6/77 a 4/8/77, tendo em visa que "somente deverá ser considerada como atividade especial, para fins previdenciário, se o segurado portar arma de fogo, tendo em vista ser este o fator de enquadramento a caracterizar a periculosidade" (fls. 240).
- Caso não sejam acolhidas as alegações acima mencionadas, requer a incidência da correção monetária e dos juros de mora, nos termos da Lei nº 11.960/09, bem como a redução dos honorários advocatícios para, no máximo, 5%, nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
Com contrarrazões da parte autora, e submetida a sentença ao duplo grau de jurisdição, subiram os autos a esta E. Corte.
O demandante apresentou petição informando que a autarquia "não cumpriu o disposto na tutela específica concedida na sentença" (fls. 260), motivo pelo qual determinei a intimação do INSS a fim de que se manifestasse acerca do eventual cumprimento do decisum (fls. 261).
A autarquia informou que "a sentença expressamente reconheceu apenas 30 anos, 1 mês e 16 dias. Assim, houve claro erro material no cálculo efetuado..." (fls. 263).
A fls. 264, decidi: "Fls. 263: Dê-se ciência à parte autora. O pedido de imediata implementação do benefício será apreciado por ocasião do julgamento da apelação".
A fls. 269/270, o requerente apresentou petição pleiteando "a reconsideração do despacho de fls. 264, com a consequente intimação do gerente executivo do INSS para que implante o benefício, nos termos da sentença que antecipou os efeitos da tutela" (fls. 269).
É o breve relatório.
Inclua-se o presente feito em pauta de julgamento (art. 931 do CPC).
Newton De Lucca
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0002893-92.2015.4.03.6183/SP
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente, da leitura da exordial, verifica-se que o pedido restringe-se à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do caráter especial das atividades desenvolvidas nos períodos declinados na exordial e o cômputo, para fins de carência e tempo de serviço, dos períodos de 28/4/06 a 19/2/07, 1º/4/07 a 10/6/07, 9/8/07 a 30/9/07, 4/5/09 a 30/9/09 e 6/10/09 a 6/11/09, nos quais o demandante esteve em gozo de auxílio doença previdenciário. O MM. Juiz a quo julgou parcialmente procedente o pedido, para reconhecer como especiais os períodos de 1º/11/75 a 15/1/76 e 20/6/77 a 4/8/77, e como comuns os períodos referentes aos recolhimentos efetuados de 1º/4/02 a 30/4/03, 1º/2/05 a 30/4/06, 1º/12/05 a 31/12/05, 1º/8/06 a 31/8/06, 1º/3/07 a 31/3/07, 1º/10/07 a 31/1/08, 1º/12/07 a 31/12/07, 1º/3/08 a 31/3/08, 1º/4/08 a 30/4/09, 1º/11/08 a 30/11/08, 1º/7/09 a 31/7/09, 1º/11/09 a 30/4/10 e os períodos de auxílio doença de 28/4/06 a 19/2/07, 1º/4/07 a 10/6/07, 9/8/07 a 30/9/07, 4/5/09 a 30/9/09 e 6/10/09 a 6/11/09.
Conforme dispõe o artigo 141 do Código de Processo Civil/2015, o juiz decidirá a lide nos limites propostos pelas partes. Igualmente, o artigo 492 do mesmo diploma legal trata da correlação entre o pedido e a sentença.
Assim sendo, caracterizada a hipótese de julgado ultra petita, a teor do disposto nos artigos 141, 282 e 492 do CPC/2015, declaro a nulidade da sentença em relação ao reconhecimento dos períodos comuns não pleiteados na exordial.
Passo à análise das apelações.
No que tange às apelações, devo ressaltar, inicialmente, que as mesmas serão parcialmente conhecidas, dada a falta de interesse da autarquia em recorrer relativamente à sujeição da sentença ao duplo grau obrigatório e da parte autora em apelar no tocante à fixação dos juros de mora a partir da citação e da verba honorária em 15% sobre o valor da condenação, uma vez que a R. sentença foi proferida nos exatos termos de seus inconformismos. Como ensina o Eminente Professor Nelson Nery Júnior ao tratar do tema, "O recorrente deve, portanto, pretender alcançar algum proveito do ponto de vista prático, com a interposição do recurso, sem o que não terá ele interesse em recorrer" (in Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, 4.ª edição, Revista dos Tribunais, p. 262).
Passo ao exame dos recursos, relativamente à parte conhecida.
No que se refere ao reconhecimento da atividade especial, a jurisprudência é pacífica no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do princípio tempus regit actum (Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.310.034-PR).
Quanto aos meios de comprovação do exercício da atividade em condições especiais, até 28/4/95, bastava a constatação de que o segurado exercia uma das atividades constantes dos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. O rol dos referidos anexos é considerado meramente exemplificativo (Súmula nº 198 do extinto TFR).
Com a edição da Lei nº 9.032/95, a partir de 29/4/95 passou-se a exigir por meio de formulário específico a comprovação da efetiva exposição ao agente nocivo perante o Instituto Nacional do Seguro Social.
A Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, ao incluir o § 1º ao art. 58 da Lei nº 8.213/91, dispôs sobre a necessidade da comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes nocivos à saúde do segurado por meio de laudo técnico, motivo pelo qual considerava necessária a apresentação de tal documento a partir de 11/10/96.
No entanto, a fim de não dificultar ainda mais o oferecimento da prestação jurisdicional, passei a adotar o posicionamento no sentido de exigir a apresentação de laudo técnico somente a partir 6/3/97, data da publicação do Decreto nº 2.172, de 5/3/97, que aprovou o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social. Nesse sentido, quadra mencionar os precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça: Incidente de Uniformização de Jurisprudência, Petição nº 9.194/PR, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, j. em 28/5/14, v.u., DJe 2/6/14; AgRg no AREsp. nº 228.590, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. em 18/3/14, v.u., DJe 1º/4/14; bem como o acórdão proferido pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal nº 0024288-60.2004.4.03.6302, Relator para Acórdão Juiz Federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, j. 14/2/14, DOU 14/2/14.
Por fim, observo que o art. 58 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, em seu § 4º, instituiu o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), sendo que, com a edição do Decreto nº 4.032/01, o qual alterou a redação dos §§ 2º e 6º e inseriu o § 8º ao art. 68 do Decreto nº 3048/99, passou-se a admitir o referido PPP para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos. Ademais, verifico que, com o advento do Decreto nº 8.123/13, o referido artigo assim dispôs:
Devo salientar também que o laudo (ou PPP) não contemporâneo ao exercício das atividades não impede a comprovação de sua natureza especial, desde que não tenha havido alteração expressiva no ambiente de trabalho.
Ademais, se em data posterior ao trabalho realizado foi constatada a presença de agentes nocivos, é de bom senso imaginar que a sujeição dos trabalhadores à insalubridade não era menor à época do labor, haja vista os avanços tecnológicos e a evolução da segurança do trabalho que certamente sobrevieram com o passar do tempo.
Quadra ressaltar, por oportuno, que o PPP é o formulário padronizado, redigido e fornecido pela própria autarquia, sendo que no referido documento não consta campo específico indagando sobre a habitualidade e permanência da exposição do trabalhador ao agente nocivo, diferentemente do que ocorria nos anteriores formulários SB-40, DIRBEN 8030 ou DSS 8030, nos quais tal questionamento encontrava-se de forma expressa e com campo próprio para aposição da informação. Dessa forma, não me parece razoável que a deficiência contida no PPP possa prejudicar o segurado e deixar de reconhecer a especialidade da atividade à míngua de informação expressa com relação à habitualidade e permanência.
Vale ressaltar que o uso de equipamentos de proteção individual - EPI não é suficiente para descaracterizar a especialidade da atividade, a não ser que comprovada a real efetividade do aparelho na neutralização do agente nocivo, sendo que, em se tratando, especificamente, do agente ruído, não há, no momento, equipamento capaz de neutralizar a nocividade gerada pelo referido agente agressivo. Nesse sentido, quadra mencionar o julgamento realizado, em sessão de 4/12/14, pelo Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, na Repercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do E. Ministro Luiz Fux, no qual foram fixadas duas teses, in verbis:
Observo, ainda, que a informação registrada pelo empregador no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a eficácia do EPI não tem o condão de descaracterizar a sujeição do segurado aos agentes nocivos. Conforme tratado na decisão proferida pelo C. STF na Repercussão Geral acima mencionada, a legislação previdenciária criou, com relação à aposentadoria especial, uma sistemática na qual é colocado a cargo do empregador o dever de elaborar laudo técnico voltado a determinar os fatores de risco existentes no ambiente de trabalho, ficando o Ministério da Previdência Social responsável por fiscalizar a regularidade do referido laudo. Ao mesmo tempo, autoriza-se que o empregador obtenha benefício tributário caso apresente simples declaração no sentido de que existiu o fornecimento de EPI eficaz ao empregado.
Notório que o sistema criado pela legislação é falho e incapaz de promover a real comprovação de que o empregado esteve, de fato, absolutamente protegido contra o fator de risco. A respeito, é precisa a observação do E. Ministro Luís Roberto Barroso, ao sustentar que "considerar que a declaração, por parte do empregador, acerca do fornecimento de EPI eficaz consiste em condição suficiente para afastar a aposentadoria especial, e, como será desenvolvido adiante, para obter relevante isenção tributária, cria incentivos econômicos contrários ao cumprimento dessas normas" (Normas Regulamentadoras relacionadas à Segurança do Trabalho).
Exata, ainda, a manifestação do E. Ministro Marco Aurélio, ao invocar o princípio da primazia da realidade, segundo o qual uma verdade formal não pode se sobrepor aos fatos que realmente ocorrem - sobretudo em hipótese na qual a declaração formal é prestada com objetivos econômicos.
Logo, se a legislação previdenciária cria situação que resulta, na prática, na inexistência de dados confiáveis sobre a eficácia ou não do EPI, não se pode impor ao segurado - que não concorre para a elaboração do laudo, nem para sua fiscalização - o dever de fazer prova da ineficácia do equipamento de proteção que lhe foi fornecido. Caberá, portanto, ao INSS o ônus de provar que o trabalhador foi totalmente protegido contra a situação de risco, pois não se pode impor ao empregado - que labora em condições nocivas à sua saúde - a obrigação de suportar individualmente os riscos inerentes à atividade produtiva perigosa, cujos benefícios são compartilhados por toda a sociedade.
Ressalto, adicionalmente, que a Corte Suprema, ao apreciar a Repercussão Geral acima mencionada, afastou a alegação, suscitada pelo INSS, de ausência de prévia fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial. O E. Relator, em seu voto, deixou bem explicitada a regra que se deve adotar ao afirmar: "Destarte, não há ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, pois existe a previsão na própria sistemática da aposentadoria especial da figura do incentivo (art. 22, II e § 3º, Lei n.º 8.212/91), que, por si só, não consubstancia a concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º, CRFB/88). Corroborando o supra esposado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera que o art. 195, § 5º, da CRFB/88, contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela própria constituição".
Com relação à conversão de tempo especial em comum, parece de todo conveniente traçar um breve relato de sua evolução histórica na ordenação jurídica brasileira.
Inicialmente, observo que a aposentadoria especial foi instituída pelo art. 31 da Lei nº 3.807, de 26/8/60 (Lei Orgânica da Previdência Social).
A Lei nº 6.887/80 acrescentou o § 4º ao art. 9º, da Lei nº 5.890/73, dispondo: "O tempo de serviço exercido alternadamente em atividades comuns e em atividades que, na vigência desta Lei, sejam ou venham a ser consideradas penosas, insalubres ou perigosas, será somado, após a respectiva conversão segundo critérios de equivalência a serem fixados pelo Ministério da Previdência Social, para efeito de aposentadoria de qualquer espécie."
Após diversas alterações legislativas, a Lei nº 8.213/91 dispôs sobre a aposentadoria especial em seus artigos 57 e 58.
A possibilidade de conversão do tempo especial em comum havia sido revogada pela edição do art. 28, da Medida Provisória nº 1.663 de 28/5/98. No entanto, o referido dispositivo legal foi suprimido quando da conversão na Lei nº 9.711/98, razão pela qual, forçoso reconhecer que permanece em vigor a possibilidade dessa conversão. Ademais, a questão ficou pacificada com a edição do Decreto nº 4.827, de 3/9/03, que incluiu o § 2º ao art. 70 do Decreto nº 3.048/99, estabelecendo que "As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período." Nesse sentido, cabe ressaltar que o C. Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento no sentido de ser possível a conversão de tempo especial em comum no período anterior a 1º/1/81, bem como posterior à edição do art. 28, da Medida Provisória nº 1.663 de 28/5/98.
A questão relativa ao fator de conversão foi objeto de julgamento pelo C. Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.151.363/MG (2009/0145685-8). O E. Relator Ministro Jorge Mussi, em seu voto, bem explicitou a regra que se deve adotar ao asseverar: "Importa notar que a legislação em vigor na ocasião da prestação do serviço regula a caracterização e a comprovação da atividade sob condições especiais, conforme dispõe o § 1º supra. Ou seja, observa-se o regramento da época do trabalho para a prova da exposição aos agentes agressivos à saúde: se pelo mero enquadramento da atividade nos anexos dos Regulamentos da Previdência, se mediante as anotações de formulários do INSS ou, ainda, pela existência de laudo assinado por médico do trabalho. Diversamente, no tocante aos efeitos da prestação laboral vinculada ao Sistema Previdenciário, a obtenção de benefício fica submetida às regras da legislação em vigor na data do requerimento. Por essa razão, o § 2º deixa expresso que as regras de conversão do art. 70 aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Isso é possível porque a adoção deste ou daquele fator de conversão depende, tão somente, do tempo de contribuição total exigido em lei para a aposentadoria integral, ou seja, deve corresponder ao valor tomado como parâmetro, numa relação de proporcionalidade, o que corresponde a um mero cálculo matemático. Explica-se: O fator de conversão é o resultado da divisão do numero máximo de tempo comum (35 para homem e 30 para mulher) pelo número máximo de tempo especial (15, 20 e 25). Ou seja, o fator a ser aplicado ao tempo especial laborado pelo homem para convertê-lo em comum será 1,40, pois 35/25=1,40. Se o tempo for trabalhado por uma mulher, o fator será de 1,20, pois 30/25=1,20. Se o tempo especial for de 15 ou 20 anos, a regra será a mesma. Trata-se de regra matemática pura e simples e não de regra previdenciária. Observando-se os Decretos ns. 53.831/1964 e 83.080/1979, os quais traziam a lista de agentes nocivos e atividades insalubres, extrai-se a informação de que, em ambos os decretos, o tempo máximo de exposição aos agentes a que esteve exposto o recorrido (ruído e frio) era de 25 anos. Todavia, o tempo de serviço comum, para efeito de aposentadoria, constante daqueles decretos, era de, no máximo, 30 anos; portanto, o fator de conversão utilizado nessa hipótese era de 1,2. Destarte, o índice de 1,2 para conversão de tempo especial em aposentadoria comum com 30 anos de contribuição e o índice de 1,4 em relação à aposentadoria com 35 anos têm a mesma função. Converter para comum o tempo de serviço especial relativo à atividade com limite de 25 anos utilizando o fator de 1,2 seria prejudicial ao segurado (homem), porquanto a norma de regência exige, como tempo de contribuição, os 35 anos, como é de notório conhecimento.(...) Nesse contexto, com a alteração dada pelo Decreto n. 4.827/2003 ao Decreto n. 3.048/99, a Previdência Social, na via administrativa, passou a converter os períodos de tempo especial desenvolvidos em qualquer época pelas novas regras da tabela definida no artigo 70, que, para o tempo de serviço especial correspondente a 25 anos utiliza como fator de conversão, para homens, o multiplicador 1, 40. É o que se denota do artigo 173 da Instrução Normativa n. 20/2007". (grifos meus)
Quanto à aposentadoria por tempo de contribuição, para os segurados que cumpriram os requisitos anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 20/98, devem ser observadas as disposições dos artigos 52 e 53, da Lei nº 8.213/91, em atenção ao princípio tempus regit actum:
Havendo a necessidade de utilização do período posterior à referida Emenda, deverão ser observadas as alterações realizadas pela referida Emenda aos artigos 201 e 202 da Constituição Federal de 1988, que extinguiu a aposentadoria proporcional por tempo de serviço no âmbito do regime geral de previdência social.
Transcrevo o §7º do art. 201 da Carta Magna com a nova redação:
Por sua vez, o art. 9º de referida Emenda criou uma regra de transição, ao estabelecer:
Contudo, no que tange à aposentadoria integral, cumpre ressaltar que, na redação do Projeto de Emenda à Constituição, o inciso I do §7º do art. 201, da Constituição Federal, associava tempo mínimo de contribuição (35 anos, para homem e 30 anos, para mulher) à idade mínima de 60 anos e 55 anos, respectivamente. Não sendo aprovada a exigência da idade mínima quando da promulgação da Emenda nº 20, a regra de transição para a aposentadoria integral restou inócua, uma vez que, no texto permanente (art. 201, §7º, inc. I), a aposentadoria integral será concedida levando-se em conta somente o tempo de contribuição.
Quadra mencionar que, havendo o cômputo do tempo de serviço posterior a 28/11/99, devem ser observados os dispositivos constantes da Lei nº 9.876/99 no que se refere ao cálculo do valor do benefício, consoante o julgamento realizado, em 10/9/08, pelo Tribunal Pleno do C. Supremo Tribunal Federal, na Repercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário nº 575.089, de Relatoria do Exmo. Ministro Ricardo Lewandowski.
Passo à análise do caso concreto.
Inicialmente, deixo de analisar os períodos nos quais o demandante recebeu auxílio doença (28/4/06 a 19/2/07, 1º/4/07 a 10/6/07, 9/8/07 a 30/9/07, 4/5/09 a 30/9/09 e 6/10/09 a 6/11/09) e que foram reconhecidos como comuns pelo MM. Juiz de primeiro grau, à míngua de recurso da autarquia nesse sentido.
Passo, então, ao exame dos períodos pleiteados como especiais.
Ressalto, por oportuno, que a não comprovação do desempenho das atividades munido de arma de fogo não impede o reconhecimento do tempo especial, uma vez que o Decreto nº 53.831/64, código 2.5.7, não impõe tal exigência para aqueles que tenham a ocupação de "Guarda", a qual, como exposto, é a mesma exercida pelos vigias e vigilantes.
Versando sobre a matéria em análise, transcrevo o seguinte julgado:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CÔMPUTO DE TEMPO DE LABOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. COMPROVAÇÃO. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO. LEI Nº 9.711/98. DECRETO Nº 3.048/99. PREVIDENCIÁRIO. VIGIA. DESNECESSIDADE DO PORTE DE ARMA DE FOGO . CONCESSÃO. JUROS. HONORÁRIOS. |
1. O tempo de labor na atividade rural exercido em regime de economia familiar, em período anterior à Lei 8.213/91, pode ser adicionado ao tempo de serviço urbano para fins de aposentadoria por tempo de serviço, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, salvo na hipótese da contagem recíproca noutro regime previdenciário, a teor do disposto nos artigos 55, parágrafos 1º e 2º, 94 e 96, inciso IV, todos da Lei nº 8.213/91, e 201, parágrafo 9º, da Constituição Federal de 1988. |
2. Comprovado o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, a contar dos 12 anos de idade no caso. |
3. A Lei nº 9.711, de 20-11-1998, e o Regulamento Geral da Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 06-05-1999, resguardam o direito adquirido de os segurados terem convertido o tempo de serviço especial em comum, até 28-05-1998, observada, para fins de enquadramento, a legislação vigente à época da prestação do serviço. |
4. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então e até 28-05-1998, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. |
5. A atividade de vigia é considerada especial, por analogia à função de Guarda, prevista no Código 2.5.7 do Decreto 53.832/64, tida como perigosa. A caracterização de tal periculosidade, no entanto, independe do fato de o segurado portar, ou não, arma de fogo no exercício de sua jornada laboral, porquanto tal requisito objetivo não está presente na legislação de regência. |
6. Apelo provido, remessa oficial provida em parte." |
(TRF-4ª Região, AC nº 2001.71.14.000012-1/RS, Rel. Des. Fed. Luís Alberto d'Azevedo Aurvalle, Turma Suplementar, j. 27/6/07, v.u., DJU de 16/7/07, grifos meus) |
Dessa forma, convertendo-se os períodos especiais em comuns (1º/11/75 a 15/1/76, 20/6/77 a 4/8/77 e 1º/6/80 a 29/4/96) e somando-os aos períodos em gozo de auxílio doença e demais constantes do "RESUMO DE DOCUMENTOS PARA CÁLCULO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO" (fls. 141/152), perfaz o requerente o total de:
Assim, não cumpriu a parte autora os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria por tempo de serviço prevista na legislação anterior ao advento da Emenda Constitucional nº 20/98 e nem nas regras de transição ("pedágio").
No entanto, cumpriu os requisitos da aposentadoria por tempo de contribuição com base no texto permanente (art. 201, §7º, inc. I, da CF/88).
Tratando-se de segurado inscrito na Previdência Social em momento anterior à Lei nº 8.213/91, o período de carência é o previsto na tabela do art. 142 de referido diploma, o qual, no presente caso, foi em muito superado.
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros --- não obstante o meu posicionamento de que a referida matéria deveria ser discutida na fase da execução do julgado, tendo em vista a existência da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 a ser apreciada pelo C. Supremo Tribunal Federal ---, passei a adotar o entendimento da 8ª Turma desta Corte, a fim de que seja observado o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal que estiver em vigor no momento da execução do julgado.
Com relação aos honorários advocatícios, nos exatos termos do art. 20 do CPC/73:
Assim raciocinando, a verba honorária fixada, no presente caso, à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente o serviço profissional prestado.
No que se refere à sua base de cálculo, devem ser levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
Considerando que o recurso foi interposto, ainda, sob a égide do CPC/73, entendo não ser possível a aplicação do art. 85 do novo Estatuto Processual Civil, pois o recorrente não pode ser surpreendido com a imposição de condenação não prevista no momento em que optou por recorrer, sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica, consoante autorizada doutrina a respeito da matéria.
Na hipótese de a parte autora estar recebendo aposentadoria, auxílio-doença ou abono de permanência em serviço, deve ser facultado ao demandante a percepção do benefício mais vantajoso, sendo vedado o recebimento conjunto, nos termos do art. 124 da Lei nº 8.213/91.
Tendo em vista as petições do demandante, oficie-se ao INSS determinando a implementação da aposentadoria por tempo de contribuição, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa a ser oportunamente fixada na hipótese de inadimplemento.
Por fim, o § 3º do art. 496 do CPC, de 2015, dispõe não ser aplicável a remessa necessária "quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I) 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público".
No tocante à aplicação imediata do referido dispositivo, peço vênia para transcrever os ensinamentos do Professor Humberto Theodoro Júnior, na obra "Curso de Direito Processual Civil", Vol. III, 47ª ed., Editora Forense, in verbis:
Observo que o valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo qual a R. sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.
Ante o exposto, de ofício, restrinjo a R. sentença aos limites do pedido na forma acima indicada, não conheço de parte das apelações do INSS e da parte autora e, na parte conhecida, dou parcial provimento à apelação da autarquia para determinar que os índices de atualização monetária e a taxa de juros sejam fixados nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal que estiver em vigor no momento da execução do julgado, bem como reduzir a verba honorária na forma acima mencionada e dou parcial provimento à apelação da parte autora para reconhecer o caráter especial das atividades exercidas no período de 1º/6/80 a 29/4/98 e não conheço da remessa oficial. Oficie-se ao INSS determinando a implementação da aposentadoria por tempo de contribuição, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa a ser oportunamente fixada na hipótese de inadimplemento.
É o meu voto.
Newton De Lucca
Desembargador Federal Relator
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