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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. TRF4. 5000010-63.2018.4.04.7215...

Data da publicação: 29/08/2020, 11:01:00

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. É possível, mesmo após o advento do Decreto n° 2.172/97, o reconhecimento da especialidade do labor exercido com exposição a hidrocarbonetos aromáticos. Precedentes. 2. Quanto aos agentes químicos descritos no anexo 13 da NR 15 do MTE, é suficiente a avaliação qualitativa de risco, sem que se cogite de limite de tolerância, independentemente da época da prestação do serviço, se anterior ou posterior a 02/12/1998, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial. 3. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes para descaracterizar a especialidade da atividade exercida, porquanto não comprovada a sua real efetividade por meio de perícia técnica especializada e não demonstrado o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. (TRF4, AC 5000010-63.2018.4.04.7215, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 21/08/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000010-63.2018.4.04.7215/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: ARMANDO SCALVIM (AUTOR)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas pelas partes contra sentença, publicada em 18/04/2018, proferida nos seguintes termos (evento 13):

Ante o exposto,julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para, tão-somente, resolvendo o processo, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, RECONHECER em favor da parte autora a especialidade da atividade desenvolvida no período de 01/02/1983 a 31/05/1988, determinando ao INSS que proceda à conversão, mediante aplicação do fator 1,4;

Diante da sucumbência recíproca, CONDENO ambas as partes ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 8% (oito por cento) sobre o valor atualizado da causa, atualizado pelo IPCA-E, rateados em partes iguais, com fundamento nos artigos 85, § 2º, § 3º, inciso I e § 5º e 86 do CPC.

Em razão da declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade do art. 85, § 19, do CPC/2015 e dos arts. 29 a 39 da Lei n. 13.327/16, nos termos da fundamentação, os honorários deverão ser destinados ao INSS e não aos procuradores.

Ressalto, outrossim, que a cobrança/execução dos honorários devidos pela parte autora restará suspensa em razão do requerente ser detentor do benefício da assistência judiciária.

Partes isentas de custas nos termos do art. 4º, I e II, da Lei 9.289/96.

Em suas razões recursais, a parte autora requer a reforma do decisum para que seja reconhecida a especialidade nos períodos de 01/06/1988 a 25/05/1998 e 03/11/1998 a 31/01/2009, com a consequente concessão da aposentadoria especial ou, subsidiariamente, da aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da DER (30/09/2011). Juntou documentos (evento 21).

Por sua vez, o órgão previdenciário requer o reexame obrigatório da sentença ilíquida e investe contra o cômputo diferenciado de tempo de contribuição no intervalo de 01/02/1983 a 31/05/1988, sob os seguintes argumentos: (a) o autor exercia a função de servente; (b) a atividade de frentista não encontra previsão nos decretos regulamentares como passível de enquadramento pela categoria profissional; (c) não há indicação da composição dos hidrocarbonetos, sendo que somente o aromático, por seu potencial cancerígeno, é considerado insalubre à saúde do trabalhador; (d) descabido o reconhecimento da nocividade do labor em razão da periculosidade após o advento do Decreto nº 2.172/97; e (e) a atividade periculosa não configura risco à integridade física ou à saúde do trabalhador, de forma que não enseja a concessão da aposentadoria especial. Alega, ainda, que os advogados públicos têm direito à percepção de honorários, a teor do art. 85, § 19, do CPC. Por fim, prequestiona afronta à matéria altercada (evento 25).

Com contrarrazões (evento 30), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento dos recursos.

É o relatório.

VOTO

Reexame necessário

Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual CPC, não há falar em remessa oficial, porquanto foi interposto recurso voluntário pelo INSS, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do CPC [Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á.].

Com efeito, a redação do art. 496, § 1º, do CPC/2015 é clara e inequívoca, não admitindo o seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto amplamente criticado por ser desnecessário no atual estágio de evolução das Procuradorias Públicas. É excepcional, e por isso mesmo deve ser interpretado restritíssimamente, consoante recente julgado do Egrégio TJRS:

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70076942127, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 30/05/2018) (Grifei).

Dessarte, o reexame necessário, não tem o mínimo cabimento quando há apelação, parcial ou total, da Fazenda Pública, estando sua obrigatoriedade, como condição para o trânsito em julgado da sentença, dependente da ausência de recurso da Fazenda Pública, consoante decisão unânime deste Colegiado (5010208-52.2018.4.04.9999, j. 12-12-2018).

Destarte, não é hipótese de remessa oficial.

Prescrição quinquenal

Em se tratando de benefício previdenciário de prestação continuada, a prescrição não atinge o fundo de direito, mas somente os créditos relativos às parcelas vencidas há mais de 5 (cinco) anos, contados da data do ajuizamento da ação, consoante a iterativa jurisprudência dos Tribunais. A prescrição quinquenal das prestações vencidas não reclamadas, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, historicamente sempre vigorou em ordenamento jurídico próprio, estando prevista atualmente no art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91. Dito isso, tendo a parte autora ajuizado a presente demanda em 05/01/2018, estão prescritas as parcelas anteriores a 05/01/2013.

Limites da controvérsia

Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença e à vista dos limites da insurgência recursal, a questão controvertida nos autos cinge-se às condições da prestação de serviço da parte autora nos lapsos de 01/02/1983 a 31/05/1988, 01/06/1988 a 25/05/1998 e 03/11/1998 a 31/01/2009.

Exame do tempo especial no caso concreto

Na espécie, estas são as condições da prestação de serviço do autor:

Período: 01/02/1983 a 25/05/1998

Empresa: Irmãos Willrich Ltda.

Atividade(s)/função(ões): servente, frentista e gerente

Agentes nocivos: hidrocarbonetos aromáticos (gasolina, óleo diesel e álcool)

Enquadramento legal: código 1.2.11 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64; código 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79; códigos 1.0.19 dos Anexos IV dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 e Anexo nº 13 da NR nº 15 do MTE

Provas: formulário PPP, com indicação do responsável técnico pelos registros ambientais (evento 01, PPP7)

Conclusão: possível o enquadramento do labor como nocivo, pois devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no intervalo antes indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição, de forma habitual e permanente, a agentes químicos.

Assiste razão ao INSS, no tópico, pois a atividade de frentista não está descrita nos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79 como passível de enquadramento pela categoria profissional. E, a despeito da previsão do Enunciado da Súmula 198 do TFR, não foi apresentado laudo pericial com relação à prestação laboral do autor, tampouco há no formulário PPP informação sobre a condição periculosa do trabalho. Logo, não é possível o reconhecimento da nocividade, no lapso de 01/02/1983 a 31/05/1988, pela classificação profissional e nem pela periculosidade. Todavia, como dito acima, o autor, no exercício de suas funções, estava exposto a agentes químicos, o que justifica o cômputo diferenciado do tempo de serviço prestado nos entretempos de 01/02/1983 a 31/05/1988 e 01/06/1988 a 25/05/1998.

Período: 03/11/1998 a 31/01/2009

Empresa: Auto Posto S.A. Ulber Ltda.

Atividade(s)/função(ões): frentista

Agentes nocivos: hidrocarbonetos aromáticos

Enquadramento legal: códigos 1.0.19 dos Anexos IV dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 e Anexo nº 13 da NR nº 15 do MTE

Provas: formulário PPP, com indicação do responsável técnico pelos registros ambientais (evento 01, PPP8)

Conclusão: possível o enquadramento do labor como nocivo, pois devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no intervalo antes indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição, de forma habitual e permanente, a agentes químicos.

Com efeito, à vista da orientação sedimentada na Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, É possível, mesmo após a edição do decreto n°. 2.172/97, o reconhecimento da especialidade de atividade exercida com exposição nociva a "hidrocarbonetos", desde que, no caso concreto, reste comprovada a exposição aos agentes descritos itens 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19 do Anexo IV do decreto n. 2.172/97, assim como Anexo IV do decreto n. 3.048/99 (benzeno e seus compostos tóxicos, carvão mineral e seus derivados e outras substâncias químicas, respectivamente). (IUJEF nº 0007944-64.2009.404.7251, Relatora Juíza Federal Luísa Hickel Gamba, D.E. 15/12/2011).

Quanto ao agente químico, segundo o código 1.0.0 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, como regra geral, o que determina o direito ao benefício é a exposição do trabalhador ao agente nocivo presente no ambiente de trabalho e no processo produtivo, em nível de concentração superior aos limites de tolerância estabelecidos. Ao contrário do que entendeu o julgador, ainda que haja referência, no PPP, de que não constatados concentrações de vapores de hidrocarbonetos e álcoois capazes de colocar em riso à saúde do trabalhador, conforme o art. 278, § 1º, inciso I, da IN INSS/PRES nº 77/15, mantida, neste item, pela subsequente IN nº 85/16, a avaliação continua sendo qualitativa no caso do benzeno (Anexo 13-A da NR-15) e dos agentes químicos previstos, simultaneamente, no Anexo IV do Decreto nº 3.048/99 e no Anexo 13 da NR-15, como é o caso dos hidrocarbonetos aromáticos:

Art. 278. Para fins da análise de caracterização da atividade exercida em condições especiais por exposição à agente nocivo, consideram- se:

I - nocividade: situação combinada ou não de substâncias, energias e demais fatores de riscos reconhecidos, presentes no ambiente de trabalho, capazes de trazer ou ocasionar danos à saúde ou à integridade física do trabalhador; e

II - permanência: trabalho não ocasional nem intermitente no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do contribuinte individual cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, em decorrência da subordinação jurídica a qual se submete.

§ 1º Para a apuração do disposto no inciso I do caput, há que se considerar se a avaliação de riscos e do agente nocivo é:

I - apenas qualitativo, sendo a nocividade presumida e independente de mensuração, constatada pela simples presença do agente no ambiente de trabalho, conforme constante nos Anexos 6, 13 e 14 da Norma Regulamentadora nº 15 - NR-15 do MTE, e no Anexo IV do RPS, para os agentes iodo e níquel, a qual será comprovada mediante descrição:

a) das circunstâncias de exposição ocupacional a determinado agente nocivo ou associação de agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho durante toda a jornada;

b) de todas as fontes e possibilidades de liberação dos agentes mencionados na alínea "a"; e

c) dos meios de contato ou exposição dos trabalhadores, as vias de absorção, a intensidade da exposição, a frequência e a duração do contato;

II - quantitativo, sendo a nocividade considerada pela ultrapassagem dos limites de tolerância ou doses, dispostos nos Anexos 1, 2, 3, 5, 8, 11 e 12 da NR-15 do MTE, por meio da mensuração da intensidade ou da concentração consideradas no tempo efetivo da exposição no ambiente de trabalho.

De fato, relativamente aos agentes químicos constantes no Anexo 13 da NR-15, os riscos ocupacionais gerados não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa. Ao contrário do que ocorre com alguns agentes agressivos, como, v.g., o ruído, calor, frio ou eletricidade, que exigem sujeição a determinados patamares para que reste configurada a nocividade do labor, no caso dos tóxicos orgânicos e inorgânicos, a exposição habitual, rotineira, a tais fatores insalutíferos é suficiente para tornar o trabalhador vulnerável a doenças ou acidentes (APELREEX nº 2002.70.05.008838-4, Relator Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, Quinta Turma, D.E. 10/05/2010; EINF nº 5000295-67.2010.404.7108, Relator p/ Acórdão Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Terceira Seção, julgado em 11.12.2014).

A nocividade do trabalho não foi neutralizada pelo uso de EPIs. A um, porque a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, conforme já referido. A dois, porque o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, deixou assentado que O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial (ARE nº 664.335, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 12/02/2015).

Todavia, o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador. Tal interpretação, aliás, encontra respaldo no próprio regramento administrativo do INSS, conforme se infere da leitura do art. 279, § 6º, da IN nº 77/2015, mantida, neste item, pela subsequente IN nº 85/2016.

No que diz respeito à prova da eficácia dos EPIs/EPCs, a Terceira Seção desta Corte, na sessão de julgamento realizada em 22/11/2017, nos autos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000 (Tema nº 15), decidiu por estabelecer a tese jurídica de que a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário (Relator para acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, por maioria). Restou assentada no aresto, ainda, a orientação no sentido de que a simples declaração unilateral do empregador, no Perfil Profissiográfico Previdenciário, de fornecimento de equipamentos de proteção individual, isoladamente, não tem o condão de comprovar a efetiva neutralização do agente nocivo. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório.

Na situação em apreço, não restou demonstrado que a nocividade tenha sido neutralizada pelo uso de EPI eficazes.

Sobre a habitualidade e a permanência na sujeição aos agentes agressivos, esta Corte, ao julgar os EINF nº 0010314-72.2009.404.7200 (Relator Des. Federal Celso Kipper, Terceira Seção, D.E. 07/11/2011), decidiu que Para caracterização da especialidade não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de labor, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada. De fato, Os requisitos da habitualidade e da permanência devem ser entendidos como não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, continuidade e não-interrupção da exposição ao agente nocivo. A intermitência refere-se ao exercício da atividade em local insalubre de modo descontínuo, ou seja, somente em determinadas ocasiões. Se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho, tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente (TRF/4, AC nº 2000.04.01.073799-6/PR, 6ª Turma, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 09/05/2001). Deve-se lembrar, ademais, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.

Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º)

O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.

O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.

De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).

Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.

Conclusão quanto ao tempo de atividade especial

Possível o reconhecimento da nocividade do labor nos períodos de 01/02/1983 a 31/05/1988, 01/06/1988 a 25/05/1998 e 03/11/1998 a 31/01/2009.

Do direito da parte autora à concessão do benefício

A soma do tempo especial que foi reconhecido em juízo totaliza 25 anos, 06 meses e 24 dias, suficientes à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (30/09/2011), bem como ao recebimento das parcelas devidas desde então, observada a prescrição quinquenal.

Afastamento da atividade

Este Regional, tendo em conta o julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000, de fato, vinha decidindo pela desnecessidade de afastamento do segurado da atividade que o expunha a agentes nocivos como condição para a implantação da aposentadoria especial, afirmando a inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei 8.213/91 (Relator Des. Federal Ricardo Teixeira Do Valle Pereira, Corte Especial, julgado em 24/05/2012).

Todavia, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do RE nº 791.961/PR (Tema nº 709) para fixar a seguinte tese jurídica: É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão (Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, julgamento virtual finalizado em 05/06/2020).

Assim, deve ser observada a imposição inserta no § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, implicando na cessação do benefício a permanência do segurado aposentado no exercício da atividade que o sujeite a agentes nocivos ou caso a ela retorne voluntariamente.

Implantação do benefício

Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do CPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.

Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.

Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.

Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

Correção monetária

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo índice oficial e aceito na jurisprudência, qual seja:

- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Juros moratórios

Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.

Honorários advocatícios

Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).

Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data do acórdão (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC.

Reformada a sentença para reconhecer a procedência do pedido do autor, resta prejudicada a pretensão recursal do INSS.

No caso, não há falar em afronta ao princípio da causalidade. Isso porque, ao acolher, em parte, a apelação do INSS para reformar a sentença e afastar a nocividade do labor em razão do enquadramento pela categoria profissional e pela periculosidade, o acórdão está mantendo o cômputo do tempo de serviço como especial pela sujeição do autor a agentes químicos e, em consequência, reformando o decisum para declarar o direito da parte autora à concessão da aposentadoria especial, bem como ao pagamento das parcelas devidas desde a DER, de modo que o parcial provimento do recurso do INSS não produzirá qualquer resultado jurídico, restando inalterado o julgado proferido em primeiro grau.

Custas processuais: O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e responde por metade do valor no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 156/97).

Conclusão

- Sentença mantida quanto ao cômputo de tempo especial no intervalo de 01/02/1983 a 31/05/1988.

- Sentença reformada para (a) reconhecer a nocividade dos lapsos de 01/06/1988 a 25/05/1998 e 03/11/1998 a 31/01/2009; (b) afastar o reconhecimento da especialidade no período de 01/02/1983 a 31/05/1988, pela categoria profissional e pela periculosidade, mantido, porém, o cômputo do tempo de serviço diferenciado pelo contato com agentes químicos; e (c) condenar o INSS a implantar em favor da parte autora a aposentadoria especial e a pagar as parcelas devidas desde a DER (30/09/2011), observada a prescrição quinquenal, acrescidas de correção monetária e juros de mora, na forma da fundamentação, além da verba honorária.

DISPOSITIVO

Pelo exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do INSS; dar provimento ao apelo do autor e determinar a imediata implantação do benefício.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001817480v9 e do código CRC 730911b1.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
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5000010-63.2018.4.04.7215
40001817480.V9


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000010-63.2018.4.04.7215/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: ARMANDO SCALVIM (AUTOR)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS.

1. É possível, mesmo após o advento do Decreto n° 2.172/97, o reconhecimento da especialidade do labor exercido com exposição a hidrocarbonetos aromáticos. Precedentes.

2. Quanto aos agentes químicos descritos no anexo 13 da NR 15 do MTE, é suficiente a avaliação qualitativa de risco, sem que se cogite de limite de tolerância, independentemente da época da prestação do serviço, se anterior ou posterior a 02/12/1998, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial.

3. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes para descaracterizar a especialidade da atividade exercida, porquanto não comprovada a sua real efetividade por meio de perícia técnica especializada e não demonstrado o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS; dar provimento ao apelo do autor e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 20 de agosto de 2020.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001817481v3 e do código CRC eaaa335c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 21/8/2020, às 18:2:27


5000010-63.2018.4.04.7215
40001817481 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 29/08/2020 08:01:00.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/08/2020 A 20/08/2020

Apelação Cível Nº 5000010-63.2018.4.04.7215/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

SUSTENTAÇÃO DE ARGUMENTOS: Fernando Damian Batschauer por ARMANDO SCALVIM

APELANTE: ARMANDO SCALVIM (AUTOR)

ADVOGADO: Fernando Damian Batschauer (OAB SC031574)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/08/2020, às 00:00, a 20/08/2020, às 16:00, na sequência 26, disponibilizada no DE de 03/08/2020.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS; DAR PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 29/08/2020 08:01:00.

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