Apelação Cível Nº 5013827-82.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALICEO SARTURI
ADVOGADO: MÁRCIO DA ROSA (OAB RS064306)
ADVOGADO: RODRIGO SEBEN (OAB RS036458)
ADVOGADO: MOISES FREO (OAB RS093340)
RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSS contra sentença publicada na vigência do novo CPC, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na AÇÃO DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL proposta por ALICEO SARTURI contra o INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, para condenar o réu a conceder em favor da autora o benefício da aposentadoria por idade rural, correspondente ao valor de um salário mínimo mensal, com efeito a partir de 20/05/2015.
As parcelas vencidas devem ser atualizadas monetariamente, desde o vencimento de cada prestação devida, pelo INPC, e acrescidas de juros de mora aplicados à caderneta de poupança, desde a citação.
Condeno também o réu a pagar as despesas processuais, observada a Lei Estadual nº 13.471/2010, bem como honorários ao procurador do autor, fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até esta data (Súmula 111 do STJ), nos termos do artigo 85, § 3º, do Código de Processo Civil.
Fica resolvido o processo com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Considerando-se que a sentença é ilíquida, com ou sem recurso voluntário, remetam-se os autos ao necessário reexame, na forma do artigo 496, I, do Código de Processo Civil.
Em suas razões recursais o INSS sustenta, preliminarmente, que houve cerceamento de defesa, uma vez que o vídeo com os depoimentos das testemunhas não foi juntado ao autos. Pede a anulação da sentença para que seja acostada aos autos a mídia da audiência contendo a oitiva das testemunhas. No mérito, alega que os documentos juntados não fazem prova da atividade rural no período de 1997 a 2010.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Remessa necessária
A Turma tem decidido reiteradamente que "não está sujeita à remessa necessária a sentença proferida na vigência do CPC de 2015 quando é certo que a condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros, não excederá 1.000 (mil) salários mínimos" (5033464-24.2018.404.9999) - ARTUR CÉSAR DE SOUZA). Embora a sentença não contenha condenação líquida, é bem evidente que os atrasados compreendem parcelas vencidas, cuja soma não ultrapassa o teto de mil salários mínimos previsto no inciso I do § 3º do artigo 496 do CPC.
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Preliminar de nulidade
Reclama, o INSS, que o vídeo com os depoimentos das testemunhas não foi juntado ao autos. Pede a anulação da sentença para que seja acostada aos autos a mídia da audiência contendo a oitiva das testemunhas.
A mídia da Audiência na qual houve oitiva de testemunhas foi juntada aos autos no evento 71. Intimado, o INSS renunciou ao prazo para manifestar-se.
Aposentadoria por Idade Rural
O exercício de atividade rural deve ser comprovado mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ. Trata-se de exigência que vale tanto para o trabalho exercido em regime de economia familiar quanto para o trabalho exercido individualmente.
O rol de documentos do art. 106 da LBPS não é exaustivo, de forma que documentos outros, além dos ali relacionados, podem constituir início de prova material, que não deve ser compreendido como prova plena, senão como um sinal deixado no tempo acerca de fatos acontecidos no passado e que agora se pretendem demonstrar, com a necessária complementação por prova oral.
Não há necessidade de que o início de prova material abarque todo o período de trabalho rural, desde que todo o contexto probatório permita a formação de juízo seguro de convicção: está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido (TRF4, EINF 0016396-93.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
Saliento que, em recente decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos, firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a
alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1.348.633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014).
Caso Concreto
No caso em tela, a parte autora atingiu o requisito etário em 13-01-2019 e formulou o requerimento de aposentadoria por idade rural em 18-01-2019. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima ou à entrada do requerimento administrativo ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Quanto à comprovação da atividade rural desenvolvida em regime de economia familiar, o Juízo a quo assim decidiu:
Como início de prova material o autor trouxe aos autos: notas fiscais de produtor, em nome do sogro Anselmo da Silva Nietzold, dos anos de 1997 a 2008; certidão de matrimônio celebrado no dia 21/04/1997; matrícula de imóvel rural em nome de Anselmo e do autor; ficha do Sindicato dos Trabalhadores de Rurais de Iraí, em nome do sogro do autor, demonstrando o pagamento de anuidades de 1994 a 2008; ficha do Sindicato dos Trabalhadores de Rurais de Iraí, em nome do autor, demonstrando o pagamento de anuidades de 2008 a 2016; e notas fiscais de produtor rural, em nome no autor e sua esposa, dos anos de 2008 a 2018.
A prova testemunhal, por sua vez, corrobora com os documentos juntados. As testemunhas são uníssonas ao afirmarem a atividade rural desenvolvida pelo autor, em regime de economia familiar.
As testemunhas ouvidas em juízo narraram que o autor se casou em 1997 e foi residir com o sogro da Linha Bela Vista, no município de Iraí. Referiram que ele residia com o sogro e trabalhando juntos na propriedade rural, não havendo divisões. Mencionaram que todos o grupo familiar residia e trabalhava na propriedade rural. Esclareceram que o autor sempre trabalhou nesta terra, desde que casou, mesmo após o falecimento do sogro. Aduziram que o autor comprou a terra do sogro e permaneceu exercendo a agricultura. Disseram que a propriedade tinha cerca de 15 hectares, plantavam soja, milho e feijão, sendo que a produção era comercializada em proveito da família, pois dependiam economicamente da agricultura para sobreviver;
No caso, a documentação juntada demonstra que durante todo o período pleiteado o autor exerceu as lides rurais, em regime de economia familiar, na propriedade que, na época, era de propriedade de seu sogro.
O fato dos documentos estarem em nome do sogro do autor não descaracteriza a qualidade de segurado especial, nem mesmo o regime de economia familiar, pois foi demonstrado que ele era o adminstrador da propriedade, mas o autor exercia a agricultura juntamente com ele.
Fica claro pelos testemunhos que o demandante sempre trabalhou na agricultura, inclusive após a morte do sogro.
Por conseguinte, comprovada satisfatoriamente a atividade rural exercida pelo autor durante o período exigido legalmente, a procedência do pedido é medida impositiva.
Como se vê, restou comprovado o trabalho rural exercido em regime de economia familiar, no período de 1997 a 2018, uma vez que foram juntados aos autos documentos suficientes para servirem como início de prova material, os quais foram cororborados pela oitiva de testemunhas.
Desse modo, o autor tem direito à concessão da aposentadoria por idade rural, a contar da data do pedido administrativo (18-01-2019), devendo ser confirmada a sentença.
Honorários advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, este regramento é aplicável quanto à sucumbência.
No tocante ao cabimento da majoração da verba honorária, conforme previsão do §11 do art. 85 do CPC/2015, assim decidiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp nº 1.539.725-DF (DJe de 19-10-2017):
É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente:
a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18/03/2016;
b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente;
c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No caso concreto, estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, sendo devida, portanto, a majoração da verba honorária.
Assim, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios em 50% sobre o percentual anteriormente fixado.
Assim, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, é determinado ao INSS (obrigação de fazer) que pague ao segurado, a partir da competência atual, o benefício de Aposentadoria por Idade Rural. A ele é deferido o prazo máximo de 20 dias para cumprimento. Sobre as parcelas vencidas (obrigação de pagar quantia certa), desde a DER, serão acrescidos correção monetária (a partir do vencimento de cada prestação), juros (a partir da citação) e honorários advocatícios arbitrados nos valores mínimos previstos no § 3º do artigo 85 do CPC. A Autarquia deve reembolsar os valores adiantados a título de honorários periciais.
Dados para cumprimento: (X) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | 181.593.836-3 |
Espécie | Aposentadoria por idade rural |
DIB | 18-01-2019 |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
DCB | |
RMI | a apurar |
Observações |
Conclusão
- remessa necessária não conhecida;
- apelo do INSS desprovido;
- majorados os honorários advocatícios a teor do §11, do art. 85, do CPC;
- determinada a imediata implantação do benefício, via CEAB.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer do reexame necessário, negar provimento à apelação do INSS e determinar a imediata implantação do benefício, via CEAB.
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Apelação Cível Nº 5013827-82.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALICEO SARTURI
ADVOGADO: MÁRCIO DA ROSA (OAB RS064306)
ADVOGADO: RODRIGO SEBEN (OAB RS036458)
ADVOGADO: MOISES FREO (OAB RS093340)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO.
1. A comprovação do exercício de atividade rural deve-se realizar na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, mediante início de prova material complementado por prova testemunhal idônea.
2. Cumprido o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício de atividade rural durante o período exigido em lei, é devida a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, a contar da data do requerimento administrativo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer do reexame necessário, negar provimento à apelação do INSS e determinar a imediata implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/05/2022 A 18/05/2022
Apelação Cível Nº 5013827-82.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALICEO SARTURI
ADVOGADO: MÁRCIO DA ROSA (OAB RS064306)
ADVOGADO: RODRIGO SEBEN (OAB RS036458)
ADVOGADO: MOISES FREO (OAB RS093340)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2022, às 00:00, a 18/05/2022, às 14:00, na sequência 585, disponibilizada no DE de 02/05/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DO REEXAME NECESSÁRIO, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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