D.E. Publicado em 22/08/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento ao recurso adesivo da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 09/08/2016 14:39:39 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0035074-91.2008.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial, apelação do INSS e recurso adesivo da parte autora interpostos em face da sentença proferida nos autos da ação em que o reconhecimento do tempo especial relativo ao trabalho urbano (02/01/88 a 14/04/93 e 01/12/93 a 28/04/95) e da atividade rural sem registro em carteira (01/10/63 a 31/12/87), bem como dos períodos registrados em CTPS, a declaração do tempo total de contribuição e, por fim, a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, desde a data do requerimento administrativo.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para reconhecer o período rural por "18 (dezoito) anos", ressalvando a exclusão do período em que a parte autora tinha idade inferior a 14 anos, e o tempo especial do ano de "1988 a 1995", bem como direito à concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, desde a data da citação, calculando-se o salário-de-benefício com base nas 36 (trinta e seis) contribuições. As parcelas vencidas serão corrigidas monetariamente desde a constituição do débito, acrescidas de juros de mora legais. Condenação do INSS ao pagamento de eventuais custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados estes em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula STJ n° 111.
Apela o INSS, sustentando, em síntese, que: não restou comprovado o labor rural no período pleiteado, de vez que os documentos que visam à sua comprovação não são contemporâneos aos fatos e a prova testemunhal foi conflitante e não pode ser valorada isoladamente; não houve comprovação do exercício do trabalho em condições especiais. Alega, ainda, que "os honorários advocatícios devem ser fixados na proporção de 10% do valor da causa, e considerando apenas as parcelas vencidas da citação até o momento da prolação da sentença". Requer a reforma da r. sentença para que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. Subsidiariamente, postula a modificação dos honorários advocatícios.
Em recurso adesivo, a parte autora impugna o termo inicial do benefício e a idade mínima de 14 anos para o trabalho rural, fixados em sentença. Requer a reforma da r. sentença para que o termo inicial do benefício seja fixado na data do requerimento administrativo e que o início da atividade rural se dê aos 12 anos, na data de 24/06/64.
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Remessa Oficial
Considerando que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, passo ao exame da admissibilidade da remessa oficial prevista no seu artigo 475.
Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (08/03/06 - fls. 150/v e 218), seu valor aproximado (NB n° 137.071.953-9 concedido administrativamente - DIB: 13/11/07 - RMI - R$ 459,08 - Competência 12/08) e a data da sentença (31/10/06 - fls. 93), que o valor total da condenação não alcançará a importância de 60 (sessenta) salários mínimos estabelecida no § 2º.
Assim, é nítida a inadmissibilidade do reexame necessário.
Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição - requisitos
A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente denominada aposentadoria por tempo de contribuição, admitia a forma proporcional e a integral antes do advento da Emenda Constitucional 20/98, fazendo jus à sua percepção aqueles que comprovem tempo de serviço (25 anos para a mulher e 30 anos para o homem na forma proporcional, 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem na forma integral) desenvolvido totalmente sob a égide do ordenamento anterior, respeitando-se, assim, o direito adquirido.
Aqueles segurados que já estavam no sistema e não preencheram o requisito temporal à época da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, fazem jus à aposentadoria por tempo de serviço proporcional desde que atendam às regras de transição expressas em seu art. 9º, caso em que se conjugam o requisito etário (48 anos de idade para a mulher e 53 anos de idade para o homem) e o requisito contributivo (pedágio de 40% de contribuições faltantes para completar 25 anos, no caso da mulher e para completar 30 anos, no caso do homem).
Atualmente, são requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições (30 anos para a mulher e 35 anos para o homem), ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à referida Emenda equivale a tempo de contribuição, a teor do art. 4º da Emenda Constitucional 20/98.
Aposentadoria Especial
A aposentadoria por tempo de serviço especial teve assento primeiro no artigo 31 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, que estabeleceu que seria concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
Essa norma foi expressamente revogada pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, que passou a discipliná-la no artigo 9º, alterando, em efeitos práticos, apenas o período de carência de 15 (quinze) anos para 5 (cinco) anos de contribuição, mantendo no mais a redação original.
Sobreveio, então, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, reclassificando as atividades profissionais segundo os agentes nocivos e os grupos profissionais tidos por perigosos, insalubres ou penosos, com os respectivos tempos mínimos de trabalho.
Importante ressaltar que os Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79 tiveram vigências simultâneas, de modo que, conforme reiteradamente decidido pelo C. STJ, havendo colisão entre as mencionadas normas, prevalece a mais favorável ao segurado. (REsp nº 412351, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/10/2003, DJ 17/11/2003, pág. 355).
As atividades insalubres previstas nas aludidas normas são meramente exemplificativas, podendo outras funções ser assim reconhecidas, desde que haja similitude em relação àquelas legalmente estatuídas ou, ainda, mediante laudo técnico-pericial demonstrativo da nocividade da ocupação exercida. Nesse sentido, o verbete 198 da Súmula do TFR.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a matéria passou a ser prevista no inciso II do artigo 202 e disciplinada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação original previa que o benefício de aposentadoria especial seria devido ao segurado que, após cumprir a carência exigida, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, restando assegurada, ainda, a conversão do período trabalhado no exercício de atividades danosas em tempo de contribuição comum (§3º).
Em seguida, foi editada a Lei nº 9.032/95, alterando o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, dispondo que a partir desse momento não basta mais o mero enquadramento da atividade exercida pelo segurado na categoria profissional considerada especial, passando a ser exigida a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, que poderá se dar por meio da apresentação de informativos e formulários, tais como o SB-40 ou o DSS-8030.
Posteriormente, com a edição do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, que estabeleceu requisitos mais rigorosos para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, passou-se a exigir-se a apresentação de laudo técnico para a caracterização da condição especial da atividade exercida. Todavia, por se tratar de matéria reservada à lei, tal exigência apenas tem eficácia a partir da edição da Lei n.º 9.528, de 10/12/1997.
Cumpre observar que a Lei nº 9528/97 também passou a aceitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que busca retratar as características de cada emprego do segurado, de forma a facilitar a futura concessão de aposentadoria especial. Assim, identificado no documento o perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, é possível a sua utilização para comprovação da atividade especial em substituição ao laudo pericial.
Ressalto que no tocante ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e à forma da sua demonstração, deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho, conforme jurisprudência pacificada da matéria (STJ - Pet 9.194/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
A extemporaneidade do documento comprobatório das condições especiais de trabalho não prejudica o seu reconhecimento como tal, "pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual a constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica." (Des. Fed. Fausto De Sanctis, AC nº 2012.61.04.004291-4, j. 07/05/2014)
Especificamente em relação ao ruído, o Decreto nº 53.831/64 considerava insalubre o labor desempenhado com exposição permanente a ruído acima de 80 dB; já o Decreto nº 83.080/79 fixava a pressão sonora em 90 dB. Na medida em que as normas tiveram vigência simultânea, prevalece disposição mais favorável ao segurado (80 dB).
Com a edição do Decreto nº 2.172/97, a intensidade de ruído considerada para fins de reconhecimento de insalubridade foi elevada para 90 dB, mas, em 2003, essa medida foi reduzida para 85 dB, por meio do Decreto nº 4.882, de 18 de novembro de 2003.
Até 09 de outubro de 2013, os Tribunais adotavam o enunciado pela Súmula nº 32 da TNU. Contudo, esta Súmula foi cancelada em decorrência do julgamento da PET 9059 pelo Superior Tribunal de Justiça (Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJe 09/09/2013) cujo entendimento foi sufragado no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), sob a sistemática dos recursos repetitivos.
Em relação ao agente ruído, vigora o princípio do tempus regit actum. Considera-se especial a atividade desenvolvida acima do limite de 80dB até 05/03/1997, quando foi editado o Decreto nº 2.172/97, a partir de então deve-se considerar especial a atividade desenvolvida acima de 90dB até 18/11/2003, quando foi editado o Decreto nº 4882/2003. A partir de 19/11/2003 o limite passou a ser de 85 dB.
Saliente-se que a especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou perfil profissiográfico profissional (a partir de 11/12/97).
É corrente em nossos tribunais a tese de que sempre se exigiu laudo técnico para comprovar a exposição do trabalhador aos agentes físicos ruído e calor em níveis superiores aos limites máximos de tolerância. Entretanto, no tocante às atividades profissionais exercidas até 10/12/97 - quando ainda não havia a exigência legal de laudo técnico -, essa afirmação deve ser compreendida, não na literalidade, mas no sentido de ser necessário o atesto efetivo e seguro dos níveis de intensidade dos agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto durante sua jornada laboral.
Logo, para as atividades profissionais exercidas até 10/12/97, é suficiente que os documentos apresentados façam expressa menção aos níveis de intensidade dos agentes nocivos.
Uso de equipamento de proteção individual - EPI, como fator de descaracterização do tempo de serviço especial
A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE nº 664335, da relatoria do E. Ministro Luiz Fux, com reconhecimento de repercussão geral, na data de 04.12.2014, em que restou decidido que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional ao reconhecimento das atividades especiais.
Restou assentado também que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
O fato de a empresa fornecer equipamento de proteção individual - EPI para neutralização dos agentes agressivos não afasta, por si só, a contagem do tempo especial, pois cada caso deve ser examinado em suas peculiaridades, comprovando-se a real efetividade do aparelho e o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1428183/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014).
Ainda, conforme a jurisprudência citada, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em níveis acima dos limites legais, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Conversão do tempo de serviço especial em comum
Deve ser afastada qualquer tese de limitação temporal de conversão de tempo de serviço especial em comum, seja em períodos anteriores à vigência da Lei nº 6.887, de 10/12/1980, ou posteriores a Lei nº 9.711, de 20/11/1998, permanecendo, assim, a possibilidade legal de conversão, inclusive para períodos posteriores a maio de 1998, uma vez que a norma prevista no artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91 permanece em vigor, tendo em vista que a revogação pretendida pela 15ª reedição da MP 1663 não foi mantida quando da conversão na Lei nº 9.711/98. Nesse sentido decidiu a Terceira Seção do STJ no Resp 1.151.363/MG, Relator Ministro Jorge Mussi, data do julgamento: 23/03/2011.
O Decreto nº 83.080/79 foi renovado pelo Decreto nº 3.048/99 e este, por sua vez, prevê expressamente em seu art. 70 e seguintes (na redação dada pelo Decreto nº 4.827/03), que os fatores de conversão (multiplicadores) nele especificados aplicam-se na conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum ao trabalho prestado em qualquer período.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX 0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em 28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Caso concreto - elementos probatórios
A parte autora pleiteia o reconhecimento da atividade rural sem registro em carteira (01/10/63 a 31/12/87) e do tempo especial de trabalho urbano (02/01/88 a 14/04/93 e 01/12/93 a 28/04/95), com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, desde a data do requerimento administrativo.
Analisando as tabelas de contagem de tempo elaboradas pelo INSS, verifica-se que o reconhecimento administrativo dos períodos rurais de 01/01/74 a 10/08/80, 11/08/80 a 27/03/81, 01/01/85 a 31/12/85, 01/01/86 a 31/12/86, bem como do tempo especial nos períodos de 02/01/88 a 14/04/93 e 01/12/93 a 28/04/95 (fls. 61/62 e 139/140).
Assim, os interregnos ainda controversos correspondem às atividades rurais de 01/10/63 a 31/12/73, 28/03/81 a 31/12/84 e 01/01/87 a 31/12/87, e as atividades especiais relativas ao intervalo entre os dois vínculos já reconhecidos pelo INSS, de vez que o juízo a quo reconheceu o tempo especial do ano de "1988 a 1995", sem ressalvas quanto àquele intervalo: 15/04/93 a 30/11/93.
Atividade rural
A parte autora, nascida em 23/06/52, trouxe aos autos, para comprovar o exercício de atividade rural:
- Contratos de Parceria Agrícola firmados entre o pai da parte autora e terceiros, abrangendo períodos de duração de 01/10/63 a 30/09/65 (fl. 79 - Yochi Morishigue), 01/10/65 a 30/09/67 (fl. 80 - João Ottoboni), 01/09/75 a 30/09/78 (fl. 101 - Kaiashima Hiroshi), 30/09/78 a 30/09/80 (fl. 103 - Kaiashima Hiroshi);
- Comprovante de Entrega da Declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física (Exercício de 1974, Ano-Base de 1973), em que a parte autora é qualificada como agricultor (fls. 94/95);
- Certidão de Casamento, celebrado em 22/10/77, em que a parte autora é qualificada como lavrador (fl. 22);
- Certidão de Nascimento do filho da parte autora, ocorrido em 12/03/81, em que é qualificada como lavrador (fl. 118).
- Notas Fiscais de Produtor (emitidas pela parte autora) e Notas Fiscais de Entrada (emitidas por cafeeiras, cerealistas e "máquinas") nos anos de 1974, 1975 e 1977 a 1983 a 1988, relativas produção de café, amendoim e milho (fls. 92/93, 98/99 e 105/117);
- Certidões emitidas pelo Posto Fiscal de Oswaldo Cruz/SP - Secretaria de Estado de Negócios da Fazenda - Governo do Estado de São Paulo, certificando que a parte autora manteve inscrição de meeiro rural e parceiro rural, respectivamente, nos períodos de 07/05/76 a 01/02/84 e 01/10/85 a 07/03/88 (fls. 120 e 130);
- Registro em CTPS do vínculo trabalhista mantido entre a parte autora e Antonio Fabiani Gelamo em estabelecimento agrícola (Sítio Bela Vista), na função de trabalhador braçal, no período de 01/01/83 a 30/08/84 (fl. 54).
Os documentos imobiliários dizem respeito a terceiros, não possuindo nenhum vínculo com o suposto trabalho rural da parte autora.
A Declaração de Exercício de Atividade Rural emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parapuã/SP (fl. 70/72) não configura início de prova material, pois em desacordo com o disposto no artigo 106, III, da Lei nº 8.213/91, que em sua redação original exigia, para sua validade, homologação pelo Ministério Público e após a alteração legislativa em 2008 passou a exigir homologação do INSS.
A anotação em CTPS (fl. 45) constitui prova cujo conteúdo pode ser afastado por prova em contrário ou demandar complementação em caso de suspeita de adulteração, a critério do Juízo, o que não ocorreu nos autos.
Os demais documentos relacionados acima se mostram aptos a servir de início de prova material e foram corroborados pelos testemunhos trazidos aos autos.
A testemunha de fl. 214 afirmou conhecer a parte autora desde 1960 e que tiveram contato até meados de 1970, quando o depoente se mudou para a cidade. Afirmou que a parte autora trabalhava com o pai, tendo prestado serviços nas propriedades rurais de Otoboni e Crespo e atuava na lavoura de café. Já a testemunha de fl. 213 afirmou conhecer a parte autora desde 1971 e que esta trabalhou anos em diversas propriedades rurais que cita o nome, em períodos anteriores a 1983 e nos anos de 1983 e 1984 a 1987, atuando como na lavoura de café em regime de porcentagem.
Assim, os depoimentos revelam-se consistentes e idôneos, sendo aptos a corroborar o início de prova material e a estender a sua eficácia probatória.
A Constituição Federal de 1946 fixou a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos, enquanto a Constituição Federal de 1967 (entrou em vigor em 15/03/67) fixou proibição de qualquer trabalho para os menores de 12 anos, sendo que a parte autora completou 12 anos em 23/06/64 e 14 anos em 23/06/66. Assim, o termo inicial do labor rural deve ser fixado em 23/06/66.
Entretanto, o período de 03/04/81 a 31/08/82 não pode ser reconhecido como labor rural, eis que consta registro de vínculo empregatício urbano em CTPS no período de neste interregno, trabalhado na função de vigilante em empresa de vigilância e segurança.
Dessa forma, a sentença deve ser mantida, de vez que, diante dos períodos rurais controversos, restaram comprovados os seguintes, 23/06/66 a 31/12/73, 28/03/81 a 02/04/81, 01/09/82 a 31/12/84 e 01/01/87 a 31/12/87, os quais, associados aos períodos homologados administrativamente, totaliza os períodos de 23/06/66 a 02/04/81 e 01/09/82 a 31/12/87, exceto para efeito de carência.
Atividade especial
O juízo a quo reconheceu o tempo especial do ano de "1988 a 1995", todavia, não há nos autos comprovação de exercício laboral no intervalo de 15/04/93 a 30/11/93. Assim, deve ser modificada a sentença neste ponto, mantendo-se o reconhecimento administrativo e judicial nos períodos de 02/01/88 a 14/04/93 e 01/12/93 a 28/04/95 (fls. 61/62 e 139/140).
Nesse contexto, considerando o tempo de serviço rural reconhecido nos autos, bem como o tempo especial e aquele com registro em CTPS/constante no CNIS, verifica-se que, em 15/12/1998, data de promulgação da EC 20/98, a parte autora já havia preenchido o tempo de serviço necessário à concessão da aposentadoria proporcional por tempo de serviço e cumprido a carência mínima exigida, conforme disposto no art. 142 da Lei de Benefícios.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (03/02/05), uma vez que a parte autora demonstrou que já havia preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício desde então.
Com relação aos honorários de advogado, tendo em vista que a parte autora decaiu de parte mínima do pedido, estes devem ser mantidos em 10% do valor da condenação, consoante entendimento desta Turma e artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso concreto eis que o recurso foi interposto na sua vigência, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Ante a constatação de que a parte autora recebe, atualmente, o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB n° 137.071.953-9 - DIB: 13/11/07), anote-se a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado ao benefício concedido, a mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei, sendo-lhe concedido o direito de optar pelo benefício que entender mais vantajoso (art. 124, Lei nº 8.213/91).
Inviável a antecipação dos efeitos da tutela, dado que a parte autora recebe o aludido benefício previdenciário.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial, nego provimento à apelação do INSS e dou parcial provimento ao recurso adesivo da parte autora para fixar o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo.
É como voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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