APELAÇÃO CÍVEL Nº 5050766-37.2016.4.04.9999/PR
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
APELANTE | : | BENEDITO GARCIA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | WERUSCA PEREIRA LAGO |
: | THALITA MEDEIROS AMORIM | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. EMPREGADO RURAL DE PESSOA FÍSICA. CÔMPUTO DO TEMPO PARA EFEITO DE CARÊNCIA. POSSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO.
1. Não comprovado o exercício da atividade agrícola como boia-fria no período correspondente à carência (art. 142 da Lei nº 8.213/1991), não faz jus a parte autora ao benefício de aposentadoria por idade rural.
2. O tempo de serviço prestado na condição de empregado rural para pessoa física, no período que antecede à vigência da Lei n. 8.213/91, deve ser computado para efeito de carência, consoante entendimento firmado pela Primeira Seção do STJ ao julgar, em 27-11-2013, o Recurso Especial Repetitivo n. 1.352.791/SP.
3. Por via de consequência, aplica-se à espécie a possibilidade de implementação dos requisitos para a concessão do benefício (carência e idade) de forma não concomitante, como prevê a Lei 10.666/2003, art. 3º, § 1º.
4. Tratando-se de trabalhador rural empregado, o autor faz jus à redução do limite etário para aposentadoria por idade, de 65 para 60 anos, consoante dispõe o § 1º do art. 48 da Lei 8.213/91.
5. Implementados o requisito etário (60 anos) e a carência (180 contribuições), é devida a aposentadoria por idade a trabalhador rural, a contar da data do requerimento administrativo, calculada nos termos do art. 50 da Lei 8.213/91, com RMI de 85% do salário-de-benefício, calculado este nos termos do artigo 3º, da Lei 9876/99, considerando os salários-de-contribuição informados pelos empregadores.
6. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 14 de dezembro de 2016.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8721586v17 e, se solicitado, do código CRC 79E4384A. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
Data e Hora: | 15/12/2016 15:39 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5050766-37.2016.4.04.9999/PR
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
APELANTE | : | BENEDITO GARCIA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | WERUSCA PEREIRA LAGO |
: | THALITA MEDEIROS AMORIM | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação da parte autora contra sentença que julgou improcedente ação visando à concessão de aposentadoria por idade rural, condenando-a ao pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado da causa, suspensa a exigibilidade por litigar ao amparo da assistência judiciária gratuita.
Alega que, ao contrário do afirmado na sentença, nunca foi "gato" (aquele que leva os boias-frias para o trabalho), tendo exercido sempre a atividade rural de diarista, consoante documentos e testemunhos constantes dos autos.
Nas contrarrazões o INSS pede a manutenção da sentença e, caso seja reformada, que a correção monetária e os juros sigam a sistemática do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação da Lei 11.960/2009.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Mérito
Aos trabalhadores rurais, ao completarem 60 (sessenta) anos de idade, se homem, ou 55 (cinquenta e cinco), se mulher (Constituição Federal, art. 201, §7°, inciso II; Lei nº 8.213/1991, art. 48, §1°), é garantida a concessão de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo (art. 143, da Lei 8213/91), desde que comprovem o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício (artigos 39, inciso I, e 48, §2°, ambos da Lei de Benefícios). A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo de atividade rural necessário, considera-se a tabela constante do art. 142 da Lei nº 8.213/1991 para os trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição desta Lei; para os demais casos, aplica-se o período de 180 (cento e oitenta) meses (art. 25, inciso II). Em qualquer das hipóteses, deve ser levado em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria, ou seja, idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos mencionados, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural; b) termo inicial do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício.
No mais das vezes, o ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário será aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de atividade rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5°, XXXVI; Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS, art. 102, §1°).
Nada impede, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início de tal período de trabalho, sempre contado retroativamente, será justamente a data da implementação do tempo equivalente à carência.
Exemplificando, se o segurado tiver implementado a idade mínima em 1997 e requerido o benefício na esfera administrativa em 2001, deverá provar o exercício de trabalho rural em um dos seguintes períodos: a) 96 (noventa e seis) meses antes de 1997; b) 120 (cento e vinte) meses antes de 2001, c) períodos intermediários - 102 (cento e dois) meses antes de 1998, 108 (cento e oito) meses antes de 1999, 114 (cento e quatorze) meses antes de 2000.
No caso em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31 de agosto de 1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei nº 9.063/1995), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 (cinco) anos, ou 60 (sessenta) meses, não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/1991.
A disposição contida nos artigos 39, inciso I, 48, §2° e 143, todos da Lei nº 8.213/1991, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do trabalho rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1°, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo. Porém, nas ações ajuizadas antes do julgamento do Recurso Extraordinário nº 631.240/MG (03 de setembro de 2014), na hipótese de ausência de prévio requerimento administrativo, em que restar configurada a pretensão resistida por insurgência do Instituto Nacional do Seguro Social na contestação ou na apelação, ou ainda, quando apresentada a negativa administrativa no curso do processo, utiliza-se a data do ajuizamento da ação como data de entrada do requerimento para todos os efeitos legais.
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, §3°, da Lei nº 8.213/1991, e Súmula 149 do STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de o segurado valer-se de provas diversas das ali elencadas. Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural (Súmula 73 desta Corte). Se o § 1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração, é certo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido os seguintes julgados: STJ, AR n. 1166/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 26-02-2007; TRF - 4ª Região, AC n. 2003.71.08.009120-3/RS, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 20-05-2008; TRF - 4ª Região, AMS n. 2005.70.01.002060-3, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31-05-2006.
Nos casos envolvendo trabalhador rural boia-fria o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. nº 1.321.493-PR, recebido como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes, relativamente ao Tema STJ nº 554:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifo nosso)
No referido julgamento, o Superior Tribunal de Justiça manteve decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, tendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua carteira de trabalho (CTPS), constando vínculo rural no intervalo de 01 de junho de 1981 a 24 de outubro de 1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Portanto, o entendimento manifestado pelo STJ é no sentido de que, para o boia-fria, a exigência de início de prova material pode ser mitigada, admitindo-se, inclusive, que os documentos sejam anteriores ao período a ser comprovado, desde que a prova testemunhal seja coerente e robusta, de modo a ampliar o alcance temporal da sua eficácia probatória.
Por fim, reputo necessário tecer algumas considerações acerca do enquadramento do trabalhador "boia-fria" no regime da Previdência Social.
Inicialmente, destaco que o fato de o trabalhador rural qualificar-se como "boia-fria" (ou volante, ou diarista) não nos induz a concluir que o mesmo esteja inserido em uma específica e determinada relação de trabalho, a apontar para uma determinada forma de vinculação à Previdência Social, e que, portanto, o classifique automaticamente em uma das espécies de segurado elencadas nos incisos do artigo 11 da Lei 8.213/91.
Com efeito, sob a denominação genérica de "boia-fria" - expressão que não foi cunhada no universo jurídico e que tem sido objeto de estudo de diversos ramos das ciências sociais e humanas - encontram-se trabalhadores rurais que exercem sua atividade sob diversas formas, seja como empregados, como trabalhadores eventuais, ou como empreiteiros. (OLIVEIRA, Oris. Criança e Adolescente: O Trabalho da Criança e do Adolescente no Setor Rural. In: BERWANGER, Jane Lúcia Wilhelm. Previdência Rural e Inclusão Social. Curitiba: Juruá, 2007, p. 90).
Certo é que os "boias-frias" constituem, em regra, a camada mais pobre dentre os trabalhadores rurais. Diversamente dos segurados especiais, eles não têm acesso a terra, trabalhando para terceiros, vendendo sua força de trabalho para a execução de etapas isoladas do ciclo de produção agrícola. Contudo, diferentemente dos empregados rurais, suas relações de trabalho não se revestem de qualquer formalização, ficando à margem, no mais das vezes, dos institutos protetivos dirigidos ao trabalho assalariado.
Assim, considerando a complexidade e diversidade das relações de trabalho e de formas de organização da produção em que estão imersos, num universo em que a informalidade e a ausência de documentação são a regra (e não por culpa dos trabalhadores, diga-se de passagem), o seu efetivo e seguro enquadramento no rol de segurados da Previdência Social demandaria extensa e profunda dilação probatória, incompatível com a necessidade de efetivação dos direitos sociais mais básicos das parcelas mais pobres da população, e mesmo com as parcas condições econômicas do trabalhador para fazer frente a processo tão complexo.
Esses fatores estão subjacentes ao entendimento dominante nesta Corte, segundo a qual o trabalhador rural volante/diarista/boia-fria é equiparado ao segurado especial quanto aos requisitos necessários para a obtenção dos benefícios previdenciários, focando-se então a questão na prova do exercício da atividade rural no respectivo período de carência. Nesse sentido: REOAC 0000600-28.2012.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 17/04/2012; AC 0020938-57.2011.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 15/03/2012; APELREEX 0017078-48.2011.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogério Favreto, D.E. 16/02/2012).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
A parte autora implementou o requisito etário em 07/04/2014 (evento 1, OUT5) e requereu o benefício na via administrativa em 19/01/2015 (evento 1, OUT9). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 180 meses imediatamente anteriores, mesmo que de forma descontínua, para a finalidade de receber o benefício previsto no artigo 39, inciso I, da Lei 8213/91.
O autor alega que sempre exerceu atividade rural como boia-fria.
Para fins de constituição de início de prova material, a ser complementada por prova testemunhal idônea, foram apresentados os seguintes documentos:
a) cópia da CTPS, com anotações de diversos registros de contrato de trabalho na área rural nos períodos de 03/09/1978 a 15/10/1984 (como administrador), 17/10/1985 a 28/10/1985 (trabalhador rural com remuneração por tarefa), 01/05/1994 a 31/10/2002 (serviços gerais) e 21/09/2004 a 03/01/2005 (trabalhador rural com remuneração por tarefa) (evento 1, OUT3 e OUT4; evento 12, OUT3, fl. 3 e OUT4, fl. 1);
b) cópia da sua certidão de casamento, realizado em 1976, onde consta a sua profissão como "lavrador" (evento 1, OUT5);
c) cópia da certidão de nascimento do filho, em 1990, onde o autor está qualificado como "lavrador" ((evento 1, OUT6);
d) prontuário médico eletrônico emitido pela Secretaria de Saúde do Município de Guaraci/PR, no ano de 2014, onde o autor é qualificado como "lavrador" ((evento 1, OUT7).
Na linha de entendimento fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, os documentos juntados constituem início razoável de prova material, mesmo os extemporâneos ao período equivalente ao de carência.
Na audiência de instrução realizada em 28/09/2016 (evento 31) foram ouvidas autor e três testemunhas, cujos depoimentos foram assim sintetizados na sentença:
A testemunha SILVANDIRA DE SOUZA, relatou " conhece o autor há trinta anos; o conheceu trabalhando; o autor morava na cidade de Guaraci; conheceu o autor em 1986; nesta época o autor trabalhava na roça; a depoente também trabalhava na roça; não tinha mais ninguém na casa dele que ia trabalhar na roça; iam para o serviço de caminhão, não tinha ônibus; o caminhão era do Senhor Wilson; iam trabalhar na roça do Sr. Edivaldo, na roça do Sr. Ademir; que eles tinham laranja e plantavam grama; na época que conheceu ele já tinha colheita de laranja; primeiro plantavam grama em Munhoz de Melo; depois colheram laranja; que ele não mudou de Guaraci; que ele trabalha junto com a depoente; o autor mudou de Guaraci para Minas; o pai dele foi colher café; que não foi junto com ele, o conheceu depois que ele veio; que o autor nunca morou em Fazenda; que desde que conhece o autor apenas morou em Guaraci, e ele está até hoje; conheceu o autor em Guaraci, ele nunca saiu de lá; soube que ele morou na Fazenda Janeta, mas que depois ele morou em Guaraci; que isso foi antes da depoente conhecer o autor; que depois que conheceu o autor, ele não foi trabalhar lá; que o autor tem o apelido de Pedro gato; o autor tem esse apelido porque arrumava o povo para o dono da roça, que o apelidou ele assim; que gato é a pessoa que leva os outros para a roça; mas que ele não é gato; que ele arrumava a turma, mas ele não trabalhava de caminhão e tem isso e aquilo; que ele arrumava a turma para ir trabalhar; a turma esperava nos pontos, o autor arrumava o povo e o homem saia pegando; que ele nunca teve caminhão, nem nada, eram dos outros; que ele apenas arrumava a turma e quem levava era outra pessoa; quem levava eram os colegas que iam todos juntos, o povo de Guaraci que trabalhava de boia fria; que o autor arrumava para o homem da roça; que a turma era de bastante pessoas; bastante gente; que o caminhão era do Wilson, Sr. Luiz, Leonardo; que eles eram gatos; que o autor nunca foi gato; que o autor não tem carro, nunca teve carro; que a depoente também nunca teve carro; que agora estão quebrando milho no Zé Morandi; que a máquina passa e estão juntando o milho; que a máquina quebra o milho e sobra a espiga e vão pegando; que não ganham que é para eles próprios; que antes disso iam roçar pasto para o Sr. Paulo, Sr. Luiz, Sr. José; que eles são donos de sítios; que para irem roçar o pasto, buscavam eles; tomando chuva e sol...".
A testemunha GERALDA BATISTA DA SILVA SEVERINO, afirma que "conhece o autor há trinta anos; não sabe se o autor possui algum apelido; conhece alguém chamado Pedro gato; esse apelido é do autor, ele tem esse apelido, porque geralmente todo mundo tem apelido; que tem um filho que o apelido é "lebrinho"; não sabe porque o autor é chamado Pedro gato, sabe que é o apelido dele; que o autor não leva pessoas para trabalhar; trabalham juntos na roça; agora estão catando milho no Morandi, indo para Bentópolis; como não há ninguém que os levam, juntam em quatro a cinco pessoas, dividem a gasolina e vão trabalhar; que vão no carro deles; a depoente possui carro, um Santana, do ano de 1992; possui o carro há quatro/cinco anos; não comprou o carro para trabalhar de boia-fria; comprou o carro e quando aparece um serviço, como agora; que ao colher milho e fica o resto da máquina para traz; o dono da roça deixam pegar esse milho para não estragar; que trabalhou de boia-fria, mas em outros campos, catando laranja e essas coisas; que trabalha de boia fria desde seus sete anos; trabalhou com o autor, naquela época colhiam algodão, colhiam café; naquele tempo tinha algodão, sendo o Wilson Polonês que os levavam; havia o povo do Sergio Montanha que também os puxavam para colher algodão nos caminhões; agora por último não; trabalhou lá atrás com o autor cerca de vinte anos; depois foi caindo, porque não havia quem os levavam; nestes últimos vinte anos o autor apenas trabalhou de boia fria, colhendo algodão, café, na Dona Claudete perto de Rolândia; trabalharam para Sr. Domingos, na água da Areia em Jaguapitã, que tem laranja; nestes vinte anos, não se recorda se o autor trabalhou como empregado; sabe que o autor trabalhou para a Fazenda Janeta, mas depois voltou para Guaraci; não sabe quanto tempo ele ficou na Fazenda Janeta; tem conhecimento quando conheceu o autor, trabalharam juntos de boia fria, depois ele foi para lá, voltou e continuaram trabalhar juntos de boia fria; trabalharam de boia-fria juntos, o tempo que quem os levavam era o Wilson Polonês de Guaraci; havia o Sergio Montanha; colhendo algodão; isso foi antes do autor trabalhar na Fazenda Janeta; depois continuaram tralhando de boia fria, quem os levavam era Leonardo que era gato; tinha laranja; o Julio de Bentópolis que catavam milho; que como são boia fria trabalham onde tem serviço; o autor que possui o apelido Pedro gato nunca levou ninguém para trabalhar; indagada das pessoas nos depoimentos dizem que trabalham para o Pedro gato; a depoente esclarece que inventaram que trabalham para o Pedro gato, porque não é o autor; o autor teve carro baixo, depois ele vendeu; hoje ele não tem mais nada; o autor não trabalhou na cidade".
E a testemunha EDIVALDO GONÇALVES PEDROSO, disse "que conhece o autor há dezoito a vinte anos; quando conheceu o autor morava em Guaraci; que o autor algumas vezes saia de Guaraci; saia para colher café e laranja; indagado que o autor possui registro na Carteira de trabalho de 1994 a 2002, na Fazenda Janeta; o depoente esclarece que trabalhou nesta Fazenda também em 1999 e o autor já estava morando lá; que possui registro em sua Carteira neste período de 1999 a 2002; que moravam nesta Fazenda Janeta; uma Fazenda que tinha café, capinar café, passar veneno; que trabalhou nesta Fazenda de 1999 a 2002; que quando mudou para a Fazenda, o autor já estava lá, fazia um tempinho, não sabe a data certa; indagado que havia dito que conheceu o autor morando em Guaraci; o depoente relata que quando se mudou para Guaraci, o autor já morava lá; que mudou para Guaraci há dezoito/vinte anos; que o autor conseguiu o serviço na Fazenda Janeta e foi para lá; que o depoente estava desempregado, o autor indicou a Fazenda, e então conseguiu o emprego e passou a morar na Fazenda também; não sabe desde quando o autor trabalhou na Fazenda Janeta ; o depoente trabalhou nesta Fazenda de 1999 a 2002 e depois voltou à Guaraci; conheceu o autor alguns anos antes dele morar na Fazenda; que era novo na época tinha cerca de onze a doze anos e se recorda quando se conheceram; que o autor foi o primeiro a ir morar na Fazenda, e depois indicou para a família do depoente que estava parada; que a Fazenda quando havia lavoura tinha trinta casas que era para isso; que havia muito café e os fazendeiros que sabiam mexer com café iam para lá no período da colheita; os que eram registrados ficavam até o período posterior da colheita e os que não queriam voltavam para casa; que o depoente trabalhou pouco tempo, de 1999 a 2002; que não trabalhou com o autor antes de mudar para essa Fazenda, porque era novo; que depois que saíram da fazenda Janeta foram para Guaraci; trabalharam colhendo laranja, cortando grama; que quando estava desempregado foi junto com eles, colher laranja, cortar grama em Munhoz de Melo, para uma Fazenda lá; depois passaram um tempo registrado na Fazenda Salto da Capivara, em corte de cana; que o último registro que trabalhou com o autor foi na Fazenda Pacheco, no município de Rolândia, colhendo laranja, no ano passado; que faz dois a três anos que não trabalha mais de boia fria, que está registrado, mas trabalha entregando material de construção dentro da cidade; que sempre vê quem está trabalhando; indagado que se faz dois a três anos que está registrado de motorista, como no ano passado trabalhou com o autor colhendo laranja?; o depoente esclarece que tem o período na Carteira de um ano que ficou sem registro e foi trabalhar de boia fria; que não é o autor que leva o pessoal para trabalhar; que vai muita gente colher laranja, que dividiam o combustível para irem; que iam com o carro do depoente que possui um Escorte, da outra mulher, com o filho da Geralda; que pegavam o carro, dividiam a gasolina e trabalham o dia; que em Guaraci ouvia o povo chamar o autor de Pedro gato; que não sabe porque do apelido, que quando o conheceu era pequeno e já o chamavam assim; que uma pessoa de Guaraci que chamava de Pedro gato, mas morava em Santa Fé; que ele era gato mesmo, que leva as pessoas que trabalhavam de boia fria para trabalhar; era um Senhor meio gago, mas ele mora em Santa Fé; não sabe se realmente ele chamava Pedro, porque em Guaraci a maioria tem apelido; esse cidadão que tem esse apelido trabalha levando pessoas para trabalhar de boia fria, morou em Guaraci quando o depoente era pequeno, hoje mora em Santa Fé; que se mudou de Guaraci faz bastante tempo; que o viu há algum tempo em Santa Fé, mas que não mexe mais com turma, que trabalha autônomo; não sabe que o autor trabalhou puxando gente; o tempo que trabalhou com o Benedito sempre trabalhou dividindo a gasolina do carro; indagado sobre essa divisão do carro para trabalhar na condição de boia fria; o depoente afirma que hoje em Guaraci está acontecendo isso; que os Fazendeiros estão colhendo milho; o Dr. Barreto é dono do milharal; a máquina está colhendo na frente e aqueles que estão desempregado dividem o carro catam milho atrás da máquina colhendo o milho; o depoente não vai porque está registrado; que estão tirando os bancos dos carros para trazer o milho; indagado que isso não é trabalho de boia fria, pegar o milho para vender o próprio serviço, o boia fria trabalha pela diária; que o depoente esclarece que hoje não tem mais boia fria; que a maioria é empresa; que em Guaraci quem tem mais estudo trabalha em empresas, Jaguafrangos, JBS; que os mais velhos que não passam estão catando milho, papelão ou latinha; que desde quando saíram da Fazenda Janeta, no final do ano de 2002/2003, que trabalham de boia fria, dividiram o carro para ir trabalhar; não trabalharam para gato; que há três anos o depoente não faz mais este serviço; que muitos estão catando milho atrás da máquina, apenas na safra de milho; que faz tempo que já fazem isso; acabando o milho irão colher laranja do Josivan de Jaguapitã; que é bem perto da cidade, o milharal e a colheita de laranja; não tem ninguém especificamente que levam para trabalhar; cada um se vira como pode; quando a pessoa não tem carro, para trabalhar longe, procura alguém que tem para dividir a gasolina; sempre tem alguém com o carro velho, coloca a gasolina e sai procurando o serviço; que o depoente não conhece alguém que ainda trabalhe com o gato em Guaraci; que faz muito tempo que o depoente não ouve falar de empreiteiro que pega alguém para trabalhar; que o último que tiveram registro foi o Salto de Capivara que foram cortar cana; que os mais novos procuram as empresas para registrar; que sítio e esses negócios catar milho em um dia e outro, para o depoente não dá que tem filho e esposa, tem que procurar serviço registrado; que a maioria deles não tem estudo também e ficam difícil passar na entrevista na firma; fazem isso para ganhar cerca de R$40,00 a R$50,00 por dia, quando encontram alguém que compre o milho; vendem o milho para os sitiantes que tem galinha e porco; pagam de R$ 5,00 a R$ 6,00 reais o saco de milho".
(grifos meus)
O magistrado a quo indeferiu o benefício por entender que o autor não trabalhava como boia-fria, mas como "gato", ou seja, arregimentando e transportando diaristas para as atividades temporárias das fazendas da região. Confira-se:
Pela análise da prova documental constante dos autos, sobre os quais já nos referimos anteriormente, constituindo-se em início razoável de prova material a que se refere a lei de regência, em cotejo com a prova testemunhal produzida sob o crivo do contraditório, bem como pelo teor do depoimento pessoal do autor, não restam dúvidas de que o autor efetivamente exerceu atividade rural em determinados períodos, inclusive há prova efetiva desse trabalho, conforme registros em CTPS do autor, contudo, entende-se que restou descaracterizado o trabalho rural do autor em período posterior a 2003.
Com efeito, em que pese as testemunhas tenham tentado negar que o autor trabalhava como agenciador de trabalhadores rurais, ou seja, quem realizava a contratação e o transporte de trabalhadores rurais (boia fria) aos locais em que iriam exercer a atividade rural, há outras informações que estão a demonstrar que o autor exercia a função de 'gato'/agenciador do trabalho de boia fria.
Deveras, em depoimento pessoal, o autor afirma que o seu apelido é "Pedro gato" e que não há outra pessoa com apelido de Pedro gato em Guaraci. Ora, certamente o apelido do autor, assim o é, por conta da atividade desenvolvida por ele em Guaraci. Demais disso, o próprio autor admite em seu depoimento pessoal essa condição.
Neste ponto, vale ressaltar ainda, que em diversos processos previdenciários que tramitam, ou já tramitaram neste Juízo, relativos a benefícios previdenciários de trabalhadores rurais, diversas pessoas residentes no Município de Guaraci e região, que foram arroladas como testemunhas ou até pelos autores das ações, fazem menção ao trabalho exercido como boia fria para a pessoa de 'Pedro Gato', afirmando ser esta a pessoa que os levava para o trabalho rural, sendo ele quem realizava o transporte delas até o local de trabalho .
Por outro lado, há de ressaltar ainda que em pesquisa realizada no Sistema Renajud, foram localizados quatro veículos em nome do autor, fato este que está a demonstrar a incompatibilidade com a condição de boia fria, como bem sustentou o INSS.
Ora, o autor em seu depoimento afirmou que não possui veículos, que já comprou um ônibus no ano de 2004, mas que não funcionou, tendo permanecido com este por apenas três/quatro meses, contudo, suas alegações não se sustentam. Desse modo , entende-se que o autor não se enquadra como segurado especial na condição de boia fria.
Neste sentido, firma-se a jurisprudência: "(...) 3. A condição de agenciador, organizador, comumente designada como "gato", afasta a caracterização da atividade laboral como sendo de "boia-fria", bem como a conclusão pelo exercício de atividade de trabalhador rural. 4. Ausente à qualidade de segurado do de cujus, de se indeferir o benefício. Sentença improcedente mantida." (Apelação Cível nº 0006013-17.2015.404.9999, 6ª Turma do TRF da 4ª Região, Rel. Vânia Hack de Almeida. j. 06.07.2016, unânime, DE 12.07.2016).
(grifei)
Entendo que a sentença deve ser mantida no que diz respeito à não comprovação do exercício de atividade rural como boia-fria. Embora as testemunhas tenham detalhado as supostas atividades rurais como diarista por parte do autor, inclusive afirmando que com ele trabalharam, reconheceram que seu apelido é "Pedro Gato" e que havia um certo "Pedro Gato" que transportava os diaristas para o trabalho, embora, segundo disseram, não fosse o autor. Ora, este afirmou ser a única pessoa conhecida por essa alcunha na região, o que no mínimo contradiz os depoimentos das testemunhas por ele próprio arroladas. Ademais, conforme extrato do Renajud juntado pelo juiz no evento 33, o autor continua proprietário de 4 veículos (uma Kombi, um VW/Quantum, um Fusca e um Mercedes Benz 1113) na atualidade, condição que negou ao prestar depoimento, ferindo-lhe a credibilidade.
Também chama a atenção a afirmação da testemunha Silvana de que "o autor tem esse apelido porque arrumava o povo para o dono da roça" e "que ele arrumava a turma para ir trabalhar". Ainda que também tenha dito "que o autor somente arregimentava o pessoal, mas não transportava", é no mínimo estranho que um trabalhador boia-fria cumprisse esse tipo de tarefa, normalmente exercida pelos "gatos", sem contrapartida financeira pelo serviço prestado.
Por fim, é digno de nota a afirmação do julgador monocrático de que em várias ações judiciais que tramitaram naquele Juízo houve menção a um certo "Pedro Gato" como transportador de boias-frias, o que é mais um indicativo, em conjunto com o afirmado pelo próprio autor, de que este seja o referido indivíduo.
Por tais razões, tenho que o autor não conseguiu demonstrar o exercício de atividade rural como boia-fria no período equivalente ao de carência.
Contudo, resta analisar a possibilidade de concessão de aposentadoria por idade rural com base nos vínculos empregatícios registrados em CTPS, já mencionados no início da fundamentação deste voto.
Importante ressaltar que, embora anteriormente à vigência da Lei 8.213/91 não houvesse obrigatoriedade de recolhimento de contribuições previdenciárias por parte do empregador rural pessoa física e, portanto, tais períodos não poderiam ser computados para fins de carência em favor do trabalhador rural empregado, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em 27-11-2013, o Recurso Especial Repetitivo n. 1.352.791/SP, da Relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, decidiu que não ofende o § 2º do art. 55 da Lei 8.213/91 o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado em carteira profissional para efeito de carência, tendo em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural (FUNRURAL).
Veja-se o teor da ementa publicada em 05-12-2013:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. AVERBAÇÃO DE TRABALHO RURAL COM REGISTRO EM CARTEIRA PROFISSIONAL PARA EFEITO DE CARÊNCIA. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 55, § 2º, E 142 DA LEI 8.213/91. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. Caso em que o segurado ajuizou a presente ação em face do indeferimento administrativo de aposentadoria por tempo de serviço, no qual a autarquia sustentou insuficiência de carência.
2. Mostra-se incontroverso nos autos que o autor foi contratado por empregador rural, com registro em carteira profissional desde 1958, razão pela qual não há como responsabilizá-lo pela comprovação do recolhimento das contribuições.
3. Não ofende o § 2º do art. 55 da Lei 8.213/91 o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado em carteira profissional para efeito de carência, tendo em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural (FUNRURAL).
4. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao regime do art.543-C do CPC e Resolução STJ nº 8/2008.
Por outro lado, tratando-se de trabalhador rural empregado, o autor faz jus à redução do limite etário para aposentadoria por idade, de 65 para 60 anos, consoante dispõe o § 1º do art. 48 da Lei 8.213/91.
E, por fim, considerando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acima referido, no sentido de que o tempo de serviço rural como empregado de pessoa física deve ser computado para fins de carência, entendo que se aplica à espécie a possibilidade de implementação dos requisitos para a concessão do benefício (carência e idade) de forma não concomitante, como prevê a Lei 10.666/2003, art. 3º, § 1º:
§ 1o - Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
No caso dos autos, os períodos de 03/09/1978 a 15/10/1984 (como administrador da Fazenda São Manoel) e de 17/10/1985 a 28/10/1985 (como trabalhador rural com remuneração por tarefa na Fazenda Debrasa) devem ser computados, para fins de carência, consoante entendimento do STJ, bem como os interregnos de 01/05/1994 a 31/10/2002 (serviços gerais) e 21/09/2004 a 03/01/2005 (trabalhador rural com remuneração por tarefa).
Ressalto que as anotações em Carteira de Trabalho e Previdência Social constituem prova plena, para todos os efeitos, dos vínculos empregatícios ali registrados, porquanto gozam de presunção iuris tantum de veracidade (Decreto 3.048/99, arts. 19 e 62, § 2º, I), ilidida apenas quando da existência de suspeitas objetivas e razoavelmente fundadas acerca dos assentos contidos do documento. Na hipótese dos autos, a CTPS foi emitida em data anterior ao primeiro vínculo ali registrado, não houve impugnação específica do INSS acerca de seu conteúdo, não há rasura na anotação referente ao período controvertido e os vínculos empregatícios ali anotados estão em ordem cronológica. Destaco que a assinatura da carteira de trabalho e o recolhimento das contribuições previdenciárias (para os períodos posteriores à Lei 8.213/91, no caso dos autos) são de responsabilidade do empregador - sendo atribuição do INSS a sua fiscalização -, de maneira que a ausência de registro das contribuições nesse período não pode vir a prejudicar o reconhecimento da qualidade de segurado do autor. Tenho, assim, por comprovados os respectivos vínculos.
Como o autor completou 60 anos em 07/04/2014, a carência para a concessão de aposentadoria por idade é de 180 meses (15 anos).
O somatório dos períodos já referidos (03/09/1978 a 15/10/1984, 17/10/1985 a 28/10/1985, 01/05/1994 a 31/10/2002 e 21/09/2004 a 03/01/2005) totaliza 181 contribuições mensais, conforme artigo 27, I, da Lei 8213/91.
Ressalto que,em consulta que fiz ao CNIS, cujo extrato juntei no evento 51, verifiquei que não há registro de vínculos posteriores a 03/01/2005, data de encerramento da última relação de emprego constante na CTPS do autor.
O benefício é devido a contar da data do requerimento administrativo, em 19/01/2015, devendo ser calculado nos termos do art. 50 da Lei 8.213/91, com RMI de 85% do salário-de-benefício, calculado este nos termos do artigo 3º, da Lei 9876/99, considerando os salários-de-contribuição informados pelos empregadores, atualização monetária das parcelas vencidas e juros de mora, a contar da citação.
Consectários. Juros moratórios e correção monetária
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida para a fase de cumprimento do julgado em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016, e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicado o pleito do INSS, no ponto, veiculado nas contrarrazões ao apelo do autor.
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios seguem a sistemática prevista no art. 85 do NCPC. Considerando o trabalho adicional em grau de recurso, aplica-se o comando do §11º do referido artigo, devendo ser observadas, conforme o caso, as disposições dos §§2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º. Assim, estabeleço a majoração da verba honorária para 15% sobre o valor das parcelas vencidas (Súmulas 111/STJ e 76/TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do §2º do art. 85 do NCPC.
Tutela específica
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497 do Código de Processo Civil de 2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 9 de agosto de 2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício (NB 167.784.241-2), no prazo de 45 dias.
Conclusão
Dá-se provimento à apelação da parte autora para conceder o benefício de aposentadoria por idade de trabalhador rural.
Difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8721585v64 e, se solicitado, do código CRC FE3E2EA8. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/12/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5050766-37.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00014840420158160099
RELATOR | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Eduardo Kurtz Lorenzoni |
APELANTE | : | BENEDITO GARCIA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | WERUSCA PEREIRA LAGO |
: | THALITA MEDEIROS AMORIM | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/12/2016, na seqüência 1574, disponibilizada no DE de 29/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE À IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8771654v1 e, se solicitado, do código CRC 5CFFC5B0. | |
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