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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. VULNERABILIDADE SOCIAL NÃO COMPROVADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. MÁ...

Data da publicação: 01/03/2024, 11:01:07

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. VULNERABILIDADE SOCIAL NÃO COMPROVADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA. DESCABIMENTO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 580.963/PR, realizado em 17-04-2013, declarou, outrossim, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas com deficiência. Segundo o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados. Portanto, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima. 3. Hipótese em que, a despeito da deficiência da parte autora, acometida de epilepsia, é indevido o restabelecimento do benefício assistencial, porquanto a renda familiar, proveniente de dois benefícios previdenciários, sendo um deles de valor superior ao mínimo, bem como renda decorrente da comercialização de produtos agrícilas, suporta as despesas domésticas. 4. Descabe a devolução dos valores pagos em razão de benefício previdenciário concedido indevidamente quando não comprovada a má-fé do benefíciário envolvido em fraudes perpetradas por terceiros e sem condenação na esfera criminal. Precedentes da Corte. 5. Ausente prova da má-fé do litigante, descabida a imposição de multa, pois a jurisprudência deste Tribunal é uníssona no sentido de que a má-fé do litigante não se presume. 6. Recurso parcialmente provido apenas para afastar a determinação de valores pagos indevidamente, bem como à condenação por litigância de má-fé. (TRF4, AC 5001101-57.2023.4.04.7202, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 22/02/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001101-57.2023.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: ANDREIA DE ALBUQUERQUE (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto em face da sentença que julgou improcedente demanda de restabelecimento de benefício assistencial (e. 54.1).

Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários à concessão da prestação continuada requerida, porquanto a deficiência já havia sido reconhecida na esfera administrativa e a vulnerabilidade social restou evidenciada no estudo social, sendo descabida, por conseguinte, a condenação por litigância de má-fé. Requer o restabelecimento do BPC, bem como o afastamento da sanção por litigância de má-fe e à devolução dos valores auferidos (e. 59.1).

Com as contrarrazões, subiram os autos.

A Procuradoria Regional da República da 4ª Região opinou pelo desprovimento do recurso (e. 5.1).

É o relatório.

VOTO

Na hipótese em tela, a sentença julgou improcedente a demanda nestas letras (e. 54.1):

Realizada perícia judicial (evento 25), o perito do Juízo, especialista em psiquiatria, afirmou que a parte autora, 41 anos, ensino fundamental incompleto, queixa-se de epilepsia, narrando histórico da doença, em tratamento com fenitonia carbamazepina e sertralina, referindo um episódio compulsivo a cada 30 dias; nega internações.

Descreveu o exame do estado mental:

APARÊNCIA (é a impressão e os detalhes da aparência física, adornos, roupas)
• Adequado para clima e ocasião.
CONSCIêNCIA (é a capacidade de entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer seus objetos, def. neuropsicológica: estado de vigilância, clareza do sensório – trata do nível de consciência).
• Normovigil
ATENÇÃO (é a direção da consciência e avalia a capacidade de concentração mental a um objeto)
• HIPOTENAZ E NORMOVIGIL
SENSOPERCEPÇÃO (percepção é a tomada da consciência de estímulos externos – sensoriais)
• Sem alterações
ORIENTAÇÃO (Capacidade de situar-se a si mesmo e ambiente)
• Orientado em tempo e espaço e autopsiquicamente (tempo/espaço / autopsíquica)
MEMÓRIA (Capacidade de registrar, manter e evocar as experiências já ocorridas)
• Imediata (1 a 3 minutos) sem prejuízo
• Recente (minutos até 3-6 horas) sem prejuízo
• Remota (meses a muitos anos) sem prejuízo
INTELIGÊNCIA (conjunto das habilidades cognitivas do indivíduo, refere-se a capacidade de identificar e resolver problemas novos e encontrar soluções, as mais satisfatórias possíveis)
• LEVE DÉFICIT INTELECTUAL
AFETO (E a dimensão psíquica que da cor, brilho e calor a todas as vivencias humanas, compreende varias modalidades: humor, emoções, sentimentos)
• Sem alterações
PENSAMENTO (É formado por elementos constitutivos: Conceito, Juízo e raciocínio, porém em várias dimensões: Curso, Forma e conteúdo)
• Lógico
CURSO: normal
FORMA: sem alterações
CONTEÚDO: sem delírios
JUÍZO DE REALIDADE (por meio dos juízos o ser humano afirma a sua relação com o mundo, discerne a verdade com o erro, Ajuizar diz respeito a julgar que é subjetivo, individual, social, sócio cultural)
• Sem alterações
CONDUTA (maneira como o paciente se comporta durante a entrevista, avaliar também a psicomotricidade)
• Colaborativa
LINGUAGEM (atividade especificamente humana, uma criação social, difícil diferenciar normal X Pato)
• Normolálico

Concluiu que a autora apresenta CID G40 - epilepsia, não geradora de incapacidade, destacando que doença tem se apresentado com sintomas leves, com algum prejuízo da tenacidade, mas não caracterizadores de impedimento de longo prazo ou de barreiras características de deficiência.

[....]

Dessarte, não vislumbro a presença de deficiência que impeça a plena e efetiva participação em sociedade, diante do que, não preenchido o requisito do § 2º do art. 10 da Lei 8.742/93.

[....]

Do estudo socioeconômico (evento 43) extrai-se que a autora reside com os pais (Antonio de Albuquerque e Angelina de Albuquerque, com 73 e 72 anos, respectivamente), no Assentamento 13 de Novembro, em Abelardo Luz, onde a família tem um lote rural há 25 anos. A família declara sobreviver com os proventos de aposentadoria rural percebidas pelos genitores, no valor de um salário mínimo, além da renda obtida da produção de leite (9 cabeças), no montante de R$ 1.200,00 mensais, relatando despesas com mercado (R$ 1.200,00), energia elétrica (R$ 186,00), gás (R$ 140,00) e vestuário (R$ 500,00).

A assistente ainda registrou que (a) a autora faz uso de medicação de uso contínuo recebida na Unidade Básica de Saúde; (b) ela morou algum tempo com a irmã Andrieli, próximo aos pais e quando a esta se casou ela foi morar junto, porém não se adaptou com o marido da irmã e voltou a residir com os pais, tudo sem especificar datas; (c) atualmente a família não está cultivando produtos agrícolas para venda, apenas planta batata doce, mandioca, hortaliças, etc para consumo e cuida do gado leiteiro que é a única atividade rentável da propriedade.

As fotos que acompanham o laudo socioeconômico não demonstram a miserabilidade ensejadora da manutenção da benesse. A condição de vida simples, porém confortável e sem privação do mínimo existencial, é externada pelo padrão dos móveis e utensílios que guarnecem o imóvel próprio, incompatibilizando-se com a situação de risco social alegada.

Outrossim, diferentemente do declarado à Assistente, o Sr. Antônio de Albuquerque recebe uma aposentadoria por tempo de contribuição com renda mensal atual de R$ 2.209,20 (DECL1, ev. 53).

Mesmo desconsiderando a renda advinda da aposentadoria percebida pela mãe idosa (nascida em 18/02/1960), o que se faz nos termos do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), o fato é que a renda advinda da exploração da propriedade rural (R$ 1.200,00) e da aposentadoria do pai (R$ 2.209,20) é mais que suficiente para o sustento de 2 adultos, especialmente quando não demonstrado qualquer gasto extraordinário.

Ainda que não saiba o momento exato em que a irmã Andrieli de Albuquerque deixou de conviver com a família, não há dúvidas de que conviveu no seu endereço até 01/04/2022, porquanto foi isso o voluntariamente declarado no Cadastro Único (fl. 31 do PROCADM4, ev. 12). Mais que ela, a prova coligida aos autos permite concluir que toda a família convivia no mesmo endereço durante todo este período. Se não, vejamos.

Consoante dá conta o processo administrativo de concessão, em 2003 o núcleo familiar era composto pela autora, os pais e esta irmã - vide fl. 04 do PROCADM3, mesmo evento e, em 14/01/2019, apenas dois meses depois que a autora foi conclamada a se manifestar sobre o indício de irregularidade no recebimento do LOAS, consistente na existência de renda per capita superior a 1/4 do salário mínimo, decorrente dos benefícios percebidos pelos pais (fl. 04 do PROCADM4), a postulante declarou ao CadÚnico que estava vivendo apenas com a irmã, no Assentamento Treze de Novembro, interior de Abelardo Luz (fl. 08). Esta informação foi repetida em 09/06/2021, momento em que acrescentou-se que elas viviam numa casa de fundos do assentamento em questão (fl. 14) e novamente em 01/04/2022, como acima asseverado.

Ocorre que o endereço indicado pelas autoras já na primeira oportunidade é o mesmo do pais, a tanto que o comprovante de endereço utilizado é a fatura de energia elétrica da unidade consumidora 24595234, de 01/2019, em nome do genitor Antonio de Albuquerque (fl. 09 do PROCADM4), mesmo comprovante utilizado para comprovar o endereço da família nesta ação (vide END4, ev. 1).

Assim sendo, há que se considerar que também os rendimentos da irmã compunham a renda global da família. Observando-se, a este respeito, que Andrieli laborou para a Cooperativa Central Aurora Alimentos de 25/01/2018 a 23/02/2018 e 19/03/2019 a 03/06/2021, percebendo salários entre R$ 439,27 e 2.290,48, entabulando outros vínculos empregatícios nos intervalos de 09/05/2022 a 07/06/2022, 02/08/2022 a 26/10/2022 11/11/2022 a 08/02/2023, havendo regressado para os quadros da Cooperativa em 10/04/2023, onde permanece empregada (evento 52).

Dito isso, notadamente considerando as rendas decorrentes da aposentadoria por tempo de contribuição do genitor, da comercialização leiteira e dos salários auferidos pela irmã, não há que se falar em miserabilidade pretérita ou presente.

Sabendo-se que o benefício assistencial é destinado àqueles que não detenham condições de auto sustento e cuja família [responsável legal preferencial pela manutenção de seus membros] também não possua recursos para fazê-lo, não há que se cogitar de restabelecimento do benefício pago até 01/06/2021 (vide INFBEN6, ev. 1).

2.4 Da inexigibilidade do débito

A parte autora também pleiteia a declaração de inexistência de débito no valor de R$ 77.170,33, cobrado pela Autarquia em decorrência do indevido recebimento do benefício assistencial NB/128.080.273-9, no intervalo de 25/08/2015 a 31/05/2021, invocando, para tanto, a boa-fé na percepção de benefício de caráter alimentar.

No que toca às alegações, de início, denota-se que não cumpre invocar o caráter alimentar da verba cobrada pelo INSS, vez que a própria família transformou-a em complementar diante dos rendimentos auferidos pelos demais componentes.

Com o acima exposto, não se duvida que houve percepção de renda incompatível com a manutenção do amparo assistencial nº 128.080.273-9, a partir do momento em que o pai passou a cumular os rendimentos advindos da aposentadoria por tempo de contribuição, concedida ainda em 2011, com os da atividade rural então exercida por todo o grupo familiar (e hoje declarada no montante de R$ 1.200,00). Contudo tal situação, por si, não induz à devolução da verba recebida desde 2015.

No que tange à boa-fé, embora não se tenha um conceito claro sobre o que efetivamente a compõe, é inegável que suas vertentes orbitam sobre a ética e a moralidade. Afigura-se, em verdade, na premissa de se crer naquilo que se diz e se faz, transparecendo um viés de lealdade e probidade. Uma sociedade fraterna imprescinde de relações norteadas pela boa-fé, sob pena de se colocar em risco os ideais mais salutares almejados por aqueles que a integram. Exatamente por isso que a boa-fé vem ganhando ares de princípio, muito embora dogmaticamente seja intrincado alocá-la em campo específico de estudo.

Doutrinariamente, a boa-fé pode ser tida como objetiva e subjetiva. Aquela se identifica pelo padrão de conduta a ser tomado pelo cidadão. Já esta emerge do aspecto anímico do agente, suas convicções internas, conhecimentos e desconhecimentos (FIUZA, Cesar. Direito Civil: Curso Completo, 12. Ed - Belo Horizonte: Del Rey, 2008, fl. 410). O caso dos autos envolve a boa-fé subjetiva, referente a um estado psicológico do beneficiário que recebe valores a maior.

Os pontos imperativos que permeiam os limites da boa-fé subjetiva, impeditiva da restituição de valores recebidos por erro no pagamento administrativo, foram bem traçados pelo Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em artigo intitulado A restituição de benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos, publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nº 78, p. 111/115.

Chama ele atenção, inicialmente, para circunstância essencial neste tipo de ação, qual seja, a relativa a quem cabe o ônus da prova da boa-fé e da má-fé. Sobre o tema, bem pontua que não se cabe cogitar presunções, uma vez que "a boa-fé e a má-fé se incluem no âmbito das questões de fato e provam-se por indícios e circunstâncias, incumbindo a quem as alegar o ônus da prova". Aduz, neste sentido, que "se o beneficiário alegar que recebeu os valores indevidos de boa-fé, não estando por isso obrigado a restituí-los, caber-lhe-á prová-lo". Em contrapartida, "se o INSS alegar que o beneficiário recebeu os valores indevidos de má-fé, devendo por isso restituir os valores de uma só vez, caber-lhe-á então a prova do que alega".

Após, trata o artigo de questão crucial para a configuração do caso concreto, conforme excerto que segue:

(...) Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá então a restituição de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo, sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável. A meu ver, não é desculpável o recebimento de benefícios inacumuláveis (Lei nº 8.213, de 1991, art. 124), porque a lei é bastante clara, sendo de exigir-se o seu conhecimento pelo beneficiário. Também não será escusável o recebimento, em virtude de simples revisão, de valor correspondente a várias vezes o valor do benefício. Do mesmo modo, não cabe alegar boa-fé o pensionista que recebe pensão de valor integral e continua a receber o mesmo valor, ciente de que outro beneficiário se habilitou e houve o desdobramento da pensão. De qualquer modo, serão os indícios e circunstâncias que indicarão, em cada caso concreto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário é escusável ou não.

Portanto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário for desculpável extrai-se a ilação de que agira com boa-fé, inviabilizando a restituição. Caso contrário, tratando-se de ignorância indesculpável, haverá indício de má-fé e consequente necessidade de repetição. Embora haja casos nebulosos, há outras situações que não demandam maiores digressões. Por um lado, o caso do segurado que, mediante erro de cálculo promovido pela autarquia em seu benefício, passa a receber valores ligeiramente maiores que os devidos reflete inequívoca ignorância de erro desculpável. Todavia, casos de percepção, por exemplo, do dobro dos valores que seriam devidos, assim como hipóteses de manutenção de gozo de benefício de auxílio-reclusão após conhecimento da soltura do instituidor da benesse, induzem à nítida cognição contrária.

Transpondo tais conclusões para o presente caso, difícil aventar a existência de boa-fé (em seu sentido ético) por parte da postulante, quando conclamada a manifestar-se sobre a renda do grupo familiar, altera a sua composição, com o fim exclusivo de ter os rendimentos percebidos pelos pais desconsiderados da renda familiar, para fins de recebimento da benesse sabidamente indevida, da mesma forma como se comportou no bojo do processo, quando informa equivocadamente os valores auferidos pelo grupo familiar.

Assim, tendo a postulante recebido os valores decorrentes do benefício o qual sabia não fazer jus, não se há falar em desconstituição do débito apurado em seu desfavor pela Autarquia, pelo que também improcede esta parte do pedido.

2.5 Da litigância de má-fé

Verifico, neste sentido, que desde o ajuizamento da ação, a parte autora infringiu dever de conduta previsto no artigo 77 do CPC, não expondo os fatos em juízo conforme a verdade, formulando pretensão ciente de que a situação fática não lhe confere o direito pleiteado.

Assim, a parte autora incorreu na conduta prevista no inciso I e II, do art. 77, do CPC, de modo que, nos termos do artigo 80 do mesmo Código, deve ser condenada ao pagamento de multa por litigância de má-fé no valor correspondente a 5% sobre o valor atribuído à causa, corrigido.

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, afasto as preliminares e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo o processo com julgamento do mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé no valor correspondente a 5% sobre o valor atribuído à causa (PET1, ev. 8), devidamente corrigido até a data do efetivo pagamento.

Muito embora não seja possível aderir à compreensão do julgador a quo quanto à ausência de deficiência da parte autora, acometida de epilepsia, uma vez que, com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), a redação do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, permite considerar, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas e porque a jurisprudência do STJ firmou entendimento segundo o qual, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a legislação que disciplina a matéria não elenca o grau de incapacidade para fins de configuração da deficiência, não cabendo ao intérprete da lei a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos para a sua concessão. (REsp n. 1.962.868/SP, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 28/3/2023), é forçoso reconhecer que a tese recursal de vulnerabilidade social não restou comprovada no caso em tela.

Com efeito, mesmo aplicando o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 580.963/PR, realizado em 17-04-2013, declarou, outrossim, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", no caso em apreço, após a concessão do benefício em 2003, houve, a partir de 2015, substancial modificação da renda familiar da autora, conforme demonstrado pelo julgador a quo, dado que, ao contrário do que constou do estudo social, a renda familiar dos genitores aposentados não é de valor mínimo, pois enquanto mãe da apelante aufere aposentadoria de um salário mínimo, o pai da requerente aufere o montante de R$ 2.209,20, ao qual são acrescidos valores provenientes da comercialização de leite (R$ 1.200,00). Sendo assim, as despesas da ordem de R$ 2.026,00 arroladas no estudo social do e. 54.1 são suportadas pelo orçamento do grupo familiar da autora.

Logo, a despeito da simplicidade da residência da ora recorrente, não vislumbro elementos para restabelecer o benefício assistencial.

Entrementes, no que pertine à devolução dos valores auferidos no período de 2015 a 2021, entendo que não merece prosperar a solução adotada pelo juízo de origem.

Quando não comprovado o envolvimento do beneficiário em concessão fraudulenta de benefício não há falar em devolução dos valores auferidos indevidamente, consoante precedente da Colenda Terceira Seção:

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. Não tendo o INSS comprovado a má-fé da segurada na obtenção do benefício previdenciário através de terceiros, descabe a devolução dos valores percebidos de boa-fé. (TRF4, ARS 5051078-71.2015.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 04/10/2018)

Por outro lado, cumpre salientar que, nos casos de recebimento de valores de boa-fé em decorrência de erro ou interpretação equivocada da Administração previdenciária, o Egrégio STJ firmou a seguinte tese em Recurso Repetitivo, Tema 979: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

Portanto, em se tratando de valores pagos em decorrência de errônea interpretação e/ou má aplicação da lei, não há falar em devolução de valores, conforme excerto do voto proferido pelo Min. Benedito Gonçalves no julgamento do aludido repetitivo (REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021, transitado em julgado em 17-06-2021):

O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. É regra geral do direito que ao administrado não é permitido alegar o desconhecimento da legislação, no entanto, não é dado exigir daquele que recebe o valor acima do devido pela Previdência Social a percepção da interpretação de todo o complexo legislativo, legal e infralegal utilizado pela Administração para o pagamento do benefício. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido. Assim, nessas circunstâncias, evidencia-se não ser possível exigir-se do beneficiário a devolução de valores pagos pelo INSS, ainda que indevidamente. (Grifei).

Examinando os autos, conclui-se que o INSS pagava os dois benefícios previdenciários auferidos pelos genitores da demandante, não lhe sendo razoável exigir compreensão de que o seu direito ao seu benefício estaria atrelado ao montante que a Autarquia alcançava aos pais, consoante muito bem salientado pelo STJ ao julgar o Tema 979. De mais a mais, inexiste prova de conduta ardilosa da autora a demonstrar a alegada ocorrência de má-fé necessária à devolução indevidamente determinada na sentença.

Por conseguinte, é de rigor afastar a condenação por litigância de má-fé, devendo ser reformada a sentença, inclusive no tocante à indevida condenação por litigância de má-fé, dado que não comprovado dolo da litigante, consoante recente julgado deste Colegiado (AC 5006917-68.2023.4.04.9999, de minha relatoria, juntado aos autos em 24/08/2023).

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004309767v9 e do código CRC ea6c3468.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 22/2/2024, às 18:17:5


5001101-57.2023.4.04.7202
40004309767.V9


Conferência de autenticidade emitida em 01/03/2024 08:01:06.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001101-57.2023.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: ANDREIA DE ALBUQUERQUE (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL à pessoa com deficiência. vulnerabilidade social não comprovada. devolução de valores pagos indevidamente. má-fé não demonstrada. descabimento. litigância de má-fé afastada. recurso parcialmente provido.

1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

2. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 580.963/PR, realizado em 17-04-2013, declarou, outrossim, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas com deficiência. Segundo o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados. Portanto, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima.

3. Hipótese em que, a despeito da deficiência da parte autora, acometida de epilepsia, é indevido o restabelecimento do benefício assistencial, porquanto a renda familiar, proveniente de dois benefícios previdenciários, sendo um deles de valor superior ao mínimo, bem como renda decorrente da comercialização de produtos agrícilas, suporta as despesas domésticas.

4. Descabe a devolução dos valores pagos em razão de benefício previdenciário concedido indevidamente quando não comprovada a má-fé do benefíciário envolvido em fraudes perpetradas por terceiros e sem condenação na esfera criminal. Precedentes da Corte.

5. Ausente prova da má-fé do litigante, descabida a imposição de multa, pois a jurisprudência deste Tribunal é uníssona no sentido de que a má-fé do litigante não se presume.

6. Recurso parcialmente provido apenas para afastar a determinação de valores pagos indevidamente, bem como à condenação por litigância de má-fé.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 21 de fevereiro de 2024.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004309768v3 e do código CRC 9247a1e3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 22/2/2024, às 18:17:5


5001101-57.2023.4.04.7202
40004309768 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 01/03/2024 08:01:06.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/02/2024 A 21/02/2024

Apelação Cível Nº 5001101-57.2023.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): DANIELE CARDOSO ESCOBAR

APELANTE: ANDREIA DE ALBUQUERQUE (AUTOR)

ADVOGADO(A): HELOISA MARIA CADORE (OAB SC044475)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/02/2024, às 00:00, a 21/02/2024, às 16:00, na sequência 305, disponibilizada no DE de 31/01/2024.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 01/03/2024 08:01:06.

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