APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5043563-73.2011.4.04.7000/PR
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARIA HELENA ARNS STOBBE |
ADVOGADO | : | MARCELO TRINDADE DE ALMEIDA |
: | JOÃO LUIZ ARZENO DA SILVA | |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TÉCNICO DO SEGURO SOCIAL. DESEMPENHO DE ATIVIDADES PRÓPRIAS DE ANALISTA DO SEGURO SOCIAL. DESVIO DE FUNÇÃO NÃO CONFIGURADO.
. Não há falar em desvio de função se o servidor desempenha as atribuições que estão inseridas na previsão legal pertinente à carreira e ao cargo que ocupa, pois está executando aquilo que integra o conteúdo de suas atribuições e deveres para com a administração pública, que o remunera pelo exercício daquelas atividades.
. Pela forma como foram redigidas as atividades dos cargos de Técnico e Analista do Seguro Social (Lei nºs 10.667/03 e 11.501/07) percebe-se que a diferença entre eles não está nas atribuições, mas na escolaridade exigida para cada cargo, sendo que a vaguidade das funções previstas para o Técnico não caracterizam o desvio de função.
. Nas carreiras do Seguro Social a escolaridade superior não é inerente nem necessária ao desempenho das atribuições do cargo
. Ainda que a prova eventualmente produzida pudesse apontar para a semelhança entre algumas das atividades realizadas na unidade administrativa em que lotado o servidor, isso não significa que o Técnico estivesse realizando atribuições privativas de cargo superior (Analista Previdenciário).
. No INSS as atividades-fim são realizadas por ambos os cargos e não há distinção privativa entre tais tarefas entre agentes públicos de nível superior e de nível intermediário, tudo apontando para que tais atividades possam ser igualmente exercidas por pessoal de nível intermediário, como historicamente era feito no INSS, antes da criação do cargo de Analista do Seguro Social.
. Em não tendo o servidor comprovado que exercia atribuições típicas e próprias do cargo de Analista do Seguro Social, não tem direito às diferenças remuneratórias decorrentes de equiparação salarial com Analista do Seguro Social.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial e julgar prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de junho de 2015.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6184081v5 e, se solicitado, do código CRC 16ED7861. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Cândido Alfredo Silva Leal Junior |
Data e Hora: | 25/06/2015 17:55 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5043563-73.2011.4.04.7000/PR
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARIA HELENA ARNS STOBBE |
ADVOGADO | : | MARCELO TRINDADE DE ALMEIDA |
: | JOÃO LUIZ ARZENO DA SILVA | |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada em face do INSS com o objetivo de condená-lo ao pagamento das diferenças entre o vencimento recebido pela parte autora, Técnica do Seguro Social, e o percebido pelos Analistas do Seguro Social, uma vez que estaria atuando em desvio de função, porque realizando atividades próprias do cargo de Analista.
Devidamente processado o feito, sobreveio sentença julgando parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a pagar à autora a diferença entre os valores por ela recebidos e o quanto era devido aos servidores ocupantes do cargo de Analista Previdenciário ou Analista do Seguro Social, no nível inicial de carreira, no período de 09/11/2006 até a data da prolação da sentença, com reflexos em todas as demais parcelas pagas com base no vencimento básico. As diferenças postuladas devem gerar reflexos em férias, gratificações e férias e 13º salário. Tendo em vista a sucumbência mínima da parte autora, o INSS foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor dado à causa. Foi negado provimento aos embargos de declaração opostos pela parte autora.
Apela a parte autora quanto à adoção do nível inicial da carreira como paradigma de vencimento para o cálculo das diferenças, entendendo que deve ser tomado como paradigma o vencimento do cargo de Analista do Seguro Social que corresponda à evolução proporcional entre o início e o fim da carreira já conquistada pela servidora. Quanto ao índice de correção monetária e juros, que seja determinada a aplicação do INPC ou IPCA-e, mesmo no período posterior a 29/06/2009, bem como juros de mora de 1% ao mês ou, sucessivamente, a incidência capitalizada dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Postula sejam majorados os honorários advocatícios para, no mínimo, 10% sobre o valor da condenação.
Também apela o INSS sustentando que, ainda que se admita que a parte autora tenha desenvolvido algumas das funções inerentes ao cargo de Analista do Seguro Social, tal circunstância não tem o condão de caracterizar o pretendido desvio de função e conseqüente indenização, pois é comum que as atribuições de um cargo coincidam parcialmente com as de outro.
Com contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
A controvérsia envolve pedido de indenização de dano decorrente de alegado desvio funcional, formulado por servidor público federal lotado no INSS para o exercício do cargo de Técnico do Seguro Social, nível intermediário, que, segundo diz, desempenharia funções de Analista do Seguro Social.
Tratando do contrato de locação de serviços, Pontes de Miranda lembra que no regime das Ordenações Filipinas não haveria espaço para postular equiparação salarial porque "se dizia que "o escudeiro, pajem ou outro criado deve servir a seu amo em todo o ministério, que lhe mandar", razão por que, se alguma vez serviu em função mais alta, não podia pedir salário maior" (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, volume XLVII, p. 31).
Não vivemos mais naquele regime e há bastante tempo a jurisprudência já reconhece o direito às diferenças salariais ou remuneratórias decorrentes do desvio de função, conforme consta de pelo menos duas súmulas de tribunais superiores:
O empregado, durante o desvio funcional, tem direito a diferença salarial, ainda que o empregador possua quadro de pessoal organizado em carreira (Súmula 223 do TFR).
Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes (Súmula 378 do STJ).
No que interessa ao presente processo, em que servidor público federal (Técnico Previdenciário) busca as diferenças decorrentes do alegado desvio de função (pelo exercício das atribuições do cargo de Analista Previdenciário), parece que os requisitos para procedência da ação seriam: (a) comprovar a ocorrência do desvio de função; (b) comprovar existirem diferenças remuneratórias decorrentes do exercício das outras atribuições que não eram típicas nem previstas para seu cargo.
Examinado o direito vigente e os fatos provados, chego à conclusão da inexistência de direito ao pagamento de diferenças remuneratórias por desvio de função pelos seguintes motivos:
Primeiro, porque somente se poderia falar em "desvio de função" quando o servidor tivesse sido "contratado" (impropriamente falando, porque não se trata de contrato, mas de regime estatutário) para fazer algo, mas acabasse fazendo algo diferente daquilo que seriam suas atribuições específicas (funções).
É o caso, por exemplo, do técnico judiciário que desempenha atribuições de oficial de justiça (ad hoc), ou do oficial de justiça que desempenha atribuições próprias de técnico judiciário numa vara judiciária. Um está fazendo o trabalho do outro. Um está fazendo um trabalho para o qual não foi investido no cargo. As atribuições do técnico são típicas e próprias daqueles servidores que se submeteram ao respectivo concurso e foram investidos naquele cargo. O mesmo se diga em relação ao oficial de justiça.
Também é o caso do auxiliar de enfermagem (graduado em enfermagem) que, por carência de pessoal no hospital público a que está vinculado, acaba desempenhando atribuições próprias de enfermeiro. Ou daquele ocupante do cargo de enfermeiro no ambulatório público que precisa desempenhar atribuições próprias de auxiliar de enfermagem, como dar banho em pacientes ou ministrar medicamentos prescritos. Um acaba fazendo o trabalho do outro cargo.
Mas se o servidor desempenha as atribuições que estão inseridas na previsão legal pertinente à carreira e ao cargo que ocupa, não há se falar em desvio de função porque nada está sendo desviado e ele está executado justamente aquilo que integra o conteúdo de suas atribuições e deveres para com a administração pública que o remunera pelo desempenho daquelas atividades.
Ora, é isso que acontece com o servidor que é autor neste processo: ele desempenha exatamente aquelas funções que são legalmente previstas para o cargo que ocupa e para o qual foi aprovado no concurso público a que se submeteu.
Inicialmente, a Lei 10.355, de 2001, não estabelecia especificamente as atribuições de cada um dos cargos, mas apenas estruturava a Carreira Previdenciária no âmbito do INSS, separando os cargos conforme o nível de escolaridade exigido para cada um (níveis superior, intermediário e auxiliar).
Posteriormente, a Lei 10.667, de 2003, veio a criar 3.800 cargos efetivos no quadro de pessoal do INSS, estabelecendo que 1.525 seriam de Analista Previdenciário ("de nível superior") e 2.275 seriam de Técnico Previdenciário ("de nível intermediário") (artigo 5 da Lei 10.667, de 2003).
Ainda, estabeleceu quais seriam as atribuições desses cargos (artigo 6 da Lei 10.667, de 2003), utilizando dois critérios para indicação das respectivas atribuições.
Para os Analistas Previdenciários, o inciso I enumerou diversas tarefas e competências que seriam desempenhadas, a saber: "a) instruir e analisar processos e cálculos previdenciários, de manutenção e de revisão de direitos ao recebimento de benefícios previdenciários; b) proceder à orientação previdenciária e atendimento aos usuários; c) realizar estudos técnicos e estatísticos; e d) executar, em caráter geral, as demais atividades inerentes às competências do INSS".
Para os Técnicos Previdenciários, o inciso II preferiu técnica de redação distinta, mais genérica: "suporte e apoio técnico especializado às atividades de competência do INSS".
E o respectivo parágrafo único ainda limitou-se a dizer que "o Poder Executivo poderá dispor de forma complementar sobre as atribuições decorrentes das atividades a que se referem os incisos I e II".
Ou seja, foram utilizados dois critérios distintos de atribuição de funções, que não permitem a discriminação específica das tarefas entre os dois cargos porque: (a) os dois incisos contêm previsão genérica de atribuições, tanto que até mesmo os Analistas podem "executar, em caráter geral, as demais atividades inerentes às competências do INSS", da mesma forma que os Técnicos devem dar "suporte e apoio técnico especializado às atividades de competência do INSS"; (b) nenhum dos cargos recebe atribuição privativa ou exclusiva de atribuições porque aquilo de específico que tinham as três primeiras alíneas do inciso I acabam esvaziadas e generalizadas pela alínea "d" do inciso I e pela generalidade e abstração com que estão previstas as atribuições no inciso II; (c) o parágrafo único deixa aberta ainda mais margem para distribuição das tarefas, sem que os conteúdos específicos da funções ou atribuições possam ser reivindicados com exclusividade por um ou pelo outro cargo.
Por fim, o artigo 7º da Lei 10.667, de 2003, ainda estabelece os requisitos de ingresso nos cargos, reforçando aquilo que já constava na legislação anterior (anexo I da Lei 10.355, de 2001) e que tinha sido mencionado no artigo 5º da Lei 10.667, de 2003: o fundamental para distinguir entre os cargos são os níveis de escolaridade exigidos para seu provimento: "curso superior completo, para o cargo de Analista Previdenciário" e "curso de ensino médio concluído ou curso técnico equivalente, para o cargo de Técnico Previdenciário".
Esse é o fator de distinção entre os dois cargos: um é de nível superior e outro é de nível intermediário. As atribuições que competem a cada um se misturam, porque estão previstas de forma genérica e abrangente na respectiva legislação, sendo importante distinguir entre a escolaridade com que cada um dos cargos é realizado. Mais: dado o quantitativo dos cargos, não parece seja necessário pessoal de nível superior para ocupar todos os cargos e desempenhar todas as atribuições dentro da organização previdenciária, bastando que a maior parte seja técnico (nível intermediário) e uma parcela menor seja de nível superior.
A Lei 10.855, de 2004, que reestruturou a Carreira Previdenciária e a transformou na Carreira do Seguro Social, manteve aquelas atribuições e a distinção entre os cargos conforme a escolaridade, apenas passando a denominar de Técnico do Seguro Social e Analista do Seguro Social aqueles que eram, respectivamente, Técnicos Previdenciários e Analistas Previdenciários (artigos 5º e 5º-A da Lei 10.855, de 2004, na redação da Lei 11.501, de 2007; artigo 21-A da Lei 10.855, de 2004, na redação da Lei 11.907, de 2009).
Então, pelo exame dessa legislação e pela forma como foram redigidos os respectivos artigos que tratam dos cargos discutidos nesta ação (Técnico e Analista), percebe-se que a diferença entre os cargos de Técnico e Analista Previdenciário não está nas atribuições, mas na escolaridade exigida para cada um dos cargos.
A técnica legislativa não foi das melhores (previsão abstrata, enumeração exemplificativa mas não exclusiva, atribuições genéricas) e acaba falhando em distinguir entre os cargos. Além disso, o decreto regulamentar não foi editado e acabou gerando essa controvérsia. Mas não se pode dizer que essa diferença de escolaridade e a vaguidade das funções previstas para o Técnico possam caracterizar o desvio de função.
Segundo, porque, ao contrário do que ocorre em outras carreiras administrativas, como por exemplo a Carreira Auditoria do Tesouro Nacional, a Carreira Auditoria da Receita Federal, a Carreira Auditoria-Fiscal da Previdência Social e a Carreira Auditoria-Fiscal do Trabalho (Decreto-lei 2.225, de 1985; Lei 10.593, de 2002), nas Carreiras do Seguro Social a escolaridade superior não é inerente nem necessária ao desempenho das atribuições do cargo.
Naquelas outras carreiras administrativas mencionadas (por exemplo, na Lei 10.593, de 2002), as atribuições exigem escolaridade de nível superior para serem desempenhadas, tanto que a legislação atribui essas funções de forma "privativa" para os respectivos cargos: "são atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil ... no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil e em caráter privativo ... constituir, mediante lançamento, o crédito tributário e de contribuições" (artigo 6-I-a da Lei 10.593, de 2002, na redação da Lei 11.457, de 2007, grifei) e "o Poder Executivo regulamentará as atribuições privativas previstas neste artigo, podendo cometer aos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho outras atribuições, desde que compatíveis com atividades de auditoria e fiscalização" (parágrafo único do artigo 11 da Lei 10.593, de 2002, grifei).
Por que os servidores da Receita Federal e da Fiscalização do Trabalho precisam de nível superior para determinadas atribuições, que são enunciadas e explicitadas no texto legal, inclusive com atribuição privativa aos integrantes daqueles cargos? Ora, é assim porque esses servidores atuam restringindo direitos e exercendo poder de controle, fiscalização e até mesmo polícia administrativa nas respectivas áreas de atuação, já que eles são agentes públicos que falam em nome da Administração, aplicando penalidades, cominando multas, interditando atividades e estabelecimentos, fiscalizando pessoas. Não desempenham apenas funções administrativas (como por exemplo os servidores do INSS que instruem um processo de concessão de benefício previdenciário), mas também desempenham poder de polícia administrativo, restringindo direitos e interditando atividades. Enquanto no âmbito da organização previdenciária a função do servidor se limita a criar condições para que um benefício previdenciário seja negado ou deferido, naquelas outras situações o servidor não lida apenas com o interesse da Administração, mas também produzem efeitos diretos e com eficácia imediata sobre a vida e as atividades de outras pessoas, terceiros em relação à Administração. Isso justifica o tratamento diferenciado na legislação que estrutura as respectivas carreiras e atribui poderes e competências aos respectivos cargos.
Por que os servidores do INSS ou da Seguridade Social precisariam necessariamente ser de nível superior? A concessão de benefícios não restringe direitos de ninguém, não se está aplicando penalidade, não se está interditando atividade, não se está exercendo poder de polícia nem cominando penalidade. Apenas se está preparando o processo administrativo que concederá ou que negará um benefício previdenciário.
Aliás, a concessão ou a denegação do benefício não são feitos pelo servidor não-especializado do INSS, mas pelo Chefe do Posto ou da Agência, que provavelmente ocupem um cargo de direção no órgão. O ato de meramente instruir um processo administrativo de concessão de benefício, por exemplo, não está restringindo direito de terceiro, como o faz por exemplo a lavratura de auto de infração ou termo de interdição em matéria de tributos, de direitos aduaneiros ou de exercício de poder de polícia das condições de segurança e higiene no trabalho.
A distinção é relevante e justifica o tratamento diferenciado entre as respectivas carreiras administrativas, não valendo para Técnicos e Analistas do Seguro Social, por exemplo, o que vale para Técnicos do Tesouro Nacional e os integrantes das Carreiras de que trata a Lei 10.593, de 2002.
Terceiro, porque, ainda que a prova produzida eventualmente pudesse apontar para a semelhança entre algumas das atividades realizadas por ambos cargos naquela unidade administrativa em que estava lotado o servidor-autor, isso não significa que o autor (Técnico Previdenciário) estivesse realizando atribuições privativas de cargo superior (Analista Previdenciário).
Ao contrário, tudo indica que era o Analista (de nível superior) que estava desempenhando funções que eram próprias da atividade técnica (de nível médio), uma vez que historicamente os serviços administrativos das agências e postos do INSS eram desempenhadas por pessoal de nível técnico, somente com a criação dos cargos de Analista do Seguro Social tendo surgido essa distinção quanto à escolaridade.
Não se pode distinguir de forma tão estrita entre atividade-fim e atividade-meio para diferenciar as atribuições entre os cargos. Pela argumentação da parte autora, parece que todas as atividades-fim do INSS somente poderiam ser realizadas privativamente por Analistas (nível superior), enquanto apenas atividades-meio poderiam ser realizadas por Técnicos (nível médio). Seja como for, não é o fato de se relacionar ou não a benefício previdenciário que caracteriza uma atividade como fim ou meio do INSS. Tudo indica que, ao contrário de outras carreiras administrativas (como é o caso da Receita Federal, já mencionada), no INSS as atividades-fim são realizadas por ambos os cargos e não há distinção privativa entre tais tarefas entre agentes públicos de nível superior e de nível intermediário.
Por exemplo, não parece se possa distinguir entre Técnicos e Analistas tão-somente porque ambos realizem atividades que envolvam atendimento a público, exame de documentação, instrução de pedidos de concessão de benefícios, etc. Não foi intenção da legislação atribuir essas atividades privativamente aos Analistas, enquanto que os Técnicos somente pudessem realizar atividades-meio (entendidas estas aquelas que não envolvessem os benefícios previdenciários e assistenciários que são a razão de ser dos órgãos do Seguro Social).
Em nenhum lugar está dito que estas atividades de atendimento e orientação ao público, de exame e análise de documentação, de encaminhamento de requerimentos de concessão e revisão de benefícios previdenciários e assistenciais, entre outros, fossem atividades privativas de Analista do Seguro Social e que exigissem nível superior de escolaridade.
Ao contrário, tudo aponta para que tais atividades possam ser igualmente exercidas por pessoal de nível intermediário, como historicamente era feito no INSS antes da criação do cargo de Analista do Seguro Social, já que isso é compatível com o tipo de serviço público que se está prestando (concessão e revisão de benefícios da seguridade social), que o torna diferente de outras atividades que envolvam restrição de direitos, limitação de atividades e exercício de poderes de polícia, de controle e de fiscalização administrativa.
Ora, se é assim (ambos os cargos podem realizar tarefas próprias dos órgãos de seguridade social), o que busca o servidor-autor não é indenização pelo desvio de função (diferenças remuneratórias pelas atribuições típicas do seu próprio cargo), mas equiparação salarial (mesma remuneração para um mesmo trabalho).
Quarto, porque a pretensão à equiparação salarial é distinta daquela ao desvio de função, conforme reconhece a doutrina trabalhista, em lição perfeitamente adaptável ao direito administrativo:
O desvio de função se caracteriza, sobretudo, quando há quadro de pessoal organizado em carreira; mas pode ocorrer mesmo quando não exista o quadro. Não se trata, porém, na hipótese, de equiparação salarial, pois o desvio de função, desde que não seja episódico ou eventual, cria o direito a diferenças salariais, ainda que não haja paradigma no mesmo estabelecimento. Como bem acentuou o Ministro Carlos Madeira, "não há confundir diferença salarial com equiparação salarial. Para esta, é necessária a comparação com o trabalho de outrem, prestado no mesmo local para o mesmo empregador. Para a diferença salarial, basta a prova de que a função existe no quadro do órgão e é exercida por empregado de outra categoria" (AC. Do TFR, 4ª T., no RO-4.268; DJ de 18.6.80)(SUSSEKIN, Arnoldo. Instituições de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: Editora LTr, 1992, vol. I, p. 417, grifei)
A distinção é feita no direito do trabalho (artigo 461 da CLT). Embora a diversidade dos dois regimes (estatutário e celetista), a comparação é apropriada porque evidencia que esta demanda proposta pelo autor não pretende propriamente indenizar pelo desvio de função (que não existe porque os Técnicos do Seguro Social não estão desempenhando atribuições privativas de Analistas do Seguro Social), mas buscar as diferenças que entende devidas porque outros servidores (de cargo distinto), no mesmo órgão, no mesmo local de trabalho, fazem funções semelhantes e recebem um valor maior (isto é, os Analistas do Seguro Social é que poderiam estar desempenhando tarefas que poderiam ser executadas por Técnicos do Seguro Social).
A propósito, convém mencionar que a equiparação salarial se fundamenta no princípio de que "salário igual para trabalho de igual valor", e encontra previsão para o contrato de trabalho no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (grifei):
Art. 461 - Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.
§ 1º - Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos.
§ 2º - Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão obedecer aos critérios de antigüidade e merecimento.
§ 3º - No caso do parágrafo anterior, as promoções deverão ser feitas alternadamente por merecimento e por antingüidade, dentro de cada categoria profissional.
§ 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.
Esse instituto trabalhista se justifica para evitar discriminação que resultaria de salário distinto para igual trabalho, assim conceituado pela doutrina (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3a edição. São Paulo: Editora LTr, 2004, p. 788):
O princípio antidiscriminatório objetiva também evitar tratamento salarial diferenciado àqueles trabalhadores que cumpram trabalho igual para o empregador. Uma das mais relevantes de situações é a da equiparação salarial.
Equiparação salarial é a figura jurídica mediante a qual se assegura ao trabalhador idêntico salário ao do colega perante o qual tenha exercido, simultaneamente, função idêntica, na mesma localidade, para o mesmo empregador.
Mas não podemos esquecer que o desvio de função não é indenizado por si, mas apenas quando acarrete diferenças salariais dele decorrentes (Súmula 378 do STJ: "Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais").
Ou seja, não basta o desvio de função (que no caso, repito, não existe porque o servidor-autor desempenha exatamente as funções que a lei lhe atribuiu, ainda que a redação da lei não fosse das melhores). É preciso também que o servidor fizesse "jus às diferenças salariais" disso decorrentes, o que não acontece porque, ao contrário do contrato de trabalho, não temos uma regra estatutária semelhante ao artigo 461 da CLT, que asseguraria a equiparação salarial entre os empregados de uma mesma empresa.
Aqui, ao contrário do direito do trabalho onde imperam as regras pertinentes à autonomia da vontade e à proteção do hipossuficiente, temos um regime estatutário previsto constitucionalmente e estabelecido pela legislação ordinária vigente, que tem de ser seguido e não pode ser descumprido pela vontade ou pela omissão do administrador.
Esse regime estatutário diz que os Técnicos Previdenciários ganham tantos reais e que os Analistas Previdenciários ganham outros tantos reais pelo desempenho daquelas atribuições que a lei prevê, sendo irrelevante que um ou todos os Analistas Previdenciários de determinada unidade administrativa estivessem realizando tarefas e atribuições que eram próprias de Técnico Previdenciário.
Se aqueles (Analistas) podem ou não buscar reparação por estarem desempenhando atribuições que não exigem grau superior e estão aquém de suas qualificações, é questão que não se discute nem interfere nestes autos, onde discute-se apenas a situação do autor, Técnico Previdenciário.
Isso é confirmado quando retomamos os exemplos anteriormente mencionados e fazemos uma analogia com o caso dos autos. Por exemplo, havia mencionado o caso do técnico judiciário que desempenha atribuições de oficial de justiça (ad hoc), ou do oficial de justiça que desempenha atribuições próprias de técnico judiciário numa vara judiciária.
No primeiro caso, há desvio de função e são devidas as diferenças remuneratórias porque o técnico está desempenhando um cargo de maior complexidade e realizando tarefas que não lhe competem. Está em desvio de função que acarreta diferenças remuneratórias (porque as funções de oficial de justiça exigem nível superior de escolaridade e importam uma remuneração maior que as funções do técnico judiciário).
Mas no segundo caso, embora se pudesse falar em desvio de função (oficial de justiça realizando funções de técnico judiciário, fora e aquém de suas atribuições), não há direito dos técnicos judiciários daquela vara perceberem a mesma remuneração percebida pelo oficial de justiça: há o desvio de função, mas não existem diferenças remuneratórias dela decorrentes em favor dos oficiais de justiça, que estão apenas fazendo menos do que deveriam fazer (pelo menos, realizando tarefas remuneradas por valor inferior àquele valor previsto para as atribuições próprias do oficial de justiça).
O mesmo também acontece no caso do auxiliar de enfermagem e do enfermeiro: se o auxiliar de enfermagem (mas que concluiu curso superior de enfermagem) desempenha atribuições próprias de enfermeiro, faz jus à diferença de remuneração (existe o desvio de função e existem as diferenças remuneratórias de que trata a Súmula 378 do STJ). Mas se aquele que está investido no cargo de enfermeiro desempenha atribuições típicas de auxiliar de enfermagem, os auxiliares de enfermagem naquele local de trabalho não passam a ter direito de receber como enfermeiros porque não existe norma estatutária que lhes assegure, sem concurso público, direitos idênticos àquele que o regime estatutário (a lei) assegura a servidores públicos de outro cargo. Não é o fato do enfermeiro realizar trabalho de auxiliar de enfermagem (e continuar recebendo como enfermeiro) que gera o direito de equiparação salarial para os demais auxiliares de enfermagem daquela unidade administrativa. Afinal, desvio de função não se confunde com a equiparação salarial do artigo 461 da CLT.
No caso concreto, as provas colhidas no processo não apontam para quadro diverso do acima analisado.
Com efeito, na audiência, foi ouvida testemunha, colega da autora, cujo depoimento (evento 17 - termotranscdep1 do processo nº 5007603.19.2012.404.7001) transcrevo em parte:
Maria Bernardete Cavicchioli Pereira da Fonseca:
JUÍZA FEDERAL SUBSTITUTA: Quais as funções que ela (autora) desempenha no trabalho dela?
TESTEMUNHA: Ela desempenha todas as funções envolta à concessão de benefício. Desde o atendimento e orientação 'no' público, 'tá', é ... à análise e concessão de todo o processo, inclusive a análise jurídica, 'tá'. Tenho conhecimento que ela tem inclusive portaria pra executar, é ... justificação administrativa, justificação judicial, 'tá'. Ela faz, diariamente, agora, pelo menos, e durante os últimos 5 (cinco) anos que eu tenho conhecimento que ela 'tá' trabalhando junto comigo, todo serviço que envolve a concessão, inclusive a análise, ela entra em todos os sistemas coorporativos, 'tá', que é o CNIS, alterações de vínculos, na concessão de benefício a gente trabalha com agendamento, então, você, é ... de plano, você tem que atender o segurado, dar toda orientação, a informação que ele pede relacionada à concessão de benefício, e ela executa o processo de concessão do início ao fim. Eu sei, porque ela trabalha junto, do meu lado, no atendimento, inclusive.
JUÍZA FEDERAL SUBSTITUTA: A senhora desenvolve as mesmas atividades?
TESTEMUNHA: As mesmas atividades, idênticas. Hoje, inclusive, eu posso dizer que nós trabalhamos com agendamento de benefícios à concessão de benefícios. O mesmo processo, mesmo tipo de processo de concessão, que é agendado pra mim, também é agendado 'pra' ela. Então, vamos supor: se às 13 (treze) horas eu tenho um agendamento de aposentadoria por tempo de contribuição, 'pra' ela também tem o mesmo tipo de benefício.
(...)
ADVOGADO DA AUTORA: Excelência, eu gostaria de indagar a testemunha se ela tem ciência se, porventura, a autora recebe algum tipo de supervisão no exercício das atividades por ela desempenhadas?
JUÍZA FEDERAL SUBSTITUTA: A senhora sabe?
TESTEMUNHA: Não. Ela não recebe nenhum tipo de supervisão 'pra' executar a concessão de benefícios, 'tá'. Em último plano, se você tem alguma dúvida da legislação que você chega até uma chefia 'pra' perguntar. Mas, desde o atendimento até o final do processo, ela que faz sozinha.
ADVOGADO DA AUTORA: Qual seria a frequência e a periodicidade do exercício dessas atividades pela autora?
TESTEMUNHA: É frequente, ela faz isso diariamente. 'Tá'? Diariamente é esse o serviço que ela faz.
ADVOGADO DA AUTORA: A testemunha saberia declinar quantos servidores trabalham junto a agência e desses qual seria o quantitativo de analistas?
TESTEMUNHA: Olha! Exatamente a quantidade de servidores, eu acredito que é em torno de uns vinte e três servidores. Analista, atualmente só tem um analista que é o chefe. Que é o supervisor na área de benefícios. 'Tá'?
Os documentos juntados com a inicial (Evento 1 - out 11 a 21), por sua vez, também demonstram apenas a atuação da autora em processos concessórios de benefícios, praticando atos a eles pertinentes (preenchimento de requerimento de benefício; certidão de autenticidade de cópias de documentos juntadas aos autos ("confere com o original"); carta de exigência de documentos em processo concessório, e assim por diante), o que não configura, como vimos, desvio de função.
Portanto, não tendo o servidor-autor (Técnico Previdenciário ou Técnico do Seguro Social) comprovado que exercia atribuições típicas e próprias do cargo de Analista Previdenciário (ou de Analista do Seguro Social), não faz jus às diferenças remuneratórias decorrentes de equiparação salarial com Analista Previdenciário ou com Analista do Seguro Social.
Em face do exposto, deve ser reformada a sentença, para julgar improcedente o pedido, restando prejudicada a apelação da parte autora.
Honorários Advocatícios
Fixo a verba honorária devida pela parte autora em 10% sobre valor da causa, por ser este o percentual que a Turma entende adequado para ações desta natureza.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial e julgar prejudicada a apelação da parte autora.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6184080v5 e, se solicitado, do código CRC FBF736B0. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Cândido Alfredo Silva Leal Junior |
Data e Hora: | 25/06/2015 17:55 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 23/06/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5043563-73.2011.4.04.7000/PR
ORIGEM: PR 50435637320114047000
RELATOR | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
PRESIDENTE | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
PROCURADOR | : | Drª Adriana Zawada Melo |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARIA HELENA ARNS STOBBE |
ADVOGADO | : | MARCELO TRINDADE DE ALMEIDA |
: | JOÃO LUIZ ARZENO DA SILVA | |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 23/06/2015, na seqüência 126, disponibilizada no DE de 11/06/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA OFICIAL E JULGAR PREJUDICADA A APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
: | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA | |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
Documento eletrônico assinado por Luiz Felipe Oliveira dos Santos, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7639748v1 e, se solicitado, do código CRC CF7008CA. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Luiz Felipe Oliveira dos Santos |
Data e Hora: | 23/06/2015 12:46 |