Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

EMENTA: BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. COMPROVAÇÃO. INOCORRÊNCIA. BE...

Data da publicação: 12/02/2021, 07:01:09

EMENTA: BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. COMPROVAÇÃO. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE RENDA MÍNIMA. EXCLUSÃO. INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. 1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo. 2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família. 3. Deve ser excluído do cômputo da renda familiar o benefício previdenciário de renda mínima (valor de um salário mínimo) percebido por idoso e o benefício assistencial recebido por outro membro da família de qualquer idade. Aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). 4. Não comprovada a continuidade da miserabilidade familiar, é de ser indeferido o pedido de restabelecimento do benefício assistencial. Outrossim, o INSS não comprovou a ausência de vulnerabilidade social anteriormente a 2019, de modo que inexigível o débito apurado pela autarquia. 5. Considerando que ambas as partes apelaram e não tiveram seus recursos providos, incabível a majoração da verba honorária, visto não se tratar da hipótese prevista no art. 85, §11, do CPC. (TRF4, AC 5002968-24.2019.4.04.7106, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 04/02/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002968-24.2019.4.04.7106/RS

RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE

APELANTE: LEONARDO BENTIM DA FONTOURA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária em face do INSS em que a parte autora, menor, representado pela genitora, requer o restabelecimento do benefício assistencial ao deficiente que titularizou de 26/08/2010 a 01/09/2019, bem como a declaração de inexigibilidade do débito apurado pela autarquia, de R$ 81.695,88.

No curso do processo, foi deferida parcialmente a antecipação de tutela, determinando ao INSS que se abstivesse de qualquer procedimento de cobrança (evento 3, Despadec1).

O magistrado de origem, da 1ª VF de Livramento/RS, proferiu sentença em 30/06/2020, julgando parcialmente procedente a demanda, para vedar a restituição ao INSS dos valores recebidos pelo autor de 24/08/2012 a 01/08/2017. Ante à sucumbência recíproca, ambas as partes foram condenadas ao pagamento de honorários advocatícios de 10% do valor da causa, na proporção de 50% para cada uma, além de custas processuais, estando o INSS isento das custas. Quanto à parte autora, resta suspensa a exigibilidade em virtude da concessão de gratuidade da justiça (evento 60, Sent1).

Inconformado, o demandante apelou, sustentando que deve ser afastado do cálculo da renda familiar o benefício de prestação continuada ao deficiente recebido pela mãe. Assevera que a manutenção do núcleo familiar é assegurada pelo BPC da genitora e não da renda variável do trabalho informal exercido pela irmã com moto-taxi e telentrega, inferior a um salário mínimo mensal. Alude que a família encontra-se em situação de vulnerabilidade, pois formada por dois deficientes e uma criança. Afirma que há ainda gastos elevados com a manutenção do aparelho auditivo que faz uso. Pede o restabelecimento do benefício assistencial (evento 67, Apelação 1).

O INSS também apelou, aduzindo que cabível a restituição dos valores indevidamente recebidos pelo demandante, independentemente da boa-fé e de se tratar de verba alimentar (evento 72, Apelação 1).

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento dos recursos (evento 4, Parecer1).

Com contrarrazões (eventos 70 e 75), os autos vieram conclusos para julgamento.

VOTO

Benefício assistencial

O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa (com mais de 65 anos) e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.

O referido art. 20 da LOAS, com as modificações introduzidas pelas Leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011, e pela Lei 13.146, de 2015, detalha os critérios para concessão do benefício:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.

§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS

§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.

§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.

§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

A Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, por sua vez, em complemento à LOAS, dispõe:

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.

Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.

Em relação à criança com deficiência, deve ser analisado o impacto da incapacidade na limitação do desempenho de atividades e na restrição da participação social, compatível com a sua idade.

Conceito de família

A partir da alteração promovida pela Lei n. 12.435/2011 na Lei Orgânica da Assistência Social, o conceito de família compreende: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Quanto aos filhos maiores de idade e capazes, importante refletir sobre a responsabilidade que estes têm com os membros idosos da família. Uma vez que o benefício em questão, tratado no art. 203, V, da Constituição Federal, garante um salário mínimo mensal à pessoa deficiente ou idosa que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, não seria razoável excluir a renda de filho maior e capaz que aufere rendimentos, uma vez que este tem responsabilidade para com seus genitores idosos.

Por outro lado, considerar aqueles filhos maiores e capazes que não auferem renda para fins de grupo familiar seria beneficiá-los com uma proteção destinada ao idoso, ou seja, estariam contribuindo para a implementação dos requisitos do benefício (cálculo da renda per capita) sem contribuir para o amparo de seus ascendentes. Logo, tem-se que devem ser computados no cálculo da renda per capita tão somente os filhos que possuem renda.

Condição socioeconômica

Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que era hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(...) 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.

5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.

7. Recurso Especial provido.

(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)

Nesse sentido, tenho adotado posição de flexibilizar os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.

Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.

Mais recentemente, a Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

Controvérsia dos autos

A controvérsia recursal envolve a comprovação da miserabilidade familiar e o dever de restituição dos valores recebidos a título de benefício assistencial no período em que supostamente houve irregularidade.

Caso concreto

O autor, nascido em 11/01/2005, aos cinco anos de idade requereu administrativamente o benefício assistencial ao deficiente em 26/08/2010, pedido deferido, tendo sido mantido ativo o benefício até 01/09/2019 (evento 1, Out18, p. 3).

Em 10/2018, o requerente foi comunicado a respeito da apuração de irregularidades por parte da autarquia, visto que deixara de preencher o requisito econômico a partir da concessão de benefício assistencial ao deficiente a sua genitora, em 24/08/2011 (evento 1, Out15, p. 23-24). Considerando o recebimento irregular do benefício entre 08/2011 e 08/2017, foi apurado pelo INSS débito atualizado de R$ 81.695,88 (evento 1, Out18, p. 20).

Pela presente ação, ajuizada em 30/09/2019, o autor pleiteia o restabelecimento do benefício assistencial ao deficiente e a declaração de inexigibilidade do débito apurado pela autarquia.

Não houve controvérsia sobre os impedimentos de longo prazo, uma vez que o autor tem surdez neurossensorial bilateral profunda com uso de implante coclear na orelha direita (evento 1, Laudo6), cingindo-se o debate à condição socioeconômica do núcleo familiar, questão que passo a analisar.

Condição socioeconômica

O estudo socioeconômico, realizado em 25/01/2020, apontou que o autor, Leonardo (15 anos), vivia com a mãe, Silvia Helena (42 anos), com a irmã, Stefani (21 anos), e com o sobrinho, Pedro Arthur, filho de Stefani (um ano). A assistente social consignou que a família residia em casa própria, em alvenaria, com seis cômodos e dois banheiros, com móveis e utensílios razoavelmente conservados, situada em Quaraí/RS.

A renda familiar, na data da visita domiciliar, era de um salário mínimo proveniente do benefício assistencial ao deficiente percebido pela genitora, somado aos R$ 900,00 mensais, em média, obtidos pela irmã como motorista (trabalhando com telentrega e moto-táxi há cerca de seis meses - desde meados de 2019).

As despesas mensais listadas eram de R$ 192,00 com energia elétrica, R$ 72,00 com gás de cozinha, R$ 188,00 com água, R$ 500,00 com alimentação e R$ 140,00 com fraldas para o bebê, além de R$ 90,00 com telefone.

A genitora do autor informou que o filho fazia tratamento de saúde em Porto Alegre e que o deslocamento era realizado gratuitamente pelo município, mas tinha gastos com alimentação e com a manutenção do aparelho auditivo - a troca de baterias, necessária a casa seis meses, demandava R$ 2.836,00.

A conclusão da assistente social foi de que, embora o demandante viva as circunstâncias das dificuldades inerentes ao seu seu quadro de saúde, não lhe falta o atendimento necessário, tanto por parte da família como do ente público. Está matriculado na escola, recebe atendimento médico em Porto Alegre, levado até pelo município. Quanto ao quesito participação social não foi relatado qualquer tipo de dificuldade ou discriminação. A genitora referiu na entrevista que o filho estava no primeiro ano do ensino médio.

A assistente consignou que não era possível afirmar que a família estivesse em condições de vulnerabilidade.

Com o laudo socioeconômico, foram anexadas fotos da residência, que mostram tratar-se de moradia simples, mas em boas condições de habitabilidade, em regular estado de conservação e pintura. Os móveis e eletrodomésticos que guarnecem a residência estão em bom estado, sendo que dois dos três dormitórios dispõem de aparelhos de ar condicinado (split).

Em consulta ao CNIS da irmã do requerente observa-se que não há registros de vínculo empregatício, apenas um recolhimento na condição de contribuinte individual em setembro de 2018.

Tenho que o benefício assistencial recebido pela mãe da parte autora não deve ser considerado no cômputo de renda familiar, uma vez que concedido com o objetivo de garantir a existência digna do beneficiário, seja ele idoso ou deficiente.

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), em seu art. 34, dispõe que o benefício assistencial concedido a qualquer membro da família idoso não será computado pra fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Da leitura do dispositivo, conclui-se que o objetivo do legislador foi preservar a renda mínima recebida pelo idoso (no montante de um salário mínimo), excluindo-a do cálculo da renda per capita familiar. Como a intenção primordial foi assegurar a dignidade do idoso, por analogia, tal regra deve ser estendida aos demais benefícios de renda mínima, sejam eles de natureza assistencial ou previdenciária, percebidos pelo idoso, assim como pelas pessoas com deficiência integrantes da família.

Nesse sentido foi a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 580.963/PR, com repercussão geral reconhecida, declarando a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003, sem pronúncia de nulidade, verbis:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

(...) 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional.

5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003.

6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)

O STJ também julgou a questão pela sistemática dos recursos repetitivos, decisão com trânsito em julgado em 16/12/2015, firmando o entendimento de que deve ser excluído do cômputo da renda familiar para concessão de LOAS o benefício previdenciário de um salário mínimo recebido por idoso:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.

1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.

2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.

3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.

(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)

Portanto, no cálculo da renda familiar para concessão do benefício assistencial deve ser excluído:

a) o benefício de renda mínima, previdenciário ou assistencial, recebido por idoso com mais de 65 anos;

b) o valor de um salário mínimo de benefício previdenciário de montante superior recebido por idoso com mais de 65 anos; e

c) o benefício assistencial recebido por pessoa com deficiência de qualquer idade.

No entanto, mesmo excluindo-se o valor do benefício assistencial recebido pela genitora do autor, as informações trazidas aos autos afastam a caracterização da miserabilidade familiar a partir de 2019, quando a irmã do requerente passou a laborar, como bem analisado pelo magistrado de origem na sentença, verbis (evento 60, Sent1):

No entanto, o que se nota no caso concreto é que o autor não está em situação de vulnerabilidade social, seja porque está amparado economicamente pelo benefício percebido pela mãe, como também pela renda da irmã, que divide o grupo familiar, bem como pelo apoio estatal no tratamento de sua comorbidade, qual seja, surdez neurossensorial bilateral profunda. O autor, inclusive recebeu pelo Estado, via ação judicial, um implante coclear na orelha direita. A assistência do Estado para com a saúde do autor, propiciou que mantivesse uma vida ao que tudo indica normal, já que frequenta escola, estando no 1º ano do segundo grau, conforme informado no laudo socioeconômico. Ademais, o acompanhamento regular de sua moléstia é feito através de consultas com fonoaudiólogos, junto à Secretaria Municipal de Saúde de Quaraí (ev. 1-LAUDO6), bem como junto ao CAPS da municipalidade, conforme declaração do ev. 1(LAUDO9). Também tem o devido acompanhamento junto ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre, conforme consta do atestado do ev. 1(LAUDO9), local no qual é levado pelo serviço de assistência social e secretaria de saúde do município.

Portanto, seja pelo fato de sua genitora Sílvia Helena Bentim da Fontoura, perceber um salário mínimo a título de benefício assistencial, conforme carta de concessão do evento 1(OUT13), concedido em 24/08/2011, sob o n 547.644.845-0, o qual permanece ativo (...)

Seja, pela renda auferida pela irmã, bem como pelas demais condições socioeconômicas descritas no laudo, entendo ausente a vulnerabilidade social do autor, que se encontra amparado materialmente, não sendo o caso, da manutenção do benefício assistencial.

Já em relação ao argumento trazido no evento 44, de que a irmã do autor locaria a moto que trabalha (não seria proprietária), não trouxe o autor qualquer elemento de prova nesse sentido. Também não provou o autor que o alegado gasto semestral de aproximadamente R$4.969,00, para manutenção do aparelho auditivo, seja suportado pelo grupo familiar, o que poderia ter sido comprovado com a simples juntadas dos comprovantes de pagamento (notas fiscais), de tais equipamentos.

Logo, não merece reparos a sentença, que indeferiu o pedido de restabelecimento do benefício assistencial.

Desprovido o recurso da parte autora.

Devolução dos valores recebidos

O INSS alega, em sede de apelação, que devem ser devolvidos os valores irregularmente percebidos pelo autor a partir de 08/2011, quando concedido o benefício assistencial ao deficiente a sua mãe, perfazendo R$ 81.695,88, em valores atualizados até 2019.

O benefício assistencial pago à mãe do autor, por si só, não tem o condão de afastar a miserabilidade, uma vez que deve ser excluído do cômputo da renda familiar.

Entretanto, segundo mecionado supra, a verificação das condições atuais em que vive o núcleo familiar, em uma residência própria, em boas condições, dispondo o autor de atendimento médico gratuito, inclusive com transporte, associado ao fato de que a irmã trabalha desde meados de 2019 com serviço de telentrega e moto-táxi, auferindo renda, e que não restaram comprovados os gastos extraordinários alegados, não há fundamento para restabelecer o benefício.

Por outro lado, tais condições foram comprovadas somente a partir da realização do estudo socioeconômico, em 01/2020, com a referência de que a irmã do requerente iniciou as atividades laborais em meados de 2019, coincidindo com a data em que foi cessado de fato o benefício assistencial, em 09/2019 (evento 1, Out18, p. 3).

Assim, conclui-se que não houve irregularidade na percepção do benefício assistencial pelo autor no período anterior à suspensão, uma vez que o INSS não comprovou a ausência de vulnerabilidade social no interregno em questão.

Desprovido o recurso do INSS.

Honorários sucumbenciais

Considerando que ambas as partes apelaram e não tiveram seus recursos providos, incabível a majoração da verba honorária, visto não se tratar da hipótese prevista no art. 85, §11, do CPC.

Conclusão

Desprovido os recursos do autor e do INSS.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações do autor e do INSS.



Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002219170v7 e do código CRC 1909e75e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 19/1/2021, às 11:2:31


5002968-24.2019.4.04.7106
40002219170.V7


Conferência de autenticidade emitida em 12/02/2021 04:01:08.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002968-24.2019.4.04.7106/RS

RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE

APELANTE: LEONARDO BENTIM DA FONTOURA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. restabelecimento de benefício. PESSOA COM DEFICIÊNCIA CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. comprovação. inocorrência. BENEFÍCIO DE RENDA MÍNIMA. EXCLUSÃO. inexigibilidade do débito. honorários sucumbenciais.

1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.

2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.

3. Deve ser excluído do cômputo da renda familiar o benefício previdenciário de renda mínima (valor de um salário mínimo) percebido por idoso e o benefício assistencial recebido por outro membro da família de qualquer idade. Aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).

4. Não comprovada a continuidade da miserabilidade familiar, é de ser indeferido o pedido de restabelecimento do benefício assistencial. Outrossim, o INSS não comprovou a ausência de vulnerabilidade social anteriormente a 2019, de modo que inexigível o débito apurado pela autarquia.

5. Considerando que ambas as partes apelaram e não tiveram seus recursos providos, incabível a majoração da verba honorária, visto não se tratar da hipótese prevista no art. 85, §11, do CPC.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento às apelações do autor e do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de fevereiro de 2021.



Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002219171v4 e do código CRC d8a13119.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 4/2/2021, às 18:24:9


5002968-24.2019.4.04.7106
40002219171 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 12/02/2021 04:01:08.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 27/01/2021 A 04/02/2021

Apelação Cível Nº 5002968-24.2019.4.04.7106/RS

RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO

APELANTE: LEONARDO BENTIM DA FONTOURA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

ADVOGADO: DIEGO VINICIUS PINTOS RIBEIRO (OAB RS116567)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 27/01/2021, às 00:00, a 04/02/2021, às 14:00, na sequência 457, disponibilizada no DE de 16/12/2020.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DO AUTOR E DO INSS.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE

Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 12/02/2021 04:01:08.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora