D.E. Publicado em 19/12/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à remessa oficial tida por interposta e DAR PROVIMENTO ao recurso de apelação da autarquia previdenciária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001985-33.2010.4.03.6111/SP
RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS (fls. 200/204) em face da r. sentença (fls. 165/197) que julgou procedente pedido para reconhecer labor doméstico desempenhado entre 01/01/1973 e 31/10/1975, bem como exercício de atividade especial levada a efeito entre 05/07/1989 e 28/09/2005, determinando que a autarquia implante o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição à parte autora, na forma proporcional, desde a data do requerimento formulado na esfera administrativa, devendo arcar com as parcelas em atraso acrescidas de juros e de correção monetária, fixando verba honorária em 10% do valor da condenação (nos termos da Súm. 111/STJ) - os efeitos da tutela foram antecipados.
Sustenta o ente autárquico que a parte autora não teria comprovado o trabalho na qualidade de empregada doméstica, sendo, assim, indevida sua aposentação - subsidiariamente, pugna pelo reconhecimento de prescrição quinquenal, bem como pela alteração dos critérios de juros e pela redução dos honorários advocatícios.
Consta petição protocolizada pela parte autora (fls. 207/210), solicitando o cancelamento da aposentadoria deferida, de modo que esta demanda tornar-se-ia apenas de reconhecimento de trabalho (seja na qualidade de doméstica, seja sob condições especiais).
Subiram os autos sem contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
O Senhor Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:
DO REEXAME NECESSÁRIO
O Código de Processo Civil afasta a submissão da sentença proferida contra a União e suas respectivas autarquias e fundações de direito público ao reexame necessário quando a condenação imposta for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos (art. 496, I c.c. § 3º, I), cabendo considerar que a legislação processual civil tem aplicação imediata (art. 1.046).
Todavia, cumpre salientar que o C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.144.079/SP (representativo da controvérsia), apreciando a incidência das causas de exclusão da remessa oficial vindas por força da Lei nº 10.352/01 em face de sentenças proferidas anteriormente a tal diploma normativo, fixou entendimento no sentido de que a adoção do princípio tempus regit actum impõe o respeito aos atos praticados sob o pálio da lei revogada, bem como aos efeitos desses atos, impossibilitando a retroação da lei nova, razão pela qual a lei em vigor à data da sentença é a que regula os recursos cabíveis contra o ato decisório e, portanto, a sua submissão ao duplo grau obrigatório de jurisdição - nesse sentido:
Assim, tendo como base o entendimento acima exposto e prestigiando a força vinculante dos precedentes emanados como representativo da controvérsia, entendo deva ser submetido o provimento judicial guerreado ao reexame necessário (ainda que a condenação seja certamente inferior a 1.000 - mil - salários mínimos), tendo como base a legislação vigente ao tempo em que proferida a r. sentença, bem como o entendimento contido na Súmula 490, do C. Superior Tribunal de Justiça: "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a 60 salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas".
DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO
A aposentadoria por tempo de serviço foi assegurada no art. 202, da Constituição Federal, que dispunha, em sua redação original:
A regulamentação da matéria sobreveio com a edição da Lei de Benefícios, de 24 de julho de 1991, que tratou em vários artigos da aposentadoria por tempo serviço. Nesse contexto, o benefício em tela será devido, na forma proporcional, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos de serviço, se do sexo masculino (art. 52, da Lei nº 8.213/91). Comprovado o exercício de mais de 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, e 30 (trinta) anos, se mulher, concede-se a aposentadoria em tela na forma integral (art. 53, I e II, da Lei nº 8.213/91).
A Lei nº 8.213/91 estabeleceu período de carência de 180 (cento e oitenta) contribuições, revogando o § 8º do art. 32 da Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS (que fixava, para a espécie, período de carência de 60 - sessenta - meses). Destaque-se que a Lei nº 9.032/95, reconhecendo a necessidade de disciplinar a situação dos direitos adquiridos e ainda da expectativa de direito que possuíam os filiados ao regime previdenciário até 24 de julho de 1991 (quando publicada com vigência imediata a Lei nº 8.213/91), estabeleceu regra de transição aplicável à situação desses filiados, prevendo tabela progressiva de períodos de carência mínima para os que viessem a preencher os requisitos necessários às aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial, desde o ano de 1991 (quando necessárias as 60 - sessenta - contribuições fixadas pela LOPS) até o ano de 2.011 (quando se exige 180 - cento e oitenta - contribuições).
A Emenda Constitucional nº 20/1998, que instituiu a reforma da previdência, estabeleceu o requisito de tempo mínimo de contribuição de 35 (trinta e cinco) anos para o segurado e de 30 (trinta) anos para a segurada, extinguindo o direito à aposentadoria proporcional e criando o fator previdenciário (tudo a tornar mais vantajosa a aposentação tardia). Importante ser dito que, para os filiados ao regime até sua publicação e vigência (em 15 de dezembro de 1998), foi assegurada regra de transição, de forma a permitir a aposentadoria proporcional - para tanto, previu-se o requisito de idade mínima de 53 (cinquenta e três) anos para os homens e de 48 (quarenta e oito) anos para as mulheres e um acréscimo de 40% (quarenta por cento) do tempo que faltaria para atingir os 30 (trinta) ou 35 (trinta e cinco) anos necessários nos termos da nova legislação.
Tal Emenda, em seu art. 9º, também previu regra de transição para a aposentadoria integral, estabelecendo idade mínima nos termos acima tratados e percentual de 20% (vinte por cento) do tempo faltante para a aposentação. Contudo, tal regra, opcional, teve seu sentido esvaziado pelo próprio Constituinte derivado, que a formulou de maneira mais gravosa que a regra permanente das aposentadorias integrais (que não exige idade mínima nem tempo adicional).
DO TEMPO EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS
O tempo de serviço prestado sob condições especiais poderá ser convertido em tempo de atividade comum independente da época trabalhada (art. 70, § 2º, do Decreto nº 3.048/99). Desta forma, não prevalece mais qualquer tese de limitação temporal de conversão, seja em períodos anteriores à vigência da Lei nº 6.887/80, seja em períodos posteriores à Lei nº 9.711/98, sendo certo que o art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91, foi elevado à posição de Lei Complementar pelo art. 15, da Emenda Constitucional nº 20/98, de modo que somente por Lei Complementar poderá ser alterado.
Importante ser consignado que, na conversão do tempo especial em comum, aplica-se a legislação vigente à época da prestação laboral; na ausência desta e na potencial agressão à saúde do trabalhador, deve ser dado o mesmo tratamento para aquele que hoje tem direito à concessão da aposentadoria (STF, RE 392.559/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 07.02.06).
Cumpre salientar que a conversão do tempo de trabalho em atividades especiais era concedida com base na categoria profissional classificada de acordo com os anexos dos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79, sendo que, a partir da Lei nº 9.032/95, faz-se necessário comprovar o exercício da atividade prejudicial à saúde por meios de formulários ou de laudos. É pacífico o entendimento jurisprudencial de que o rol de atividades consideradas insalubres, perigosas ou penosas é meramente exemplificativo (portanto, não exaustivo), motivo pelo qual a ausência do enquadramento da atividade tida por especial não é óbice à concessão de aposentadoria especial, consoante o entendimento da Súmula 198, do extinto TFR: "Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento".
Portanto, o reconhecimento de outras atividades insalubres, penosas e perigosas é admissível, caso exercidas sob ditas condições especiais; porém, tais especialidades não se presumem (como ocorre com aquelas categorias arroladas na legislação pertinente).
A partir de 10 de dezembro de 1997, com a edição da Lei nº 9.528, passou-se a ser necessária a apresentação de laudo técnico para a comprovação de atividade insalubre, documento este que deve demonstrar efetiva exposição do segurado ao agente nocivo, mediante formulário estabelecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com base em laudo técnico do ambiente de trabalho, expedido por médico do trabalho ou por engenheiro de segurança do trabalho, com exceção de ruído (que sempre exigiu a apresentação de referido laudo para caracterizá-lo como agente agressor). Registro, por oportuno, que o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP substitui o laudo técnico em comento, sendo, assim, documento suficiente para aferição das atividades nocivas a que esteve sujeito o trabalhador.
Destaque-se que a extemporaneidade do documento (formulário, laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP) não obsta o reconhecimento de tempo de trabalho sob condições especiais, pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual à constatada na data de elaboração de tais documentos (tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho somente melhoram com a evolução tecnológica).
Saliente-se que os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79 têm aplicação simultânea até 05 de março de 1997, de modo que, verificada divergência entre tais diplomas, deve prevalecer a regra mais benéfica (como, por exemplo, ocorre na constatação de insalubridade em razão de ruído com intensidade igual ou superior a 80 dB, que atrai a incidência do Decreto nº 53.831/64).
Especificamente com relação ao agente agressivo ruído, importante ser dito que até 05 de março de 1997 entendia-se insalubre a atividade desempenhada exposta a 80 dB ou mais. Posteriormente, o Decreto nº 2.172/97 revogou os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, passando a considerar insalubre o labor desempenhado com nível de ruído superior a 90 dB. Mais tarde, em 18 de novembro de 2003, o Decreto nº 4.882/03 reduziu tal patamar para 85 dB. Ressalte-se que o C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.398.260/PR (representativo da controvérsia - Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe de 05/12/2014), firmou entendimento no sentido da impossibilidade de retroação do limite de 85 dB para alcançar fatos praticados sob a égide do Decreto nº 2.172/97.
O E. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Agravo em RE nº 664.335/RS (com repercussão geral da questão constitucional reconhecida), pacificou o entendimento de que, havendo prova da real eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI (vale dizer, efetiva capacidade de neutralizar a nocividade do labor), não há que se falar em respaldo constitucional à concessão de aposentadoria especial. Todavia, em caso de dúvida em relação à neutralização da nocividade, assentou que a Administração e o Poder Judiciário devem seguir a premissa do reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial, pois o uso do EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submeteu - destaque-se que se enfatizou, em tal julgamento, que a mera informação da empresa sobre a eficácia do EPI não é suficiente para descaracterizar a especialidade do tempo de serviço para fins de aposentadoria. Ainda em indicado precedente, analisando a questão sob a ótica do agente agressivo ruído, o Supremo estabeleceu que não se pode garantir a eficácia real do EPI em eliminar os efeitos agressivos ao trabalhador, destacando que são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, não abrangendo apenas perdas auditivas, pelo que é impassível de controle, seja pelas empresas, seja pelos trabalhadores.
Por fim, no tocante à alegada necessidade de prévia fonte de custeio, em se tratando de empregado, sua filiação ao sistema previdenciário é obrigatória, bem como o recolhimento das contribuições respectivas, cabendo ao empregador vertê-las, nos termos do art. 30, I, da Lei nº 8.212/91. Dentro desse contexto, o trabalhador não pode ser penalizado se tais recolhimentos não foram efetuados corretamente, porquanto a autarquia previdenciária possui meios próprios para receber seus créditos.
DO RECONHECIMENTO DE TEMPO EXERCIDO COMO EMPREGADO DOMÉSTICO
O reconhecimento de trabalho levado a efeito por empregado doméstico deve ser analisado tendo como marco divisor o advento da Lei nº 5.859/72. Isso porque, antes de tal diploma legislativo, o empregado doméstico não era segurado obrigatório da Previdência Social, de modo que, no mais das vezes, o contrato de trabalho era firmado verbalmente haja vista não haver relação jurídico-tributária a obrigar o recolhimento de contribuição ao sistema - nesse contexto, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a prova do labor (repita-se, anterior à Lei nº 5.859/72) pode ser efetivada por meio de mera declaração do ex-empregador, ainda que extemporânea, desde que corroborada por prova testemunhal.
Por outro lado, após a vigência da Lei nº 5.859/72 (que ocorreu em 09 de abril de 1973), exige-se efetivo início de prova material para que seja possível o reconhecimento de trabalho como empregado doméstico, cabendo considerar que mera declaração de ex-empregador (válida, conforme dito, para período pretérito à Lei nº 5.859/72) não mais é considerada como início de prova material (tratando-se, na verdade, de mero testemunho escrito com força probante muito reduzida, pois não colhido sob o pálio do contraditório e da ampla defesa). Nesse sentido:
Assim, sinteticamente, mostra-se possível o reconhecimento de labor doméstico por meio de mera declaração do ex-empregador até o início de vigência da Lei nº 5.859/72 (09 de abril de 1973); por outro lado, a partir de tal data, o reconhecimento somente pode ser executado se o interessado carrear aos autos efetivo início de prova material, corroborado por testemunhos.
DO CONJUNTO PROBATÓRIO DOS AUTOS
Da atividade especial: Pugna a parte autora pelo reconhecimento como especial do labor exercido entre 05/07/1989 e 28/09/2005. Com efeito, compulsando os autos, verifica-se, de acordo com a perícia judicial de fls. 118/153, que a parte autora laborava submetida a agentes agressivos biológicos (contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas), motivo pelo qual faz jus ao reconhecimento da especialidade vindicada (com a consequente conversão em tempo comum).
Do labor doméstico: Pugna a parte autora pelo reconhecimento de atividade levada a efeito na qualidade de empregada doméstica entre 01/01/1973 e 31/10/1975. Com efeito, analisando as provas carreadas aos autos, entendo pela ausência do necessário início de prova material ao deferimento do pleito. Isso porque os documentos escolares de fls. 48/51 não servem como tal na justa medida em que não têm o condão de indicar o efetivo exercício de atividade laboral no período controvertido. Nem mesmo o cotejo do endereço declarado em indicados documentos com o constante da CTPS de fls. 31, a despeito de igual, serve para presumir o exercício de atividade de empregada doméstica no interregno em análise, tendo em vista que há um hiato de mais de 03 (três) anos entre o termo final do suposto período em que a parte autora teria laborado como doméstica (31/10/1975) e o momento em que consta registro em CTPS como empregada doméstica para a suposta patroa que também teria recebido os seus préstimos no período litigioso (01/08/1979). Desta feita, resta, de forma isolada, apenas o testemunho de fls. 101, que, apesar de sustentar o exercício de atividade de doméstica pela parte autora no lapso ora em comento, não serve para o deferimento da pretensão. Em razão do exposto, não reconheço o suposto labor na qualidade de empregada doméstica que teria sido levado a efeito pela parte autora no lapso em análise.
DO CASO CONCRETO
Somados os períodos incontroversos (fls. 30/44 e 56) com aquele ora reconhecido como especial (devidamente convertido em tempo comum), perfaz a parte autora 24 anos, 11 meses e 11 dias de tempo de serviço, conforme planilha que ora se determina a juntada, insuficientes para conceder o benefício de aposentadoria por tempo de serviço / contribuição. Desta feita, como não preenchidos os requisitos legais para o deferimento da prestação mensal, deve ser cassada a tutela antecipada outrora deferida, determinando-se seja o ente público oficiado para tanto. Ademais, resta prejudicado o postulado pela parte autora às fls. 207/210 ante a negativa de concessão de sua aposentadoria.
Por outro lado, nos termos do Recurso Especial n.º 1.401.560/MT, julgado sob o regime do art. 543-C do CPC de 1973, "a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos".
Reconheço a ocorrência de sucumbência recíproca, uma vez que cada litigante foi vencedor e vencido, nos termos do art. 21, do Código de Processo Civil de 1973, e do art. 86, do Código de Processo Civil.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à remessa oficial tida por interposta e por DAR PROVIMENTO ao recurso de apelação da autarquia previdenciária (para afastar o reconhecimento de labor desempenhado na qualidade de empregada doméstica entre 01/01/1973 e 30/10/1975, bem como para indeferir a concessão de aposentadoria, cassando, assim, a antecipação dos efeitos da tutela), nos termos anteriormente expendidos.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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