Apelação Cível Nº 5001867-91.2020.4.04.7210/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001867-91.2020.4.04.7210/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: Ana Maria Pauletti (AUTOR)
ADVOGADO: MARCOS DANIEL HAEFLIEGER (OAB SC029122)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face de sentença que julgou procedente pedido de concessão de aposentadoria rural por idade (evento 63 do processo de origem).
O apelante sustentou não estarem preenchidos os requisitos para a concessão do benefício.
Alegou que a autora não pode ser caracterizada como segurada especial (evento 69 do processo de origem).
Apresentadas contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Aposentadoria rural por idade
A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (artigo 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/1991), deve observar os seguintes requisitos:
a) idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres);
b) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que de forma descontínua, independentemente do recolhimento de contribuições.
Caso dos autos
A autora, nascida em 17/11/1959, completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 17/11/2014.
O benefício de aposentadoria rural por idade, requerido em 19/11/2014, foi indeferido pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em razão da "falta de qualidade de segurado" (NB 41/169.699.909-7; evento 1, INDEFERIMENTO26, do processo de origem).
Para a obtenção do benefício, a autora deve comprovar o trabalho, na condição de segurada especial, nos 180 (cento e oitenta) meses anteriores a novembro de 2014 (mês em que implementou o requisito etário e formulou o requerimento administrativo).
Trata-se do período de novembro de 1999 a novembro de 2014.
Sobre as provas documentais apresentadas, a sentença referiu:
Para a prova do efetivo exercício do labor rurícula, a parte autora juntou os documentos constantes no processo administrativo e nos eventos 1 e 26. Trata-se de vasta prova material a evidenciar o trabalho agrícola da parte autora. Quanto ao ponto, frisa-se que o próprio INSS destacou [...] que a "requerente apresentou Notas de Produtor Rural de 1997 a 2014".
Acrescente-se que a parte autora possui ativo seu cadastro no SINTEGRA/ICMS desde 07/2009, em que consta o endereço na Linha Progresso do Oeste, município de Palma Sola/SC, sendo o cultivo de milho sua atividade econômica principal (evento 1, DOC19; evento 1, DOC20).
Os documentos apresentados - especialmente as notas fiscais de venda da produção agrícola - constituem início de prova material do exercício de atividades rurais.
A prova documental foi corroborada e complementada pela prova testemunhal.
Sobre as informações colhidas em audiência, a sentença relatou:
Em seu depoimento pessoal, a parte autora declarou, em suma, que ainda trabalha na agricultura, em terras próprios localizadas na Linha Progresso do Oeste, Palma Sola/SC, que medem cerca de 3 hectares; além disso tem outra chácara, que fica no local onde a autora reside atualmente, perto da cidade de Palma Sola/SC; as terras localizadas na Linha Progresso ficam a aproximadamente 14/15km do local de residência da autora; vai até lá para trabalhar com bastante frequência; é divorciada desde 2006; desde lá está sozinha e cuida de ambas as propriedades; nas terras cultiva milho, que é comercializado para o Cerealista Sutili; a terra era do filho falecido e hoje é da autora; tem uma pessoa que ajuda nas partes mais pesadas, porque a autora tem dor nas costas, ele lavra as terras; tem notas de produtora; nunca trabalhou na cidade; não tem casa na Linha Progresso; leva marmita e faz refeição nas terras e a noite volta para casa; na chácara onde mora tem a parte das miudezas (mandioca, batata, verduras); o filho chamava-se Vanderlei José Três; ele era solteiro e morava com a autora; a autora recebe pensão por morte em razão do falecimento do filho, em valor que não chega a um salário mínimo e meio; trabalhava com o esposo na lavoura, até quando o filho começou a trabalhar fora, depois o marido começou a beber e a autora ficou dependendo do filho; a autora, o ex esposo e o filho moravam numa casa que, na separação da autora, ficou para o ex marido.
A testemunha Ivanio Bregalda disse que conhece a autora há cerca de 25 anos; ela e o marido sempre foram agricultores; tinham propriedade na Linha Progresso do Oeste, Palma Sola/SC; na época a única fonte de renda da família vinha da roça; depois da separação da autora, permaneceu na roça; depois do falecimento do filho, a chácara que havia ficado em nome do filho, por ocasião da separação dos pais, passou à propriedade da autora; o filho trabalhava na Prefeitura, na função de inseminador no meio rural; entre o falecimento do filho e o recebimento da pensão por morte, a autora trabalhou na roça; mora na chácara mais próxima da cidade, em que tem animais, cujo alimento é produzido na propriedade da Linha Progresso; é agricultura de subsistência, sem utilização de maquinários; ela trabalha sozinha, mas às vezes precisa de ajuda para o serviço mais pesado, como carregar caminhão; a autora teve 3 filhos, duas mulheres e um homem; o salário que o filho recebia não era suficiente para sobrevivência da família; a autora tinha que trabalhar muito para sobreviver.
Odete Bandeira afirmou que conhece a autora há mais de 40 anos; ela, o esposo e os filhos moravam na Linha Progresso do Oeste; durante o casamento a agricultura era a principal renda da família; não tinham empregados ou maquinários; criavam animais para consumo e vendiam o excedente da produção; após a separação, a autora saiu da casa e morava com o filho, que trabalhava na Prefeitura; a autora sempre trabalhou na agricultura; desde o falecimento do filho até o recebimento da pensão, a autora trabalhou na agricultura; a autora faz o serviço leve e tem alguém que faz o serviço pesado; paga 20% da produção para essa pessoa; no local em que mora, a autora planta pipoca, mandioca, tem porcos, galinhas; na Linha Progresso planta milho para alimentar os animais e vende o excedente.
Conforme a sentença ressaltou, o conjunto probatório demonstra que a autora exerceu atividades rurais no período de carência.
O apelante sustentou que, no período em análise, a autora não pode ser caracterizada como segurada especial, pelas seguintes razões:
- "a autora recebe pensão por morte do filho desde 2006, com renda atual de R$ 1.690,17";
- "a lei previdenciária exclui da condição de segurado especial a pessoa que recebe benefício superior ao mínimo".
No ponto, adotam-se como razões de decidir os fundamentos expostos pela sentença, que são complementados a seguir.
Confira-se:
[...] a celeuma dos autos reside especialmente no fato de a autora ter recebido auxílio financeiro do filho Vanderlei José Três e, após o seu óbito, o benefício de pensão por morte, com renda superior ao salário mínimo nacional.
[...]
[...] ganha destaque a manutenção da atividade agrícola da autora mesmo após o início do recebimento (em 2014) do benefício de pensão em razão da morte de seu filho, conforme denota-se do relatório de notas fiscais emitido pela Prefeitura Municipal de Palma Sola/SC, em nome da autora: [...]
Não é crível que a autora, mantendo-se no exercício do labor agrícola mesmo após o recebimento das verbas relativas à pensão por morte, não exercesse atividade rural no período anterior, quando, além de não contar com o auxílio financeiro do filho (falecido em 2005), também não contava com sua mão de obra na lavoura.
Noutras palavras, é improvável que a autora tenha exercido atividade diversa da agrícola desde o falecimento do filho (em 27.11.2005) até o início do recebimento da pensão, deferido judicialmente a partir do ano de 2014.
Com relação ao período anterior, além da prova já carreada aos autos, é necessário destacar as conclusões exaradas por ocasião da análise judicial do pedido de pensão por morte, em que restou evidenciado o auxílio prestado pelo filho da autora na lavoura, bem como a inexistência de exclusividade da renda urbana que ele percebia (evento 1, DOC24;). Vejamos o que consta na decisão proferida em sede recursal (evento 1, DOC25):
[...]
No caso, existem provas documental e testemunhal sobre a dependência da autora com o filho, seja pela sua renda no sustento familiar, seja pela colaboração extra no trabalho da agricultura familiar, inclusive com notas de comercialização de produtos em nome do de cujus.
Demais disso, sabe-se que o exercício de labor urbano por um dos membros do grupo familiar não descaracteriza necessariamente a condição de segurados especiais dos demais, consoante se colhe dos seguintes julgados: [...]
Assim, não obstante o filho da autora tenha desempenhado atividades urbanas, denota-se que a autora manteve-se no exercício de atividade rural no período, consoante se observa do conjunto probatório.
Também não há no autos indícios de atividade urbana pela parte autora no período equivalente à carência do benefício.
No contexto exposto, examinando detidamente as provas dos autos, e sopesada a flexibilização conferida pela jurisprudência, identificam-se elementos firmes no sentido de que a parte autora exerceu atividades rurais no período de carência do benefício pretendido.
Pois bem.
De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, deve ser levado em consideração que:
- "o § 9º do art. 11 da Lei 8213, que afasta a qualidade de segurado especial do membro de grupo familiar que aufira pensão por morte em valor superior ao salário mínimo, deve ser interpretado restritivamente. O não enquadramento apenas se justifica se o trabalhador rural, em razão de auferir outra fonte de renda, puder dispensar o próprio labor em regime de economia familiar ou como boia-fria" (APELREEX 0004478-53.2015.4.04.9999, Quinta Turma, Relatora Taís Schilling Ferraz, D.E. 11/10/2016);
- "o fato de a autora perceber pensão por morte do esposo, em valor pouco acima de um salário mínimo, não descaracteriza necessariamente sua condição de segurado especial, porquanto a atividade agrícola desempenhada por esta era essencial para a subsistência da família" (AC 5016223-03.2019.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 30/08/2019);
- "A percepção de renda mensal de até dois salários mínimos a título de pensão por morte não descaracteriza a qualidade de segurado especial, se restou comprovado labor rural em regime de economia familiar"(5020651-28.2019.4.04.9999, Sexta Turma, Relatora Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 12/07/2021).
No caso dos autos, verifica-se que:
- o valor da pensão por morte, em 2014, correspondia a R$ 1.047,02 (um mil, quarenta e sete reais e dois centavos) (evento 1, PROCADM27, fl. 12, do processo de origem);
- o salário mínimo, em 2014, equivalia a R$ 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais);
- a pensão por morte, em 2014, superava o valor de 1 salário mínimo em R$ 323,02 (trezentos e vinte e três reais e dois centavos).
Além disso, observa-se que:
- restou comprovado que o trabalho rural foi imprescindível para a subsistência da autora no período de carência (novembro de 1999 a novembro de 2014);
- o recebimento da pensão por morte coincidiu com pequena parte do período de carência (março a novembro de 2014).
Assim, o recebimento da pensão por morte não afastou a qualificação da autora como segurada especial.
Deste modo, tem-se que a autora exerceu atividades rurais, na condição de segurada especial, no período de carência (novembro de 1999 a novembro de 2014).
Conforme a sentença dispôs, cumprida a carência, é devida a concessão de aposentadoria rural por idade à autora desde a data do requerimento administrativo (19/11/2014), "observada a prescrição quinquenal".
Honorários recursais
Em face da sucumbência recursal do apelante, majoro, em 10% (dez por cento), o valor dos honorários advocatícios arbitrados na sentença (Código de Processo Civil, artigo 85, § 11).
Tutela específica
A 3ª Seção deste Tribunal firmou o entendimento no sentido de que, esgotadas as instâncias ordinárias, faz-se possível determinar o cumprimento da parcela do julgado relativa à obrigação de fazer, que consiste na implantação do benefício concedido ou restabelecido, para tal fim não havendo necessidade de requerimento do segurado ou dependente ao qual a medida aproveita (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 09-08-2007).
Louvando-me no referido precedente e nas disposições do artigo 497 do Código de Processo Civil, determino a implantação do benefício no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003192726v69 e do código CRC c1ee83dd.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5001867-91.2020.4.04.7210/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001867-91.2020.4.04.7210/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: Ana Maria Pauletti (AUTOR)
ADVOGADO: MARCOS DANIEL HAEFLIEGER (OAB SC029122)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial, deve observar os seguintes requisitos: idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres); exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, independentemente do recolhimento de contribuições.
2. No caso dos autos, restaram preenchidos os requisitos para a concessão do benefício.
3. Tutela específica deferida, para fins de implantação do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003192727v4 e do código CRC 33947853.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022
Apelação Cível Nº 5001867-91.2020.4.04.7210/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: Ana Maria Pauletti (AUTOR)
ADVOGADO: MARCOS DANIEL HAEFLIEGER (OAB SC029122)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 1012, disponibilizada no DE de 29/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 27/05/2022 04:34:13.