Apelação Cível Nº 5003888-21.2021.4.04.7205/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5003888-21.2021.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: ANA PAULA FERRAZ SUTIL (AUTOR)
ADVOGADO: EMERSON DOS SANTOS JUNIOR (OAB SC055062)
ADVOGADO: DALTO EDUARDO DOS SANTOS (OAB SC025126)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela autora em face de sentença que julgou improcedente seu pedido de concessão de benefício assistencial (evento 62 do processo de origem).
A apelante alegou que preenche os requisitos para o recebimento do benefício (evento 68 do processo de origem).
Foram apresentadas contrarrazões.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, manifestou-se pelo desprovimento da apelação (evento 4).
É o relatório.
VOTO
Benefício assistencial
Nos termos do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), "o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família".
Caso dos autos
O benefício assistencial, requerido em 16/04/2019, foi indeferido em razão de o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS considerar que a autora "não atende ao critério de deficiência" (NB 87/704.511.368-5; evento 1, PROCADM7, fls. 26 e 92-93, do processo de origem).
Para a instrução dos autos judiciais, foram realizadas perícia médica e perícia socioeconômica.
A sentença dispôs:
[...]
A parte autora postulou administrativamente a concessão do benefício de prestação continuada na condição de pessoa deficiente, alegando viver em condição de miserabilidade.
O laudo da Assistente Social revela que a parte autora reside, sob o mesmo teto, com o seu filho menor de idade e o seu marido, Osmar Sutil, que trabalha como motorista. Ademais, o laudo laudo social informa que a renda mensal do marido é de R$ 1.400,00 (evento 52, LAUDOPERIC1).
Por sua vez, a CTPS informa renda de R$ 1.800,00 em 2016 (evento 1, PROCADM7, p. 82).
[...]
Assim, mesmo que considerada a menor renda informada nos autos (R$ 1.400 do laudo social), obtém-se a renda bruta per capita no valor de R$ 466,66 [1400/3], ou seja, superior a 1/4 do salário-mínimo, tanto atualmente, quanto no momento do indeferimento administrativo.
Destarte, a situação fática apresentada pela parte autora não se enquadra no conceito de miserabilidade para fins assistenciais, porquanto a renda per capita da entidade familiar é superior a 1/4 do salário mínimo, razão por que, inexistindo elementos outros que sustentem a miserabilidade alegada na inicial - pelo contrário, as fotos e as informações anexadas ao evento 52 atestam padrão de vida digno, não miserável -, não há como acolher a pretensão deduzida na inicial.
Portanto, ausente o requisito da miserabilidade, entendo prejudicada a análise do requisito de pessoa com deficiência, nos termos do art. 20, § 2o, da Lei 8.742/1993.
[...]
Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados na inicial e extingo o processo com resolução de mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC.
[...]
Análise
Destacam-se as seguintes informações da perícia médica (evento 34 do processo de origem):
- a autora apresenta "nanismo", "quadro condizente com deficiência física devido a baixa estatura";
- "há dificuldades no seu dia-a-dia", e limitação da "capacidade laborativa";
- existe "limitação de sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Nestes termos, constata-se que a autora apresenta impedimento de longo prazo, de natureza física, que, conforme ressaltado pelo laudo pericial, prejudica sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Resta caracterizada, assim, a existência de deficiência.
Quanto às condições socioeconômicas da autora, destacam-se as seguintes informações do estudo social (evento 52 do processo de origem):
- o grupo familiar é integrado por: Ana (autora; 36 anos de idade; "do lar"); Osmar (marido da autora; 36 anos de idade; "motorista"); Lucas (filho do casal; 12 anos de idade; estudante);
- residem em "imóvel (apartamento) financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida"; "a construção é de alvenaria, com aproximadamente 50 m2";
- a renda do grupo familiar equivale a R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais);
- as despesas, em valores aproximados, são as seguintes: alimentação: R$ 700,00 ; gás: R$ 70,00 ; água: R$ 56,00 ; energia elétrica: R$ 170,00 ; internet: R$ 170,00 ; "financiamento do apartamento": R$ 88,00 ; medicamentos: R$ 250,00; total: R$ 1.504,00 (um mil, quinhentos e quatro reais).
Pois bem.
Quanto à análise do requisito socioeconômico, há que se considerar que o Supremo Tribunal Federal (RE 567985/MT) declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, relativizando o critério objetivo definido naquele dispositivo, devendo a insuficiência financeira das famílias ser aferida individualmente, conforme as peculiaridades de cada caso.
No caso dos autos, a renda do grupo familiar provém da remuneração de Osmar, a qual, conforme anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social, equivale a R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) (evento 1, PROCADM7, fl. 82, do processo de origem).
O valor mencionado no estudo social (R$ 1.400,00) corresponde, de acordo com a autora, ao "valor após descontos".
Nestes termos, verifica-se que o valor de que o grupo familiar dispõe mensalmente (R$ 1.400,00) é inferior ao total das despesas básicas (R$ 1.504,00).
Além disso, observa-se que o estudo social não computou despesas básicas tais como aquisição de vestuário e gastos relacionados com os estudos do filho da autora.
Diante de tais circunstâncias, constata-se que o grupo familiar da autora se encontra em situação de risco social, por hipossuficiência econômica.
Preenchidos os requisitos legais, é devida a concessão de benefício assistencial à autora desde a data do requerimento administrativo (16/04/2019).
Nestes termos, a sentença é reformada.
Prescrição quinquenal
Considerando que o requerimento administrativo foi formulado em 2019 e o ajuizamento da ação ocorreu em 2021, não há parcelas prescritas.
Indenização por dano moral
A autora requereu a "condenação da ré, a título de danos morais, no importe de R$ 37.601,03".
Salienta-se que o indeferimento, o cancelamento ou a revisão de benefício previdenciário ou assistencial na via administrativa, por si só, não implica direito a indenização por dano moral, cogitada somente quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento abusivo ou ilegal por parte da Administração.
O desconforto gerado pela não-percepção ou pelo recebimento a menor do benefício, nestes casos, resolve-se mediante o pagamento dos valores devidos, corrigidos monetariamente e com juros de mora.
Neste sentido: TRF4, AC 5007791-66.2014.4.04.7122, Quinta Turma, Relatora Gisele Lemke, juntado aos autos em 04/08/2020; TRF4, AC 5019890-94.2019.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, juntado aos autos em 10/06/2020; TRF4, AC 5038528-50.2016.4.04.7100, Sexta Turma, Relator Artur César de Souza, juntado aos autos em 12/12/2017.
Correção monetária
No caso de benefícios assistenciais, a atualização monetária das prestações vencidas que constituem objeto da condenação será feita, a partir de 30/06/2009, com base na variação mensal do IPCA-E (Tema 810 do STF, de observância obrigatória).
Juros moratórios
Os juros moratórios, devidos desde a data da citação, serão calculados, a partir de 30/06/2009, mediante a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Lei nº 11.960/2009).
Custas processuais na Justiça Federal
Na qualidade de autarquia federal, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS está isento do pagamento de custas (artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/1996).
Honorários periciais
Sucumbente, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS deve suportar o pagamento dos honorários periciais.
Honorários advocatícios
Condeno o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a pagar honorários advocatícios, observando-se o seguinte:
a) sua base de cálculo corresponderá ao valor da condenação, observado o enunciado da súmula nº 76, deste Tribunal ("Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência");
b) será aplicado o percentual mínimo estabelecido para cada uma das faixas de valores previstas no parágrafo 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil;
c) quando mais de uma faixa de valores for aplicável, será observado o disposto no artigo 85, § 5º, do mesmo Código.
Honorários recursais
Os honorários recursais estão previstos no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, que possui a seguinte redação:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
No julgamento do Agravo Interno nos Embargos de Divergência em REsp nº 1.539.725, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu os requisitos para que possa ser feita a majoração da verba honorária, em grau de recurso.
Confira-se, a propósito, o seguinte item da ementa do referido acórdão:
5. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No caso dos autos, não se encontrando presentes tais requisitos, não é cabível a fixação de honorários recursais.
Tutela específica
A 3ª Seção deste Tribunal firmou o entendimento no sentido de que, esgotadas as instâncias ordinárias, faz-se possível determinar o cumprimento da parcela do julgado relativa à obrigação de fazer, que consiste na implantação do benefício concedido ou restabelecido, para tal fim não havendo necessidade de requerimento do segurado ou dependente ao qual a medida aproveita (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 09-08-2007).
Louvando-me no referido precedente e nas disposições do artigo 497 do Código de Processo Civil, determino a implantação do benefício no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e determinar a implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003126623v62 e do código CRC 6927db85.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5003888-21.2021.4.04.7205/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5003888-21.2021.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: ANA PAULA FERRAZ SUTIL (AUTOR)
ADVOGADO: EMERSON DOS SANTOS JUNIOR (OAB SC055062)
ADVOGADO: DALTO EDUARDO DOS SANTOS (OAB SC025126)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. DANO MORAL. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Nos termos do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), "o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família".
2. Constatada a existência de deficiência, e verificada a situação de risco social, é devida a concessão de benefício assistencial à autora.
3. O indeferimento, o cancelamento ou a revisão de benefício previdenciário ou assistencial na via administrativa, por si só, não implica direito a indenização por dano moral, cogitada somente quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento abusivo ou ilegal por parte da Administração.
4. Tutela específica deferida, para fins de implantação do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003126624v5 e do código CRC b4374fe7.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022
Apelação Cível Nº 5003888-21.2021.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: ANA PAULA FERRAZ SUTIL (AUTOR)
ADVOGADO: EMERSON DOS SANTOS JUNIOR (OAB SC055062)
ADVOGADO: DALTO EDUARDO DOS SANTOS (OAB SC025126)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 1250, disponibilizada no DE de 29/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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