Apelação/Remessa Necessária Nº 5004038-28.2014.4.04.7211/SC
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | GABRIELLI CHAVES ROSA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, I CC)) |
: | SIRLEI APARECIDA CHAVES (Pais) | |
ADVOGADO | : | DARCISIO ANTONIO MULLER |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
INTERESSADO | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. Atendidos os pressupostos, deve ser concedido o benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 19 de outubro de 2017.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9185634v6 e, se solicitado, do código CRC 5D28848A. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Paulo Afonso Brum Vaz |
Data e Hora: | 23/10/2017 15:26 |
Apelação/Remessa Necessária Nº 5004038-28.2014.4.04.7211/SC
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | GABRIELLI CHAVES ROSA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, I CC)) |
: | SIRLEI APARECIDA CHAVES (Pais) | |
ADVOGADO | : | DARCISIO ANTONIO MULLER |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
INTERESSADO | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, publicada em 04-08-2016, que julgou improcedente o pedido de benefício assistencial devido à pessoa com deficiência.
Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários à prestação continuada requerida.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.
A Procuradoria Regional da República da 4ª Região manifestou-se pelo desprovimento do recurso (e. 5).
É o relatório.
Inclua-se em pauta.
VOTO
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de BENEFÍCIO ASSISTENCIAL, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011, e nº 12.470, de 31-08-2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
A Proteção Social almejada pela Constituição, que condensa a vontade do povo, está intimamente relacionada com a prática da Justiça Social. Enquanto importante vértice desta, a proteção social supõe a redução das desigualdades, objetivo que representa a busca incessante da equidade como valor estruturante de uma sociedade democrática e fraterna baseada no respeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa.
Um dos desafios primordiais é a igualização dos deficientes. É dizer: o desiderato constitucional, traduzido em políticas públicas assistenciais, de possibilitar aos deficientes, o quantum satis, a compensação de suas limitações, para que possam desfrutar de uma vida normal ou igual aos demais indivíduos em termos de capacidades e oportunidades.
Embora não seja suficiente, a renda mínima de subsistência proporcionada pelo BPC é imprescindível. Representa, digamos assim, o início de tudo! Bem lembra Diniz (Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia (org.). Deficiência e igualdade. Brasília: LetrasLivres - EdUnB, 2010, p. 14), que a "inclusão das pessoas deficientes na vida social passa por assegurar-lhes um nível básico de rendimento e, ao que tudo indica, esse nível pode ser maior que o necessário para as demais pessoas".
Na execução das políticas públicas assistenciais voltadas ao deficiente, o primeiro desafio é distinguir incapacidade para o trabalho com deficiência. Tem-se visto, no exercício da magistratura, amiúde, essa confusão a permear as avaliações técnicas e a compreensão judicial acerca da deficiência.
A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas, aprovada e ratificada pelo Brasil, define pessoas com deficiência como "aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas".
Considera-se que a partir da internalização da Convenção dos Direitos das Pessoas Deficiente da ONU no sistema normativo brasileiro, com dignidade de Emenda Constitucional, houve substituição do conceito de deficiência como incapacidade para o trabalho e para a vida independente para um novo conceito de deficiência.
A deficiência encontra-se agora conceituada pelo preâmbulo Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em sua alínea "e", "reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas".
A circunstância de a Convenção ter sido aprovada na forma do disposto no art. 5º, § 3º, da CF, com hierarquia normativa equivalente a emenda constitucional, confere-lhe maior relevância, tornando obrigatória a sua consideração por toda e qualquer norma infraconstitucional sobre a matéria, revogadas as que lhe sejam afrontosas.
O primeiro avanço na avaliação técnica da deficiência ocorreu com a introdução dos novos parâmetros para avaliação do requisito de deficiência. O Decreto nº 6.214/07, que regulamentou o benefício de prestação continuada, tratou de nortear a avaliação da deficiência do segurado, exigindo a observância da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, e a realização da perícia social, a partir de 2009.
Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no 54.21, aprovada pela 54a Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001 (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011).
[...]
2° A avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades (Redação dada pelo Decreto n° 7.617, de 2011).
Conforme preceitua o art. 20 da Lei n° 8.742/93, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 12.435, de 2011),
O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Na redação original do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, era considerada portadora de deficiência a pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
A Lei n° 12.470/2011 definiu a pessoa com deficiência como aquela portadora de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
E a Lei n° 13.146/2015 alterou apenas a parte referente às barreiras, ao referir que é deficiente quem tem impedimentos de longo prazo, os quais, em contato com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e em igualdade de condições na sociedade.
Com o advento do Estatuto da Pessoa Deficiente (Lei nº 13.146/15), a redação do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, passou a ser a seguinte:
Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para dar sentido ao novel texto legal, precisa-se recorrer ao art. 3º, inciso IV, da Lei 13.146/15, que traz a conceituação das diferentes espécies de barreiras que podem obstruir a participação em igualdade de condições da pessoa com deficiência:
IV- barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;
b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;
c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes;
d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;
e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;
f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias.
Portanto, é patente a diferença entre os dois conceitos. A incapacidade necessita da deficiência, e que esta impeça o regular exercício das atividades laborais, enquanto que a deficiência não pressupõe a incapacidade para estar presente.
Conclui-se que, no plano normativo, é defeso conceituar a deficiência que enseja o acesso ao BPC-LOAS como aquela que incapacite a pessoa para a vida independente e para o trabalho. Deficiente passa a ser "aquele que possui algum tipo de impedimento, que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas".
Cumpre lembrar, como premissa, que o conceito de deficiência deve ser conjugado com a situação de vulnerabilidade ou precariedade econômica, o que torna ainda mais acentuadas as dificuldades do deficiente em relação à hostilidade do ambiente social. Para um deficiente oriundo de família abastada, as suas limitações podem ser compensadas com certa facilidade (cuidados especiais, tecnologia, logística etc), mas para o pobre, os desafios serão sempre mais difíceis de serem transpostos, exacerbando as suas desigualdades sociais.
Evidentemente, a perícia e a compreensão judicial acerca da deficiência precisam levar em conta tais pressupostos. Uma análise que se limita ao conceito de deficiência enquanto exclusiva limitação do corpo (modelo biomédico), sem atentar para a relação indivíduo/sociedade (modelo biopsicossocial), coloca por terra o próprio desiderato constitucional de Proteção Social aos deficientes. Bem observou o Desembargador Federal Roger Raupp Rios (TRF4, 5ª Turma, Apelação Cível n° 5006532-93.2014.4.04.7006/PR, j. 11/10/2016):
No modelo integrado essa conclusão é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".
Não se pode esquecer que a sociedade moderna está organizada com base em práticas, costume, valores, preconceitos e estruturas sociais que pressupõem o convívio de pessoas (corpos) sem impedimentos, sem limitações, o que, via de regra, conspira para a hostilização do ambiente social, no sentido de exacerbar a opressão social sofrida por pessoas deficientes.
Por outro lado, revela-se equivocada a avaliação da deficiência que considera apenas implicações para a pessoa do deficiente, olvidando que a vida social e particular dele depende, quase que invariavelmente, da ajuda e dos cuidados de terceiros. Por isso, lembra Diniz (2010, p. 14), que "as políticas voltadas à deficiência não devem ser confundidas com políticas para deficientes apenas, e sim abarcar todas aquelas pessoas que fazem parte da esfera de cuidados do deficiente".
Vale aqui lembrar que deficiência não significa que a pessoa esteja submetida a uma vida vegetativa, totalmente dependente dos cuidados de terceiros, e que não tenha condições de locomover-se, de comunicar-se e de executar atividades básicas, como higienizar-se, vestir-se e alimentar-se com autonomia.
Por conseguinte, as perícias médicas realizadas para fins de concessão de benefício assistencial devem ser avaliadas diferentemente dos exames realizados nos casos de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, consoante leciona Wederson Santos, no artigo O que é incapacidade para a proteção social brasileira? (in Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia (org.). Deficiência e igualdade. Brasília: LetrasLivres - EdUnB, 2010, p. 178-190):
As perícias médicas do INSS avaliam os impedimentos corporais das pessoas solicitantes do BPC no sentido de ponderar não o quanto tais impedimentos reduzem as chances de as pessoas suprirem as necessidades básicas como garantia da dignidade humana, mas o quanto a capacidade produtiva dos corpos pode ser afetada. [...] No entanto, a desigualdade pela deficiência é resultado de variados fatores que determinam pela opressão social - muitas vezes, fatores de desigualdade e vulnerabilidade social que se sobrepõem. O desenho da política social não pode permitir que aspectos da deficiência tenham centralidade enquanto outros são silenciados pelas perícias. [...] Diferentemente do BPC, as perícias para a aposentadoria por invalidez buscam primordialmente no histórico das atividades laborais os indicadores para mensurar quais habilidades corporais foram afetadas pelo acidente ou doença. No caso do benefício assistencial, a transferência de renda está amparada o princípio constitucional de que a assistência social é para quem dela necessitar, o que pressupõe que as perícias para o benefício previdenciário e o assistencial não devem ter os mesmos critérios de julgamento. Uma das explicações possíveis para os peritos médicos utilizarem os mesmos parâmetros da aposentadoria para BPC é tentativa de dar objetividade ao critério da incapacidade para o trabalho. Diante da ausência de elementos capazes de mensurar a desigualdade que as pessoas sofrem em razão dos corpos com deficiência, as perícias médicas para assistência social sobrevalorizam aspectos mensuráveis, como o histórico trabalhista e as habilidades corporais.
[...] O discurso biomédico sobre os impedimentos corporais tende a valorizar quaisquer restrições funcionais, corporais ou cognitivas que as pessoas encontram individualmente para desenvolver atividades relacionadas à autonomia e independência. A ideia de que a incapacidade para desenvolver os atos da vida cotidiana indicaria os casos de deficiência em que a proteção social do BPC deve ocorrer desconsidera que é impossível definir a desigualdade pela deficiência sem levar em conta as variações de aspectos relacionados à temporalidade, às barreiras e às práticas sociais e culturais. Por outro lado, os peritos médicos ainda utilizarem a incapacidade para desenvolver os atos da vida diária como aspecto a ser avaliado sobre os impedimentos corporais para o BPC pode trazer implicação do ponto de vista dos princípios constitucionais que sustentam a política. Pois a dependência para os atos da vida diária é uma concepção introduzida por uma instrução normativa do INSS que não pode se sobrepor aos princípios constitucionais orientadores da política de assistência social, como ficou claro pela ação proposta pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União. [...] Os princípios de justiça que embasam a concepção do BPC como política de transferência de renda estão relacionados a eliminar a desiguldade e opressão social que as pessoas com deficiência experimentam na extrema pobreza. Portanto, a avaliação das pessoas deficientes para o BPC tem de levar em consideração, além de condições de saúde, as condições sociais e ambientais que influenciam na determinação da desigualdade pela deficiência. [...] O modo como os peritos médicos avaliam as incapacidades para o trabalho e para a vida independente das pessoas solicitantes do BPC demonstra o quanto ainda é desafiante para os saberes biomédicos a percepção da deficiência como desigualdade social. Uma vez que o benefício assistencial busca remover desigualdades ligadas à experiência da deficiência, as avaliações periciais deverão estar adequadas aos objetivos da política social, principalmente de assegurar o direito à proteção social.
(Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia (org.). Deficiência e igualdade. Brasília: LetrasLivres - EdUnB, 2010, p. 178-190.).
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/11/2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas com os cuidados necessários da parte autora, especialmente medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
A propósito, a eventual percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.
Registre-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 580.963/PR, realizado em 17-04-2013, declarou, outrossim, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. Segundo o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Este TRF, aliás, já vinha julgando no sentido da desconsideração da interpretação restritiva do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Assim, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (EIAC nº 0006398-38.2010.404.9999/PR, julgado em 04-11-2010), ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (EIAC N.º 2004.04.01.017568-9/PR, Terceira Seção, julgado em 02-07-2009. Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.
Exame do caso concreto
A controvérsia recursal cinge-se ao requisito econômico, uma vez que a deficiência da parte autora ( criança de 10 anos de idade com Síndrome de Dow, associada a malformações graves do aparelho urinário, hipertensão arterial sistêmica crônica, retardo psicomotor, com deficiência visual parcial) foi reconhecida pelo INSS na esfera administrativa (e. 12) e pela perícia judicial (e. 17).
Pois bem. Examinado os autos, entendo que não merece prosperar a conclusão da sentença, porquanto o critério aritmético referido para denegar o amparo social está superado pela jurisprudência, consoante referido alhures, viabilizando a concessão da prestação continuada quando a miserabilidade restar evidenciada por outros elementos coligidos aos autos, como ocorre na espécie, em que o laudo social não deixa dúvidas quanto às necessidades da autora (e. 44).
Com efeito, a Assistente Social referiu, verbis:
O grupo familiar é composto pela autora Gabrielli (10) estudante, seus pais Sra. Sirlei (35) auxiliar de produção, Sr. Antonio Cesar (30) impressor, e a irmã Julia (15) estudante.
Há desenvolvimento de atividades laborativas pelos pais, a mãe atua como auxiliar de produção auferindo renda de R$ 1.045,00 (hum mil e quarenta e cinco reais) e o pai como impressor auferindo renda de R$ 1.700,00 (hum mil e setecentos reais).
Informam que a residência é financiada por um período de 30 anos, o pagamento do financiamento iniciou no final do ano de 2015 pelo qual é pago o valor de R$ 520,00 (quinhentos e vinte reais).
Nova, dois pisos ( um deles inacabado) , em alvenaria, medindo 61m², forrada, piso cerâmico, pintada, dispõe de sala, dois quartos, banheiro, cozinha, conservada. Há espaço para cultivo de produtos de produtos agrícolas.
Os equipamentos disponíveis são telefone celular, TV 32 ', sem antena parabólica, vídeo game, DVD, fogão 5 bocas, máquina de lavar 7kg, geladeira, forno elétrico e microondas. Novos em sua maioria, conservados.
Há espaço de garagem. Informam ser proprietários de uma moto Honda 125, não soube precisar o ano.
Conforme relatado, as despesas mensais totalizam em torno de R$ 1.555,00 (hum mil quinhentos e cinquenta e cinco reais), sendo assim distribuídas:
Alimentação: R$ 700,00
Luz: R$ 110,00
Financiamento casa: R$ 520,00
Água: R$ 45,00
Farmácia: 180,00
Serviços Médicos: a autora, quando necessário realiza consultas através da Unimed ofertada pela APAE.
A autora frequenta a APAE diariamente no período matutino, o transporte é ofertado pela APAE, seu diagnostico é de Mosaico de Down. Anualmente realiza acompanhamento com neurologista, não forma frases, necessita da utilização de fraldas para dormir. A mãe trabalha no período noturno afim de conciliar os cuidados com a filha no período vespertino.
Sendo assim, diante das inúmeras despesas da família da autora para dar-lhe assistência mínima para amparar todas as necessidades que suas múltiplas deficiências demandam, entendo que a apelante faz jus ao benefício assistencial desde 17-07-2007 (DER) - e. 12.
Prescrição
Embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos - situação essa na qual não se encontra a demandante -, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, entendo que a vulnerabilidade do indivíduo - inquestionável no caso do autor - não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade.
Veja-se que, no próprio parecer do projeto de lei que deu origem ao Estatuto da Pessoa com Deficiência apresentado no Senado Federal, foi referido que:
"Para facilitar a compreensão, optamos por fazer uma análise conjunta dos dispositivos constantes dos arts. 6º e 84, além de algumas das alterações contidas no art. 114, uma vez que dispõem sobre a capacidade civil das pessoas com deficiência. Seu cerne é o reconhecimento de que condição de pessoa com deficiência, isoladamente, não é elemento relevante para limitar a capacidade civil. Assim, a deficiência não é, a priori , causadora de limitações à capacidade civil. Os elementos que importam, realmente, para eventual limitação dessa capacidade, são o discernimento para tomar decisões e a aptidão para manifestar vontade. Uma pessoa pode ter deficiência e pleno discernimento, ou pode não ter deficiência alguma e não conseguir manifestar sua vontade." (grifei)
A Lei 13.146/2015, embora editada com o propósito de promover uma ampla inclusão das pessoas portadoras de deficiência, ao contrário, justamente aniquila a proteção dos incapazes, rompendo com a própria lógica dos direitos humanos.
Com efeito, a teoria das incapacidades existe para proteger o incapaz, ou seja, protege-se o indivíduo que não tem idade suficiente ou que padece de algum mal que lhe impede de discernir bem sua conduta, ressaltando-se que a proteção não se dá apenas em relação aos outros indivíduos e contra as situações da vida, mas, também (e talvez, sobretudo), em relação ao próprio incapaz, o qual pode representar um risco a si mesmo em algumas situações. Ao suprimir a incapacidade absoluta do portador de deficiência psíquica ou intelectual, o Estatuto contempla, da pior e mais prejudicial forma possível, o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais.
No artigo "A destruição da teoria das incapacidades e o fim da proteção aos deficientes", publicado no site migalhas.com.br, em 08/04/2016, os autores Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli afirmam:
"O paradigma da inclusão dos deficientes, que tem seu marco inicial na década de 1980, substituiu, em relação a essas pessoas, "uma perspectiva exclusivamente médica ou biológica por uma perspectiva que é também social"26. As legislações atuais tendem a esse processo inclusivo, sempre realizado a partir do pareamento de condições em vida social através do rompimento de barreiras e de obstáculos que possam marginalizar os indivíduos portadores de deficiências. Assim, em poucas linhas, é que se encaminha o direito do século XXI. E isso está bem.
Mas o afã de promover essa etapa (inclusão) pode resultar em grandes fracassos, se não houver critérios equilibrados e racionalidade no processo legislativo acerca da matéria. Eis o erro trazido pela lei 13.146/2015. Ela não consagra os direitos humanos. Ela os contradiz, e uma simples colocação dos termos das convenções internacionais já o demonstra.
Vejamos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência27. Ao determinar que a igualdade seja promovida, a Convenção reconhece, é claro, a diferença que existe e que precisa ser dirimida o quanto possível em seus efeitos.
A definição feita para efeitos da Convenção a respeito de pessoas com deficiência é de que essas "têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Difícil deixar de apontar que só esses termos já tiram muito do pretenso fundamento da lei 13.146/2015. Reconhecer que as pessoas com deficiência encontram barreiras implica em criação de mecanismos para derrubá-las. Retirar a proteção do deficiente não parece um bom mecanismo....
Já a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência28, cujo objetivo é prevenir e eliminar todas as formas de preconceito contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade (art. 2º), apresenta definições sutilmente mais qualificadas e recomendações bem mais concretas.
Afirma-se, em seu art. 1º, que, para os efeitos da Convenção, entende-se por deficiência "uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social".
A própria Convenção Interamericana, portanto, afirma que a deficiência importa numa limitação à capacidade de exercer atividades essenciais da vida diária. Nisso o conteúdo se aproxima da lei 13.146.
Mas a Convenção não dá azo à "sequência" funesta da referida lei brasileira.
Veja-se, a título de exemplo, o art. 3º, n. 1, a:
"Art. 3º. Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados-partes comprometem-se a:
1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas:
a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração;"
(...)
Será que a legislação protetiva dos deficientes mentais, especialmente o regime das incapacidades, contraria essas recomendações da Convenção?
De modo algum. A própria Convenção - e este é aqui o ponto mais relevante - determina em seu art. 1º, n. 2, b, que, "Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado-parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá discriminação."
Está claro que não há aí um repúdio às legislações internas dos Estados que, objetivando promover o bem-estar (proteção) dos deficientes, aplicam-lhes tratamento diverso, como é o caso da incapacidade - que constitui exceção - e, disso, o procedimento de interdição.
Ora, retirar a proteção de alguém que comprovadamente não pode governar sua própria conduta é aplicar a lógica dos direitos humanos? Nada mais inaceitável e cruel. O pior de tudo é que, na tentativa frenética de ganhar terreno entre os operadores do direito, a nova lei usa como justificativa.....os próprios direitos humanos!
É um disparate.
O problema que nos traz a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nova Iorque, 2007), especialmente com relação ao instituto da "decisão apoiada", será analisado em uma próxima coluna. Mas, ainda assim, se o objetivo dessa Convenção é 'promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais' pelos deficientes (art. 1), a retirada de proteção trazida pela lei 13.146/2015, no Brasil, está em desacordo com esses termos.
Além disso, permitir "o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais" (art. 2) por parte dos deficientes pressupõe a existência de um aparato que impulsione essa verdadeira quebra de barreiras."
Voltando ao caso dos autos, é evidente que o demandante, interditado judicialmente desde 2001, não possui discernimento para a prática dos atos da vida civil e, em razão disso, deve ser rigorosamente protegido pelo ordenamento jurídico, não podendo ser prejudicado pela fluência do prazo prescricional.
No artigo "Crítica à nova sistemática da incapacidade de fato segundo a Lei 13.146/15", publicado no site Jus Navigandi (jus.com.br), em 09/2015, os autores Marlon Tomazette e Rogério Andrader Cavalcanti Araújo, ao tratarem da questão da suspensão da prescrição e da decadência para o incapaz, afirmam:
O artigo 198 do CC afirma que não corre prescrição contra os incapazes de que trata o artigo 3o do Código Civil (absolutamente incapazes). Assim, pela nova sistemática, a suspensão da prescrição deixaria de contemplar os deficientes, continuando a correr normalmente prescrição contra eles.
Estamos certos de que muitos magistrados, consternados pela injustiça da alteração, aplicarão analogicamente a suspensão da prescrição e da decadência (artigo 198) aos deficientes. Ocorre que as hipóteses de suspensão e interrupção de prescrição são taxativas, como se depreende das lições do maior especialista no tema que o Direito Brasileiro já conheceu - Antônio Luís da Câmara Leal. Assevera o festejado jurista[20]:
"Os intérpretes são unânimes em reconhecer que a enumeração das causas suspensivas da prescrição pelo Código é taxativa, e não exemplificativa.
Quer isso dizer que, sendo de direito estrito, não admitem ampliação por analogia."
O seu raciocínio é dotado de irretorquível lógica. Ora, se violado o direito, nasce a pretensão, que, não exercida no prazo previsto, será encoberta pela prescrição (art. 189), é porque a fluência do mencionado lapso prescricional, por força de lei, é ininterrupta. Qualquer exceção a tal comando deve estar prevista em lei, pois, do contrário, a hipótese se subsumirá à regra geral (da fluência ininterrupta do prazo). O que buscamos dizer é que não há lacuna aqui a ser colmatada, porquanto, ou a fluência do prazo é ininterrupta, por força do artigo 189, ou pode ser obstada, suspensa ou interrompida, por força apenas de um dos dispositivos constantes do artigos 197 e seguintes. Não há limbo, não há lacunas... logo, não haverá analogia.
Mas e se o magistrado, tocado pela infelicidade da mutação legislativa, resolver analogicamente aplicar a regra suspensiva do artigo 198, I aos deficientes? Bem... ele estará a agir como legislador, inovando onde não há lacuna. O mais surreal, porém, é que o fim da suspensão da prescrição, derivada da deficiência mental ou intelectual, embora prejudicialíssimo a este, iguala-o aos não deficientes, contemplando da pior forma possível o pressuposto igualitário do Estatuto. O irônico é que talvez desigualar os atores jurídicos com deficiência, em algumas hipóteses, atendesse mais ao princípio da isonomia, no sentido material, do que dispensar regramento jurídico idêntico ao das pessoas sem deficiência, mormente quando a diferenciação está justificada pelo caráter protetivo.
Conhecendo, porém, a forma pouco científica, quase emotiva, como se trata o direito no Brasil, cremos, abismados, que, no futuro, os tribunais aplicarão analogicamente o artigo 198, I aos hoje (plenamente capazes) deficientes simplesmente por parecer-lhes o mais justo, seja isso técnico ou não."
Assim sendo, deve ser aplicado analogicamente à hipótese dos autos o disposto no inciso I do art. 198 do Código Civil.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção Monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- IPCA-E (a partir de 30-06-2009, conforme decisão do STF na 2ª tese do Tema 810 (RE 870.947), j. 20/09/2017, ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22-09-2017, com eficácia imediata nos processos pendentes, nos termos do artigo 1.035, § 11, do NCPC).
Juros moratórios.
Os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ) , até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 (RE 870.947), j. 20/09/2017, ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22-09-2017.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e responde por metade do valor no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 156/97).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a partir da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Reforma-se a sentença para conceder benefício assistencial desde 17-07-2007 (DER).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9185633v3 e, se solicitado, do código CRC 4D4CD38D. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/10/2017
Apelação/Remessa Necessária Nº 5004038-28.2014.4.04.7211/SC
ORIGEM: SC 50040382820144047211
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | GABRIELLI CHAVES ROSA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, I CC)) |
: | SIRLEI APARECIDA CHAVES (Pais) | |
ADVOGADO | : | DARCISIO ANTONIO MULLER |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
INTERESSADO | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/10/2017, na seqüência 455, disponibilizada no DE de 02/10/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal CELSO KIPPER | |
: | Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE |
Ana Carolina Gamba Bernardes
Secretária
Documento eletrônico assinado por Ana Carolina Gamba Bernardes, Secretária, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9217641v1 e, se solicitado, do código CRC 657E32B9. | |
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