Apelação Cível Nº 5010857-46.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCO DE ASSIS RUFINO DE SOUZA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, publicada em 14/05/2020, proferida nestes termos (
):DIANTE DO EXPOSTO, com resolução de mérito (art. 487, I, do Código de Processo Civil), JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial da presente ação ordinária ajuizada por FRANCISCO DE ASSIS RUFINO DE SOUZA em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS para, em consequência, AVERBAR o período de 10 anos, 3 meses e 21 dias dias à parte autora por se tratar de labor especial e, por consequência, conceder a aposentadoria mais benéfica ao requerente, desde o requerimento administrativo, respeitada a prescrição quinquenal.
As parcelas deverão ser corrigidas tendo como base o índice de remuneração da caderneta de poupança quanto aos juros de mora, e, ainda, atualização monetária pelo IPCA-E, nos termos do tema 810 do STF.
A Fazenda Pública e as respectivas autarquias e fundações são isentas das custas processuais, consoante art. 7º, I, da Lei Estadual n. 17.654/2018. Fixo os honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Em suas razões recursais, o órgão previdenciário, em preliminar, requer a extinção do feito, sem resolução de mérito, em razão de sua ilegitimidade passiva para a causa, quanto ao lapso de 01/04/1993 a 18/09/2015, no qual o autor esteve vinculado a regime próprio de previdência social. No mérito, investe contra a concessão do benefício, sob os seguintes argumentos: (a) impossibilidade de reconhecimento da nocividade em período decorrente de contagem recíproca de tempo de contribuição, a teor do art. 96, inciso I, da Lei nº 8.213/91; (b) ausente prova da habitualidade e permanência do contato com animais portadores de doenças infecto-contagiosas ou com material assim contaminado; (c) as atividades exercidas não se enquadram em nenhuma das hipóteses previstas nos decretos regulamentares e, portanto, não se caracterizam como sendo insalubres; (d) o formulário PPP não foi preenchido com indicação do responsável técnico pelos registros ambientais e ausente laudo da empresa; (e) a nocividade foi neutralizada pela utilização de EPIs eficazes; e (f) não houve o recolhimento das contribuições previdenciárias na forma do art. 57, § 6º, da Lei nº 8.213/91, não se podendo conceder o benefício sem a correspondente fonte de custeio. Requer, para fins de incidência de correção monetária e juros de mora, a adoção da sistemática prevista no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009. Por fim, prequestiona afronta à matéria altercada (
).Com contrarrazões (
), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.É o relatório.
VOTO
Preliminar de ilegitimidade passiva e incompetência do juízo
O Recorrente pretende a reforma da sentença para que seja declarada a sua ilegitimidade passiva com relação ao pedido de reconhecimento da especialidade do labor no intervalo de 01/04/1993 a 18/09/2015, ao argumento de que a parte autora estava vinculada a regime próprio de previdência social.
Não é esta, contudo, a realidade que se extrai do acervo probatório.
A declaração prestada pela Prefeitura Municipal de Jaguaruna é ratificada pelo extrato do CNIS do autor:
Logo, o INSS afigura-se como parte legítima para o reconhecimento da nocividade das atividades exercidas pela parte autora.
Da contagem recíproca
Necessário, agora, analisar a possibilidade de contagem recíproca de tempo de serviço entre o regime próprio estatutário ao qual o autor se encontrava vinculado naquele interregno e o Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
Acerca da contagem recíproca, dispõem os arts. 94 e 96 da Lei nº 8.213/91, ipsis litteris:
Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social ou no serviço público é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente.
§ 1º A compensação financeira será feita ao sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerer o benefício pelos demais sistemas, em relação aos respectivos tempos de contribuição ou de serviço, conforme dispuser o Regulamento.
§ 2º Não será computado como tempo de contribuição, para efeito dos benefícios previstos em regimes próprios de previdência social, o período em que o segurado contribuinte individual ou facultativo tiver contribuído na forma do § 2º do art. 21 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, salvo se complementadas as contribuições na forma do § 3º do mesmo artigo.
Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
I - não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais;
II - é vedada a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada, quando concomitantes;
III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro;
IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de zero vírgula cinco por cento ao mês, capitalizados anualmente, e multa de dez por cento.
Consoante se observa da leitura dos dispositivos legais acima transcritos, é possível que a parte autora se aposente no Regime Geral da Previdência Social mediante o cômputo do período em que era filiada a regime próprio, desde que esse tempo não tenha sido utilizado para fins de inativação no serviço público, sem que haja recolhimento de contribuições previdenciárias ao INSS, pois, como já dito, o período contributivo não considerado para fins de contagem recíproca pode ser utilizado para postulação de beneficio no próprio RGPS, uma vez que os regimes se compensarão financeiramente, como previsto em lei.
Com efeito, para fins da contagem recíproca entre regimes diversos, a legislação prevê a compensação entre os mesmos. Do que se concluiu que a efetiva compensação entre eles é responsabilidade dos entes públicos que os administram. Não havendo, assim, como se aventar a hipótese de prejudicar o segurado sob o pretexto de não terem sido recolhidas as contribuições pelo ente público, no caso, o Município, responsável pelo regime próprio a que estava vinculada a parte autora.
Vale para espécie, portanto, o mesmo entendimento da jurisprudência quando se aborda a relação entre empregado/empregador e o recolhimento de contribuições para o RGPS. Qual seja, que a responsabilidade pela efetivação do recolhimento é do empregador não podendo o empregado ser responsabilizado pela desídia daquele ao não recolher as competentes contribuições previdenciárias.
Em se tratando de serviço público comprovadamente prestado, pois devidamente certificado pela Prefeitura Municipal de Jaguaruna, o não recolhimento das contribuições pertinentes não virá em prejuízo do INSS, mas sim da União, que mesmo não recolhendo as contribuições, deverá arcar com o ônus da contagem recíproca do tempo de serviço junto ao regime previdenciário diverso.
Assim, inexistindo qualquer elemento nos autos que indique que a parte autora possui benefício concedido em sede de regime próprio de previdência e que tenha utilizado o período contributivo em exame para tal fim, faz jus ao cômputo, no RGPS, dos interregnos compreendidos entre 01/06/1986 a 21/09/1989 e de 01/04/1993 a 18/09/2015, inclusive para efeito de carência.
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, as questões controvertidas nos autos cingem-se às condições da prestação de serviço nos lapsos de 01/06/1986 a 21/09/1989 e de 01/04/1993 a 18/09/2015, ao direito da parte autora à inativação e aos consectários. Pois bem.
Exame do tempo especial no caso concreto
Na espécie, estas são as condições da prestação de serviço do autor:
Períodos: 01/06/1986 a 21/09/1989 e de 01/04/1993 a 18/09/2015
Empresa: Prefeitura Municipal de Jaguaruna
Função/setor: técnico agrícola, no setor agricultura
Agente nocivo: agentes biológicos
Enquadramento legal: Código 1.3.1 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, Códigos 3.0.1 dos Anexos IV dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 e Anexo nº 14 da NR nº 15 do MTE
Provas: formulário PPP (
, e ).Ao contrário do que alega o INSS, há descrição no formulário PPP do responsável técnico pelos registros ambientais nele insertos. A apresentação do formulário PPP dispensa a juntada de prova técnica, independentemente da época da prestação laboral, porquanto se trata de documento preenchido com base em laudo pericial da empresa (art. 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, art. 68, § 3º, do Decreto nº 3.048/99 e art. 266, § 5º da IN 77/2015), conforme previsão do art. 258 da IN/INSS nº 77/2015. A fim de dirimir qualquer dúvida porventura existente, o § 4º do art. 264 da IN/INSS nº 77 estabelece que O PPP dispensa a apresentação de laudo técnico ambiental para fins de comprovação de condição especial de trabalho, desde que demonstrado que seu preenchimento foi feito por Responsável Técnico habilitado, amparado em laudo técnico pericial.
Todavia, O fato de o PPP não informar a presença de responsável técnico em períodos anteriores, não é motivo para não reconhecimento do período, à vista de que a situação evidenciada em data mais recente, especificamente em relação ao agente ruído, não poderia ser melhor em momento pretérito, haja vista a melhoria da tecnologia nas máquinas utilizadas em empresas do ramo da empregadora do autor. (TRF4, AC 5016570-36.2019.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Des. Federal Jorge Antonio Maurique, juntado aos autos em 12/08/2019).
Realmente, constatada a presença do agente agressivo em épocas mais atuais, é razoável assumir que, em época pretérita, as condições ambientais de trabalho eram piores, e não melhores, tendo em vista o progresso na tecnologia de máquinas e equipamentos. Ora, se, em data posterior ao labor, foi constatada a presença de agentes nocivos, mesmo com as inovações tecnológicas e de medicina e segurança do trabalho que advieram com o passar do tempo, conclui-se que, na época pretérita, a agressão dos agentes era, ao menos, igual, senão maior, em razão da escassez de recursos materiais existentes, até então, para atenuar sua nocividade e a evolução dos equipamentos utilizados no desempenho de suas tarefas (APELREEX nº 5005369-04.2011.404.7000, Relatora p/ Acórdão Juíza Federal Maria Isabel Pezzi Klein, Quinta Turma, j. 23/04/2013).
Conclusão: possível o enquadramento do labor como nocivo, pois devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos antes indicados, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição, de forma habitual e permanente, a agentes biológicos.
Não merece acolhida o recurso do INSS, no sentido de que o autor não estava sujeito ao agente agressivo. Ora, analisadas as atividades por ele desenvolvidas, conclui-se que era ínsito ao labor o contato direto com sangue, dejetos, vísceras, ossos, pêlos e secreções de animais, suficiente para configurar exposição a agentes biológicos e caracterizar risco à saúde do trabalhador, tais como vírus, bactérias, protozoários, bacilos, parasitas, fungos e outros microorganismos.
A insalubridade, em casos como tais, justifica-se pelo contato ou risco de contato com bactérias, fungos e vírus (microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas) que podem estar presentes em carnes de animais, glândulas, sangue, ossos, couros, pêlos e vísceras dos mesmos. Ora, é público e notório que animais podem carregar consigo parasitas transmissores de inúmeras doenças. Tanto é verdade, que não raro são noticiadas doenças infectocontagiosas associadas à agropecuária, tais como a gripe do frango ou a atual gripe suína.
Esta Corte já sinalizou que A atividade exercida em contato direto com sangue, dejetos, vísceras, ossos, penas, pêlos e secreções de animais é suficiente para configurar exposição a agentes biológicos e caracterizar risco à saúde do trabalhador. A insalubridade, em casos como tais, justifica-se pelo contato ou risco de contato com bactérias, fungos e vírus (microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas) que podem estar presentes em carnes de animais, glândulas, sangue, ossos, couros, pêlos, penas e vísceras dos mesmos. (TRF4, AC 5004681-22.2019.4.04.7207, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JOSÉ ANTONIO SAVARIS, juntado aos autos em 19/02/2021).
Conforme entendimento firmado pela Terceira Seção deste Tribunal, Em se tratando de agentes biológicos, é desnecessário que o contato se dê de forma permanente, já que o risco de contágio independe do tempo de exposição. (TRF4, EINF 5001010-95.2013.4.04.7111, TERCEIRA SEÇÃO, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 19/09/2016). Na mesma toada, a Turma Nacional de Uniformização já sinalizou que, no caso de agentes biológicos, o conceito de habitualidade e permanência é diverso daquele utilizado para outros agentes nocivos, pois o que se protege não é o tempo de exposição (causador do eventual dano), mas o risco de exposição a agentes biológicos. (PEDILEF nº 0000026-98.2013.490.0000, Relator Juiz Federal Paulo Ernane Moreira Barros, DOU 25/04/2014, páginas 88/193).
Deve-se lembrar, ademais, que o Regulamento da Previdência Social, a teor do caput do art. 65 do Decreto nº 3.048/99, define o trabalho permanente como aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. Ou seja, nem o INSS requer a sujeição ininterrupta ao agente agressivo, bastando que seja habitual, que esteja presente em período razoável da jornada laboral, integrando a sua rotina e seguindo a dinâmica de cada ambiente de trabalho.
A nocividade do trabalho não foi neutralizada pelo uso de EPIs. A um, porque a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, conforme já referido. A dois, porque o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, deixou assentado que O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial (ARE nº 664.335, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 12/02/2015).
Todavia, o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador. Tal interpretação, aliás, encontra respaldo no próprio regramento administrativo do INSS, conforme se infere da leitura do art. 279, § 6º, da IN nº 77/2015, mantida, neste item, pela subsequente IN nº 85/2016.
No que diz respeito à prova da eficácia dos EPIs/EPCs, a Terceira Seção desta Corte, na sessão de julgamento realizada em 22/11/2017, nos autos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000 (Tema nº 15), decidiu por estabelecer a tese jurídica de que a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário (Relator para acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, por maioria). Restou assentada no aresto, ainda, a orientação no sentido de que a simples declaração unilateral do empregador, no Perfil Profissiográfico Previdenciário, de fornecimento de equipamentos de proteção individual, isoladamente, não tem o condão de comprovar a efetiva neutralização do agente nocivo. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório.
Na situação em apreço, não restou demonstrado que a nocividade tenha sido neutralizada pelo uso de EPI eficazes.
Ademais, em se tratando de agentes biológicos, concluiu-se, no bojo do IRDR (Tema nº 15 deste Regional), ser dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI, pois, segundo o item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS em 2017, aprovado pela Resolução nº 600, de 10/08/2017, como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente, deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação.
Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º)
O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).
Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
Conclusão quanto ao tempo de atividade especial
Possível o reconhecimento da nocividade do labor prestado nos períodos de 01/06/1986 a 21/09/1989 e de 01/04/1993 a 18/09/2015.
Do direito da parte autora à concessão do benefício
A teor da regra inserta no art. 122 da Lei nº 8.213/91, o segurado tem direito à implantação do benefício mais vantajoso, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, no julgamento do RE nº 630.501/RS (Relatora Ministra Ellen Gracie, Plenário, DJE 26/08/2013). É que O segurado do regime geral de previdência social tem direito adquirido a benefício calculado de modo mais vantajoso, sob a vigência da mesma lei, consideradas todas as datas em que o direito poderia ter sido exercido, desde quando preenchidos os requisitos para a aposentadoria. (...) O Tribunal garantiu a possibilidade de os segurados verem seus benefícios deferidos ou revisados de modo que correspondessem à maior Renda Mensal Inicial - RMI, consideradas as diversas datas em que o direito poderia ter sido exercido, caso tivessem requerido o benefício em algum momento anterior, desde quando possível a aposentadoria proporcional. Destacou que os efeitos financeiros contariam do desligamento do emprego ou da data de entrada do requerimento, respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas. (Tema nº 334 do STF).
A análise da jurisprudência deste Tribunal acena na mesma direção, conforme se infere dos precedentes abaixo reproduzidos:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RETROAÇÃO DA DIB PARA A DATA DO PRIMEIRO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. 1. Segundo decisão do Plenário do Egrégio STF (RE nº 630501), o segurado do regime geral de previdência social tem direito adquirido ao benefício calculado de modo mais vantajoso, sob a vigência da mesma lei, consideradas todas as datas em que o direito poderia ter sido exercido, desde quando preenchidos os requisitos para a jubilação. 2. Se, no segundo processo administrativo, ficar demonstrado que o segurado reunia os requisitos para o benefício já quando do primeiro requerimento administrativo, é devida a retroação da DIB para a primeira DER. Precedentes desta Corte. (TRF4, AC 5000732-82.2021.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 17/06/2021)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO COM OU SEM A INCIDÊNCIA DE FATOR PREVIDENCIÁRIO. OPÇÃO PELO MELHOR BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Ao julgar a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 630.501/RS, em 21-02-2013, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria de votos, que, em reconhecimento do direito adquirido ao melhor benefício, ainda que sob a vigência de uma mesma lei, teria o segurado direito a eleger o benefício mais vantajoso 2. É inconteste o direito do segurado à opção pelo melhor benefício, de modo que, em estando preenchidos os requisitos à aposentadoria por tempo de contribuição, apurada forma do art. 29, I, da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 9.876/99, ou nos termos do art. 29-C do mesmo diploma, pode ele optar pela que lhe é mais vantajosa. 3. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição integral, com ou sem a incidência do fator previdenciário, na data do requerimento administrativo, devendo a Autarquia realizar os cálculos e implantar o benefício que resultar mais vantajoso, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91. (...) (TRF4, AC 5016607-74.2017.4.04.7205, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 26/04/2021)
Idêntica orientação foi adotada administrativamente pelo INSS, sendo que, segundo o art. 688 da IN/INSS nº 77/2015, Quando, por ocasião da decisão, for identificado que estão satisfeitos os requisitos para mais de um tipo de benefício, cabe ao INSS oferecer ao segurado o direito de opção, mediante a apresentação dos demonstrativos financeiros de cada um deles.
Feita a digressão, passo à análise do caso concreto.
1. Aposentadoria especial
A soma do tempo especial que está sendo reconhecido em juízo totaliza 25 anos, 09 meses e 09 dias, suficientes à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (18/09/2015), bem como ao recebimento das parcelas devidas desde então.
2. Aposentadoria por tempo de contribuição
Em primeiro lugar, quanto ao fator de conversão, deve ser observada a relação existente entre os anos de trabalho exigidos para a aposentadoria por tempo de serviço ou de contribuição na data do implemento das condições e os anos exigidos para a obtenção da aposentadoria especial (15, 20 ou 25 anos de tempo de atividade, conforme o caso).
Em se tratando de benefício a ser deferido a segurado que implementou as condições já na vigência da Lei nº 8.213/91, como sabido, a concessão do benefício depende da comprovação de 35 anos de tempo de serviço ou de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher. Nesse contexto, a relação a ser feita para a obtenção do fator aplicável para a conversão do tempo de serviço especial para comum, quando se trata de enquadramento que justifica a aposentadoria aos 25 anos de atividade, é de 25 anos para 35, se homem, e 25 anos para 30, se mulher, resultando, assim, num multiplicador de 1,4 para aquele e 1,2 para esta.
Prestado o serviço sob a égide de legislação que o qualifica como especial, o segurado adquire o direito à consideração como tal até quando possível a conversão. A conversão, todavia, só pode ser disciplinada pela lei vigente à data em que implementados todos os requisitos para a concessão do benefício. Não se pode confundir critério para reconhecimento de especialidade com critério para concessão de benefício, aí incluídas a possibilidade e a sistemática de conversão de tempo especial pretérito.
O Decreto nº 3.048/99, em seu art. 70, determina a utilização do fator 1,40 quanto ao homem e 1,20 quanto à mulher para a conversão do tempo especial sob regime de 25 anos, independentemente da data em que desempenhada a atividade.
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM
Data de Nascimento | 18/11/1959 |
Sexo | Masculino |
DER | 18/09/2015 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS:
Marco Temporal | Tempo | Carência |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 13 anos, 5 meses e 19 dias | 102 carências |
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 0 anos, 0 meses e 0 dias | 0 carências |
Até a DER (18/09/2015) | 30 anos, 2 meses e 21 dias | 364 carências |
- Períodos acrescidos:
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | tempo especial reconhecido em juízo | 01/06/1986 | 21/09/1989 | 0.40 Especial | 3 anos, 3 meses e 21 dias + 1 anos, 11 meses e 24 dias = 1 anos, 3 meses e 27 dias | 40 |
2 | tempo especial reconhecido em juízo | 01/04/1993 | 18/09/2015 | 0.40 Especial | 22 anos, 5 meses e 18 dias + 13 anos, 5 meses e 22 dias = 8 anos, 11 meses e 26 dias | 270 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 17 anos, 0 meses e 29 dias | 211 | 39 anos, 0 meses e 28 dias | inaplicável |
Pedágio (EC 20/98) | 5 anos, 2 meses e 0 dias | |||
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 3 anos, 11 meses e 27 dias | 120 | 40 anos, 0 meses e 10 dias | inaplicável |
Até a DER (18/09/2015) | 40 anos, 6 meses e 14 dias | 674 | 55 anos, 10 meses e 0 dias | 96.3722 |
- Aposentadoria por tempo de serviço / contribuição
Nessas condições, em 16/12/1998, a parte autora não tem direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não cumpre o tempo mínimo de serviço de 30 anos.
Em 28/11/1999, a parte autora não tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98), porque não preenche o tempo mínimo de contribuição de 35 anos. Ainda, não tem interesse na aposentadoria proporcional por tempo de contribuição (regras de transição da EC 20/98), porque o pedágio é superior a 5 anos.
Em 18/09/2015 (DER), a parte autora tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, pois a pontuação totalizada é superior a 95 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).
Afastamento da atividade
O Supremo Tribunal Federal, recentemente, concluiu o julgamento do RE nº 791.961/PR (Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe 19/08/2020), representativo de controvérsia (Tema 709), em decisão assim ementada (destaquei):
Direito Previdenciário e Constitucional. Constitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91. Percepção do benefício de aposentadoria especial independentemente do afastamento do beneficiário das atividades laborais nocivas a sua saúde. Impossibilidade. Recurso extraordinário parcialmente provido.
1. O art. 57,§ 8º, da Lei nº 8.213/91 é constitucional, inexistindo qualquer tipo de conflito entre ele e os arts. 5º, inciso XIII; 7º, inciso XXXIII; e 201,§ 1º, da Lei Fundamental. A norma se presta, de forma razoável e proporcional, para homenagear o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos à saúde, à vida, ao ambiente de trabalho equilibrado e à redução dos riscos inerentes ao trabalho.
2. É vedada a simultaneidade entre a percepção da aposentadoria especial e o exercício de atividade especial, seja essa última aquela que deu causa à aposentação precoce ou não. A concomitância entre a aposentadoria e o labor especial acarreta a suspensão do pagamento do benefício previdenciário.
3. O tema da data de início da aposentadoria especial é regulado pelo art. 57, § 2º, da Lei nº 8.213/91, que, por sua vez, remete ao art. 49 do mesmo diploma normativo. O art. 57,§ 8º, da Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social cuida de assunto distinto e, inexistindo incompatibilidade absoluta entre esse dispositivo e aqueles anteriormente citados, os quais também não são inconstitucionais, não há que se falar em fixação da DIB na data de afastamento da atividade, sob pena de violência à vontade e à prerrogativa do legislador, bem como de afronta à separação de Poderes.
4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “(i) é constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o benefício previdenciário em questão.
5. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento.
Posteriormente, o STF decidiu acolher, em parte, os embargos de declaração opostos ao Tema 709 para (RE nº 791.961/PR, Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário Virtual, sessão de 12/02/2021 a 23/02/2021):
a) esclarecer que não há falar em inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da alegada ausência dos requisitos autorizadores da edição da Medida Provisória que o originou, pois referida MP foi editada com a finalidade de se promoverem ajustes necessários na Previdência Social à época, cumprindo, portanto, as exigências devidas;
b) propor a alteração na redação da tese de repercussão geral fixada, para evitar qualquer contradição entre os termos utilizados no acórdão ora embargado, devendo ficar assim redigida:
“4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral:
“(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não;
(ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão .”;
c) modular os efeitos do acórdão embargado e da tese de repercussão geral, de forma a preservar os segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento;
d) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa fé, por força de decisão judicial ou administrativa, até a proclamação do resultado deste julgamento.
Dito isso, necessário estabelecer as seguintes diretrizes:
(a) Deve ser observada a imposição inserta no § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, implicando a cessação do pagamento do benefício, e não a sua cassação ou cancelamento, a permanência do segurado aposentado no exercício da atividade que o sujeite a agentes nocivos ou caso a ela retorne voluntariamente.
Há que se observar, porém, que o Plenário do STF, na sessão virtual realizada entre 24/09/2021 e 01/10/2021, resolveu acolher os embargos opostos pelo Ministério Público Federal para modular os efeitos, excepcionalmente (sic) e temporalmente, da incidência do acórdão, no tocante aos profissionais de saúde constantes do rol do art. 3º-J, da Lei nº 13.979/2020, e que estejam trabalhando diretamente no combate à epidemia do COVID-19, ou prestando serviços de atendimento a pessoas atingidas pela doença em hospitais ou instituições congêneres, públicos ou privados, ficando suspensos os efeitos do acórdão proferido nos autos, enquanto estiver vigente a referida lei, que dispõe sobre as medidas de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (RE nº 791.961/PR, Relator Ministro Dias Toffoli).
(b) Não obstante o STF tenha concluído pela constitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, restou assentado que o termo inicial do benefício deve ser fixado de acordo com a previsão contida nos artigos 49 e 57, § 2º, da Lei nº 8.213/91, ou seja, na DER, e não na data do afastamento da atividade.
Assim, conclui-se que o desligamento da atividade se torna exigível tão somente a partir da efetiva implantação do benefício, sem prejuízo às prestações vencidas no curso do processo que culminou na concessão da aposentadoria especial, seja ele judicial ou administrativo. Portanto, não há óbice ao recebimento de parcelas do benefício de aposentadoria especial no período em que o segurado permaneceu no exercício de atividades nocivas. É a ilação que se infere do voto do Relator, Ministro Dias Toffoli, conforme excerto abaixo reproduzido:
A Lei nº 8.213/91, em seu art. 57, § 2º, cuidou de disciplinar o tema da data de início da aposentadoria especial, fazendo uma remissão ao art. 49 daquele mesmo diploma legislativo. Eis que, desse modo, a legislação de regência já cuidou de regular o assunto, estabelecendo que o benefício será devido (i) da data do desligamento do emprego, quando requerido até essa data, ou até noventa dias depois dela (inciso I, alínea a); (ii) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando o benefício for requerido após o prazo previsto na alínea a (inciso I, alínea b). Conforme se nota, inexiste, no referente ao assunto, vácuo legislativo, de modo que afastar a previsão do art. 57, § 2º, da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social para fazer valer, em detrimento dessa norma, o art. 57, § 8º - quando esse nem sequer foi editado com vistas a regular a questão da data de início dos benefícios - significaria evidente violência às prerrogativas do Poder Legislativo.
Dito de outra forma, caso acolhido o pedido da autarquia nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal estaria claramente a legislar, o que lhe é terminantemente vedado. O legislador, no exercício de suas atribuições constitucionalmente conferidas, houve por bem fixar uma determinada disciplina para a data de início do benefício – essa disciplina encontra-se no art. 57, § 2º, da Lei nº 8.213/91. A referida norma encontra-se em harmonia com o ordenamento jurídico e, até o momento, não teve sua constitucionalidade questionada. Não há razão, portanto, para se negar aplicação a ela. O que o INSS pretende é que o Supremo Tribunal Federal ignore a existência desse dispositivo, perfeitamente válido e eficaz, e determine a aplicação, em seu lugar, do art. 57, § 8º, do mesmo diploma legislativo, o qual se destina, aliás, a cuidar de situações distintas: as daquelas hipóteses em que o trabalhador permanece ou retorna à atividade especial. Ora, é evidentemente defeso a esta Corte atender a tal pleito, ante a evidente afronta à separação de Poderes e à vontade do legislador, legitima e validamente expressa.
É evidente o escopo da decisão da Suprema Corte no afã de garantir que o segurado não seja prejudicado pela demora na análise do seu pedido de concessão de aposentadoria especial.
(c) O julgamento exarado pelo STF não se traduz em óbice à imediata implantação da aposentadoria especial, por força de antecipação de tutela deferida no acórdão, à luz do art. 497 do CPC. Isso porque o art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91 prevê vedação à concomitância no exercício da atividade nociva e a percepção da aposentadoria especial. Não se pode, todavia, condicionar a concessão do benefício ao desligamento da atividade. O § 8º do art. 57 adverte que o segurado não poderá continuar. Continuar pressupõe a anterior concessão. O condicionamento é à continuidade. A lei previdenciária não criou um requisito para a aposentadoria especial que possa ser apreciado a latere dos demais.
Destarte, eventual suspensão do benefício não pode dispensar o devido processo legal, incumbindo ao INSS, na via administrativa, proceder à notificação do segurado para defesa, oportunizado-se prazo para que comprove o afastamento da atividade nociva ou, então, para que regularize a situação entre ele e o INSS.
O Decreto 3.048/99, no parágrafo único do art. 69 (redação mantida pelo Decreto nº 10.410, de 01/07/2020), estatui que O segurado será imediatamente notificado da cessação do pagamento de sua aposentadoria especial, no prazo de sessenta dias contado da data de emissão da notificação, salvo comprovação, nesse prazo, de que o exercício dessa atividade ou o operação foi encerrado.
(d) Não há falar em restituição de eventuais parcelas pagas ao segurado por força de antecipação de tutela. No julgamento do Embargos Declaratórios, o STF, ao modular os efeitos da tese de repercussão geral, foi categórico no sentido de que não se questiona a irrepetibilidade dos valores de natureza alimentar, recebidos de boa-fé, sobretudo quando vinham sendo depositados por força de ordem judicial. Os indivíduos que vinham auferindo o benefício previdenciário em razão de pedidos deferidos pelo Poder Judiciário - ou mesmo voluntariamente pela Administração - encontram-se isentos de qualquer obrigação de devolução dos valores recebidos até a proclamação do resultado deste julgamento. Descabido, pois, o sobrestamento do feito em razão da afetação ao Tema 692 do Superior Tribunal de Justiça.
(e) Ainda que haja suspensão do pagamento do benefício, o INSS deverá proceder à averbação do tempo especial reconhecido nos autos, a fim de que se incorpore ao patrimônio jurídico do segurado, já que, Conforme o entendimento da Terceira Seção deste Tribunal, o trabalho prestado se incorpora imediatamente ao patrimônio jurídico do trabalhador. (TRF4, AC 5000156-60.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 12/06/2020). O direito à contagem de tempo de serviço/contribuição se incorpora ao patrimônio jurídico do segurado no momento da prestação da atividade. (TRF4, AC 5028504-25.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 18/03/2020).
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo índice oficial e aceito na jurisprudência, qual seja:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016). Porém, diante da afetação do Tema nº 1.059 do STJ [(Im) Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação.], resta diferida para a fase de cumprimento de sentença eventual majoração dos honorários advocatícios decorrente do presente julgamento.
Custas processuais: O INSS é isento do pagamento de custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Conclusão
- Sentença mantida quanto ao (a) cômputo de tempo especial nos lapsos de 01/06/1986 a 21/09/1989 e 01/04/1993 a 18/09/2015; e (b) direito do autor à implantação do benefício mais vantajoso: aposentadoria especial ou aposentadoria integral por tempo de contribuição, sem incidência de fator previdenciário, a contar da DER (18/09/2015), bem como ao pagamento das parcelas devidas desde então.
- Sentença reformada para, de ofício, (a) determinar a observância da restrição imposta no art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91; e (b) alterar o critério de atualização monetária do débito.
- A parte autora tem direito à implantação do benefício na forma mais vantajosa: aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição. No caso, manifesta opção pela concessão da aposentadoria especial, inexistindo óbice, porém, a que, na fase de cumprimento do julgado, opte por benefício diverso.
Possível desde logo a determinação de implantação do benefício, sem prejuízo da respectiva cessação, caso o INSS verifique que o segurado permaneceu ou retornou ao exercício de atividade especial, nos termos da decisão do STF no Tema 709.
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do CPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Resulta, todavia, facultada à parte autora a possibilidade de renúncia à implantação do benefício ora determinada.
Dados para cumprimento: ( x ) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | 42/172.080.905-1 |
Espécie | aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição integral, sem incidência de fator previdenciário |
DIB | 18/09/2015 |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
DCB | não se aplica |
RMI | a apurar |
Observações | O INSS deverá implantar o benefício mais vantajoso ao segurado |
Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Requisite a Secretaria da Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por, de ofício, (a) fixar o critério de correção monetária conforme decisão do STF no Tema nº 810 e do STJ no Tema nº 905 e (b) determinar a observância da restrição do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91; diferir para a fase de cumprimento de sentença a eventual majoração da verba honorária por força do art. 85, § 11, do CPC; negar provimento à apelação do INSS e determinar a imediata implantação do benefício, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003168039v6 e do código CRC e556526f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 19/5/2022, às 18:24:4
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Apelação Cível Nº 5010857-46.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCO DE ASSIS RUFINO DE SOUZA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE.
1. O INSS é parte legítima para o reconhecimento da nocividade das atividades exercidas pela parte autora no período em que esteve vinculada a regime próprio de previdência social que veio a ser extinto, forçando o servidor a migrar ao RGPS, não podendo o segurado ser prejudicado com eventuais equívocos cometidos pela administração municipal na regulamentação do mencionado regime, ou mesmo repasse das contribuições previdenciárias devidas.
2. A contagem recíproca assegurada pelo § 9º do artigo 201 da Constituição Federal e pelos artigos 94 a 99 da Lei 8.213/91 permite que o segurado se aposente no regime geral da previdência social mediante o cômputo de período em que era filiado a regime próprio, em face da previsão de compensação financeira entre os diferentes sistemas.
3. Preenchendo a parte autora os requisitos para a obtenção de mais de um benefício, deve ser assegurada a concessão do mais vantajoso, nos termos da decisão proferida pelo STF no RE 630.501. No caso, estão preenchidos os requisitos para a aposentadoria especial e para a aposentadoria por tempo de contribuição por pontos, sem incidência de fator previdenciário.
4. A apresentação do formulário PPP dispensa a juntada de prova técnica, inclusive com relação ao agente nocivo ruído, independentemente da época da prestação laboral, porquanto se trata de documento preenchido com base em laudo pericial da empresa. Inteligência do art. 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, art. 68, § 3º, do Decreto nº 3.048/99 e arts. 264, §4º, e 266, § 5º, ambos da IN/INSS 77/2015.
5. A atividade exercida em contato direto com sangue, dejetos, vísceras, ossos, penas, pêlos e secreções de animais é suficiente para configurar exposição a agentes biológicos e caracterizar risco à saúde do trabalhador. A insalubridade, em casos como tais, justifica-se pelo contato ou risco de contato com bactérias, fungos e vírus (microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas) que podem estar presentes em carnes de animais, glândulas, sangue, ossos, couros, pêlos, penas e vísceras dos mesmos.
6. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes para descaracterizar a especialidade da atividade exercida, porquanto não comprovada a sua real efetividade por meio de perícia técnica especializada e não demonstrado o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. Em se tratando de agentes biológicos, concluiu-se, no julgamento do Tema nº 15 deste Regional, ser dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI, pois, segundo o item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS e aprovado pela Resolução nº 600/17, como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente, deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação.
7. Tendo em conta o recente julgamento do Tema nº 709 pelo STF, reconhecendo a constitucionalidade da regra inserta no § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, o beneficiário da aposentadoria especial não pode continuar no exercício da atividade nociva ou a ela retornar, seja esta atividade aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. Implantado o benefício, seja na via administrativa, seja na judicial, o retorno voluntário ao trabalho nocivo ou a sua continuidade implicará na imediata cessação de seu pagamento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, de ofício, (a) fixar o critério de correção monetária conforme decisão do STF no Tema nº 810 e do STJ no Tema nº 905 e (b) determinar a observância da restrição do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91; diferir para a fase de cumprimento de sentença a eventual majoração da verba honorária por força do art. 85, § 11, do CPC; negar provimento à apelação do INSS e determinar a imediata implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003168040v3 e do código CRC c5526738.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 19/5/2022, às 18:24:4
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022
Apelação Cível Nº 5010857-46.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCO DE ASSIS RUFINO DE SOUZA
ADVOGADO: JACKSON SALVAN (OAB SC029872)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 32, disponibilizada no DE de 29/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DE OFÍCIO, (A) FIXAR O CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA CONFORME DECISÃO DO STF NO TEMA Nº 810 E DO STJ NO TEMA Nº 905 E (B) DETERMINAR A OBSERVÂNCIA DA RESTRIÇÃO DO ART. 57, § 8º, DA LEI Nº 8.213/91; DIFERIR PARA A FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA A EVENTUAL MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA POR FORÇA DO ART. 85, § 11, DO CPC; NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 27/05/2022 04:01:11.