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EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECONHECIMENTO DE SABERES E COMPETÊNCIAS. LEI 12. 772/2012. DIREITO A TRAMITAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PORTA...

Data da publicação: 20/05/2021, 07:01:01

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECONHECIMENTO DE SABERES E COMPETÊNCIAS. LEI 12.772/2012. DIREITO A TRAMITAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PORTARIA 207/2020 DO MEC. 1. O andamento do pedido de concessão de RSC foi obstado sob justificativa que deve ser afastada. A parte tem direito líquido e certo a que seu processo administrativo tenha tramitação, com exame da documentação pertinente e demais requisitos para percepção da rubrica. O Conselho Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências foi criado pela Lei nº12.772/12 e as portarias subsequentes não podem trancar a marcha dos atos administrativos, impedindo a análise sobre direito da impetrante. 2. Suscitar que a revogação do regulamento pela Administração Pública enseja a exclusão do direito previsto pelo legislador ordinário seria o mesmo que permitir à Administração Pública revogar indiretamente a lei ordinária, em afronta ao processo legislativo previsto constitucionalmente e à própria democracia em si. (TRF4 5049351-44.2020.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 12/05/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5049351-44.2020.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (INTERESSADO)

APELADO: PAOLA GOMES PEREIRA (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e apelação interposta contra sentença de concessão da segurança para que a impetrante seja avaliada sobre os cumprimentos dos requisitos para receber a gratificação RSC - Reconhecimento de Saberes e Competências.

Eis o dispositivo:

Pelo exposto, concedo em parte a segurança, para afastar o ato administrativo que suspendeu o exame do pedido de Reconhecimento de Saberes e Competências - RSC, e, por consequência, determino às autoridades coatoras que reapreciem o requerimento formulado administrativamente, analisando se preenchidos os requisitos legais e regulamentares para fazer jus à vantagem, com base nas disposições da Resolução nº 1/2014 do MEC vigente à época em que formulado o pedido administrativo. Por consequência, julgo extinto o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Defiro medida liminar, para imediato cumprimento da determinação constante deste dispositivo, tendo em vista a plausibilidade jurídica do pedido, tal como referido na fundamentação, e a urgência na obtenção da medida, dada a natureza alimentar da verba em questão.

A instituição de ensino recorre alegando sua ilegitimidade passiva, eis que será criado Conselho Permanente para o Reconhecimento de Saberes e Competências - CPRSC, órgão exterior à UFRGS e que regulará as normas sobre a rubrica ora debatida. No mérito, aduz que o procedimento administrativo foi interrompido com o advento da Portaria 207/2020 do Ministério da Educação - MEC, cujo art. 6 º determina que as novas concessões do Reconhecimento de Saberes e Competências - RSC devem aguardar as diretrizes e procedimentos que venham a ser estabelecidas pelo Conselho. Defende que não houve violação a direito líquido nem direito adquirido à regime jurídico e que agiu sob o primado do princípio da legalidade. Aponta violação à separação dos poderes, autonomia universitária, isonomia.

Com contrarrazões, vieram os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

LEGITIMIDADE

Afasto a alegação de ilegitimidade da UFRGS sob o argumento de que a Portaria 207/2020 teria deixado ao encargo do Conselho Permanente para o Reconhecimento de Saberes e Competências - CPRSC - a elaboração de regulamento de organização do Conselho.

Isso porque a Portaria MEC nº 491/2013 já teria estabelecido o Conselho Permanente para o Reconhecimento de Saberes e Competências da Carreira do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico - CPRSC e, por sua vez, a Resolução nº 1/2014 do CPRSC teria estabelecido pressupostos, diretrizes e procedimentos para a concessão de RSC aos docentes da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, por meio de processo avaliativo especial.

Logo, existe previsão legal para a criação do referido órgão há bastante tempo e tal não obsta a legitimidade da Universidade, a qual detém autonomia jurídica, administrativa e financeira. É responsável pelo pagamento das diferenças remuneratórias de seus servidores.

Na mesma linha:

ADMINISTRATIVO. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA OU NÃO CONVERTIDA EM DOBRO PARA FINS DE APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. Os efeitos da relação jurídica controvertida são exercidos sobre o patrimônio da entidade UFRGS, tendo em vista que compõe a administração indireta e, portanto, possui autonomia jurídica, administrativa e financeira. Pelo mesmo motivo descabe insurgir-se contra a ausência da União como sua litisconsorte, já que não se está a tratar de servidores vinculados à administração direta. (...) (TRF4, AC Nº 5052697-42.2016.404.7100, 4ª Turma, VIvian Josete Pantaleão Caminha, EM 06/10/2017)

MÉRITO

Em que pese a insurgência recursal, afiguram-se irrefutáveis as considerações desenvolvidas na sentença recorrida, as quais transcrevo tomando-as como próprias, eis que despiciendo utilizar-se de tautologia para exame de situações jurídicas aqui envolvidas. Verbis:

A controvérsia dos autos diz respeito ao pedido de pagamento de RSC - Reconhecimento de Saberes e Competências, a despeito da revogação a Portaria nº Portaria 491, de 10.06.2013 pela edição da Portaria nº 207/2020 do Ministério da Educação, a qual destituiu o Conselho Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências, responsável por regulamentar a matéria.

O Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC) foi instituído pela L 12.772/12, que tratou da estruturação do Plano de Carreiras e Cargos do Magistério Federal. No que importa ao presente caso, a lei dispôs o seguinte:

Art. 1º. Fica estruturado, a partir de 1º de março de 2013, o Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, composto pelas seguintes Carreiras e cargos:

I - Carreira de Magistério Superior, composta pelos cargos, de nível superior, de provimento efetivo de Professor do Magistério Superior, de que trata a Lei nº 7.596, de 10 de abril de 1987;

II - Cargo Isolado de provimento efetivo, de nível superior, de Professor Titular-Livre do Magistério Superior;

III - Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, composta pelos cargos de provimento efetivo de Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, de que trata a Lei no 11.784, de 22 de setembro de 2008; e

IV - Cargo Isolado de provimento efetivo, de nível superior, de Professor Titular-Livre do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico.

[...]

CAPÍTULO IV

DA REMUNERAÇÃO DO PLANO DE CARREIRAS E CARGOS DE MAGISTÉRIO FEDERAL

Art. 16. A estrutura remuneratória do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal possui a seguinte composição:

I - Vencimento Básico, conforme valores e vigências estabelecidos no Anexo III, para cada Carreira, cargo, classe e nível; e

II - Retribuição por Titulação - RT, conforme disposto no art. 17.

Parágrafo único. Fica divulgada, na forma do Anexo III-A, a variação dos padrões de remuneração, estabelecidos em lei, dos cargos do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal. (Incluído pela Lei nº 13.325, de 2016)

Art. 17. Fica instituída a RT, devida ao docente integrante do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal em conformidade com a Carreira, cargo, classe, nível e titulação comprovada, nos valores e vigência estabelecidos noAnexo IV.

§ 1o A RT será considerada no cálculo dos proventos e das pensões, na forma dos regramentos de regime previdenciário aplicável a cada caso, desde que o certificado ou o título tenham sido obtidos anteriormente à data da inativação.

§ 2o Os valores referentes à RT não serão percebidos cumulativamente para diferentes titulações ou com quaisquer outras Retribuições por Titulação, adicionais ou gratificações de mesma natureza.

Art. 18. No caso dos ocupantes de cargos da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, para fins de percepção da RT, será considerada a equivalência da titulação exigida com o Reconhecimento de Saberes e Competências - RSC.

§ 1º. O RSC de que trata o caput poderá ser concedido pela respectiva IFE de lotação do servidor em 3 (três) níveis:

I - RSC-I;

II - RSC-II; e

III - RSC-III.

§ 2º. A equivalência do RSC com a titulação acadêmica, exclusivamente para fins de percepção da RT, ocorrerá da seguinte forma:

I - diploma de graduação somado ao RSC-I equivalerá à titulação de especialização;

II - certificado de pós-graduação lato sensu somado ao RSC-II equivalerá a mestrado; e

III - titulação de mestre somada ao RSC-III equivalerá a doutorado.

§ 3º. Será criado o Conselho Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências no âmbito do Ministério da Educação, com a finalidade de estabelecer os procedimentos para a concessão do RSC.

§ 4º. A composição do Conselho e suas competências serão estabelecidas em ato do Ministro da Educação.

§ 5º. O Ministério da Defesa possuirá representação no Conselho de que trata o § 3o, na forma do ato previsto no § 4º.

Art. 19. Em nenhuma hipótese, o RSC poderá ser utilizado para fins de equiparação de titulação para cumprimento de requisitos para a promoção na Carreira.

Os efeitos da lei deram-se a partir de 1ºmar.2013 (art. 1º), e, pelo que se vê, a concessão do Reconhecimento de Saberes e Competências - RSC permite majorar o valor pago a título de Retribuição por Titulação - RT para o patamar imediatamente superior (§ 2º do art. 18).

A Portaria nº 491, de 10 de junho de 2013, do MEC, criou o Conselho Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências da Carreira do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico.

A Portaria nº 844, de 10 de setembro de 2013, do MEC, designou os membros do Conselho Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências.

A Portaria nº 1.094, de 7 de novembro de 2013, do MEC, aprovou o Regulamento do Conselho Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências - CPRSC da carreira do magistério do ensino básico, técnico e tecnológico - EBTT.

Em atenção ao § 3º do art. 18, o Ministério da Educação criou o Conselho Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências - CPRSC, o qual editou a Resolução nº 1/2014, regulamentando a concessão da vantagem:

Art. 2º. Conceitua-se Reconhecimento de Saberes e Competências o processo de seleção pelo qual são reconhecidos os conhecimentos e habilidades desenvolvidos a partir da experiência individual e profissional, bem como no exercício das atividades realizadas no âmbito acadêmico, para efeito do disposto no artigo 18 da Lei nº 12.772, de 2012.

§ 1º - Para fins de Reconhecimento de Saberes e Competências devem ser observados os seguintes perfis:

a) RSC I - Reconhecimento das experiências individuais e profissionais, relativas às atividades de docência e/ou orientação, e/ou produção de ambientes de aprendizagem, e/ou gestão, e/ou formação complementar e deverão pontuar, preferencialmente, nas diretrizes relacionadas no inciso I, do art. 11, desta resolução.

b) RSC II - Reconhecimento da participação em programas e projetos institucionais, participação em projetos de pesquisa, extensão e/ou inovação e deverão pontuar, preferencialmente, nas diretrizes relacionadas no inciso II, do art. 11, desta resolução.

c) RSC III - Reconhecimento de destacada referência do professor, em programas e projetos institucionais e/ou de pesquisa, extensão e/ou inovação, na área de atuação e deverão pontuar, preferencialmente, nas diretrizes relacionadas no inciso III, do art. 11, desta resolução.

§ 2º - A avaliação dos critérios que serão adotados pelas Instituições Federais de Ensino (IFE) para contemplar as diretrizes propostas na alínea "c" do Inciso I e na alínea "a" do inciso II do art. 11, desta Resolução, deverá ser baseada nas atividades de docência e de orientações, e esses critérios deverão ser avaliados, obrigatoriamente, em todos os níveis.

§ 3º - O processo de seleção previsto no caput se dará sem limites de vagas, nos termos do art. 18, da Lei nº 12.772, de 2012.

Art. 3º - O processo avaliativo para a concessão do Reconhecimento de Saberes e Competências aos docentes da Carreira do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, será de responsabilidade de Comissão Especial, constituída no âmbito de cada IFE, observados os pressupostos e as diretrizes, constantes nesta Resolução e no regulamento de cada IFE.

(...)

Art. 7º - A apresentação de atividades para obtenção do RSC independe do tempo em que as mesmas foram realizadas.

Art. 8º. Serão consideradas, para efeito do RSC, a experiência profissional, a participação em programas institucionais e/ou em projetos de pesquisa e/ou extensão e/ou inovação.

(p. 1 do doc. RES8 do ev. 1)

O artigo 12 da Resolução nº 1/2014, com a redação original, dispunha:

Art. 12 - As IFE deverão elaborar regulamento interno para o processo de Reconhecimento de Saberes e Competências em consonância com os pressupostos, diretrizes e procedimentos estabelecidos por esta resolução, devendo encaminhá-lo formalmente ao Conselho Permanente para o Reconhecimento de Saberes e Competências (CPRSC) da Carreira do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico para homologação e posterior publicação pelo Ministério da Educação.

§ 1º - Para concessão do RSC, a IFE deverá assegurar a coerência entre as atividades de ensino, pesquisa, extensão, gestão e inovação, na definição da pontuação dos critérios, considerando as finalidades institucionais e os perfis de RSC.

§ 2º - Na definição da pontuação dos critérios para a concessão do RSC, a IFE deverá prever a avaliação, tanto qualitativa quanto quantitativa, de forma a garantir o atendimento dos pressupostos e das diretrizes desta resolução.

§3º. O Conselho Superior ou órgão equivalente das IFE deverá aprovar o regulamento interno, antes do seu encaminhamento ao CPRSC.

§4º A inscrição no processo de Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC) se dará por meio de solicitação à CPPD ou àc omissão análoga a CPPD, observando o regulamento institucional.

§5º. Os professores EBTT deverão apresentar relatório com documentação comprobatória das atividades à comissão especial.

§6º. Na ausência de documentação comprobatória, para o período anterior a 1º de março de 2003, será facultado a apresentação de memorial, que deverá conter a descrição detalhada da trajetória acadêmica, profissional e intelectual do candidato ao RSC, ressaltando cada etapa de sua experiência.

Assim, cabia à Instituição Federal de Ensino elaborar regulamento interno para o processo de Reconhecimento de Saberes e Competências, respeitando o regramento da resolução mencionada.

Na hipótese dos autos, a parte autora requereu o pagamento da rubrica Reconhecimento de Saberes e Competências em 05/08/2019 (Evento 1, PROCADM4, página 1).

A análise do requerimento administrativo formulado pela parte autora foi suspensa em razão da edição da Portaria n. 207/2020, que revogou o regulamento anterior a respeito da análise dos pedidos de Reconhecimento de Saberes e Competência (Evento 1, PROCADM7, páginas 10 e 17).

Em tese, pelos fundamentos apresentados pela parte demandada, revogada a norma administrativa regulamentadora, impossível o exercício do direito previsto pelo legislador ordinário.

Todavia, a circunstância de a Resolução nº 1/2014 do MEC ter sido revogada não tem condão de atingir o direito da parte autora, pois o pedido administrativo fora formulado quando ainda vigente a norma em questão, de tal sorte que o direito ao recebimento da rubrica Reconhecimento de Saberes e Competências deve ser analisado sob a vigência da Lei nº 12.772/2012 e dos regulamentos administrativos que permitiram o seu exame.

Suscitar que a revogação do regulamento pela Administração Pública enseja a exclusão do direito previsto pelo legislador ordinário seria o mesmo que permitir à Administração Pública revogar indiretamente a lei ordinária, em afronta ao processo legislativo previsto constitucionalmente e à própria democracia em si.

Ademais, a circunstância de haver servidores ativos ou inativos que recebem a rubrica Reconhecimento de Saberes e Competência e outros servidores ativos e inativos que deixarão de recebê-la porque o regulamento administrativo fora revogado sem que outro fosse editado em seu lugar, é vislumbrar a perpetração da desigualdade no tratamento dos administrados por parte da Administração Pública, eis que situações iguais receberão tratamento distinto em razão da omissão da Administração Pública em regulamentar a norma prevista na legislação ordinária.

A solução ultrapassa os critérios da escolástica para resolver os conflitos de lei no tempo - hierarquia, especialidade e anterioridade -, trazendo à baila a teoria dos Diálogo das Fontes, de Erik Jayme, na lição da Professora Cláudia Lima Marques:

"Diálogo das fontes" é a expressão visionária do grande mestre Erik Jayme. Pela força da Constituição (e dos Direitos Fundamentais), fontes plurais não mais se excluem – ao contrário, mantêm as suas diferenças e narram simultaneamente suas várias lógicas (dia-logos), cabendo ao aplicador da lei coordená-las ("escutando-as"), impondo soluções harmonizadas e funcionais no sistema, assegurando efeitos úteis a essas fontes, ordenadas segundo a compreensão imposta pelo valor constitucional.

Como escrevi, os critérios da escolástica para resolver os conflitos de leis no tempo – hierarquia, especialidade e anterioridade – já não mais solucionam todos os conflitos. Isso porque o campo de aplicação das leis não é mais coincidente material e subjetivamente (o que impede a exclusão, revogação, derrogação), mas sim é convergente (o que aumenta o número de conflitos aparentes e antinomias). Isso porque o legislativo ora prioriza a proteção de grupos a proteger (campo de aplicação subjetivamente geral, como o Código de Defesa do Consumidor-CDC, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e Adolescente etc.), ora os contratos (Lei de Planos de Saúde, Lei do Consórcio etc.) e relações especiais (campo de aplicação especial materialmente, como a Lei da Liberdade Econômica para relações entre iguais, civis e empresários, mas também o CDC, que é especial para as relações de consumo entre consumidores e fornecedores), ora setores transversais do direito (Lei Geral de Proteção de Dados, Marco Civil da Internet, com campo de aplicação materialmente ‘geral’ e ‘especial’ ao mesmo tempo, mas subjetivamente geral) e mantém leis gerais (para as relações entre ‘iguais’, como o Código Civil de 2002 e Código Comercial – atualmente bastante reduzido, mas há projetos de um novo Código Comercial geral e principiológico) formando ‘grupo de leis’ temáticas ou microssistemas especiais (de proteção dos interesses coletivos).

A fragmentação em leis especiais (materiais ou subjetivamente), gerais e transversais, o pluralismo de leis de ordem pública (como o CDC), leis complementares, pluralismo de normas de conduta e de organização do sistema (como as bancárias) acaba em antinomias (aparentes) e conflitos de leis. Há que se priorizar a harmonia e a coordenação entre as normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema unitário) e a “coerência derivada ou restaurada” (cohérence dérivée ou restaurée), que se fará pelo ‘dia-logos’ (uso das várias lógicas), e não pela exclusão de uma lei superada pela ‘lógica’ de outra (mono-logos), como nos critérios clássicos de ‘solução’ (superação de uma norma por outra e uso único de uma das leis, com retirada de uma norma do sistema).

E nesse ponto, impõe-se transcrever o disposto nos artigos 24 e 30, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)

Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Verifica-se, portanto, que a LINDB resguarda os princípios gerais de direito administrativo, dentre eles o princípio da igualdade, além dos demais princípios gerais de direito, constitucionalmente assegurados, de tal sorte que o exame do direito de a parte autora receber a rubrica Reconhecimento de Saberes e Competência, em face dos títulos por ela havidos antes da revogação do regulamento, não pode ser arredado pela revogação da resolução por parte da Adminsitração Pública.

Nessa toada, procedente em parte o pedido formulado, porquanto caberá à Administração Pública avaliar se a parte autora preenche os requisitos para a concessão do RSC.

Com efeito, a autora, professora do Colégio de Aplicação da UFRGS, requereu administrativamente a concessão de RSC, em 05/08/19. Seu processo foi suspenso sob a justificativa da publicação da Portaria 207/2020, que teria revogado a Portaria 491/13.

O andamento do pedido de concessão de RSC foi obstado sob justificativa que deve ser afastada. A parte tem direito líquido e certo a que seu processo administrativo tenha tramitação, com exame da documentação pertinente e demais requisitos para percepção da rubrica. O Conselho Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências foi criado pela Lei nº12.772/12 e as portarias subsequentes não podem trancar a marcha dos atos administrativos, impedindo a análise sobre direito da impetrante.

Infactível extrair da Res. 207/2020 revogação de tudo que já havia sido produzido. A portaria 207/2020 revogou apenas o Conselho permanente, restando intacta a normatização, permitindo-se o prosseguimento do procedimento administrativo instaurado pela impetrante. Pedido esse formulado quando ainda vigente a Portaria anterior. Logo, o direito ao recebimento da rubrica RSC deve ser analisado sob a vigência da Lei nº 12.772/2012.

Ademais, não há falar em violação ao Princípio da Legalidade, eis que a parte autora busca a aplicação da Lei nº 12.772/12, e, por consequência, está-se a tratar de ato administrativo, o que permite a atuação do Poder Judiciário quanto à legalidade dos mesmos, restando respeitado o princípio da separação dos poderes.

Prejudicado o pedido de efeito suspensivo.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e ao reexame necessário.



Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002463906v15 e do código CRC 7686c4f3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER
Data e Hora: 12/5/2021, às 18:15:35


5049351-44.2020.4.04.7100
40002463906.V15


Conferência de autenticidade emitida em 20/05/2021 04:01:01.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5049351-44.2020.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (INTERESSADO)

APELADO: PAOLA GOMES PEREIRA (IMPETRANTE)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECONHECIMENTO DE SABERES E COMPETÊNCIAS. LEI 12.772/2012. Direito a tramitação do processo administrativo. portaria 207/2020 do mec.

1. O andamento do pedido de concessão de RSC foi obstado sob justificativa que deve ser afastada. A parte tem direito líquido e certo a que seu processo administrativo tenha tramitação, com exame da documentação pertinente e demais requisitos para percepção da rubrica. O Conselho Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências foi criado pela Lei nº12.772/12 e as portarias subsequentes não podem trancar a marcha dos atos administrativos, impedindo a análise sobre direito da impetrante.

2. Suscitar que a revogação do regulamento pela Administração Pública enseja a exclusão do direito previsto pelo legislador ordinário seria o mesmo que permitir à Administração Pública revogar indiretamente a lei ordinária, em afronta ao processo legislativo previsto constitucionalmente e à própria democracia em si.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e ao reexame necessário, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de maio de 2021.



Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002463907v5 e do código CRC ec32b033.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER
Data e Hora: 12/5/2021, às 18:15:35


5049351-44.2020.4.04.7100
40002463907 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 20/05/2021 04:01:01.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 03/05/2021 A 11/05/2021

Apelação/Remessa Necessária Nº 5049351-44.2020.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (INTERESSADO)

APELADO: PAOLA GOMES PEREIRA (IMPETRANTE)

ADVOGADO: LUISA GOMES ROSA (OAB RS113896)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/05/2021, às 00:00, a 11/05/2021, às 14:00, na sequência 232, disponibilizada no DE de 22/04/2021.

Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E AO REEXAME NECESSÁRIO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 20/05/2021 04:01:01.

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