APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5009443-33.2013.4.04.7000/PR
RELATORA | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | MARIA LURDES KERNESKI |
ADVOGADO | : | Eduardo Varela Garcia |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESPECIAL. EX-COMBATENTE. TRANSFERÊNCIA DE COTA-PARTE DO BENEFÍCIO. LEGISLAÇÃO QUE REGE A MATÉRIA. DATA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR DO BENEFÍCIO.
O direito à pensão de ex-combatente é regido pela lei vigente à data de seu óbito.
Em tendo o falecimento do ex-militar ocorrido após a Constituição Federal de 1988 e antes da entrada em vigor da Lei n.º 8.059/90, deve ser aplicado um regime misto, incidindo as Leis n.ºs 4.242/63 e 3.765/60, combinadas com o art. 53 do ADCT/88, afastadas as disposições da Lei n.º 8.059, de 04/07/1990, editada posteriormente.
Resguardado o direito à transferência de cota-parte do benefício de irmã falecida, por aplicação do art. 24 da Lei n.º 3.765/60, assegurada por decisão judicial transitada em julgado oriunda de ação pretérita.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e dar parcial provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de julho de 2015.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
Documento eletrônico assinado por Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7622104v8 e, se solicitado, do código CRC E4B63C5E. | |
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Signatário (a): | Vivian Josete Pantaleão Caminha |
Data e Hora: | 10/07/2015 10:01 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5009443-33.2013.4.04.7000/PR
RELATORA | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | MARIA LURDES KERNESKI |
ADVOGADO | : | Eduardo Varela Garcia |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente a ação ajuizada por Maria Lurdes Kerneski em face da União, objetivando a transferência, para si, da cota-parte de sua irmã, falecida em 23/06/2007, referente à pensão de ex-combatente deixada por seu falecido genitor, nos seguintes termos:
Diante do exposto, julgo procedente o pedido, a fim de condenar a União à transferência, em favor da autora, da cota-parte de sua falecida irmã Lídia Kerneski Osinski, referente à pensão de ex-combatente deixada por seu pai José Kerneski, bem como ao pagamento dos atrasados, a partir de 15/03/2008.
No que diz respeito à correção monetária dos atrasados, considerando que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADI´s 4357 e 4425, declarou a inconstitucionalidade por arrastamento da Lei nº 11.960/2009, necessário o afastamento de sua aplicação, no que se refere à redação conferida por tal lei ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Em razão da inconstitucionalidade ora reconhecida, prevalece o art. 30 da Lei 3.765/1960, o qual dispõe que 'a pensão militar será sempre atualizada pela tabela de vencimentos que estiver em vigor', devendo a correção ocorrer segundo os seus termos, acrescentando-se juros de mora de 0,5% ao mês, a contar da citação (Medida Provisória nº 2.180-35, de 24/08/2001).
Sem custas, considerando o benefício da Justiça Gratuita concedido à parte autora, nos termos da Lei nº 1.060/50 e a isenção legal da União.
Condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, com fundamento no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.
Em suas razões, a União sustentou que, se falecido o ex-combatente após a Constituição de 1988, é aplicável a sistemática prevista no art. 53 do ADCT, regulamentado pela Lei n.º 8.059/90 (art. 14), que veda a conversão e transferência de cotas-parte de pensão especial de ex-combatente.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Em que pesem ponderáveis os argumentos deduzidos pela apelante, não há reparos à sentença, cujos fundamentos adoto como razões de decidir, in verbis:
MARIA LURDES KERNESKI postula a tutela jurisdicional contra a UNIÃO, pretendendo a transferência, para si, da cota parte de sua irmã Lídia Kerneski Osinski, falecida em 23/06/2007, referente à pensão de ex-combatente deixada por seu falecido genitor, bem como o pagamento de atrasados referentes ao quinquídio que antecede a propositura da demanda.
Deduz sua pretensão, em síntese, de acordo com os seguintes fundamentos: a) a requerente e sua irmã, na condição de filhas de ex-combatente, recebiam pensão militar a partir de fevereiro de 1990; b) tal pensão foi suspensa por ato do Tribunal de Contas em fevereiro de 1998; c) ingressaram com ação de restabelecimento da pensão militar, distribuída à 5º Vara Federal de Curitiba/PR (autos nº 2001.70.00.005459-3), na qual obtiveram provimento, determinando-se que a União restabelecesse o benefício e pagasse as parcelas atrasadas; d) a requerente dividia o benefício com sua irmã Lídia Kerneski Osinski (cabendo a cada uma 50% da pensão), que veio a falecer em 23/06/2007; e) mesmo tendo apresentado a certidão de óbito de sua irmã junto à Seção de Pensionistas e Inativos, não houve a transferência da cota, razão pela qual formulou pedido administrativo, negado em 20/04/2010 sob a argumentação de impedimento com base do parágrafo único, do art. 14, da Lei 8.059/90; f) seu direito estaria consubstanciado no art. 24 da Lei nº 3.765/60, lei vigente à época do falecimento do instituidor da pensão.
Pelo despacho do evento 7 foi deferido à autora o benefício da assistência judiciária gratuita e determinada emenda à inicial, para retificação do valor da causa.
A autora apresentou emenda à inicial, retificando o valor dado à causa.
Acolhida a emenda (ev. 12), determinou-se a citação da União.
A União apresentou contestação (ev. 17). Disse que o requerimento administrativo apresentado pela autora em 03/12/2009, para transferência da cota parte de sua irmã, foi indeferido por falta de amparo legal, já que vai de encontro ao prescrito no parágrafo único, do art. 14, da Lei nº 8.059/90. Considerando que o ex-combatente faleceu após a Constituição de 1988, aplicável a sistemática do art. 53 do ADCT, regulamentado pela Lei nº 8.059/90, que veda a conversão e transferência de cotas-partes.
A parte autora apresentou réplica (ev. 20).
Não houve requerimento para produção de outras provas.
II. FUNDAMENTAÇÃO
No caso sub examine, requer a autora a transferência da cota parte de sua irmã (50% - cinquenta por cento), falecida em 23/06/2007, referente à pensão de ex-combatente deixada por seu pai, cujo óbito ocorreu em 23/02/1990 e que, por sua vez, recebia pensão especial concedida pelo Ministério do Exército desde 31/10/1980.
Prescrição
A prescrição é instituto oriundo da teoria geral do direito. É um fato jurídico que acarreta a extinção de uma ação judicial exercitável, em virtude da inércia de seu titular por um certo lapso de tempo. Essencialmente, ela ocorre em razão da inércia da parte beneficiada pelo direito. A inércia se refere ao exercício do direito de ação, e o tempo opera os seus efeitos desde o nascimento desta, que, em regra, é posterior ao nascimento do direito por ela protegido.
O tempo é o principal elemento desse instituto, tendo em vista a estabilidade que a ordem jurídica deve assegurar às relações jurídicas. Assim, o direito de ação deverá ser utilizado dentro de período especificado, sob pena de, mesmo persistindo a existência do direito, a ação que o assegura ser inaceitável, por superveniência da prescrição.
Questão importante para saber se houve ou não prescrição é definir quando começa a correr o prazo. A explicação mais lógica decorre da regra segundo a qual a prescrição atuando, como atua, na ação, começa a correr do dia em que a ação poderia ser proposta e não o foi. É o princípio da 'actio nata', ou seja, a prescrição começa do dia em que nasce a ação ajuizável.
Dessa forma, deve ser feita distinção entre a prescrição do próprio fundo de direito e a prescrição das parcelas não reclamadas no quinquênio que antecede a propositura da ação. Essa última situação é objeto da súmula nº 85 do Superior Tribunal de Justiça: 'Nas relações de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação'.
Acerca do que se entende por 'fundo do direito' o Ministro Moreira Alves, em 1989, conceituou essa hipótese, verbis: 'Fundo de direito é a expressão utilizada para significar que o direito de ser funcionário (situação jurídica fundamental) ou os direitos a modificações que se admitem com relação a esta situação jurídica fundamental, com reclassificações, reenquadramentos, direitos a adicionais por tempo de serviço, direito a gratificação por prestação de serviço especial, etc. a pretensão do fundo de direito prescreve, em direito administrativo, em cinco anos a partir da data da violação dele, pelo seu não reconhecimento inequívoco' (STF. RE nº 115.837-SP, J. 30.06.88. Citado no RESP n° 265.036, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 28/05/2001).
No presente caso, incide a prescrição quinquenal, prevista no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932: 'prescreve em 5 anos os direitos contra a Fazenda Pública, a contar do ato ou fato que a origina, seja qual for a sua natureza'.
No caso dos autos, considerando como marco inicial o falecimento da irmã da requerente, em 23/06/2007, apresentou a demandante requerimento administrativo em 03/12/2009. Em 20/04/2010 houve o indeferimento formal do pedido, conforme documento INF5 (ev.1).
Como a ação foi proposta dentro do quinquídio que sucedeu ao indeferimento administrativo, não há falar em prescrição do fundo do direito.
ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO PRAZO. ART. 4º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO N.º 20.910/32. TERMO A QUO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO. 1. Em se tratando de relação de trato sucessivo, o indeferimento do pedido pela Administração é o termo a quo para o cômputo do prazo quinquenal. 2. Ajuizada a ação antes do transcurso do prazo de cinco anos contados do indeferimento do pedido pela Administração, não há falar em prescrição do fundo de direito. 3. Agravo regimental improvido.
(STJ, 5ª T., AGRESP 200901628337, Relator JORGE MUSSI, DJE DATA:29/04/2011)
Segundo o que dispõe o art. 28 da Lei nº 3.765/1960: 'a pensão militar pode ser requerida a qualquer tempo, condicionada porém, a percepção das prestações mensais à prescrição de 5 (cinco) anos'.
A despeito do requerimento administrativo suspender o decurso do prazo prescricional, verifica-se que a demandante requereu o pagamento apenas das diferenças relativas ao quinquênio que antecedeu a propositura da ação, devendo a análise do pedido limitar-se a tal período.
Pelas razões acima expostas, não há valores atingidos pela prescrição.
Mérito
O direito ao recebimento da pensão, pela autora e sua falecida irmã, foi reconhecido por sentença proferida nos autos nº 2001.70.00.005459-3, confirmada pelo TRF/4ª Região e já transitada em julgado. Da referida decisão, extrai-se:
'(...) O ex-combatente, Sr. José Kerneski, pai das autoras, e ex-membro das operações bélicas realizadas no Teatro de Operações da Itália, no período compreendido entre o dia 06 de outubro de 1944 e 24 de julho de 1945, em razão de suas atuações durante a Segunda Guerra Mundial, teve seu pedido de pensão especial concedido pelo Ministério do Exército no dia 31 de outubro de 1980, com fundamento na Lei nº 4.242 de 1963.
A partir desse dia passou a ser beneficiário da reconhecida 'pensão especial', que teve sua regulamentação já esboçada na Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960, até o dia 23 de fevereiro de 1990, data em que faleceu, segundo consta nos autos à fl. 24.
(...)
A Constituição Federal não só não especifica os critérios exigidos pela Lei nº 8.059, de 04 de julho de 1990, haja vista que esta nem sequer existia, como tampouco estabelece quem serão, para efeito de concessão de benefício, considerados como dependentes. Isto leva à conclusão de que, para se conhecer as condições necessárias a fim de se enquadrar na situação de dependente, e, deste modo, cumprir literalmente o dispositivo constitucional, há que se buscar na sua regulamentação existente na legislação infraconstitucional.
De conseqüência, a lei infraconstitucional que vigia no momento da morte do ex-combatente e, logo, da concessão da pensão especial, era a Lei nº 4.242, de 17 de julho de 1963, a qual estabelecia que a pensão especial seria concedida aos herdeiros, consoante determinação da Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960, que especificou as condições de herdeiros dependentes:
'Art 30. É concedida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, da FEB, da FAB e da Marinha, que participaram ativamente das operações de guerra e se encontram incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos, bem como a seus herdeiros, pensão igual à estipulada no art. 26 da Lei n.º 3.765, de 4 de maio de 1960.
Parágrafo único. Na concessão da pensão, observar-se-á o disposto nos arts. 30 e 31 da mesma Lei nº 3.765, de 1960. (Lei nº 4.242/63)
Art 7º A pensão militar defere-se na seguinte ordem:
I - à viúva;
II - aos filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou inválidos;
III - aos netos, órfãos de pai e mãe, nas condições estipuladas para os filhos; IV - à mãe viúva, solteira ou desquitada, e ao pai inválido ou interdito;
V - às irmãs germanas e consangüíneas, solteiras, viúvas ou desquitadas, bem como aos irmãos menores mantidos pelo contribuinte, ou maiores interditos ou inválidos;
VI - ao beneficiário instituído, desde que viva na dependência do militar e não seja do sexo masculino e maior de 21 (vinte e um) anos, salvo se fôr interdito ou inválido permanentemente.
§ 1º A viúva não terá direito à pensão militar se, por sentença passada em julgado, houver sido considerada cônjuge culpado, ou se, no desquite amigável ou litigioso, não lhe foi assegurada qualquer pensão ou amparo pelo marido. § 2º A invalidez do filho, neto, irmão, pai, bem como do beneficiário instituído comprovar-se-á em inspeção de saúde realizada por junta médica militar ou do Serviço Público Federal, e só dará direito à pensão quando não disponham de meios para prover a própria subsistência. (Lei nº 3.765/60).'
Desse dispositivo, depreende-se que as autoras enquadram-se claramente em sua redação, pois são mulheres, e, independentemente da idade ou do estado civil, são consideradas como dependentes na acepção do legal do termo, cumprindo, deste modo, a determinação geral dada pela Constituição Federal.
(...)
Deste modo, entende-se que a legislação a ser aplicada ao caso é a Lei nº 3.765/60, ou mesmo as leis que a incrementaram, Lei nº 4.242/63 ou Lei nº 3.760/65, jamais a Lei nº 8.059/90, posto que a concessão ao benefício se dera anteriormente à sua entrada em vigência, bem como se vislumbra que as autoras, conforme aquela lei, devem ser consideradas como dependentes, atendendo, assim, a exigência constitucional.'
Depreende-se da decisão supracitada, que a condição de dependente foi reconhecida com base nas Leis nº 3.765/60 e 4.242/63, considerando as normas vigentes à época do falecimento do instituidor da pensão, que ocorreu em fevereiro de 1990.
Contexto histórico
A maioria dos países que entraram em guerra externa, deferiram benefícios especiais aos seus ex-combatentes e respectivos dependentes. O Brasil editou uma série de leis criando benefícios especiais de variadas ordens a essa categoria de cidadãos, tais como prioridade de matrícula dos filhos, facilitação de aquisição de imóvel, acesso a cargos públicos, vantagens no regime de previdência pública, entre outras.
Tais benefícios são de natureza especial, em virtude de que são concedidos exclusivamente a uma categoria de pessoas, unicamente em razão de seu vínculo, direto ou indireto, com a guerra externa. O objetivo da legislação brasileira foi livrar o ex-combatente e seus dependentes diretos do infortúnio da miséria, tão mais degradante para o país quando afligisse aqueles que expuseram sua vida em defesa da Pátria.
Algumas poucas leis concederam um benefício que é objeto de ações judiciais e de grande controvérsia: as pensões especiais de ex-combatente. Cumpre frisar que há uma sucessão de leis concedendo essas pensões especiais aos ex-combatentes de diversas guerras (Paraguai, Uruguai, Primeira e Segunda Grande Guerra). Tratam-se, portanto, e isso não vem sendo atentamente observado, de diversas pensões especiais que se excluem mutuamente.
Desse modo, a análise da legislação brasileira sobre essas pensões especiais conduz o intérprete a uma conclusão, que ora se adianta unicamente para fins de esclarecimento, qual seja, de que cada lei instituiu uma pensão especial de ex-combatente, com valor e requisitos próprios. Não se trata, assim, de benefício único, mas de pensões diversas, que não podem ser acumuladas.
No que tange à natureza jurídica dos benefícios em questão, a pensão especial de ex-combatente já nasce como uma pensão. É benefício que não decorreu de contribuição pecuniária prévia e nem decorre de outro benefício prévio. Apesar da designação de pensão, não constitui benefício previdenciário. Trata-se de uma modalidade típica de auxílio assistencial administrativo que o Legislador concede a determinadas personalidades que se destacaram na vida social brasileira, e a seus dependentes, tais como músicos, políticos, ex-combatentes, e outros. Pode-se dizer que teve essa natureza até o art. 53 do ADCT-88, que não mais exigiu o requisito da miserabilidade para a concessão do benefício e revestiu-o de uma natureza premial, uma recompensa.
Destarte, é imperioso que se não confundam as pensões especiais de ex-combatente com a pensão militar regulada pela Lei 3.765/60. Esta faz parte do sistema de previdência do militar de carreira. Aliás, o militar de carreira, embora possa também ser ex-combatente, está expressamente excluído dos benefícios denominados de pensão especial de ex-combatente.
Em relação à Segunda Guerra Mundial, três diplomas constituem o cerne da questão referente à pensão especial de ex-combatente: art. 30 da Lei 4.242/63; Lei 6.592/1978 e art. 53 do ADCT-88.
A lei que efetivamente instituiu a primeira pensão especial aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial foi a Lei 4.242/63, com requisitos bastante restritos. O valor era o mesmo da pensão militar deixada por segundo sargento. Estava assim redigido o art. 30 da Lei 4.242/63:
Art 30. É concedida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, da FEB, da FAB e da Marinha, que participaram ativamente das operações de guerra e se encontram incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos, bem como a seus herdeiros, pensão igual à estipulada no art. 26 da Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960.
Parágrafo único. Na concessão da pensão, observar-se-á o disposto nos arts. 30 e 31 da mesma Lei n° 3.765, de 1960.
A Lei 4.242/63 impôs, portanto, dois requisitos para a concessão do benefício: participação ativa nas operações de guerra e incapacidade de prover o próprio sustento. No que tange aos herdeiros, a lei não foi clara quanto às condições em que receberiam o benefício. A lei não é clara se a pensão especial é transferida aos herdeiros por morte do ex-combatente, ou o herdeiro tem direito autônomo à pensão. Assim, mesmo que o ex-combatente não fosse, em vida, incapaz, se o sucessor de ex-combatente estivesse nessa condição de incapacidade, faria jus ao benefício (independentemente de o ex-combatente ter adquirido o direito à pensão especial).
Todavia, uma interpretação sistemática, levando em consideração as razões sociológicas da criação desses benefícios que foi, conforme antes referido, conceder um amparo mínimo aos que lutaram pela Pátria e a seus familiares diretos, livrando-os da infame miséria, entendo que a expressão herdeiros deve ser interpretada como dependentes (cônjuge e filhos incapazes).
Com efeito, se para o ex-combatente fazer jus ao benefício era necessário estar em uma situação de miserabilidade ('... incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos...'), menor exigência não se poderia fazer em relação aos herdeiros, rectius, dependentes. Era necessário que estes também se encontrassem em uma situação de incapacidade de prover a própria subsistência. Trata-se, é bom lembrar, de um benefício assistencial.
De qualquer forma, nem a Lei 4.242/63 ou qualquer outra, criou um benefício aos herdeiros, mas sim uma pensão especial ao ex-combatente incapaz, ou seja, para que o herdeiro recebesse o benefício, primeiro esse benefício deveria ter sido concedido ao ex-combatente que comprovasse incapacidade e se encontrasse sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebesse qualquer importância dos cofres públicos.
A Lei 4.242/63 remeteu o aplicador à Lei 3.765/60, exclusivamente, para três finalidades, quais sejam: a) fixar o valor da pensão (igual à deixada por segundo sargento); b) estabelecer a forma de reajuste da pensão (art. 30); e c) estabelecer o órgão concedente e o controle do Tribunal de Contas (art. 31).
Em momento algum a Lei 4.242/63 equiparou a pensão especial aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial à pensão militar instituída pela Lei 3.765/60 e nem autorizou o uso do art. 7° desta lei.
Em 12.09.1967 foi editada a Lei 5.315 que dispunha em seu artigo 1°: 'Art . 1° Considera-se ex-combatente, para efeito da aplicação do artigo 178 da Constituição do Brasil'. O dispositivo constitucional regulamentado, da Constituição de 1967, estava assim redigido:
Art 178 - Ao ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira, da Força Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e Marinha Mercante do Brasil que tenha participado efetivamente de operações bélicas na Segunda Guerra Mundial são assegurados os seguintes direitos:
a) estabilidade, se funcionário público;
b) aproveitamento no serviço público, sem a exigência do
disposto no art. 95, § 1°;
c) aposentadoria com proventos integrais aos vinte e cinco anos de serviço efetivo, se funcionário público da Administração centralizada ou autárquica;
d) aposentadoria com pensão integral aos vinte e cinco anos de serviço, se contribuinte da previdência social;
e) promoção, após interstício legal e se houver vaga;
f) assistência médica, hospitalar e educacional, se carente de recursos.
Infere-se que o art. 178 da CR de 1967 estabeleceu outros benefícios aos participantes de operações de guerra, mas não concedeu nenhuma pensão especial. Considerando que o conceito ampliado de ex-combatente da Lei 5.315/67 somente poderia ser utilizado para 'efeito da aplicação do artigo 178 da Constituição do Brasil, ...': depreende-se claramente que não pode ser estendido para efeito da pensão estatuída pela Lei 4.242/63.
Nesse contexto, no que concerne à pensão especial de ex-combatente estabelecida pela Lei 4.242/63, as regras são as seguintes: a) faz jus ao benefício o ex-combatente que foi à Itália; b) não se aplica o conceito expandido de ex-combatente estatuído pela Lei 5.315/67 (revogada pela Lei nº 5.698/71; c) somente faz jus ao benefício o ex-combatente em situação de miserabilidade, decorrente de uma condição de incapacidade; d) somente faz jus à reversão da pensão o dependente do ex-combatente e desde que o ex-combatente preenchesse os requisitos das alíneas a e c cima; e) não se aplica o art. 7º da Lei 3.765/60.
Posteriormente, a Lei 6.592/1978 criou uma nova pensão especial aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, no valor de duas vezes e meia o maior salário-mínimo. Esta é uma nova pensão que não coincide com aquela criada pelo art. 30 da Lei 4.242/63, pois os requisitos não são os mesmos.
Com efeito, a Lei 6.592/78 ampliou o conceito de ex-combatente, afastando-se da exigência da Lei 4.242/63 (participaram ativamente das operações de guerra), e aplicando, para tanto, o disposto na Lei 5.315/67 que enquadrava como ex-combatente também o pessoal da Marinha Mercante e outros que, embora não tenham ido ao teatro de guerra, participaram de missões de vigilância, segurança e patrulha.
Este benefício criado pela Lei 6.592/78 (pensão de dois e meio salários mínimos), em valor menor do que aquele estabelecido pela Lei 4.242/63 (segundo sargento) era, originalmente, intransmissível e inacumulável (art. 2°), ou seja, não poderia ser recebido pelos dependentes ou sucessores em caso de morte do ex-combatente.
A impossibilidade de transmissão da pensão especial criada pela Lei 6.592/78 (2,5 SM) perdurou até a edição da Lei 7.424/1985. Esta lei, mesmo mantendo a inacumulabilidade, previu a transmissão por morte do benefício à viúva e 'aos filhos menores de qualquer condição ou interditos ou inválidos', que deveriam provar 'que viviam sob a dependência econômica e sob o mesmo teto do ex-combatente e que não recebem remuneração' (§ 2°).
Todavia, o Legislador apressado, ao invés de produzir um regramento próprio para a transmissão da pensão especial da Lei 6.592/78 (de 2,5 SM), resolveu, no § 1° do art. 1° da Lei 7.424/1985, tomar de empréstimo o sistema da lei de pensões militares. Está assim redigido o referido dispositivo:
§ 1° - O processamento e a transferência da pensão especial serão efetuados de conformidade com as disposições da Lei n° 3.765, de 4 de maio de 1960, que dispõe sobre as Pensões Militares.
Também a Lei 7.424/1985 não criou qualquer equiparação da pensão especial da Lei 6.592/78 (de 2,5 SM) com a pensão militar da Lei 3.765/60. Apenas uma parte do sistema da pensão militar foi tomado de empréstimo para regular a transmissão da pensão especial da Lei 6.592/78.
Desse modo, do cotejo das normas referidas, notadamente o art. 30 da Lei 4.242/63 (segundo sargento) e da Lei 6.592/78 (2,5 SM), tem-se as seguintes conclusões: a) tratam-se de benefícios distintos e alternativos; b) somente a Lei 6.592/78 (2,5 SM) remete ao conceito ampliado de ex-combatente da Lei 5.315/67. A Lei 4.242/63 (segundo sargento) não autoriza essa remissão; c) somente o benefício criado pelo art. 30 da Lei 4.242/63 (segundo sargento) era possível de ser transmitido aos dependentes. A pensão especial da Lei 6.592/78 (2,5 SM) só passou a ser transmissível aos dependentes a partir da Lei 7.424/1985; d) a Lei 7.424/1985 dispõe, única e exclusivamente, sobre a pensão especial de que trata a Lei 6.592/78 (2,5 SM), não se aplicando à pensão especial criada pela Lei 4.242/63 (segundo sargento); e) a Lei 7.424/1985 estabelece regramento próprio quanto aos legitimados a receberem a pensão especial da Lei 6.592/78 (2,5 SM). Não autoriza a utilização do art. 7° da Lei 3.765/60 (lei da pensão militar), mas apenas os dispositivos dos Capítulos III e IV desta lei ('processamento e a transferência da pensão especial...).
O ADCT-88, no artigo 53, por sua vez, criou uma terceira pensão especial aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, no valor ampliado do soldo de segundo-tenente, autorizando a acumulação com benefício previdenciário. Todavia, quanto à transmissão da pensão especial, nada inovou, mantendo os mesmos moldes da legislação então vigente, qual seja a Lei 7.424/1985:
Art. 53. Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos da Lei n° 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos:
I -
II - pensão especial correspondente à deixada por segundo-tenente das Forças Armadas, que poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacumulável com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários, ressalvado o direito de opção;
III - em caso de morte, pensão à viúva ou companheira ou dependente, de forma proporcional, de valor igual à do inciso anterior;
Parágrafo único. A concessão da pensão especial do inciso II substitui, para todos os efeitos legais, qualquer outra pensão já concedida ao ex-combatente.
Destarte, a pensão especial criada pelo art. 53 do ADCT-88: a) adotou o conceito ampliado de ex-combatente da Lei 5.315/67; b) previu a transferência do benefício especial, mas restringiu a sua transferência ao cônjuge ou a dependente do ex-combatente; c) afastando o requisito da miserabilidade, coincide com os requisitos da pensão criada pela Lei 6.592/78, aumentando-lhe o valor de 2,5 SM para a pensão deixada por segundo tenente.
Com o objetivo de regulamentar o art. 53 do ADCT-88, foi editada a Lei 8.059/1990. No que se refere à transmissão da pensão especial por ocasião da morte do ex-combatente esta lei inovou unicamente no sentido de incluir 'o pai e a mãe inválidos' e 'o irmão e a irmã, solteiros, menores de 21 anos ou inválidos', mantendo, contudo, a exigência de comprovação da dependência econômica. Também vedou a transmissão da pensão especial estabelecido pela Lei 4.242/63 (segundo sargento).
Norma aplicável
Em relação à lei aplicável quanto ao direito à reversão do benefício, o acórdão proferido no MS 21.707-3-DF do STF é tido como precedente a ser seguido na matéria.
Tratava-se de um mandado de segurança impetrado por filha de ex-combatente, que vinha recebendo a pensão da Lei 4.242/63 desde a morte da mãe, em 19.11.88, sendo que o benefício foi cancelado, em fevereiro de 1993, em razão de o TCU entender que a mesma não era dependente para fins do art. 53, III do ADCT-88. Portanto, o próprio Ministério militar aplicou o art. 7° da Lei 3.765/60 para fins de reversão da pensão, o que foi glosado pelo TCU.
O objeto da decisão limitou-se a precisar qual a lei deveria incidir para regular a reversão (a lei da data do óbito do ex-combatente - posição vencedora do Ministro marco Aurélio - ou a lei da data do óbito da esposa do ex-combatente - tese defendida pelo Relator). O acórdão restou assim ementado:
PENSÃO - EX-COMBATENTE - REGÊNCIA. O direito à pensão de ex-combatente é regido pelas normas legais em vigor à data do evento morte. Tratando-se de reversão do beneficio a filha mulher, em razão do falecimento da própria mãe que a vinha recebendo, consideram-se não os preceitos em vigor quando do óbito desta última, mas do primeiro, ou seja, do ex-combatente.
(Mandado de Segurança N° 21707-3-DF, Relator Ministro Carlos Velloso, Relator para o acórdão Ministro Marco Aurélio).
Conforme exposto acima, a lei que rege a pensão do ex-combatente é aquela em vigor no momento da sua morte.
No caso dos casos, conforme já decidido por sentença, tendo o óbito do instituidor ocorrido após a Constituição Federal de 1988 (em 23/02/1990), porém antes da Lei nº 8.059/90, aplica-se um regime misto.
O STJ já se pronunciou sobre o tema:
ADMINISTRATIVO. EX-COMBATENTE. PENSÃO ESPECIAL. ÓBITO DO INSTITUIDOR DO BENEFÍCIO APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E ANTES DA LEI 8.059/90, PENSÃO ESPECIAL. FILHAS MAIORES. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. REGIME MISTO DE REVERSÃO. PERQUIRIÇÃO ACERCA DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ . Consoante precedentes do STJ, na hipótese de o ex-combatente ter falecido após a Constituição Federal de 1988 e antes da entrada em vigor da Lei 8.059/90, deve ser aplicado o regime misto de reversão, incidindo na espécie as Leis 4.242/63 e 3.766/60, combinadas com o art. 53 do ADCT/88, fazendo jus as filhas maiores à reversão da pensão especial, correspondente ao posto de Segundo- Tenente.
. Descabida a comprovação da dependência econômica das autoras com relação ao falecido pai, porquanto a legislação de regência não previa tal requisito. Precedente do STJ. - grifei
(STJ, Resp 1.398.696, Relator Min. Herman Benjamin, DJE 02/10/2013)
A União defende a aplicação do art. 14, parágrafo único, da Lei nº 8.059/90, que assim dispõe:
Art. 14. A cota-parte da pensão dos dependentes se extingue:
I - pela morte do pensionista;
II - pelo casamento do pensionista;
III - para o filho, filha, irmão e irmã, quando, não sendo inválidos, completam 21 anos de idade;
IV - para o pensionista inválido, pela cessação da invalidez.
Parágrafo único. A ocorrência de qualquer dos casos previstos neste artigo não acarreta a transferência da cota-parte aos demais dependentes.
A vedação à transferência de cota-parte, prevista no art. 14 e parágrafo único, da Lei nº 8.059/90, apenas poderia ser aplicada se o óbito do instituidor tivesse ocorrido já na vigência da referida lei, não sendo este o caso dos autos.
Observe-se o precedente jurisprudencial, que determina a aplicação da Lei nº 8.059/90 em razão do instituidor da pensão, naquele caso, ter falecido já na vigência da lei:
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. SÚMULA 284/STF. EX-COMBATENTE. PENSÃO ESPECIAL. ART. 53 DO ADCT DA CF. ÓBITO OCORRIDO NA VIGÊNCIA DA LEI N. 8.059/90. UNIÃO ESTÁVEL. EX-COMPANHEIRA. PROLE EM COMUM. REVERSÃO DA PENSÃO PERCEBIDA PELO FILHO ATÉ MAIORIDADE. VEDAÇÃO LEGAL. DIREITO A COTA-PARTE DE 50%. PRECEDENTES. 1. Não prospera a alegada violação do art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que deficiente sua fundamentação. Aplicação analógica da Súmula 284 do STF. 2. No caso dos autos, não há dúvida de que o benefício deve ser regido pela Lei n. 8.059/1990, que regulou a pensão especial prevista no art. 53 do ADCT, já que o falecimento do militar ocorreu em 9.1.2000. 3. O pedido de pensão especial formulado pela ex-companheira deve limitar-se ao quinhão a que teria direito, caso houvesse se habilitado conjuntamente com o filho ao tempo da morte do ex-combatente. 4. A Lei n. 8.059/1990, além de dividir em cotas a pensão especial devida aos dependentes do ex-combatente falecido, foi expressa ao vedar a reversão das cotas-partes extintas em prol dos dependentes remanescentes. 5. Na hipótese, a ex-companheira, que somente veio requerer o direito à pensão especial após implemento da maioridade do filho, que recebia integralmente a pensão, deve receber 50% do referido valor, conforme dispõe o parágrafo único do art. 14 da Lei n. 8.059/1990. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. - grifei.
(STJ, 2ªT, Resp 201200377185, Relator Humberto Martins, DJE 13/12/2012)
Por outro lado, poderia se argumentar sobre a aplicabilidade do art. 17 da Lei nº 8.059/90, que teria assegurado o direito aos que já eram beneficiários da pensão, porém vedando sua transmissão:
Art. 17. Os pensionistas beneficiados pelo art. 30 da Lei nº 4.242, de 17 de julho de 1963, que não se enquadrarem entre os beneficiários da pensão especial de que trata esta lei, continuarão a receber os benefícios assegurados pelo citado artigo, até que se extingam pela perda do direito, sendo vedada sua transmissão, assim por reversão como por transferência.
Ocorre que a demandante teve reconhecido seu direito à percepção da pensão nos termos da legislação anterior, de modo que a vedação à transmissão do benefício violaria seu direito adquirido.
Nesse contexto, assiste razão à parte autora, quanto à possibilidade de transferência da cota-parte de sua falecida irmã, por aplicação do art. 24 da Lei nº 3.765/60:
Art 24. A morte do beneficiário que estiver no gôzo da pensão, bem como a cessação do seu direito à mesma, em qualquer dos casos do artigo anterior importará na transferência do direito aos demais beneficiários da mesma ordem, sem que isto implique em reversão; não os havendo, pensão reverterá para os beneficiários da ordem seguinte.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. ARTS. 53, II, DO ADCT E 5º, 11 E 17, DA LEI Nº 8.059/90. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. EX-COMBATENTE. PENSÃO ESPECIAL. REVERSÃO. LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR DO BENEFÍCIO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA O RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO. SÚMULA 7/STJ. 1. Os arts. 53, II, do ADCT e 5º, 11 e 17, da Lei nº 8.059/90, não foram prequestionados pelo Tribunal de origem, nem sequer implicitamente, o que impede o exame da matéria por este Superior Tribunal de Justiça, a teor da Súmula 282/STF. 2. A reversão da pensão especial de ex-combatente deve ser regida pela lei vigente à época do falecimento do instituidor do benefício - ocorrido em 28/08/1982 -, o que atrai a incidência das Leis nº 3.765/60 e 4.242/63, aplicáveis aos ex-combatentes e cujas disposições autorizam a integralização da cota-parte extinta. Precedentes. 3. Apesar de o Tribunal a quo ter deferido a pensão postulada com base no art. 7º, inciso II c/c com os arts. 24 e 26, da Lei nº 3.765/60 e 30 da Lei nº 4.242/63, não fez qualquer menção acerca da dependência econômica das agravadas em relação ao de cujus, do marco inicial da concessão do benefício, nem do valor da pensão. 4. Como a União não opôs os aclaratórios a fim de provocar a manifestação na origem sobre tais pontos, providência que, caso mantida a omissão, facultaria a interposição do recurso especial com base na ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil, inviável a análise requerida na via do especial, em face da ausência do necessário prequestionamento. 5. A revisão do acórdão recorrido, no sentido de improver a pretensão das autoras, ao fundamento de não preenchidos os pressupostos para a concessão do benefício, demandaria o reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado no âmbito do recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ. 6. Agravo regimental não provido. - grifei.
(STJ, 2ª T., AGARESP 201102115696, Relator Min. Castro Meira, DJE 17/02/2012)
ADMINISTRATIVO. PENSÃO DE EX-COMBATENTE. TRANSFERÊNCIA DE COTAS A IRMÃS. TERMO INICIAL. LEI Nº 3.765/60. 1. Cabível transferência de cota-parte de pensão especial de irmãos maiores às demais beneficiárias da pensão, quando o falecimento do ex-combatente se deu sob a vigência da Lei nº 3.765/60. 2. O termo para a verificação da legislação a ser aplicada em caso de pensão especial de ex-combatente reside na data do óbito do instituidor da pensão.
(TRF/4ªR., 3ªT., APELREEX 200872160003434, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 22/04/2010)
Deste modo, conclui-se que a autora cumpre os requisitos legais para que seja transferida, em seu benefício, a cota-parte de sua falecida irmã Lídia Kerneski Osinski, referente à pensão de ex-combatente deixada por seu pai José Kerneski, fazendo jus ao recebimento dos atrasados referentes ao quinquênio que antecedeu a propositura da demanda.
A tais fundamentos, a União não opôs argumentos idôneos a infirmar o convencimento do julgador, motivo pelo qual a sentença deve ser mantida em seus próprios termos.
Com efeito, os benefícios regem-se, ordinariamente, pela legislação vigente quando de sua causa legal, em homenagem ao princípio tempus regit actum, que indica o estatuto de regência que disciplinará sua instituição e/ou majoração.
Consoante a posição sedimentada pelos Tribunais Superiores, a legislação aplicável deve ser aquela vigente ao tempo do óbito do instituidor da pensão, e não a que estava em vigor por ocasião do falecimento da irmã da autora, verbis:
EMENTA Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. Previdenciário. Ex-combatente. Viúva. Pensão por morte. Lei vigente ao tempo do óbito do instituidor da pensão. Cálculo da RMI. Revisão. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Precedentes. 1. A pensão especial por morte de ex-combatente rege-se pelas leis vigentes à data do óbito do instituidor. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação infraconstitucional e o exame de ofensa reflexa à Constituição. Incidência da Súmula nº 636/STF. 3. Agravo regimental não provido.
(STF, RE 832795 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 26/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 18/06/2015 PUBLIC 19/06/2015 - grifei)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. PENSÃO POR MORTE. REVERSÃO DO DIREITO. FILHA MAIOR. POSSIBILIDADE. ARTIGO 7º, INCISO II, DA LEI Nº 3.765/60. LEI DE REGÊNCIA NA DATA DO ÓBITO. PRECEDENTES. 1. Esta Corte Superior de Justiça firmou já entendimento de que a lei aplicável à pensão é aquela que estava em vigor por ocasião da morte do instituidor do benefício (Súmula do STJ, Enunciado nº 340). 2. O artigo 7º, inciso II, da Lei nº 3.765/60 garante o recebimento da pensão militar somente às filhas "de qualquer condição", excluindo os filhos maiores de idade que não sejam interditos ou inválidos. Precedentes. 3. Equipara-se à condição de filha a enteada criada e mantida pelo militar, instituidor da pensão, o qual, a despeito da ausência de laços sanguíneos, dispensou-lhe o mesmo tratamento que se dá a filho biológico (artigo 7º, inciso II, da Lei nº 3.765/60 combinado com o artigo 50, parágrafo 2º, Lei nº 6.880/80). Precedentes. 4. Agravos regimentais improvidos.
(STJ, 1ª Turma, AgREsp 201000738562, Rel. HAMILTON CARVALHIDO, DJE 02/09/2010)
Em tendo o óbito do militar ocorrido após a Constituição Federal de 1988 e antes da entrada em vigor da Lei n.º 8.059/90 (23/02/1990 - evento 1 INFBEN3), deve ser aplicado um regime misto, incidindo as Leis n.ºs 4.242/63 e 3.765/60, combinadas com o art. 53 do ADCT/88, afastadas as disposições da Lei n.º 8.059, de 04/07/1990, porquanto editada posteriormente:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ART. 53, II, DO ADCT. APLICABILIDADE IMEDIATA. FILHA MAIOR DE 21 (VINTE E UM) ANOS E DIVORCIADA. IRRELEVÂNCIA. LEI VIGENTE AO TEMPO DO ÓBITO. LEI 3.765/60. INCIDÊNCIA. PENSÃO ESPECIAL DE SEGUNDO-TENENTE DAS FORÇAS ARMADAS. CABIMENTO. TERMO INICIAL. QUINQUÊNIO QUE ANTECEDEU O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. AÇÃO AJUIZADA APÓS A EDIÇÃO DA MP 2.180-35/01. 6% AO ANO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. Tratando-se de concessão de pensão a dependentes de ex-combatentes, o benefício deve ser regido pelas leis vigentes ao tempo do óbito de seu instituidor. Precedentes do STF e do STJ. 2. A auto aplicabilidade de uma norma jurídica definidora de um direito ou de uma obrigação está diretamente relacionada à densidade normativa que lhe foi dada pelo legislador. As normas de elevada densidade normativa são aquelas que possuem em si elementos suficientes para gerar os efeitos nela previstos, independentemente de nova intervenção legislativa. 3. Hipótese em que, tendo o ex-combatente falecido em 23/11/89, quando já vigente a atual Constituição da República, não tem aplicabilidade a Lei 4.242/63, devendo o direito reivindicado pela recorrente ser examinado à luz do disposto nos arts. 53 do ADCT e 7º e 28 da Lei 3.765/60, que dispõem acerca das pensões militares. 4. O art. 7º, II, da Lei 3.765/60, em sua redação original, garante o recebimento da pensão militar 'aos filhos de qualquer condição', excluindo do rol de dependentes apenas aqueles do sexo masculino maiores de idade 'que não sejam interditos ou inválidos'. Por conseguinte, a autora, malgrado maior de idade e divorciada, faz jus à pensão especial prevista no art. 53, II, do ADCT. 5. Nos termos do art. 28 da Lei 3.765/60, o termo inicial para o pagamento da pensão militar é o quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ação. 6. Os juros moratórios sobre as condenações contra a Fazenda Pública, nas causas iniciadas após a edição da MP 2.180-35/01, que incluiu o art. 1º-F à Lei 9.494/97, devem incidir no percentual de 6% ao ano. 7. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ, 5ª Turma, REsp 1042203/PE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, julgado em 19/03/2009, DJe 13/04/2009)
Acerca da possibilidade de concessão de pensão especial de ex-combatente, o art. 53 do ADCT assim estatui:
Art. 53. Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos da Lei nº 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos:
I - aproveitamento no serviço público, sem a exigência de concurso, com estabilidade;
II - pensão especial correspondente à deixada por Segundo-Tenente das Forças Armadas, que poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacumulável com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários, ressalvado o direito de opção;
III - em caso de morte, pensão à viúva ou companheira ou dependente, de forma proporcional, de valor igual à do inciso anterior;
IV - assistência médica, hospitalar e educacional gratuita, extensiva aos dependentes;
V - aposentadoria com proventos integrais aos vinte e cinco anos de serviço efetivo, em qualquer regime jurídico;
VI - prioridade na aquisição da casa própria, para os que não a possuam ou para suas viúvas ou companheiras.
Parágrafo único. A concessão da pensão especial do inciso II substitui, para todos os efeitos legais, qualquer outra pensão já concedida ao ex-combatente.
A Lei n.º 4.242/63, a seu turno, dispõe:
Art. 30. É concedida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, da FEB, da FAB e da Marinha, que participaram ativamente das operações de guerra e se encontram incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos, bem como a seus herdeiros, pensão igual à estipulada no art. 26 da Lei n.º 3.765, de 4 de maio de 1960.
Parágrafo único. Na concessão da pensão, observar-se-á o disposto nos arts. 30 e 31 da mesma Lei nº 3.765, de 1960.
E a Lei n.º 3.765/60:
Art. 7º A pensão militar defere-se na seguinte ordem:
I - à viúva;
II - aos filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou inválidos;
(...)
Consequentemente, ante a falta de regulamentação do dispositivo constitucional à época do óbito, o dependente de que trata o artigo 53 do ADCT corresponde ao herdeiro de que se refere a Lei n.º 4.242/63.
No que se refere à reversão/transferência de cota-parte, o artigo 24 da Lei n.º 3.765/60 prescreve:
Art. 24. A morte do beneficiário que estiver no gozo da pensão, bem como a cessação do seu direito à mesma, em qualquer dos casos do artigo anterior importará na transferência do direito aos demais beneficiários da mesma ordem, sem que isto implique em reversão; não os havendo, pensão reverterá para os beneficiários da ordem seguinte.
Destarte, a autora tem direito à transferência da cota-parte de sua falecida irmã, por aplicação do art. 24 da Lei nº 3.765/60, razão pela qual não há reparos à sentença, inclusive porque ela teve reconhecida, por decisão judicial transitada em julgado oriunda de ação pretérita, que a legislação a ser aplicada ao caso é a Lei nº 3.765/60, ou mesmo as leis que a incrementaram, Lei nº 4.242/63 ou Lei nº 3.760/65, jamais a Lei nº 8.059/90, posto que a concessão ao benefício se dera anteriormente à sua entrada em vigência.
No tocante aos acréscimos legais, cumpre destacar, inicialmente, que o Supremo Tribunal Federal, nas ADIs n.ºs 4357, 4372, 4400 e 4425, reconheceu a inconstitucionalidade da utilização da TR como índice de correção monetária, modulando os efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos seguintes termos:
Decisão: Concluindo o julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto, ora reajustado, do Ministro Luiz Fux (Relator), resolveu a questão de ordem nos seguintes termos: 1) - modular os efeitos para que se dê sobrevida ao regime especial de pagamento de precatórios, instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009, por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016; 2) - conferir eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes aspectos da ADI, fixando como marco inicial a data de conclusão do julgamento da presente questão de ordem (25.03.2015) e mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data, a saber: 2.1.) fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (i) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e (ii) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; e 2.2.) ficam resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nº 12.919/13 e Lei nº 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária; 3) - quanto às formas alternativas de pagamento previstas no regime especial: 3.1) consideram-se válidas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista por ordem crescente de crédito previstos na Emenda Constitucional nº 62/2009, desde que realizados até 25.03.2015, data a partir da qual não será possível a quitação de precatórios por tais modalidades; 3.2) fica mantida a possibilidade de realização de acordos diretos, observada a ordem de preferência dos credores e de acordo com lei própria da entidade devedora, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado; 4) - durante o período fixado no item 1 acima, ficam mantidas a vinculação de percentuais mínimos da receita corrente líquida ao pagamento dos precatórios (art. 97, § 10, do ADCT), bem como as sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados ao pagamento de precatórios (art. 97, § 10, do ADCT); 5) - delegação de competência ao Conselho Nacional de Justiça para que considere a apresentação de proposta normativa que discipline (i) a utilização compulsória de 50% dos recursos da conta de depósitos judiciais tributários para o pagamento de precatórios e (ii) a possibilidade de compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos inscritos em dívida ativa até 25.03.2015, por opção do credor do precatório, e 6) - atribuição de competência ao Conselho Nacional de Justiça para que monitore e supervisione o pagamento dos precatórios pelos entes públicos na forma da presente decisão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão, e, em menor extensão, a Ministra Rosa Weber, que fixava como marco inicial a data do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade. Reajustaram seus votos os Ministros Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 25.03.2015. (grifei)
Todavia, calha registrar que o Superior Tribunal Federal, ao admitir a existência de repercussão geral no RE 870947, entendeu que a inconstitucionalidade da aplicação, para fins de correção monetária, do art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pela Lei 11.960/2009, reconhecida no julgamento das ADI's 4.357 e 4.425, diz respeito apenas ao período posterior à inscrição da requisição de pagamento, in verbis:
(...)
Já quanto ao regime de atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública a questão reveste-se de sutilezas formais. Explico.
Diferentemente dos juros moratórios, que só incidem uma única vez até o efetivo pagamento, a atualização monetária da condenação imposta à Fazenda Pública ocorre em dois momentos distintos.
O primeiro se dá ao final da fase de conhecimento com o trânsito em julgado da decisão condenatória. Esta correção inicial compreende o período de tempo entre o dano efetivo (ou o ajuizamento da demanda) e a imputação de responsabilidade à Administração Pública. A atualização é estabelecida pelo próprio juízo prolator da decisão condenatória no exercício de atividade jurisdicional.
O segundo momento ocorre já na fase executiva, quando o valor devido é efetivamente entregue ao credor. Esta última correção monetária cobre o lapso temporal entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Seu cálculo é realizado no exercício de função administrativa pela Presidência do Tribunal a que vinculado o juízo prolator da decisão condenatória.
Pois bem. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs nº 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade da correção monetária pela TR apenas quanto ao segundo período, isto é, quanto ao intervalo de tempo compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Isso porque a norma constitucional impugnada nas ADIs (art. 100, §12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/09) referia-se apenas à atualização do precatório e não à atualização da condenação ao concluir-se a fase de conhecimento.
Essa limitação do objeto das ADIs consta expressamente das respectivas ementas, as quais, idênticas, registram o seguinte:
DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. (...) IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CF, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. (...)
(...) 5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).
(...) 7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra.
(ADI 4357, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14/03/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 25-09-2014 PUBLIC 26-09-2014 sem grifos no original)
A redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, tal como fixada pela Lei nº 11.960/09, é, porém, mais ampla, englobando tanto a atualização de requisitórios quanto a atualização da própria condenação. Confira-se:
Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
As expressões uma única vez e até o efetivo pagamento dão conta de que a intenção do legislador ordinário foi reger a atualização monetária dos débitos fazendários tanto na fase de conhecimento quanto na fase de execução. Daí por que o STF, ao julgar as ADIs nº 4.357 e 4.425, teve de declarar a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Essa declaração, porém, teve alcance limitado e abarcou apenas a parte em que o texto legal estava logicamente vinculado no art. 100, §12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/09, o qual se refere tão somente à atualização de valores de requisitórios.
Na parte em que rege a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública até a expedição do requisitório (i.e., entre o dano efetivo/ajuizamento da demanda e a condenação), o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 ainda não foi objeto de pronunciamento expresso do Supremo Tribunal Federal quanto à sua constitucionalidade e, portanto, continua em pleno vigor.
Ressalto, por oportuno, que este debate não se colocou nas ADIs nº 4.357 e 4.425, uma vez que, naquelas demandas do controle concentrado, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 não foi impugnado originariamente e, assim, a decisão por arrastamento foi limitada à pertinência lógica entre o art. 100, §12, da CRFB e o aludido dispositivo infraconstitucional.
(...) (grifei)
Vê-se, pois, que a questão relativa à possibilidade de aplicação, para fins de correção monetária, do art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pela Lei 11.960/2009, em relação ao período anterior à inscrição da requisição de pagamento, ainda não foi decidida pelo STF, que reconheceu a existência de repercussão geral da matéria (RE 870947).
Por essa razão, entendo que a especificação da taxa de juros e dos índices de correção monetária deve ser diferida para a fase da execução, de modo a racionalizar o andamento do processo. A ação de conhecimento deve centrar-se no reconhecimento do direito postulado, e a questão dos encargos legais incidentes sobre o débito ora imputado à ré, dado o caráter instrumental e acessório, não pode impedir seu regular trâmite até o desfecho final, com o esgotamento de todos os recursos atinentes à matéria de fundo.
Nesse sentido:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA POLÍTICA. PAGAMENTO RETROATIVO DOS EFEITOS FINANCEIROS. CONCESSÃO DA ORDEM. REVISÃO DA PORTARIA DE ANISTIA. NÃO-COMUNICAÇÃO ANTES DO JULGAMENTO DO WRIT. SUSPENSÃO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA PARA O ADIMPLEMENTO IMEDIATO. NECESSIDADE DE EXECUÇÃO (ARTIGO 730 DO CPC). JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. QUESTÃO QUE EXTRAPOLA O OBJETO DO MANDAMUS. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 5º DA LEI N. 11.960/09. MODULAÇÃO DE EFEITOS NÃO CONCLUÍDA PELO STF. DIFERIMENTO PARA A FASE EXECUTIVA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1 e 2, omissis. 3. Diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014)
Reconhece-se, assim, por ora, que é devida a incidência de juros e correção monetária sobre o débito, nos termos da legislação vigente no período a que se refere, postergando-se a especificação dos índices e taxas aplicáveis para a fase de execução.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e dar parcial provimento à remessa oficial.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 08/07/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5009443-33.2013.4.04.7000/PR
ORIGEM: PR 50094433320134047000
RELATOR | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PRESIDENTE | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
PROCURADOR | : | Dr. Eduardo Kurtz Lorenzoni |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | MARIA LURDES KERNESKI |
ADVOGADO | : | Eduardo Varela Garcia |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 08/07/2015, na seqüência 344, disponibilizada no DE de 25/06/2015, da qual foi intimado(a) UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE | |
: | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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