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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. MODULAÇÃO DO...

Data da publicação: 05/03/2024, 07:00:58

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DO STJ NO TEMA 979. 1. A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais. Neste sentido a posição jurisprudencial do STF, expressa nas Súmulas 346 e 473. 2. No entanto, o poder-dever da Administração de anular seus próprios atos não é ilimitado no tempo, ficando sujeito à observância de prazo decadencial ou, em sua ausência, aos parâmetros informadores do princípio da segurança jurídica. 3. Ausente prova efetiva de fraude ou má-fé por parte do beneficiário, a qual deve estar devidamente comprovada e não pode, em hipótese alguma, ser presumida, inexiste justificativa para a transferência da responsabilidade e dos ônus pelos pagamentos indevidos ao segurado, não havendo falar em restituição dos valores do benefício previdenciário pago indevidamente pelo INSS. (TRF4, AC 5000725-19.2015.4.04.7213, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 26/02/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000725-19.2015.4.04.7213/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: REGINA DE FATIMA TRAMONTINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação contra sentença, parcialmente modificada em sede de embargos de declaração, publicada em 10-08-2022, na qual o magistrado a quo assim decidiu (evento 109, SENT1):

Ante o exposto:

a) com base no art. 485, inciso VI, do CPC, extingo o processo sem resolução de mérito quanto ao período de 22/08/1975 a 31/12/1978, por falta de interesse do autor e

b) com base no art. 487, I, do CPC, resolvo o mérito e acolho em parte o pedido para:

b.1. declarar inexigível o valor de R$ 87.805,61 (09/10/2014) cobrados pelo INSS em face da autora no âmbito do processo NB 42/148.761.295-5, referente ao período de período de 31/03/2009 a 31/08/2014, nos termos da fundamentação e

Em face da sucumbência recíproca, condenou ambas as partes ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, fixados em 10% sobre o valor da causa, restando a exigibilidade suspensa, contudo, em relação à autora, em razão do deferimento da gratuidade de justiça.

Apela a Autarquia Previdenciária requerendo, em síntese: (a) a condenação da parte apelada a devolver/restituir os valores recebidos indevidamente através do pagamento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição; (b) a condenação da parte apelada ao pagamento da totalidade dos honorários advocatícios em razão da sucumbência mínima do Ente Federal; e (c) subsidiariamente, a distribuição proporcional dos ônus de sucumbência entre as partes de acordo com a previsão contida no art. 86 do CPC.

Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Reexame necessário

Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual Diploma Processual Civil, não há falar em remessa oficial, porquanto foi interposto recurso voluntário pelo INSS, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do vigente CPC. Com efeito, a redação do mencionado dispositivo é clara e inequívoca, não admitindo o seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto excepcional e, sendo assim, há de ser restritivamente interpretado.

A propósito, Humberto Theodoro Júnior percucientemente observa que a novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. (in Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1101).

Nesta exata linha de conta, colaciona-se o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (TJ/RS, 9ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário nº 70076942127, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, julg. 30-05-2018)

No mesmo sentido, inclusive, recentemente pronunciou-se esta Turma Julgadora:

PREVIDENCIÁRIO. REEXAME (DES)NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS COMPROVADOS E NÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE. ANULAÇÃO DA PERÍCIA. DESCABIMENTO. IMPUGNAÇÃO À PESSOA DO PERITO EM MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO.

1. O reexame necessário é instituto de utilidade superada no processo civil diante da estruturação atual da Advocacia Pública, que inclusive percebe honorários advocatícios de sucumbência. Nada obstante, persiste positivado com aplicabilidade muito restrita. Considerada a redação do art. 496, § 1º, do NCPC, somente tem cabimento quando não houver apelação da Fazenda Pública. São incompatíveis e não convivem o apelo da Fazenda Pública e o reexame necessário, mera desconfiança em relação ao trabalho dos procuradores públicos, que compromete o tempo da Justiça, sobretudo da Federal.

2. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade.

3. In casu, pretendendo o INSS impugnar a nomeação do perito designado pelo juiz, deveria tê-lo feito, sob pena de preclusão, na primeira oportunidade em que tomou conhecimento de que a perícia seria realizada por aquele profissional. A impugnação do perito realizada após a perícia - a qual foi desfavorável ao Instituto - não tem o condão de afastar a preclusão.

4. Embora de acordo com o novo CPC não seja cabível agravo de instrumento da decisão interlocutória que rejeitou a impugnação do INSS ao perito, o que, em tese, poderia ensejar a aplicação do disposto no § 1º do art. 1.009, de modo a permitir que a matéria fosse reiterada em apelação, no caso, a referida impugnação ocorreu depois da realização da perícia, e não assim que o Instituto teve conhecimento de que a perícia seria realizada pelo profissional contestado, o que afasta a possibilidade de aplicação daquela regra. (TRF4, Nona Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, julg. 12-12-2018).

Logo, conforme a regra da singularidade estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil, tendo sido, no caso, interposta apelação pela Autarquia Previdenciária, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.

Mérito

Como referido, a controvérsia restringe-se à (des)necessidade de devolução/restituição dos valores recebidos indevidamente pela parte autora a título de aposentadoria por tempo de contribuição, bem como aos efeitos decorrentes da sucumbência.

Acerca da controvérsia, tenho por oportuno transcrever o acertado raciocínio do Juíza Federal Substituta Lillian Bianchi Pfleger, o qual, por não merecer reparos, adoto como razões de decidir (evento 88, SENT1):

Mérito

O princípio da boa-fé, em seu aspecto objetivo, exige que cada pessoa ajuste sua conduta ao modelo objetivo de conduta que teria uma pessoa honesta, proba e leal, o que deve ser examinado no conjunto das circunstâncias de cada caso.

Muito se debateu sobre o assunto nos Tribunais, com prevalência para a compreensão de que não cabe a restituição dos valores indevidos pelo beneficiário se reconhecido nas vias ordinárias que ele estava de boa-fé, mormente se o ato concessório decorreu de erro administrativo.

Por esse entendimento, embora o art. 115 da Lei n. 8.213/91 autorize o INSS a proceder ao desconto, estando de boa-fé o segurado, as parcelas são irrepetíveis, porque alimentares - devendo a eventual fraude ou má-fé ser comprovada pela Autarquia através de prova robusta produzida em processo judicial próprio, com a observância do contraditório e da ampla defesa (TRF4, AC 2004.72.07.004444-2, DJ 07/12/07 e STJ, AGARESP 201101841532, DJE 02/04/12, entre inúmeros outro julgados).

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça, em 10/03/2021, por meio de sua Primeira Seção, debruçou-se novamente sobre a questão na sistemática dos recursos repetitivos e julgou o, no REsp 1381734/RN, firmando o Tema 979, assim sintetizado:

"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."

Nesse passo, com esse entendimento atual, em se tratando de erro administrativo (material ou operacional) ocasionado pelo INSS, o segurado é que deve comprovar a sua boa-fé objetiva.

Contudo, consigno que no julgamento do Tema 979 o STJ modulou os efeitos do julgado, no seguinte sentido:

- Modulação dos efeitos: "Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."

O acórdão em questão foi publicado em 23/04/2021, assim, em razão da modulação dos efeitos da decisão tomada pelo STJ em recurso repetitivo, a tese firmada não deve ser aplicada quanto ao fato aqui discutido, haja vista que se trata de demanda ajuizada no ano de 2015.

Consequentemente, o INSS deve demonstrar que a autora cometeu fraude ou agiu de má-fé quanto ao recebimento do benefício. (Grifou-se)

No processo administrativo NB 42/148.761.295-5 o INSS considerou para fins de reconhecimento da atividade rural o período de 01/01/1978 a 19/02/1982 (Evento 1, PROCADM13, p. 7). Desse intervalo de tempo, o INSS, após a apuração administrativa, considerou irregular o período de 01/01/1979 a 19/02/1982 (Evento 1, PROCADM21, p. 3).

Do processo administrativo infere-se que o INSS concedeu a aposentadoria à autora com base em uma única entrevista rural e procedeu a análise de documentos juntados pela autora. Em nenhum momento, antes da concessão do benefício, foi procedida qualquer Justificação Administrativa ou se fez uma analise pormenorizada dos documentos apresentados, especialmente aqueles que indicavam a posse de vários imóveis rurais pelo pai da autora, sendo um deles de grande extensão (Evento 01, PROCADM6, pp. 4-12). Do mesmo modo, o INSS não procedeu nenhuma pesquisa sobre os vínculos dos demais familiares, o fazendo somente quando instaurou o procedimento para revisão da concessão. Com efeito, dos documentos apresentados durante a investigação levada a efeito pelo INSS não observo prova de ato perpetrado pela autora com base em má-fé, ou seja, não me parece que ela tenha agido com o dolo de fraudar a autarquia para obter benefício previdenciário. Não há prova nesse sentido. (Grifou-se e sublinhou-se)

Por outro lado, o fato de não verificar má-fé na conduta da autora isso não quer dizer que o período em discussão esteja livre de ser sindicado ora pelo INSS, como se deu, ou pelo Judiciário por meio dessa ação. A revisão administrativa levada a efeito pelo INSS a meu ver não comporta ilegalidade, no entanto, a conclusão de que a autora tenha agido de má-fé não está devidamente comprovada. A abertura de inquérito policial para apuração de eventual infração penal por ela cometida por razões de informações falsas para influenciar processo concessório de terceiro não implica conclusão de dolo da autora no âmbito do seu próprio processo administrativo. Isso porque, antes de mais nada, o inquérito é um mero procedimento investigatório que busca indícios para um eventual ajuizamento de ação penal pelo Ministério Público. Aliás, o INSS não demonstrou se houve ou não o ajuizamento de ação penal e se este procedimento chegou a termo. (Grifou-se)

No que pertine especificamente ao período rural cuja comprovação foi considerada irregular, entendo que devem ser consideradas algumas questões. O fato de o segurado indicar datas que nem sempre condizem com as que constam em bancos de dados não indica, a princípio, ocultação ou alteração dolosa de fatos, uma vez que o processo administrativo da autora esteve a tratar de intervalo de tempo com mais de trinta anos da DER. Uma diligência mais apurada da autarquia no momento em que se analisava o requerimento da aposentadoria pela primeira vez poderia ter evidenciado fato que foi verificado somente anos depois. Não se pode desconsiderar aqui que o modo em que fora processado o pedido da autora pelo INSS contribuiu para a concessão de aposentadoria com base nesse período, em tese, irregular. (Grifou-se e sublinhou-se)

Quando a autora prestou depoimento ao INSS, durante o processo de averiguação de irregularidades do seu benefício, constou do seu termo de declarações que a família mudou-se para o centro urbano de Lebon Régis por volta do ano de 1979 ou 1980 (Evento 1, PROCADM20, p. 7). A autora disse não recordar-se bem das datas, mas a questão é que o afastamento da atividade rural se dá exatamente dentro do período que se pretende reconhecer. Mas é compreensível que uma variação de datas pode ser relativizada em razão de que o fato já conta com um grande espaço de tempo decorrido. (Grifou-se)

Em juízo ao prestar depoimento a autora repetiu o que dissera ao INSS: que saiu da propriedade rural entre os anos de 1979 e 1980, juntamente com o resto da família. Acrescentou, no entanto, que o seu irmão que continuou a trabalhar no campo. O seu pai, segundo a autora, ainda, vez ou outra, ia até a propriedade para trabalhar, disse, inclusive, que ele se aposentou como trabalhador rural. Ela, contudo, disse não ter certeza das datas que informou quanto ao seu afastamento das lides rurais, mas repetiu que entre aqueles anos foi para centro urbano de Lebon Régis e, inicialmente, teria a ajudado a sua mãe na atividade de costureira. Posteriormente começou a trabalhar nos Correios cuja atividade, segundo ela, teria iniciado em 1981, um ano antes do seu filho nascer no ano de 1982. Ou seja, com base nas próprias afirmações da autora conclui-se que ela havia de fato se afastado do trabalho agrícola a partir de 1979.

As testemunhas em suma somente referiram conhecer a autora desde pequena e que ela e a família trabalhavam na agricultura sem a ajuda de empregados. O único ponto relevante no contexto da lide é o que declarou Nelson Granemann Moreira, ouvido como informante, pois asseverou que a autora deixou o trabalho rural quando casou-se. E com base na certidão anexada aos autos a autora casou-se em 20/02/1982.

Revendo os documentos que compõem o processo administrativo da autora em contraposição as suas declarações prestada em juízo, percebo que há sim uma discrepância de datas de quando ela saiu da área rural e iniciou a atividade urbana. Segundo se infere do seu resumo de tempo de contribuição, ela começou a trabalhar nos Correios em 1983, sendo que o seu primeiro vínculo urbano seria como contribuinte individual a partir de 01/07/1982 (Evento 1, PROCADM13, p. 7). Antes disso não se inferem outros vínculos urbanos. O vínculo como contribuinte individual de 1982, ao que parece, correlaciona-se com a afirmação de que iniciou a sua atividade urbana com a mãe, na função de costureira.

Não desconsidero que a autora tenha hesitado em seu depoimento em firmar com convicção quando deixou a atividade rural e que não soube dar informações precisas sobre a atividade agrícola em geral, como tamanho das terras do pai, época do plantio de certas culturas. Mas deve se ter em mente que a autora não foi uma agricultora a vida toda, quando muito a sua atividade esteve limitada a um curto período que compreende o início e o fim da sua adolescência. E acho possível, e mesmo provável, que o conhecimento prático da agricultura, parcamente exercido por ela, ainda que necessário ao auxílio familiar, como parece ser o caso da autora, seja esquecido com o decorrer do tempo.

O INSS ao apresentar suas razões na investigação administrativa basicamente ateve-se a dois fatos: os tamanhos das terras pertencentes ao pai da autora e o fato da sua mãe ser costureira desde 1973 (Evento 01, PROCADM14, p. 11).

No que concerne à atividade da mãe da autora, consta do seu CNIS que essa atividade de costureira foi registrada a partir de 01/07/1983 (Evento 01, PROCADM18, p. 8). Logo, ao que parece o INSS cometeu mesmo um erro material quanto à indicação da data, sendo essa afirmação da autarquia uma inverdade.

Por outro lado, a questão da quantidade de imóveis e as suas respectivas áreas é que, a meu ver, o que descaracteriza totalmente a atividade rural em regime de economia familiar. Mas, novamente, isso não se deve a uma má-fé da autora, mas sim avaliação equívoca do INSS em não verificar esse ponto no momento da concessão. (Grifou-se e sublinhou-se)

Pois bem, a caracterização da condição de segurado especial deve levar em conta quatro elementos: a) posse direta da terra (ou seja, trabalho autônomo); b) uso precípuo de mão-de-obra familiar; c) pequena propriedade; d) relevância primordial da atividade rural no desenvolvimento econômico do núcleo familiar.

A Lei n. 8.213/91, no §1º do art. 11, estabelece:

§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.

Esses requisitos referem-se à qualidade de segurado especial, de forma que, sem o atendimento a esses elementos, pode-se descaracterizar a referida qualidade - não impedindo a pessoa de ser considerada contribuinte individual. Em linhas gerais, a qualidade de segurado especial demanda que o trabalho rural seja a principal forma de desenvolvimento do grupo familiar.

Não desconsidero que os precedentes jurisprudenciais relativizam a área do imóvel rural para afastar eventual descaracterização da qualidade de segurado especial. Contudo, o número de imóveis que o pai da autora possuía e as respectivas extensões, a meu ver afasta qualquer possibilidade de que tais atividades agrícolas fossem realizadas em regime de economia familiar, que é de subsistência.

Segundo os registros de imóveis acostados aos autos, o pai da autora possuía quatro imóveis rurais de tamanhos variados: 266.200 m²; 91.416 m² (mat. 0803); 1.561.161,88 m² (mat. 2567) e 411.400 m² (mat. 2559), todos eles adquiridos entre 1971 a 1980 (Evento 1, PROCADM6, pp. 5-12). Trata-se de uma vasta extensão de terras adquiridas em pouco menos de dez anos, sendo que as duas últimas, maiores por sinal, foram adquiridas ainda no ano de 1980. Disso decorre, por exemplo, o registro do pai como pecuarista na ficha de matrícula escolar da autora (Evento 1, PROCADM5, p. 10).

Não há como concluir com base na prova documental acostada que a família da autora se limitava a um trabalho rural de subsistência em regime de economia familiar.

No caso em análise, tendo em vista os parâmetros acima expostos, é inviável considerar a parte autora como segurada especial. E relembro que possuir a condição de agricultor não é sinônimo de ser segurado especial (ou seja, exercer atividade rurícola, em regime de economia familiar), como já dito acima.

Portanto, tenho como inviabilizado a manutenção do período de 01/01/1979 a 19/02/1982, desconsiderado pelo INSS, já que não restou comprovado que o exercício de atividade rural era realizado em regime de economia familiar.

Não obstante, não vejo que o INSS comprova a má-fé da autora e que a análise na concessão decorreu de erro da autarquia, pois, a meu ver, a autora não é segurada especial como preconiza a legislação. O INSS contribuiu sim para o pagamento indevido dada a condução errática na analise processual do requerimento administrativo. Nesse passo, entendo que deve ser afastada a cobrança dos valores em face da autora, sendo eles irrepetíveis. (Grifou-se)

Quanto ao restabelecimento do benefício, não há como deferir tal pedido, pois o período rural de 01/01/1979 a 19/02/1982 não foi convalidado como exercido em regime de economia familiar, devendo o INSS revisar o benefício NB 42/148.761.295-5 e verificar se há outra hipótese de concessão

Em que pese o esforço argumentativo do INSS, tenho que a sentença proferida não merece reparos. Bem analisadas todas as peculiaridades do caso concreto, não divirjo em qualquer ponto do raciocínio esposado pelo magistrado sentenciante.

Com efeito, é sabido que a prova oral é flutuante, sujeita a esquecimentos, enganos e desvios de perspectiva. Por tal razão, a prova material (ainda que incipiente) sempre teve a função de ancoragem da prova testemunhal, servindo de base, sustentação, pilar em que se apoia (apesar dos defeitos apontados) a prova oral.

No caso em apreço, como percucientemente consignado pelo magistrado a quo, o equívoco de datas é compreensível diante do grande lapso temporal decorrido, sendo, demais disso, dever da Autarquia a apuração dos fatos e a avaliação do preenchimento - ou não - dos requisitos para o reconhecimento do direito por ele alegado.

Nessa linha, atribuir má-fé à conduta do segurado, que não concorreu para a irregularidade da concessão e da manutenção do benefício indevido, mostra-se como medida claramente desproporcional, haja vista que o próprio INSS, órgão federal, reconhecidamente aparelhado de diversos sistemas de controle e fiscalização, incorreu em erro na condução e na análise processual administrativa, deixando de utilizar-se dos instrumentos e recursos disponíveis para melhor investigação do caso e de exercer seu dever de diligenciar e/ou investigar, com maior cuidado, a situação do beneficiário.

No ponto, importa reiterar que as provas que levaram o INSS a concluir como indevida a concessão do benefício são exatamente as mesmas que foram apresentadas no processo administrativo que ensejou, em uma primeira análise, o reconhecimento do direito e o consequente deferimento da aposentadoria. Neste contexto, descabe exigir do segurado a inequívoca compreensão de que o reconhecimento do tempo de serviço e a concessão da aposentadoria lhe eram indevidos, especialmente quando a constatação da irregularidade, pelo próprio INSS, ocorreu 5 (cinco) anos após o início do pagamento irregular.

Reitere-se, por fim, que, na espécie, a má-fé deve estar devidamente comprovada e não pode, em hipótese alguma, ser presumida (modulação dos efeitos da decisão do STJ no Tema 979). Portanto, não havendo comprovação de que a parte autora tenha concorrido para o ato ilegal, de modo a agir de má-fé, inexiste justificativa para a transferência da responsabilidade e dos ônus pelos pagamentos indevidos ao beneficiário.

Diante disso, são irrepetíveis as parcelas indevidas percebidas pela demandante a título de aposentadoria por tempo de contribuição, merecendo ser mantida a sentença.

Honorários advocatícios

O INSS, em seu apelo, sustenta que, dos pedidos pecuniários tecidos pela parte Autora (em especial o restabelecimento da aposentadoria por tempo de contribuição ), todos foram rejeitados, já que o Juízo apenas declarou a inexigibilidade de débito apurado pelo INSS, entendendo estar configurada a sucumbência mínima do réu, se comparados aos pedidos formulados na inicial, ensejando a aplicação do parágrafo único do art. 86 do NCPC.

Contudo, razão não lhe assiste.

Isso porque a presente ação tem dois pedidos, quais sejam, a declaração da inexibilidade de débito (que afasta a condenação da autora em pecúnia) e o restabelecimento do benefício cancelado (que condena o INSS em pecúnia). A sentença foi de procedência do primeiro pedido, e de improcedência do segundo, sendo, pois, correto o provimento que declarou recíproca a sucumbência.

Desse modo, tendo em conta a manutenção da sentença de parcial procedência, os honorários lá fixados devem ser mantidos.

Doutra parte, considerando a sucumbência recursal do INSS, majoro a verba honorária em seu desfavor para 12% do valor da causa, restando mantida a verba honorária em desfavor da parte autora nos termos da sentença.

Custas

O INSS é isento do pagamento das custas judiciais na Justiça Federal, nos termos do art. 4º, I, da Lei n. 9.289/96, e na Justiça Estadual de Santa Catarina, a teor do que preceitua o art. 33, parágrafo primeiro, da Lei Complementar Estadual n. 156/97, com a redação dada pela Lei Complementar Estadual n. 729/2018.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004288569v11 e do código CRC cbe23125.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 26/2/2024, às 15:21:40


5000725-19.2015.4.04.7213
40004288569.V11


Conferência de autenticidade emitida em 05/03/2024 04:00:58.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000725-19.2015.4.04.7213/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: REGINA DE FATIMA TRAMONTINA (AUTOR)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DO STJ NO TEMA 979.

1. A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais. Neste sentido a posição jurisprudencial do STF, expressa nas Súmulas 346 e 473.

2. No entanto, o poder-dever da Administração de anular seus próprios atos não é ilimitado no tempo, ficando sujeito à observância de prazo decadencial ou, em sua ausência, aos parâmetros informadores do princípio da segurança jurídica.

3. Ausente prova efetiva de fraude ou má-fé por parte do beneficiário, a qual deve estar devidamente comprovada e não pode, em hipótese alguma, ser presumida, inexiste justificativa para a transferência da responsabilidade e dos ônus pelos pagamentos indevidos ao segurado, não havendo falar em restituição dos valores do benefício previdenciário pago indevidamente pelo INSS.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 21 de fevereiro de 2024.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004288570v3 e do código CRC 3f6c3621.Informações adicionais da assinatura:
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5000725-19.2015.4.04.7213
40004288570 .V3


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/02/2024 A 21/02/2024

Apelação Cível Nº 5000725-19.2015.4.04.7213/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): DANIELE CARDOSO ESCOBAR

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: REGINA DE FATIMA TRAMONTINA (AUTOR)

ADVOGADO(A): CARLOS BERKENBROCK (OAB SC013520)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/02/2024, às 00:00, a 21/02/2024, às 16:00, na sequência 980, disponibilizada no DE de 31/01/2024.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária



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