Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS PELO PODER PÚBLICO...

Data da publicação: 07/07/2020, 15:47:02

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS PELO PODER PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DA (IM)PRESCINDIBILIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA. FIXAÇÃO DE CONTRACAUTELAS. DESNECESSIDADE DE APRECIAÇÃO DO PEDIDO. 1. A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal de 1988). 2. O direito fundamental à saúde é assegurado nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e compreende a assistência farmacêutica (artigo 6º, inc. I, alínea d, da Lei nº 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde. 3. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fora dos protocolos e listas dos SUS, deve a parte autora comprovar a imprescindibilidade do fármaco postulado e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico. 4. Nos casos de dispensação de medicamentos por longo prazo, a adoção de medidas de contracautela são necessárias, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, podendo ser determinadas inclusive de ofício. Hipótese em que, não obstante, o próprio julgador singular, ao proferir a decisão agravada, ao final, cuidou de fixá-las, expressamente, razão pela qual não há necessidade de apreciar o pedido acerca de sua determinação. (TRF4, AG 5038546-60.2018.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 01/02/2019)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5038546-60.2018.4.04.0000/RS

RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: OLAVIO SCHWANCK

ADVOGADO: DANIEL MOURGUES COGOY (DPU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INTERESSADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

INTERESSADO: HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE

INTERESSADO: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE/RS

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO FEDERAL, com pedido de concessão de efeito suspensivo, contra decisão que deferiu pedido de antecipação de tutela em que busca a parte autora/agravada o fornecimento do medicamento ZYTIGA (ABIRATERONA) para tratamento de Adenocarcinoma de Próstata.

A decisão agravada foi proferida nas seguintes letras (evento 40 do processo de origem):

"Trata-se de ação com pedido de tutela provisória de urgência em que a parte-autora objetiva o fornecimento do medicamento ABIRATERONA, com nome comercial ZYTIGA, com dosagem de 04 (quatro) comprimidos por dia de 250mg, totalizando 120 (cento e vinte) cápsulas ao mês, por prazo indeterminado.

Afirmou ser portador de Adenocarcinoma de próstata (CID10 C61). Disse que vem efetuando tratamento no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, por meio do SUS–Sistema Único de Saúde, e que necessita fazer uso do medicamento sob pena de risco de progressão da doença e morte. Disse que não tem condições financeiras de adquirir o medicamento em razão de seu custo, que é de R$ 11.850,77 (caixa com 120 comprimidos), alcançando o custo médio anual de R$142.209,24. Relatou que o medicamento não faz parte do elenco de medicamentos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde - SUS. Sustentou que o Estado deve efetivar seu dever constitucional, garantindo-lhe o direito à saúde e à vida digna.

Deferida a gratuidade da justiça e determinada a realização de perícia médica (evento 3), a União apresentou quesitos (eventos 15).

Anexado o laudo (evento 23) e requisitados os honorários periciais (evento 24), foi proferido despacho determinando a intimação dos médicos assistentes da parte-autora para que se manifestassem esclarecendo a razão da não utilização das alternativas terapêuticas disponibilizadas no SUS apontadas pelo perito, se as alternativas indicadas no laudo seriam disponibilizadas pelo SUS e se haveria terapêutica disponibilizada pelo SUS com benefícios semelhantes ao da medicação prescrita (evento 28).

Intimado o CACON, foi juntado novo laudo do médico assistente da parte-autora (evento 32 - INF1).

Com vista do laudo do médico assistente, foi elaborado laudo pericial complementar (evento 37 - LAUDO1) e os autos vieram conclusos para decisão.

É o breve relato.

O art. 300 do CPC exige para a concessão da tutela provisória de urgência (em caráter antecedente ou incidental - parágrafo único do art. 294) a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Quanto aos casos envolvendo a concretização do direito à saúde, o Supremo Tribunal Federal, na decisão da Suspensão de Tutela Antecipada - STA 175, ressaltou a necessidade de obediência às políticas públicas e de sujeição do indivíduo aos procedimentos próprios do SUS, sendo possível apenas em caráter excepcional o deferimento judicial de direito prestacional em caráter supletivo às prestações já atendidas pelo Estado, e estabeleceu os parâmetros a serem considerados para tanto: "a) inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, se existente, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; b) adequação e necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; c) aprovação do medicamento pela ANVISA; e d) não configuração de tratamento experimental (TRF4, AG 5022390-65.2016.404.0000, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 31/05/2016)".

Além disso, recentemente, ao apreciar o Tema Repetitivo nº 106 (REsp nº 1657156/RJ), o STJ reputou necessária a presença, de forma cumulativa, dos seguintes requisitos para reconhecer a obrigação do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS: 1 - Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; 2 - Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e 3 - Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), observados os usos autorizados pela agência". Anoto que este entendimento retrata, também, a jurisprudência majoritária já adotada pelo TRF da 4ª Região.

Feitas essas considerações, impõe-se a análise do caso.

Quanto à probabilidade do direito, observa-se que o demandante aufere receita mensal equivalente a um salário mínimo (evento 1 INF10), decorrente de aposentadoria, o que evidencia a incapacidade financeira para arcar com o custo do medicamento prescrito (de R$ 11.850,77 por mês - evento 1 INF6). Ademais, o atestado médico juntado no evento 1 ATESTMED2 indica que o autor, em tratamento pelo SUS no HCPA, tem diagnóstico de Adenocarcinoma de Próstata (CID 10 C 61). Refere que o uso do medicamento é urgente porque o não tratamento implica progressão de doença oncológica. Discorre, ainda, sobre o histórico do tratamento com terapias disponíveis pelo SUS e que no estado atual da doença não teria indicação do uso das medicações disponíveis pelo sistema público, pelo fato de tais medicações não apresentarem impacto em sobrevida global.

Realizada a perícia judicial (evento 23), o Sr. Perito corroborou a adequação da medicação postulada na inicial, mas advertiu que haveria alternativas terapêuticas no SUS para tratamento da doença aparentemente não utilizadas (regimes com docetaxel + prednisona ou enzalutamida - ambos categoria 1 de evidência - ou com mitoxantrona + prednisona), ou ainda quimioterapia (QT) alternativa com mitoxantrona+ prednisona tem sido considerados para paliação. Ainda confirmou a indicação do medicamento, pois seria a "a a droga que poderá refrear a progressão da doença e reduzir o risco de morte imediata, considerando-se comprovadas as metástases ósseas (sem comprovação nos autos nem apresentados no momento da perícia)" - (quesito 8). Atestou a urgência da medicação para retardar a progressão da doença (quesito 12).

Desta forma, foi determinada a intimação do CACON para que complementasse o laudo do médico assistente e esclarecesse as razões de não utilização das terapêuticas disponibilizadas pelos SUS (regimes com docetaxel + prednisona ou enzalutamida - ambos categoria 1 de evidência - ou com mitoxantrona + prednisona, ou ainda quimioterapia (QT) alternativa com mitoxantrona+ prednisona).

Intimado, o médico assistente se manifestou, sustentando que (evento 32):

"...No momento apresentando progressão da doença – definido como resistente a castração – com indicação de realizar tratamento. Do ponto de vista das medicações oferecidas pelo SUS, Docetaxel é atualmente a única medicação disponível, visto que Mitoxantrona não encontra-se ofertada pelos laboratórios, muito provavelmente pelo seu pouco uso. No entanto, diante da idade do paciente e outras comorbidades como insuficiência cardíaca e enfisema pulmonar o uso de quaisquer umas dessas medicações poderia ser avaliada com bastantes ressalvas.

Conforme já encaminhado no pedido prévio de Abiraterona, existem estudos que embasam o uso da mesma em detrimento de Docetaxel para pacientes resistentes a castração e até mesmo hormônio sensíveis, no entanto sem comparação direta entre Abiraterona e Docetaxel, principalmente com poucos sintomas ou com grande risco para toxicidade, como no caso um paciente de 80 anos com outras doenças. Mitoxantrona, ainda que disponível, nunca demonstrou aumento de sobrevida, ao contrário da Abiraterona, conforme já encaminhado em estudo anterior.

Diante do exposto, orientamos o uso de Abiraterona como tratamento e salientamos que tal medicação, assim como Enzalutamida, também não disponível pelo SUS, são indicadas pelas entidades internacionais como as primeiras escolhas para as doenças com esse estádio clínico e para paciente como o acima citado, tornando-se praticamente impossível para o médico que atende não solicitar tais medicações sob o risco de realizar má medicina e prejudicar seu paciente".

Com vista da manifestação do médico assistente, o Sr. Perito complementou o laudo pericial, assim, concluindo (evento 37):

1. O problema da mitoxantrona não ser mais disponibilizada por pouco uso no Brasil decorre da não prescrição da droga, eis que mitoxantrona + predinisona segue como indicação de segunda linha após falha com docetaxel inclusive corroborado nas diretrizes da NCCN, NICE e CADTH de 2018 recém revisadas.

2. Não ser adequado submeter o paciente à QT previamente em razão da idade avançada, pelos efeitos deletérios e por ter o autor doença cardíaca e pulmonar até procede, apenas considerando-se que a QT será mais tóxica do que os inibidores hormonais, e há trabalhos confirmando tal evidência. Todavia os resultados são semelhantes e considerando-se o caráter paliativo do tratamento, várias instituições estrangeiras recomendam o tratamento como maneira de reduzir custos para condições imutáveis.

3. Alegar toxicidade aumentada, sem ter usado por pelo menos 3 ciclos é condenável, pois a toxicidade pode ser leve e tolerável e não difere da resposta com outras alternativas, entre elas abiraterona, até mesmo porque ela é a segunda linha após docetaxel. Além disso, não consta dos autos qualquer comprovação de doença cardiovascular ou pulmonar do autor e isto deve ser comprovado. Abiraterona associado a prednisona traz resultados similares a regimes com docetaxel + prednisona ou enzalutamida (ambos categoria 1 de evidência).

4. As instituições estrangeiras recomendam abiraterona porque é superior que outros tratamentos disponíveis, sim, mas todas reconhecem que o custo é mais elevado que outros tratamentos e os benefícios possam superar estas considerações. Todavia, cabe ao Estado a decisão de arcar com um custo elevado para propiciar em media 6 meses na sobrevida global mediana e 3 meses na sobrevida livre de progressão e ainda, a toxicidade da abiraterona foi semelhante.

Conclui-se, portanto, no caso concreto, que a indicação do medicamento e a urgência na sua utilização devam ser levadas em conta, considerando o consenso sobre a superioridade do tratamento com o medicamento pleiteado, e as peculiaridades do paciente, tendo em conta a idade avançada deste, e os efeitos deletérios da quimioterapia por ter ele doença cardíaca e pulmonar atestadas pelo médico assistente. Além disso, algumas das drogas indicadas pelo Sr. Perito igualmente não são disponibilizadas pelo SUS, destacando o médico assistente que uma das alternativas (mitoxantrona + prednisona) não teria evidenciado ganho de sobrevida global. Nessas condições, considerando que as indigitadas divergências não afastam a necessidade do medicamento pleiteado, há de ser acolhido o pedido de tutela provisória de urgência.

Configurado, igualmente, o perigo de dano, considerando o risco de progressão da doença e o possível óbito daí decorrente.

Assinalo, por fim, que a despeito de ser assente a responsabilidade solidária dos réus na prestação dos serviços que visem garantir a proteção à saúde, a execução da prestação ora deferida deverá ficar, nesse caso, a cargo do ente estadual. Assim, o fornecimento do medicamento pleiteado incumbe ao Estado do Rio Grande do Sul, com expressa ressalva da responsabilidade solidária da corré União, que poderá ser compelida, em caso de demora ou descumprimento pelo ente estadual, a proceder ao fornecimento.

Ante o exposto, DEFIRO a antecipação dos efeitos da tutela para determinar que o Estado do RS forneça à parte-autora, no prazo de 15 dias, o medicamento ABIRATERONA, com dosagem de 04 (quatro) comprimidos por dia de 250mg, totalizando 120 (cento e vinte) cápsulas ao mês, por prazo indeterminado, devendo a entrega do medicamento se dar através do Hospital de Clínicas de Porto Alegre onde realizado o tratamento em razão da doença oncológica, podendo optar pelo depósito do equivalente em dinheiro, no mesmo prazo, em conta vinculada a este processo.

Após 6 meses de tratamento, contados da primeira disponibilização, para viabilizar a liberação da medicação, a parte-autora deverá apresentar nova prescrição médica, caso o tratamento deva ser mantido.

Dê-se ciência desta decisão, mediante requisição no e-proc, à Assessoria Jurídica da Secretaria Estadual da Saúde, para que abra processo administrativo específico junto ao Sistema AME e para que promova a disponibilização do medicamento ao HCPA.

Cadastre-se, excepcionalmente, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre como interessado (visto ser o CACON onde é realizado o tratamento) e proceda-se à sua intimação para que, decorrido o prazo acima especificado para cumprimento da tutela provisória, promova a retirada do medicamento e dê início imediato ao tratamento.

Considerando que a pretensão envolve medicação não fornecida pelo SUS, verifica-se que está configurada hipótese em que, de plano, é possível afirmar a inviabilidade de autocomposição (art. 334, § 4º, II, do CPC), de forma que a remessa dos autos para conciliação, com a designação de audiência e a citação para esse ato comprometeria os princípios da eficiência e da razoável duração do processo.

Ademais, caso as partes manifestem a possibilidade de autocomposição no curso do processo, não há impedimento para a designação de audiência com essa finalidade a qualquer tempo.

Intimem-se as partes com urgência, devendo a parte-autora tomar ciência desta decisão e do laudo pericial anexado para manifestação (art. 477, § 1º, do CPC).

Citem-se os réus para contestar em 30 dias (art. 335 c/c art. 183 do CPC) e para manifestarem-se quanto ao laudo pericial produzido."

A parte agravante sustenta, em apertada síntese, que:

"1) O reconhecimento da solidariedade dos entes federativos para a prestação geral de saúde não implica necessariamente na aplicação da solidariedade para o cumprimento concreto de obrigação concreta e específica;

2) O conceito comum de solidariedade não pode ser aplicado irrestritamente para parametrizar o cumprimento de decisões judiciais envolvendo prestações de saúde, impondo-se o respeito às normas sistemáticas previstas preponderantemente na Lei nº 8.080/90;

3) A obrigação específica de cumprimento de decisões judiciais deve ser dirigida precipuamente ao ente federativo implicado em política pública instituída pelo Poder Público;

4) No caso de inexistência de política pública, o juiz deverá aferir qual o ente federativo que possui atribuição para prestações semelhantes à requerida, ou atinentes à mesma patologia, valendo-se da aplicação dos princípios que regem o SUS, bem como da analogia e da aplicação dos princípios constitucionais e legais atinentes.

5) Posteriormente ao cumprimento da decisão, o seu custeio poderá ser objeto de ressarcimentos na via administrativa, segundo a lógica ora preconizada."

Requer o provimento do presente agravo de instrumento e, pelo princípio da eventualidade, caso mantida a decisão recorrida, pede a adoção de contracautelas. Ainda subsidiariamente, postula seja dado parcial provimento ao recurso para manter o cumprimento da obrigação concreta conforme as regras administrativas de repartição de competências, ou seja, que o cumprimento seja mantido como obrigação exclusiva do Estado.

Na decisão do evento 2 foi indeferido o pedido de efeito suspensivo.

Foi apresentada resposta pela parte agravada/autora (evento 16).

Oficiando no feito, manifestou-se a douta Procuradoria da República.

É o relatório.

VOTO

O deferimento do pedido de antecipação da pretensão recursal depende, no caso, da análise a respeito da relevância da fundamentação da parte agravante e da presença do risco de lesão grave e de difícil reparação no caso. O requisito da urgência, que justifica o exame do mérito, ainda que em cognição sumária, muitas vezes antes de estabelecido o contraditório e antes da análise colegiada, é evidente na hipótese. Trata-se de decisão que deferiu pedido de fornecimento de medicamento de alto custo, sendo improvável que haja ressarcimento na hipótese de reversão da medida. Passa-se, dessa forma, à análise da fundamentação da parte recorrente.

A legitimidade passiva ad causam - seja para o fornecimento do medicamento, seja para seu custeio -, resulta da atribuição de competência comum a todos os entes federados, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde, previstas nos artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, ambos da Constituição Federal, respectivamente.

Nesse sentido, transcrevo os seguintes precedentes:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencidos os Ministros Teori Zavascki, Roberto Barroso e Marco Aurélio. Não se manifestou a Ministra Cármen Lúcia. (Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 855.178, Plenário, Relator Ministro Luiz Fux, j. 05/03/2015)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SÚMULA 7/STJ. DIREITO À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E INDISPONÍVEIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. 1. [...] 3. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL DECLARADA PELO STF. SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Precedentes do STJ. (...) (STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 1107605/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 03/08/2010, DJe 14/09/2010)

ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. CACON. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. 1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais.(...). (TRF4, 4ª Turma, AG 5008919-21.2012.404.0000, Relator p/acórdão Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 24/07/2012)

Com efeito, a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios são legítimos, indistintamente, para as ações em que pleiteado o fornecimento de medicamentos (inclusive aqueles para tratamento de câncer, a despeito da responsabilidade de os Centros de Alta Complexidade em Oncologia prestarem tratamento integral aos doentes), consoante orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental interposto, pela União, em face de decisão que indeferiu o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, de cujo voto extraio o seguinte trecho:

A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estado, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelos SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestação na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.

Idêntico entendimento foi adotado nos RE n.º 195.192-3, RE-AgR n.º 255.627-1 e RE n.º 280.642.

Sendo assim, os entres demandados (UNIÃO, Estado do Rio Grande do Sul e Município de Porto Alegre/RS) têm legitimidade para figurar no polo passivo da ação, em litisconsórcio passivo facultativo, reconhecido o direito do cidadão de escolher com quem pretende litigar. Eventual acerto de contas que se faça necessário, em virtude da repartição de competências no SUS, deve ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial, imposta solidariamente.

Observa-se, no caso, ter o juízo determinado, em sede de antecipação de tutela, o fornecimento do fármaco aos réu/demandado Estado do Rio Grande do Sul (observando especificamente, não obstante, "ser assente a responsabilidade solidária dos réus na prestação dos serviços que visem garantir a proteção à saúde (...) o fornecimento do medicamento pleiteado incumbe ao Estado do Rio Grande do Sul, com expressa ressalva da responsabilidade solidária da corré União, que poderá ser compelida, em caso de demora ou descumprimento pelo ente estadual, a proceder ao fornecimento"). A decisão está, no ponto, em conformidade com a jurisprudência tanto desta Corte quanto do Superior Tribunal de Justiça.

No mérito, a Constituição Federal de 1988 consagra a saúde como direito fundamental, ao prevê-la, em seu artigo 6º, como direito social. O artigo 196 da Carta, por sua vez, estabelece ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas, que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Cumpre situar-se que, entre os serviços e benefícios prestados no âmbito da Saúde, encontra-se a assistência farmacêutica. O artigo 6º, inc. I, alínea "d", da Lei nº 8.080/90 expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. A Política Nacional de medicamentos e Assistência Farmacêutica, portanto, é parte integrante da Política Nacional de Saúde e possui a finalidade de garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, seja interferindo em preços, seja fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.

Concretizando a dispensação de medicamentos à população, o Ministério da Saúde classifica como Básicos, de responsabilidade dos três gestores do SUS, os remédios utilizados nas ações de assistência farmacêutica relativas à atenção básica em saúde e ao atendimento a agravos e programas de saúde específicos inseridos na rede de cuidados da atenção básica.

De outro lado, os medicamentos Estratégicos são aqueles utilizados para o tratamento de doenças endêmicas que possuam impacto socioeconômico, tocando sua aquisição ao Ministério da Saúde, e seu armazenamento e distribuição, aos Municípios.

Por sua vez, o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional tem por objeto o tratamento de doenças específicas, que atingem um número restrito de pacientes, os quais necessitam de medicamentos com custo elevado, cujo fornecimento dependente de aprovação específica das Secretarias Estaduais de Saúde e de recursos oriundos do Ministério da Saúde, bem como daquelas Secretarias, também responsáveis pela programação, aquisição e dispensação das drogas (vide a classificação e a responsabilidade pelo financiamento destas na Portaria nº 399/GM de 22 de fevereiro de 2006).

Finalmente, há programas e sistemáticas de assistência específicos para determinadas moléstias, como, por exemplo, o diabetes e o câncer.

No caso do diabetes, o regramento próprio (Lei nº 11.347/06 e a Portaria GM 2.583/07) garante o fornecimento do tratamento ao paciente, mas estipula que, para tanto, deve este estar inscrito nos Programas de Educação para Diabéticos, promovidos pelas unidades de saúde do SUS.

Na hipótese do câncer, até 1998, havia dispensação de medicamentos para seu tratamento em farmácias do SUS, bastando a apresentação de receita ou relatório médico, fosse de consultório particular, fosse de hospital público ou privado. Hoje, contudo, tais drogas não mais se enquadram nos programas de dispensação de medicamentos básicos, estratégicos ou excepcionais, nem encontram padronização no âmbito do SUS. A assistência oncológica, inclusive no tocante ao fornecimento de fármacos, é direta e integralmente prestada por entidades credenciadas, junto ao Poder Público, integrantes da Rede de Atenção Oncológica, tais como as Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON), os Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) e os Centros de Referência de Alta Complexidade em Oncologia, os quais devem ser ressarcidos pelo Ministério da Saúde pelos valores despendidos com medicação, consultas médicas, materiais hospitalares, materiais de escritório, materiais de uso de equipamentos especiais, materiais de limpeza e de manutenção da unidade. Não mais havendo padronização de medicamentos, mas apenas de procedimentos terapêuticos (quimioterapia, radioterapia etc.) para cada tipo e estágio de câncer, a indicação dos fármacos antineoplásicos necessários a cada paciente fica ao encargo dos médicos que integram a Rede de Atenção Oncológica, de acordo com as evidências científicas a respeito e os fatores específicos de cada caso, sendo que tudo deve ser alcançado, como dito, pelo próprio estabelecimento de saúde credenciado, e somente para os pacientes que estiverem recebendo seu tratamento no local.

Pois bem, levando-se em conta a notória escassez dos recursos destinados ao SUS, não se pode deixar de pesar as consequências do deferimento judicial de drogas ou tratamentos estranhos aos administrativamente disponibilizados. Deferir-se, sem qualquer planejamento, benefícios para alguns, ainda que necessários, pode causar danos para muitos, consagrando-se, sem dúvida, injustiça. Ocorre, por outro lado, cumprir ao Judiciário velar pela fiel observância das normas pertinentes à matéria e, sobretudo, do respeito ao direito fundamental à saúde consagrado no texto constitucional. Assim, sem que o Poder Público venha aos autos demonstrando objetivamente a impossibilidade da prestação estatal à saúde, não cabe o acolhimento pelo Judiciário de alegações genéricas relativas à reserva do possível ou à impossibilidade orçamentária. Trata-se de questionamentos bastante comuns em ações de natureza da presente. Pela precisão e pertinência com a temática abordada na ação, transcrevo as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo (Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: Ingo Wolfgang Sarlet e Luciano Benetti Timm (Organizadores). Direitos Fundamentais: orçamento e "reserva do possível". Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. pág. 34):

Com efeito, o que se verifica, em muitos casos, é uma inversão hierárquica tanto em termos jurídico-normativos quanto em termos axiológicos, quando se pretende bloquear qualquer possibilidade de intervenção neste plano, a ponto de se privilegiar a legislação orçamentária em detrimento de imposições e prioridades constitucionais e, o que é mais grave, prioridades em matéria de efetividade de direitos fundamentais. Tudo está a demonstrar, portanto e como bem recorda Eros Grau, que a assim designada reserva do possível "não pode ser reduzida a limite posto pelo orçamento, até porque, se fosse assim, um direito social sob 'reserva de cofres cheios' equivaleria, na prática - como diz José Joaquim Gomes Canotilho - a nenhuma vinculação jurídica". Importa, portanto, que se tenha sempre em mente, que quem "governa" - pelo menos num Estado Democrático (e sempre constitucional) de Direito - é a Constituição, de tal sorte que aos poderes constituídos impõe-se o dever de fidelidade às opções do Constituinte, pelo menos no que diz com seus elementos essenciais, que sempre serão limites (entre excesso e insuficiência!) da liberdade de conformação do legislador e da discricionariedade (sempre vinculada) do administrador e dos órgãos jurisdicionais.

Ainda que possível, a judicialização da política pública de distribuição de medicamentos deve obedecer a critérios que não permitam que o Judiciário faça as vezes da Administração, bem como que não seja convertido em uma via que possibilite a um paciente burlar o fornecimento administrativo de medicamentos, garantindo seu tratamento sem que se leve em consideração a existência de outros cidadãos na mesma ou em piores circunstâncias.

Bem por isso o Supremo Tribunal Federal, interpretando o artigo 196 da Constituição da República e se debruçando sobre toda a problemática da efetividade dos direitos sociais e da chamada "judicialização da saúde", após a realização de audiência pública com participação de diversos segmentos da sociedade, fixou, no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada nº 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), alguns pressupostos e critérios relevantes para a atuação do Poder Judiciário no tema da saúde, mais precisamente na questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pleiteados em face dos Entes Políticos.

Nos termos da decisão referida, a Corte Suprema entendeu que "é possível identificar [...] tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde". "Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde". "A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada".

Diante disso, seguindo na linha do precedente do STF, a análise judicial de pedidos de dispensação gratuita de medicamentos e tratamentos pressupõe que se observe, primeiramente, se existe ou não uma política estatal que abranja a prestação pleiteada pela parte.

Se referida política existir, havendo previsão de dispensação do tratamento buscado, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo público a tal, cabendo ao Judiciário determinar seu cumprimento pelo Poder Público.

De outro lado, não estando a pretensão entre as políticas do SUS, as circunstâncias do caso concreto devem ser observadas, a fim de que se identifique se a não inclusão do tratamento nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema, elaborados com fundamento na corrente da "Medicina com base em evidências", trata-se de omissão legislativa/administrativa, ou está justificada em decisão administrativa fundamentada/vedação legal. Afinal, o medicamento ou tratamento pleiteado pode não ser oferecido, pelo Poder Público, por não contar, exemplificativamente, com registro na ANVISA, o qual constitui garantia à saúde pública e individual, só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis nºs 6.360/76 e 9.782/99 (hipótese de vedação legal). Outrossim, a prestação pode não estar inserida nos Protocolos por força de entendimento no sentido de que inexistem evidências científicas suficientes a autorizarem sua inclusão (hipótese de decisão administrativa fundamentada).

Se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador. Afinal, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, "um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais ao atendimento médico da parcela da população mais necessitada".

Não se pode ignorar, contudo, que, em algumas situações, por razões específicas do organismo de determinadas pessoas - resistência ao fármaco e seus efeitos colaterais, conjugação de problemas de saúde etc. -, as políticas públicas oferecidas podem não lhes ser adequadas ou eficazes. Nesses casos pontuais, ficando suficientemente comprovada a ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente, é possível ao Judiciário ou à própria Administração determinar que seja fornecida medida diversa da usualmente custeada pelo SUS.

Finalmente, se o medicamento ou procedimento postulado não constar das políticas do SUS, e tampouco houver tratamento alternativo ofertado para a patologia, há que se verificar se a prestação solicitada consiste em tratamento meramente experimental ou se trata de tratamento novo ainda não testado pelo Sistema ou a ele incorporado.

Os tratamentos experimentais são pesquisas clínicas, e a participação neles é regulada pelas normas que regem a pesquisa médica. As drogas aí envolvidas sequer podem ser adquiridas, uma vez que nunca foram aprovadas ou avaliadas, devendo seu acesso ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido. Não se pode, assim, compelir o Estado a fornecer tais experimentos.

Já os tratamentos novos, não contemplados em qualquer política pública, merecem atenção e cuidado redobrados, tendo em vista que, "se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada". Sendo certo que a inexistência de políticas públicas não pode implicar violação ao princípio da integralidade do Sistema, conclui-se que é possível, pois, a impugnação judicial da omissão administrativa no tratamento de determinado mal, impondo-se, todavia, que se proceda a ampla instrução probatória sobre a matéria - "o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar".

Em conclusão, independentemente da hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário, é "clara a necessidade de instrução das demandas de saúde", a fim de que, à luz das premissas e critérios antes declinados, "o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde".

Na intenção de lograr referida conciliação, passo, pois, à análise do caso concreto.

Observa-se, no caso, que o autor, que tem diagnóstico de Adenocarcinoma de Próstata (CID 10 C 61 - ATESTMED2 - prescrito pelo Chefe do Serviço de Oncologia do HCPA), faz tratamento pelo SUS no HCPA (Hospital de Clínicas de Porto Alegre/RS). Ora, trata-se de estabelecimento de saúde cadastrado como CACON/UNACON com Serviço de Oncologia. Cuida-se, assim, de um estabelecimento de saúde que integra a Rede de Atenção Oncológica. Para fins de um juízo fundado em cognição sumária, a prescrição do fármaco por estabelecimento conveniado à Rede de Atenção Oncológica é suficiente para convencer a respeito da verossimilhança do direito alegado. A conclusão é evidente: se o estabelecimento indicado pelo Poder Público reputa necessário o tratamento, fragiliza-se a argumentação deste Poder Público contestando o tratamento sugerido na via judicial.

Foi produzida nos autos, ainda, perícia judicial (eventos 23 e 37 do processo de origem) conclusiva no sentido da superioridade do tratamento com o medicamento pleiteado (ZYTIGA - ABIRATERONA), somada às peculiaridades do paciente, tendo em conta sua idade avançada (80 anos), bem como os efeitos deletérios da quimioterapia por ter ele doença cardíaca e pulmonar atestadas por seu médico assistente. Além disso, como bem pontuado pelo julgador singular, "algumas das drogas indicadas pelo Sr. Perito igualmente não são disponibilizadas pelo SUS, destacando o médico assistente que uma das alternativas (mitoxantrona + prednisona) não teria evidenciado ganho de sobrevida global. Nessas condições, considerando que as indigitadas divergências não afastam a necessidade do medicamento pleiteado, há de ser acolhido o pedido de tutela provisória de urgência."

A respeito da matéria em comento, destaco precedente desta Corte (os grifos não pertencem ao original):

ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. CÂNCER. PROBABILIDADE DO DIREITO E URGÊNCIA DA MEDIDA. COMPROVAÇÃO. TRATAMENTO PELO SUS. 1. A União e os Estados-Membros têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais. 3. O direito à saúde é assegurado como fundamental, nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal, compreendendo a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea "d", da Lei nº 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde; não se trata, contudo, de direito absoluto, segundo reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, que admite a vinculação de tal direito às políticas públicas que o concretizem, por meio de escolhas alocativas, e à corrente da Medicina Baseada em Evidências. 4. Faz jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5021728-33.2018.4.04.0000, 4ª Turma , Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/07/2018)

Nessa medida, não há relevância na fundamentação da parte agravante. Ao contrário, in casu, não vislumbro urgência ou perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação que poderá ser ocasionado à parte agravante (UNIÃO) com a manutenção da tutela antecipada, na medida em que dano expressivamente maior poderia ser experimentado pela parte agravada em caso de indeferimento da medida.

Não há necessidade de se apreciar o pedido acerca das contracautelas, tendo em vista que o próprio julgador singular, ao proferir a decisão agravada, ao final, cuidou de referir, expressamente, que "após 6 meses de tratamento, contados da primeira disponibilização, para viabilizar a liberação da medicação, a parte-autora deverá apresentar nova prescrição médica, caso o tratamento deva ser mantido." Ou seja, o devido acompanhamento já está sendo feito perante o primeiro grau de jurisdição.

Frente ao exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.



Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000829377v11 e do código CRC 551174e2.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Data e Hora: 1/2/2019, às 15:46:39


5038546-60.2018.4.04.0000
40000829377.V11


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:47:02.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5038546-60.2018.4.04.0000/RS

RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: OLAVIO SCHWANCK

ADVOGADO: DANIEL MOURGUES COGOY (DPU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INTERESSADO: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE/RS

INTERESSADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

INTERESSADO: HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS PELO PODER PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DA (IM)PRESCINDIBILIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA. fixação de contracautelas. desnecessidade de apreciação do pedido.

1. A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal de 1988).

2. O direito fundamental à saúde é assegurado nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e compreende a assistência farmacêutica (artigo 6º, inc. I, alínea d, da Lei nº 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde.

3. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fora dos protocolos e listas dos SUS, deve a parte autora comprovar a imprescindibilidade do fármaco postulado e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico.

4. Nos casos de dispensação de medicamentos por longo prazo, a adoção de medidas de contracautela são necessárias, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, podendo ser determinadas inclusive de ofício. Hipótese em que, não obstante, o próprio julgador singular, ao proferir a decisão agravada, ao final, cuidou de fixá-las, expressamente, razão pela qual não há necessidade de apreciar o pedido acerca de sua determinação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de janeiro de 2019.



Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000829378v8 e do código CRC 77f11b7b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Data e Hora: 1/2/2019, às 15:46:39


5038546-60.2018.4.04.0000
40000829378 .V8


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:47:02.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/01/2019

Agravo de Instrumento Nº 5038546-60.2018.4.04.0000/RS

RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: OLAVIO SCHWANCK

ADVOGADO: DANIEL MOURGUES COGOY (DPU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento do dia 30/01/2019, na sequência 916, disponibilizada no DE de 15/01/2019.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:47:02.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora