D.E. Publicado em 27/04/2015 |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO - REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL - DECADÊNCIA RECONHECIDA, DE OFÍCIO - DESAPOSENTAÇÃO - POSSIBILIDADE - REQUISITOS PREENCHIDOS - TERMO "A QUO" - VALOR DO BENEFÍCIO - JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA - VERBAS DE SUCUMBÊNCIA - APELO PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, reconhecer, de ofício, a decadência do direito de revisar a renda mensal inicial do benefício, mediante a inclusão da gratificação natalina no cálculo do salário-de-benefício, e, por maioria, dar provimento à apelação, nos termos do voto da Desembargadora Federal Cecilia Mello, com quem votou a Desembargadora Federal Tânia Marangoni, vencida a relatora, que lhe negava provimento.
Relatora para o acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000634-42.2012.4.03.6115/SP
VOTO CONDUTOR
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO (RELATORA): Em relação ao pedido de revisão da renda mensal inicial do benefício, mediante a inclusão da gratificação natalina no cálculo do salário-de-benefício, acompanho o voto da Ilustre Relatora, para reconhecer, de ofício, a ocorrência da decadência.
Quanto à desaposentação, no entanto, a par do respeito e admiração que nutro pela Ilustre Relatora, dela ouso divergir.
Pretende a parte autora, nestes autos, a renúncia da aposentadoria por tempo de serviço, sem a devolução dos valores recebidos a esse título, e a concessão de aposentadoria por idade, computando-se os salários de contribuição posteriores ao primeiro jubilamento.
A desaposentação não está prevista em nosso ordenamento jurídico, tendo sido admitida em nosso Direito por construção doutrinário-jurisprudencial, e consiste na renúncia a uma aposentadoria, com a posterior concessão de uma nova aposentadoria, mais vantajosa, mediante o cômputo das contribuições recolhidas após o primeiro jubilamento.
Ao aposentado que permanecia em atividade ou a ela retornava, a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 18, parágrafo 2º, previa, em sua redação original, o direito à reabilitação profissional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios. Não fazia jus, contudo, a outras prestações, até porque é vedada a acumulação de mais de uma aposentadoria (artigo 124, inciso II).
O pecúlio, nos termos do artigo 81, II, e 82 da Lei nº 8.213/91, correspondia às importâncias relativas às contribuições do segurado recolhidas após a aposentadoria, e era a ele devolvido quando do seu afastamento da atividade que gerou o recolhimento.
No entanto, o direito ao pecúlio foi extinto pela Lei nº 8.870/94, tendo sido incluído, pela Lei nº 9.032/95, o parágrafo 3º ao artigo 11 da Lei nº 8.213/91, dispondo que:
§ 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social. |
Posteriormente, a Lei nº 9.528/97 deu nova redação ao parágrafo 2º do artigo 18 da Lei nº 8.213/91:
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. |
Assim, o segurado aposentado que permanece em atividade ou a ela retorna está obrigado ao recolhimento da contribuição, mas sem qualquer contraprestação.
Nesse aspecto, o ilustre MARCO AURÉLIO SERAU JÚNIOR, em seu livro Desaposentação: Novas perspectivas teóricas e práticas (Gen / Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2013), ressalta que "a equidade exigida e franqueada para a participação no custeio da Seguridade Social demonstra não ser correto, tampouco socialmente justo, que o segurado permaneça contribuindo para a Previdência Social e não possa dela usufruir complementarmente" (pág. 31).
Assim, nesse novo contexto, o instituto da "desaposentação" surge como uma tentativa de compensar a extinção do pecúlio e de aproveitamento das contribuições previdenciárias recolhidas pelo segurado após a sua aposentação, encontrando respaldo no "caput" do artigo 201 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998 ("A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial").
A esse respeito, ensina o ilustre MARCO AURÉLIO SERAU JÚNIOR (Op. cit., pág. 78):
... o melhor ponto de justificativa para a pretensão da desaposentação consiste no próprio caráter contributivo da Previdência Social, previsto no art. 201, "caput", da Constituição Federal. Uma vez que o sistema é essencialmente contributivo e baseado em equilíbrio financeiro e atuarial, a existência de novas contribuições previdenciárias deve repercutir positivamente para os segurados, em termos de melhoria do nível de benefícios. |
Relativamente à possibilidade de renúncia à aposentadoria já implementada, observo que a aposentadoria é um direito fundamental, garantido no artigo 7º, inciso XXIV, da Constituição Federal, de modo que a renúncia a esse direito só pode ser admitida se implicar em uma situação mais favorável ao segurado, como ocorre no caso da desaposentação, em que a renúncia ao benefício tem como fim a imediata obtenção de um novo benefício, porém, mais vantajoso.
E a jurisprudência consagrou o entendimento de que os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis, suscetíveis de desistência pelos seus titulares.
Quanto à regra contida no artigo 181-B do Decreto nº 3.048/99, incluído pelo Decreto nº 3.265/99, segundo a qual as aposentadorias por idade, por tempo de contribuição e especial são irreversíveis e irrenunciáveis, não pode ser aplicada, por extrapolar o campo normativo a ela reservado.
Nesse sentido, cito o ilustre MARCO AURÉLIO SERAU JÚNIOR (Op.cit., pág. 26):
A admissão ou inadmissão da desaposentação passa por aprofundada discussão a respeito de diversos preceitos constitucionais e legais relativos à própria concepção do sistema previdenciário. |
Nestes termos, admitir-se que singela norma regulamentar (art. 181-B do Decreto nº 3.048/1999), possa, direta ou simplesmente, fulminar essa pretensão, é erro grave, muito custoso para a efetividade dos direitos fundamentais sociais e, de modo geral, de duvidosa constitucionalidade. De fato, se a própria Lei de Benefícios deixou de tratar o tema, não contendo previsão expressa de proibição de renúncia à aposentadoria, não poderia o Decreto nº 3.048/1999, mera norma regulamentar, fazê-lo. |
No que diz respeito à devolução dos valores recebidos a título de primeira aposentadoria, é descabida, visto que a renúncia à aposentadoria tem natureza desconstitutiva, produzindo apenas efeitos "ex nunc", de acordo com os julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp nº 328.101/SC, 6ª Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJ 20/10/2008; REsp nº 663.336/MG, 5ª Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 07/02/2008, pág. 1).
Ressalto, por fim, que o direito à renúncia da aposentadoria, sem a devolução dos valores recebidos a esse título, bem como ao cômputo das contribuições recolhidas após o primeiro jubilamento para obtenção de novo benefício, já foi reconhecido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. |
1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do INSS, de declarar impossibilidade de renúncia a aposentadoria e, por parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de aposentadoria a que pretende abdicar. |
2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à aposentadoria concedida para computar período contributivo utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova aposentação. |
3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ. |
4. Ressalva do entendimento pessoal do Relator quanto à necessidade de devolução dos valores para a reaposentação, conforme votos vencidos proferidos no REsp 1.298.391/RS; nos Agravos Regimentais nos REsps 1.321.667/PR, 1.305.351/RS, 1.321.667/PR, 1.323.464/RS, 1.324.193/PR, 1.324.603/RS, 1.325.300/SC, 1.305.738/RS; e no AgRg no AREsp 103.509/PE. |
5. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou posterior aposentadoria ao ressarcimento dos valores recebidos do benefício anterior, razão por que deve ser afastada a imposição de devolução. |
6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. |
(REsp nº 1334488/SC, 1ª Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 14/05/2013) (grifei) |
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 535 DO CPC. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. CÔMPUTO DOS SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO PARA A NOVA APOSENTADORIA. ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO. |
1. Trata-se de Embargos de Declaração contra decisão proferida em Recurso Especial submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008, que estabeleceu que "os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento". |
2. Considerando a possibilidade de interpretação distoante do contexto do acórdão embargado e do próprio objeto do pedido de desaposentação, deve ficar expresso que a nova aposentadoria, a ser concedida a contar do ajuizamento da ação, há de computar os salários de contribuição subsequentes à aposentadoria a que se renunciou. |
3. Ademais, não se afiguram as demais omissões e contradições referidas pelo embargante, já que os trechos que servem de base para tais asserções se referem à ressalva do ponto de vista pessoal do Relator, e não à fundamentação da conclusão do acórdão. |
4. Embargos de Declaração acolhidos em parte. |
(EDcl no REsp nº 1.334.488/SC, 1ª Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 30/09/2013) (grifei) |
Assim sendo, para realizar a desaposentação, faz-se necessário o preenchimento de alguns requisitos: (i) que o segurado esteja em gozo de uma aposentadoria; (ii) que o segurado renuncie expressamente ao seu direito a essa aposentadoria; (iii) que o segurado preencha todos os requisitos para a obtenção da nova aposentadoria, de acordo com a legislação vigente à época do seu pedido.
NO CASO DOS AUTOS, a parte autora demonstrou, através do documento de fl. 35 (carta de concessão), que lhe foi concedida aposentadoria por tempo de serviço, com início em 12/08/94, tendo ela permanecido em atividade.
Desse modo, presentes os seus requisitos, é de se reconhecer o direito da parte autora à renúncia à aposentadoria já implementada, sem a necessidade de devolução dos valores recebidos a esse título, e à concessão de nova aposentadoria, computando-se as contribuições recolhidas após o primeiro jubilamento.
O termo inicial da nova aposentadoria deve ser fixado à data do ajuizamento da ação (30/03/2012, fl. 02), em conformidade com o entendimento adotado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (EDcl no REsp nº 1.334.488/SC, 1ª Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 30/09/2013).
O valor do benefício deve ser calculado na forma do artigo 50 da Lei nº 8.213/91, mediante o cômputo das contribuições recolhidas após o primeiro jubilamento.
Os juros de mora incidirão a partir da citação (CPC, art. 219), aplicando-se o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança (Lei nº 11.960/2009, art. 5º), que atualmente correspondem a 0,5% ao mês, aplicados de forma simples, de acordo com o entendimento adotado por esta Egrégia Corte Regional (AR nº 0048824-29.2004.4.03.0000, 3ª Seção, Relatora Desembargadora Federal Leide Polo, DE 11/04/2011) e pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.272.239/PR, 1ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, DJe 01/10/2013; REsp nº 1.205.946/SP, Corte Especial, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 02/02/2012; EREsp nº 1.207.197/RS, Corte Especial, Relator Ministro Castro Meira, DJe 02/08/2011).
A correção monetária das parcelas vencidas deverá observar o disposto na Súmula nº 8, desta Egrégia Corte Regional, e na Súmula nº 148 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se a variação do INPC (Lei nº 8.213/91, art. 41-B), conforme orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.272.239/PR, 1ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, DJe 01/10/2013).
É que a regra contida no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, foi declarada inconstitucional pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal na parte em que adota índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (ADI nº 4.357, Tribunal Pleno, Relator para acórdão Ministro Luiz Fux, j. 14/03/2013).
No tocante aos honorários advocatícios, são ônus do processo e devem ser suportados pelo vencido, nos termos do artigo 20 do Código de Processo Civil
Assim, considerando a simplicidade da causa e a singeleza do trabalho realizado, o INSS deve ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, respeitada a Súmula nº 111 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o que se harmoniza com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, nos termos do artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.
Ressalte-se que, nos termos da referida Súmula nº 111, "os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença", devendo ser considerado, como marco final para apuração das prestações vencidas, a decisão na qual o direito do segurado for reconhecido, em conformidade com os julgados da Egrégia Corte Superior (AgRg no REsp nº 1.179.802/SP, 6ª Turma, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 03/05/2013; AgRg nos EDcl no AREsp nº 155.028/SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 24/10/2012; AgRg no REsp nº 1.267.184/PR, 5ª Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJe 05/09/2012).
No que se refere às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto no parágrafo 1º do artigo 8º da Lei nº 8.620/93, no artigo 24-A da Lei nº 9.028/95, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001 e no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96.
Ressalto, contudo, que tal isenção, decorrente de lei, não exime o Instituto-réu do reembolso das custas previamente recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96).
No caso, contudo, não há que se falar em reembolso de custas, tendo em conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora.
Diante do exposto, DE OFÍCIO, RECONHEÇO a decadência do direito de revisar a renda mensal inicial do benefício, mediante a inclusão da gratificação natalina, e, divergindo do voto da Ilustre Relatora, em relação à desaposentação, DOU PROVIMENTO ao apelo, para reconhecer o direito da parte autora à renúncia da aposentadoria por tempo de serviço de que é titular, sem a necessidade de devolução dos valores recebidos a esse título, e à concessão de nova aposentadoria por idade, a partir do ajuizamento da ação (30/03/2012, fl. 02), calculada na forma do artigo 50 da Lei nº 8.213/91, mediante o cômputo das contribuições recolhidas após o primeiro jubilamento.
As parcelas vencidas deverão ser compensadas com os valores do benefício anteriormente concedido e pagos administrativamente pela Autarquia até a implantação do novo benefício, sem solução de continuidade, e serão acrescidas, ainda, de juros de mora e correção monetária, na forma acima explicitada.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na forma do artigo 20, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, respeitada a Súmula nº 111 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
É COMO VOTO.
Desembargadora Federal
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Data e Hora: | 10/04/2015 13:52:01 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000634-42.2012.4.03.6115/SP
RELATÓRIO
Apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de inclusão da gratificação natalina no cálculo do salário-de-benefício, e de renúncia de aposentadoria e concessão de benefício mais vantajoso.
Pugna, o recorrente, pela reforma integral da sentença.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Pretende, a parte autora, a inclusão da gratificação natalina no cálculo do salário-de-benefício, e a renúncia à aposentadoria, com a concessão de benefício mais vantajoso.
A reforma ocorrida em nosso texto processual civil, com a Lei nº 9.756, de 17 de dezembro de 1998, alterando, entre outros, o artigo 557 do Código de Processo Civil, trouxe ao Relator a possibilidade de negar seguimento "a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior".
Com relação aos institutos da prescrição e decadência, o artigo 103 da Lei n.º 8.213/91, em sua redação original, dispunha que, sem "(...) prejuízo do direito ao benefício, prescreve em 5 (cinco) anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria, resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes".
A Lei n.º 9.528/97 alterou o dispositivo acima, instituindo prazo decadencial para a revisão de ato de concessão de benefício, mantendo a prescrição para as hipóteses de recebimento de prestações vencidas, restituições ou diferenças, salvaguardado o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. Confira-se:
Com a Lei n.º 9.711/98, alterou-se o caput do artigo 103, reduzindo-se para cinco anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato concessório de benefício.
Por fim, num quadro de litigiosidade disseminada, a Medida Provisória n.º 138, de 19 de novembro de 2003, convertida na Lei 10.839, de 05 de fevereiro de 2004, alterou novamente o caput do artigo 103, para restabelecer o prazo decadencial de dez anos.
Traçada a evolução da legislação, cabe lembrar que esta Corte e o Superior Tribunal de Justiça já vinham decidindo que as alterações introduzidas pelas Leis de números 9.528/97 e 9.711/98 só incidiriam sobre os benefícios concedidos sob sua égide, não podendo retroagir para alcançar situações pretéritas, já consolidadas pelo direito adquirido. Nesse sentido, por exemplo:
A rigor, discutível pudesse o legislador fixar um prazo decadencial no caso de revisão de renda mensal inicial. Independente dos nomes que se dão às coisas, com efeito, há que se verificar, numa interpretação sistemática, se o termo introduzido por determinado diploma está de acordo com o correspondente instituto jurídico.
Apesar de a doutrina revelar algumas divergências acerca da prescrição e da decadência, chegou-se a um consenso no sentido de que a primeira incide nas ações onde se exige uma prestação, donde se conclui que seu afastamento dá ensejo, na hipótese de procedência da demanda, a uma sentença condenatória. A decadência, por sua vez, incide nas ações em que se visa à modificação de uma situação jurídica e nas ações constitutivas com prazo especial de exercício fixado em lei, levando seu afastamento, também na hipótese de procedência da demanda, a uma sentença declaratória ou constitutiva.
Assim, no rumo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o prazo de decadência - principiado pela Medida Provisória nº 1.523-9, de 27.06.97, depois de sucessivas reedições convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.1997, alterando o artigo 103 da Lei nº 8.213/91 -, não se aplica aos pedidos de revisão de benefícios ajuizados antes de sua vigência.
Vale dizer, os benefícios previdenciários concedidos até 28.06.1997, data da entrada em vigor da Medida Provisória nº 1.523/-9/1997, não estariam sujeitos à decadência.
Ocorre que a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião de questão de ordem suscitada do Recurso Especial nº 1.303.988/PE, resolveu, em 16.02.2012, "afetar o julgamento do feito à Egrégia Primeira Seção", relevante a matéria e com o fim de prevenir divergência entre as Turmas.
Sobreveio, então, a ementa do acórdão, da lavra do Ministro Teori Albino Zavascki, conforme decisão unânime, de 14 de março de 2012, da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça:
Recurso Extraordinário foi interposto pelos autores da ação de revisão de renda mensal inicial da aposentadoria, sobrestando-se o processo até decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 626.489/SE, que trata da mesma controvérsia.
O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, em 17.09.2010, "reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada", vencidos os Ministros Cezar Peluso e Celso de Mello.
Ementou o Ministro Ayres Britto, relator:
Enquanto o Supremo Tribunal Federal não decide sobre o ponto, o Superior do Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.303.988/PE, apreciando a matéria infraconstitucional, modificou seu entendimento, agora para o fim de adotar a contagem do prazo decadencial para os benefícios concedidos antes de 1997; desse modo, o item 2 da ementa do acórdão: "2. Essa disposição normativa não pode ter eficácia retroativa para incidir sobre o tempo transcorrido antes de sua vigência. Assim, relativamente aos benefícios anteriormente concedidos, o termo inicial do prazo de decadência do direito ou da ação visando à sua revisão tem como termo inicial a data em que entrou em vigor a norma fixando o referido prazo decenal (28/06/1997). Precedentes da Corte Especial em situação análoga (v.g.: MS 9.112/DF Min. Eliana Calmon, DJ 14/11/2005; MS 9.115, Min. César Rocha (DJ de 07/08/06, MS 11123, Min. Gilson Dipp, DJ de 05/02/07, MS 9092, Min. Paulo Gallotti, DJ de 06/09/06, MS (AgRg) 9034, Min. Félix Ficher, DL 28/08/06)".
O Direito exige a demarcação de tempo, porque tem por fim alcançar a pacificação das relações sociais.
Por meio de ordenamento jurídico, submetido a controle, normas são estabelecidas para que não prevaleça o interesse individual em confronto com o bem coletivo; é o que impede que o sujeito titular de direito individual venha a exercê-lo a qualquer tempo; ou, na aplicação prática, que aquele que teve seu direito supostamente violado venha a reclamá-lo independentemente do tempo que passa.
Os institutos da decadência e da prescrição foram criados para preservar a segurança jurídica, fixando a lei prazos para o exercício da pretensão por parte do titular do direito violado.
Não exercido o direito no limite temporal estabelecido, diz-se que ocorreu a sua extinção pela ocorrência da decadência; há, de fato, a perda do próprio direito.
Resolver conflitos e intranquilidades constitui-se no fim maior do Direito, que, quando trata da aquisição ou extinção de direitos, utiliza a técnica de fixação de prazos, evitando, com isso, a eternização de ações inerentes ao seu titular.
No ordenamento jurídico brasileiro, a lei atinge situações futuras e tem sua baliza firmada no respeito ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito.
Antes da Medida Provisória nº 1.523-9, de 27.06.1997, a redação original do artigo 103 da Lei nº 8.213/91 não previa prazo de decadência para a revisão de benefício previdenciário.
A Medida Provisória nº 1.523-9/1997, convertida na Lei nº 9.528/97 - após toda a evolução legislativa noticiada -, estabeleceu em dez anos o prazo de decadência "de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo".
O Superior Tribunal de Justiça, e este Tribunal Federal, adotaram entendimento no sentido de que não havia contagem de prazo de decadência para os benefícios concedidos antes do advento da Medida Provisória nº 1.523-9/97; porque, é fato, seu texto, alterando o artigo 103 da Lei nº 8.213/91, não daria margem à retroação.
Veio, como já reproduzida a ementa do acórdão do REsp nº 1.303.988/PE, orientação no rumo de que o prazo decadencial, para as relações jurídicas constituídas antes da MP 1.523-9/97, seria contado a partir de sua vigência.
O que fez o Superior Tribunal de Justiça foi adotar a mesma regra interpretativa dada ao artigo 54 da Lei nº 9.784/99, que instituiu prazo de decadência para a Administração rever seus atos; deliberou que também estariam submetidas à decadência as relações jurídicas constituídas antes do advento da Lei nº 9.784/99.
Não divisou, com a interpretação, violação ao princípio da irretroatividade da lei (MS nº 9.112/DF, Corte Especial, rel. Ministra Eliana Calmon, DJ 14.11.2005).
Na hipótese da MP 1.523-9/97, em que se está diante de prazo decadencial destinado ao titular do benefício previdenciário, a modificação de posicionamento do Superior Tribunal de Justiça conduz à sua aceitação.
E assim é levando em conta o princípio da segurança jurídica.
Ao Judiciário cabe zelar por bem demasiadamente caro, como se apresenta a segurança jurídica. A realização de um mínimo de segurança constitui condição para que possa haver justiça. O direito é concebido "para ao menos estabelecer alguma segurança no passado que confira a cada um o direito de projetar sua vida no futuro, de fazer suas escolhas, suas apostas, em face do imponderável" (Eduardo Talamini, Coisa Julgada e sua Revisão, RT, 2005, p. 596).
Citado por José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, para Jorge Reinado Vanossi, em El Estado de Derecho en el Constitucionalismo Social, a segurança jurídica consiste no "conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida".
Nesse passo, de pronto, diga-se, nada recomenda as constantes alterações legislativas impostas pelo legislador ao artigo 103 da Lei nº 8.213/91.
Quando foi decidido que o prazo de decadência, conforme a Medida Provisória nº 1.523-9, de 27.06.97, alterando o artigo 103 da Lei nº 8.213/91, não se aplicava aos pedidos de revisão de benefícios ajuizados antes de sua vigência, levou-se em conta o princípio da irretroatividade da lei.
Do mesmo modo, para que se entenda que os benefícios concedidos antes da vigência da MP 1.523-9/97 também estão sujeitos ao prazo decadencial, o juízo, igualmente, tende para asseverar que não há retroatividade da norma, porque, seu teor, não veio colher relações jurídicas pretéritas.
Com efeito, retirou-se interpretação em consonância com a mesma interpretação dada ao artigo 54 da Lei nº 9.784/99.
Vale dizer, não há, com o teor da MP 1.523-9/97, retroatividade da norma, que somente ocorreria se dispusesse e colhesse o ato de concessão, propriamente; se do ato de concessão do benefício previdenciário fosse contado o prazo decadencial.
Não é o que ocorre quando se decide que serão, sim, os benefícios concedidos antes da vigência da MP 1.523-9/97 atingidos, mas que o prazo decadencial será contado a partir da vigência da nova legislação; fato pretérito é considerado (a data da concessão do benefício), porém a legislação projeta-se para o futuro, trazendo situação presente (a vigência da novel legislação).
Isto é, a vigência da referida medida provisória é o marco inicial para a contagem do prazo decadencial, significando sua aplicação para o futuro, não intervindo no ato que concedeu o benefício previdenciário.
Outra razão que se dá para fortalecer a MP 1.523-9/97 está no fato de se igualar os beneficiários da Previdência Social. Explica Gabriel Brum Teixeira (Os benefícios previdenciários anteriores à Medida Provisória 1.523-9/1997 e o prazo decadencial para a revisão do ato administrativo de concessão. Revista do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, nº 8, agosto/2010):
O princípio da segurança justifica aderir ao novo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.
Considerando o benefício com DIB em 12.08.1994, e 28.06.1997 o início da vigência da MP 1.523-9/1997, ajuizada a demanda em 30.03.2012, ocorreu a decadência em relação ao pedido de revisão da renda mensal inicial mediante a inclusão da gratificação natalina no cálculo do salário-de-benefício, cujo reconhecimento se admite nesta sede, independentemente de alegação recursal específica, por se tratar de questão de ordem pública, a ensejar, assim, a extinção do processo nos moldes do artigo 269, inciso IV, do Código de Processo Civil.
Na mesma linha, os precedentes colhidos à unanimidade no âmbito desta Seção especializada:
Passo à análise do pedido de desaposentação.
Em regra, são fundamentos para a improcedência do pedido de desaposentação a ausência de previsão legal, que é ato jurídico perfeito e acabado a aposentadoria concedida e não pode ser alterado, salvo diante de ilegalidade, e o artigo 181-B do Decreto nº 3.048/99, dispondo sobre o caráter irreversível e irrenunciável das aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial.
São fundamentos, também, o fato de não se tratar de simples renúncia ao benefício, mas sim a substituição do benefício conseguido por outro mais vantajoso, que a condição de segurado choca-se com a condição de aposentado, que o pedido de aposentadoria foi opção feita, que não há a correspondente fonte de custeio para se admitir a desaposentação, que a situação não se modifica pelo fato de o segurado continuar contribuindo.
A Constituição da República destina aos brasileiros o direito social à previdência social. A aposentadoria é direito constitucional dos trabalhadores urbanos e rurais, nos termos do inciso XXIV do artigo 7º.
O artigo 194 da Constituição da República dispõe: "A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social". É financiada por toda a sociedade, em especial pela tríade Estado, empregador e trabalhador.
Aposentadoria é direito social do trabalhador representado por prestação em dinheiro a ser paga pelo Estado. Direito relativo ou pertencente à pessoa, individual, particular.
Com característica de direito pessoal, questão que se põe é saber se é a aposentadoria direito renunciável.
A concessão de aposentadoria é ato vinculado, não deixando ao Poder Público margem de discricionariedade. A bem dizer, preenchida a situação objetiva prevista em lei, feito o pedido pelo segurado, o deferimento é de rigor. Impera a vontade do segurado e não há capacidade de escolha por parte da Administração. A Administração não exerce juízo de liberdade, não decide conforme critérios de conveniência e oportunidade, esses presentes quando se trata de ato discricionário.
Daí se infere que se o Poder Público não atua discricionariamente no pedido de concessão da aposentadoria, também não deveria exercer juízo discricionário quando da renúncia.
A aposentadoria é direito renunciável. Ou seria possível supor que o titular de aposentadoria, recebendo prestação mensal do INSS, não pudesse abrir mão do benefício, acaso recompensado por herança polpuda ou por ter sido premiado em concurso de prognósticos? Direito que pertence ao beneficiário, se não quer ele mais usufruí-lo, a Administração não tem o poder de obrigá-lo a com ele permanecer.
Averbam Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior, obra de conhecimento, quando dos comentários ao artigo 96 da Lei de Benefícios: "A renúncia é o ato jurídico mediante o qual o titular de um direito dele se despoja, sem transferi-lo a outra pessoa, quando inexiste vedação legal. Trata-se de uma modalidade de extinção de direitos aplicável, basicamente, aos direitos patrimoniais, pois ninguém está obrigado a exercer direito que possui. Considerando o fato de a aposentadoria ser um benefício de prestação continuada destinada a substituir os proventos auferidos pelo trabalhador - enquanto exercia atividade laboral, assegurando-lhe o mínimo indispensável para a sua subsistência - é inquestionável que se trata de direito patrimonial e, portanto, disponível, a não ser que a lei disponha em sentido contrário".
Renunciar à aposentadoria concedida daria direito a outra, agora com renda mensal inicial maior?
Em desaposentação não se falava, porque o caso costumeiro referia-se à hipótese de renúncia à aposentadoria pelo Regime Geral da Previdência Social e aproveitamento do tempo de serviço para futuro deferimento de nova aposentadoria pelo regime estatutário. O Superior Tribunal de Justiça abonou a tese (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 17.874-MG, relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, j. 16.12.2004, 5ª Turma, unânime; Agravo Regimental no Recurso Especial nº 600.419-RS, relator Ministro Hamilton Carvalhido, j. 29.11.2005, 6ª Turma, unânime).
O caso aqui é outro, a conhecida desaposentação.
Dispõe o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91:
O aposentado que retornar ao trabalho não terá direito a outra aposentadoria ou, melhor dizendo, o tempo de contribuição posterior à aposentadoria não lhe confere o direito a abrir mão da aposentadoria deferida e outra obter.
Aquele que se aposentou fez a opção que entendeu correta. Requereu o benefício e, verificado o preenchimento dos requisitos previstos em lei, o INSS deferiu o pedido, produzindo-se ato jurídico perfeito e acabado, que somente é passível de alteração diante de ilegalidade.
Pois bem, duas opções possuía o segurado: aposentava-se ou permanecia na ativa, então contribuindo ao INSS para depois requerer a aposentadoria.
A partir do momento em que decidiu pela aposentadoria qualquer outra pretensão contraria o parágrafo 2º do artigo 18 da Lei nº 8.213/91, não fazendo o aposentado jus a prestação alguma da Previdência Social se permaneceu em atividade.
Era bastante a legislação.
Premido pelos inúmeros pedidos de desaposentação, incluiu-se, por meio do Decreto nº 3.265, de 1999, o artigo 181-B ao Regulamento da Previdência Social, do qual o teor é o seguinte: "As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis".
Nesse ponto, o legislador, por meio de decreto, em verdade, não desbordou de sua função regulamentar, porquanto havia norma, na Lei de Benefícios, vedando que pudesse o aposentado obter nova aposentadoria acaso continuasse trabalhando.
O que ocorre, na realidade, diante da desvalorização da prestação mensal, é pedido de revisão dos proventos da aposentadoria concedida, a majoração do coeficiente de cálculo do benefício; o que é possível, mas sem que se modifiquem as características do benefício, as bases do benefício concedido.
Ora, optar é decidir por uma coisa entre duas ou mais, e importa em abandono das outras. Vale dizer, poderia o segurado escolher entre trabalhar menos, passar à inatividade e ganhar menos ou continuar trabalhando e contribuindo e receber prestação maior. São opções colidentes, escolher uma exclui a outra, ambas com suas vantagens e desvantagens.
Ainda, de modo a fixar a natureza de irreversibilidade e irrenunciabilidade da aposentadoria elegida, estabelece o parágrafo único do artigo 181-B do Decreto 3.048/99 prazo para que o segurado possa desistir de seu pedido, antes do recebimento do primeiro pagamento ou do saque do FGTS ou do PIS; não manifestada a intenção, questão superada, não mais se pode renunciar para outra pleitear.
E assim deve ser para que se dê valor à estabilidade das relações jurídicas, a partir da presença de ato jurídico perfeito. É dizer, o segurado e a Previdência Social puseram-se de acordo com a aposentadoria requerida. O ato jurídico perfeito passou a produzir efeitos, tanto de um lado quanto de outro. O segurado recebendo seus proventos, o INSS pagando à vista do requerimento.
É fato, a garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República está a serviço do segurado e não do Poder Público. Mas não é irrestrita a sentença.
A regra constitucional vale tanto para o Poder Público quanto para o trabalhador, não se concebendo admitir alteração nas condições estabelecidas para a aposentadoria, salvo ilegalidade. A hipótese é a do trabalhador que quer desfazer o ato jurídico perfeito, porquanto persegue situação que lhe é mais vantajosa. Contudo, decerto não quererá que o Poder Público revise seus proventos para menor; aí brigará pela prevalência do ato jurídico.
Com efeito, não há ilegalidade alguma na concessão da aposentadoria requerida; o que se objetiva, em verdade, é o aumento do cálculo do coeficiente do benefício, a se dar com a contagem do tempo de contribuição posteriormente efetivado.
O INSS sustenta, em geral, ausência de previsão legal para a revogação do ato de aposentadoria (assim tenho tratado a questão, evitando a expressão "desaposentação"). O segurado, de tal argumento também se louva, concluindo que, na ausência de disposição expressa proibindo a revogação, ela é admissível.
O Estado é submisso à lei, atua sobre o administrado com estrita observância do princípio da legalidade. No Estado Constitucional de Direito, o princípio da legalidade é o freio necessário ao poder da Administração. Da pena de Celso Antônio Bandeira de Mello faço extrair trecho que se ajusta ao caso concreto. Averba o professor: "Nos termos do art. 5º, II, 'ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei'. Aí não se diz 'em virtude de' decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos. Diz-se 'em virtude de lei'. Logo, a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se, em lei, já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudenciar".
Há, sim, lei que proíbe o segurado de ter da Previdência Social qualquer prestação em decorrência do retorno à atividade - art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 -, tanto é que existem projetos de lei, dois em tramitação na Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Cleber Verde (PRB-MA), prevendo a renúncia da aposentadoria proporcional deferida e que o tempo trabalhado possa ser computado com vistas a garantir a aposentadoria integral ou aumentar o cálculo da aposentadoria.
E, não é demais ressaltar, o Presidente da República vetou integralmente o Projeto de Lei nº 7.154/2002, de autoria do Deputado Inaldo Leitão (PSDB-PB), que alterava o artigo 96 da Lei nº 8.213/91 e previa a renúncia para a aposentadoria concedida pelo Regime Geral de Previdência Social.
A propósito, uma das razões do veto presidencial: "Além disso, o projeto, ao contemplar mudanças na legislação vigente que podem resultar em aumento de despesa de caráter continuado, deveria ter observado a exigência de apresentação da estimativa de impacto orçamentário-financeiro, da previsão orçamentária e da demonstração dos recursos para o seu custeio, conforme prevêem os arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal" (Mensagem nº 16, de 11 de janeiro de 2008).
A legislação previdenciária, em mais de uma oportunidade, reafirmou que o aposentado que voltasse a exercer atividade remunerada somente teria direito ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. Também, que o aposentado adquiriria a condição de segurado obrigatório da Previdência Social, ficando sujeito a contribuições para fins de custeio da Seguridade Social (art. 11, § 3º e 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91; art. 12, § 4º, da Lei nº 8.212/91).
Deveras, com a redação original do parágrafo 2º do artigo 18 da Lei 8.213/91 a vedação já existia, apenas diferente com a atual em contemplar a prestação do auxílio-acidente.
Com a revogação dos artigos que sustentavam o pagamento do abono de permanência em serviço (Lei nº 8.870/94) e do pecúlio (Lei nº 9.032/95), outra vez mais o legislador reforçou a ideia de impedir o recebimento, pelo aposentado que voltasse à ativa, de qualquer prestação da Previdência além daquelas que elegeu.
Breves as linhas, se possível fosse a desaposentação ela somente se daria com a devolução dos valores. E aqui, os fundamentos servem também para não permitir a desaposentação.
Isabella Borges de Araújo, advogada especialista em Direito Previdenciário, no artigo "A desaposentação no direito brasileiro", Revista de Previdência Social nº 317, 04/2007, expõe o tema:
Até o momento, foi intencional o desuso de "desaposentação", preferindo-se o tratamento à luz do instituto da renúncia. Não que já não os tivessem diferenciado, conforme se vê do entendimento da Turma Recursal dos Juizados Especiais de Santa Catarina, Processo nº 2004.92.95.003417-4, Relator o Juiz Ivori Luis da Silva Scheffer, sessão de 05.08.2004: "Na renúncia, o segurado abdica de seu benefício e, conseqüentemente, do direito de utilizar o tempo de serviço que ensejou sua concessão, mas não precisa restituir o que já recebeu a título de aposentadoria. Ou seja, opera efeitos ex nunc. Na desaposentação, o segurado também abdica de seu direito ao benefício, mas não do direito ao aproveitamento, em outro benefício, do tempo de serviço que serviu de base para o primeiro. Para tanto faz-se necessário o desfazimento do ato de concessão, restituindo-se as partes, segurado e INSS, ao status quo ante, o que impõe ao segurado a obrigação de devolver todos os valores que recebeu em razão da aposentadoria. Logo, a desaposentação nada mais é do que uma renúncia com efeitos ex tunc".
Renunciar ao benefício não se confunde com renunciar ao benefício e requerer outro mais vantajoso.
Não deixa dúvida que a simples renúncia, vale dizer, o segurado não quer mais onerar o Estado que paga as prestações de sua aposentadoria, é possível e não implica em devolução de valores. Mas a situação é outra se a pretensão é renunciar ao benefício para conseguir outro.
Acaso deferido o pedido, aí o INSS teria razão em exigir a devolução dos valores.
Trabalhos publicados sob o tema apontam dissensão sobre o ponto. Wladimir Novaes Martinez, Roberto Luís Luchi Demo, André Santos Novaes, Marina Vasques Duarte, Isabella Borges de Araújo estão que a desaposentação somente é possível com a devolução dos valores. Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari, Gisele Lemos Kravchychyn, Fábio Zambitte Ibrahim, Fernando Corrêa Alves Pimenta Lima, ao invés. A jurisprudência é, ainda, hesitante, mas propende a admitir a desaposentação sem a necessidade de devolução de valores.
O argumento principal para a devolução dos valores está em sustentar que, se assim não for, haverá nítido enriquecimento ilícito por parte do segurado e prejuízo para todo o sistema previdenciário; os opositores defendem que o ato de concessão da aposentadoria foi regular, usam o instituto da reversão como exemplo, ressaltam o caráter alimentar dos valores recebidos.
Meu juízo parte da distinção que se faz entre simples renúncia à aposentadoria e renúncia com a finalidade de obtenção de novo benefício mais vantajoso.
Sustentar que a aposentadoria deferida e que não mais se quer foi concedida regularmente, daí não se devolvendo os valores recebidos, tem o sentido de que o problema acabaria na concessão. Não, pouco importa a concessão regular do benefício, o que importa é saber quais os resultados que advirão se a desaposentação for deferida.
É evidente a incompatibilidade. Se se pretende o cômputo do tempo de contribuição posterior à concessão da aposentadoria, de modo a majorar o coeficiente do benefício que se busca em substituição, há que se invalidar, in totum, a aposentadoria primeira. Impossível manter-se válida a fruição do tempo da aposentadoria gozada, tornando-se definitivos e irrepetíveis os pagamentos dela decorrentes, correspondentes justamente ao período que se pretende utilizar para fins de cálculo do benefício mais vantajoso.
Quanto à semelhança com o instituto da reversão, para os que dizem que o servidor aposentado que retorna à atividade nada devolve aos cofres públicos, meu conceito é de que são hipóteses distintas, pelo simples fato de que a reversão se dá no interesse da Administração.
A natureza alimentar do benefício concedido não tem o caráter absoluto que se dá em outras ocasiões. Aqui, não se tem a hipótese em que o autor provoca o Judiciário, recebe decisão precária e, ao fim, sentença transitada em julgado desfavorável. Em casos tais, por se tratar de benefício previdenciário, consolidou-se o entendimento de que os valores recebidos, por força da decisão inicial, não são devolvidos.
Não é a mesma situação.
O segurado bate às portas do Judiciário e quer obter benefício mais vantajoso. Não se trata de ter decisão precária e depois definitiva adversa. O que não quer devolver está fora dos autos, não se coloca em discussão se o recebimento foi de boa-fé ou não, a natureza alimentar do benefício, sua irrepetibilidade, o caráter social da pretensão.
A desaposentação é precedida pelo desfazimento da aposentadoria, retornando a situação ao estado anterior das coisas, o que implica na devolução dos valores. É ônus que deve o segurado suportar, a consequência da desaposentação, não se podendo fazer associação ou ter apego ao argumento do caráter alimentar do benefício.
Não se cuida de causar dano infundado ao segurado nem propiciar enriquecimento sem causa para o Poder Público. A parte autora, diante de sua pretensão, experimenta consequência diretamente relacionada ao seu pedido.
Examino o prejuízo ao sistema previdenciário e, nesse ponto, os argumentos servem também para desautorizar a desaposentação.
O princípio da solidariedade é o princípio fundamental da seguridade social. Os que possuem capacidade financeira (ativos) contribuem para financiar os inativos, de modo a se ter, no tempo de cada um, benefício previdenciário a ser usufruído.
É dizer, todos contribuem, mas eu não contribuo para o meu benefício e outro contribuirá para o meu benefício; de modo que o sistema funcione entre gerações e não falte dinheiro para o pagamento do benefício que a cada um pertence.
A previdência social está organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, daí que o aposentado, retornando à atividade remunerada, não se exime do pagamento da contribuição previdenciária. É ela obrigatória e de importância mestra a explicar o princípio da solidariedade, motivo pelo qual o fato da continuidade do recolhimento de contribuições não confere o direito à não devolução dos valores. Muito menos o direito à desaposentação.
O sistema brasileiro usa a técnica da repartição, o Estado pagará seus inativos à vista de quanto possui em caixa. Por isso a busca constante do equilíbrio financeiro e atuarial, medido, segundo exemplifica Wladimir Novaes Martinez, pelos "conceitos de risco, massa protegida, tábua de mortalidade, probabilidade, expectativa de vida, etc., tendo em vista a diferença das pessoas (v.g., idade, tempo de serviço, salário e condições de trabalho)".
Ficasse o segurado com os valores que recebeu ao longo da aposentadoria e, voltando à ativa, nova aposentadoria obtivesse, aconteceria o que afirmou o juiz federal Roberto Luís Luchi Demo: "a equação previdenciária não fecha"; porque a retribuição será maior que a contribuição, em nítida violação ao princípio da igualdade.
O prejuízo para o universo previdenciário, pois, é patente, não se admitindo que o INSS tenha que conceder nova aposentadoria ao segurado, com majoração do coeficiente de cálculo do beneficio, sem que tenha a correspondente fonte de custeio.
Mas antes, que fique claro, o prejuízo também é patente se a desaposentação for deferida, bastando ver a justificativa do veto presidencial ao Projeto de Lei nº 7.154/2002. E a Administração Pública pauta-se pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular.
Por último, registro que a 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em julgado de 7 de maio de 2009 (EI na AC nº 2000.71.00.015115-8), negou provimento a embargos infringentes do INSS, por voto de desempate. Admitiu válida a renúncia à aposentadoria e possibilidade de concessão de novo jubilamento, desde que os valores recebidos da autarquia previdenciária fossem integralmente devolvidos. Da tese vencida, e do voto do Desembargador Federal Luís Alberto d'Azevedo Aurvalle, extrai-se que não há divergência quanto a se poder renunciar à aposentadoria, porém há quanto a se permitir outra mais vantajosa.
Tomadas essas considerações, a manutenção da sentença é medida que se impõe.
Posto isso, reconheço, de ofício, a decadência do direito de revisar a renda mensal inicial do benefício, mediante a inclusão da gratificação natalina no cálculo do salário-de-benefício, e nego provimento à apelação.
É o voto.
Marcia Hoffmann
Juíza Federal Convocada
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