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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. TRF4. 0001493-43.2017.4.04.9999...

Data da publicação: 29/06/2020, 01:56:21

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. 1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos. 2. Ainda que o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências. 3. Apelação da parte autora provida. (TRF4, AC 0001493-43.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 27/10/2017)


D.E.

Publicado em 30/10/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001493-43.2017.4.04.9999/SC
RELATOR
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE
:
LUCIANO DOS SANTOS PEREIRA
ADVOGADO
:
Cynara Beatriz de Oliveira Mesquita
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA.
1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos.
2. Ainda que o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências.
3. Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo do autor e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 19 de outubro de 2017.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator


Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9151326v8 e, se solicitado, do código CRC 8A2BB702.
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Signatário (a): Paulo Afonso Brum Vaz
Data e Hora: 23/10/2017 15:29




APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001493-43.2017.4.04.9999/SC
RELATOR
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE
:
LUCIANO DOS SANTOS PEREIRA
ADVOGADO
:
Cynara Beatriz de Oliveira Mesquita
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pelo autor (fls. 150-156) em face da sentença, prolatada em 01/03/2016 (fls. 144 -146), que julgou improcedente seu pedido, com apoio no art. 269, I, do CPC, e revogou a antecipação de tutela concedida à fl. 60.
Sustenta, em síntese, que o julgador levou em conta tão somente os dizeres do médico perito, deixando de analisar as demais provas trazidas aos autos, as quais comprovam sua incapacidade.

Alega sofrer de doença psiquiátrica há mais de seis anos, o que está devidamente demonstrado mediante documentos carreados aos autos.

Refere também que não pode ser desconsiderado o tratamento médico a que está submetido, pois (...) uma pessoa jamais se mutilaria, se prestaria a ministrar tantos medicamentos, com gastos mensais altos, caso não possuísse nenhuma doença.

O apelante se trata com o mesmo psiquiatra há anos. Adquiriu imensa confiança após ter passado por vários médicos e nenhum ter acertado na medicação. Ademais, o médico assistente o acompanha por anos, enquanto o perito teve com ele um único contato. Como pode então dizer se o tratamento é adequado ou não?

Requer a reforma do decisum para torná-lo nulo, solicitando seja o processo baixado para colheita de novas provas, bem como realizada nova perícia, com médico diverso, e expedido ofício ao médico assistente e ao CAPS da Comarca para que apresente nos autos o prontuário do apelante.

Subsidiariamente, pede o exame dos autos e a modificação da sentença para que lhe seja concedido o benefício postulado uma vez que preenche os requisitos necessários.

Ademais, requer seja atribuído efeito suspensivo à decisão prolatada nos autos, na parte em que revogou a antecipação de tutela, pois é com essa renda que sobrevive e mantém seu tratamento e alimentação da sua família
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de AUXÍLIO-DOENÇA, previsto no art. 59 da Lei 8.213/91, ou APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, regulado pelo artigo 42 da Lei 8.213/91.
São quatro os requisitos para a concessão desses benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Cabe salientar que os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez são fungíveis, sendo facultado ao julgador (e, diga-se, à Administração), conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado ao outro. Dessa forma, o deferimento do amparo nesses moldes não configura julgamento ultra ou extra petita. Por outro lado, tratando-se de benefício por incapacidade, o Julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliado conforme as particularidades do caso concreto. Isso porque existem circunstâncias que influenciam na constatação do impedimento laboral (v.g.: faixa etária do requerente, grau de escolaridade, tipo de atividade e o próprio contexto sócio-econômico em que inserido o autor da ação).
Exame do caso concreto
No caso sub examine, a controvérsia recursal cinge-se à verificação da incapacidade da parte autora.
Diante disso, a partir da perícia médica, realizada em 15/09/2014, na sala de Audiências da 2ª Vara Cível da Comarca de Navegantes, pelo Dr. Fernando Balvedi Damas, CRM/SC 12479, especialista em Psiquiatria, com certificado em Psiquiatria Forense, perito de confiança do juízo (laudo juntado às fls. 128-135), é possível obter os seguintes dados:
a- enfermidade (CID): transtorno do pânico e transtorno do comportamento do adulto não especificado (F41.0 e F69);
b- incapacidade: inexistente;
c- data do início da doença: 01/06/2010 e 01/09/2013, respectivamente;
d- idade: nascido em 07/11/1979, contava 34 anos à época do laudo;
e- profissão: "encarregado de espaço de confinado", mas, já trabalhou como soldador naval, manipulador de pescados, motorista;
f- escolaridade: ensino fundamental completo.
Relata o examinado, durante a perícia, que há cerca de cinco anos, quando foi promovido à função de encarregado, iniciou com crises fóbicas, dor torácica, dispineia, agonia, sudorese, labilidade afetiva, sensação de morte, pensamentos hipocondríacos, tonturas e comportamento auto mutilatório (conforme fotos juntadas aos autos fls. 43-45, 101, 102 e 127).
Na sua conclusão, o expert refere ser o autor portador de transtorno mental leve (teve uma neurose fóbica, mais especificamente um transtorno do pânico - CID10 F41.0), que, normalmente, não requer mais de um mês de afastamento com os recursos atualmente disponíveis. Entretanto, o caso tem se tornado complexo e dificuldade o retorno ao trabalho devido a alguns fatores, entre eles, a iatrogenia (iatros = médico; genia, de genesis = nascer: qualquer alteração patológica provocada no paciente por diagnóstico ou tratamento médico inadequados), utilizando uma ampla gama de medicamentos sem evidências científicas para seu caso, e, ainda mais, em associações injustificáveis. O autor passou a se autoescarificar buscando criar comoção e ter acesso a recompensas financeiras (ao que o diagnóstico de modo sindrômico como um transtorno comportamental não especificado). Indico, desde já, retorno ao labor, enquanto não há incapacidade, sendo ainda o labor salutar ao seu equilíbrio mental.
Vale aqui destacar que as fotografias juntadas aos autos evidenciam, mediante imagens contundentes, a situação de inegável sofrimento e angústia vivenciada pelo autor ao longo dos últimos anos (fotos feitas em 15/06/2013; 17/07/2013 e 19/09/2013 - fls. 43-55; em 25/02/2014 - fls. 101-102 e em 04/07/2014 - fl. 127).
Ademais, de acordo com seu histórico, o autor realiza tratamento com o mesmo médico psiquiatra há vários anos. Tem por ele imensa confiança, depois de ter passado por vários que não acertavam na medicação. Embora o perito tenha comentado que o tratamento a que está sendo submetido é inadequado, o autor sente que agora tem uma vida mais próxima da normalidade, com alguns altos e baixos, mas, até o momento, tem sido esse o que lhe faz bem.
Com efeito, o autor já tentou suicídio várias vezes. Durante as crises se automutilava e acordava no hospital sem recordar nada. Atualmente, com o tratamento que vem realizando, as crises se tornaram mais esparsas. Contudo, permanece o medo a locais fechados. A explicação mais plausível seria o fato de que trabalhava em fundo duplo de navios, lugar onde mal cabe uma pessoa.
Antes de tecer críticas aos profissionais da saúde, há que se levar em conta também que o tratamento efetuado pelo apelante é custeado pelo SUS, com medicação controlada e restrita aos pacientes necessitados. Ademais, ele também freqüenta o CAPS da Comarca. Essa é a estrutura que o estado oferece à população de baixa renda que é a grande maioria neste país.
Não obstante as considerações esposadas pelo expert, sabe-se que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).
Assim, tendo a perícia certificado a existência da patologia alegada pela parte autora, o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 375 do NCPC (O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.). Nessa linha, leciona Fabio Luiz dos Passos:
"O objetivo da perícia médica judicial em matéria previdenciária não é (e não deve ser) informar se há (ou houve) incapacidade laborativa no presente ou no passado. A conclusão pela existência ou não de capacidade laborativa, essência da lide previdenciária é encargo atribuído ao juiz, que não deve perder de vista a natureza dinâmica e personalíssima da incapacidade laborativa diante do contexto social de vida do cidadão que busca a tutela judicial." (FOLMANN, Melissa e SERAU Jr., Marco Aurélio. Previdência Social: em busca da Justiça Social. A análise da incapacidade laborativa e o deferimento de benefícios previdenciários. São Paulo: LTr, 2015, p.134-135).
Diversa não é a interpretação do eminente Juiz Federal e professor de Direito Previdenciário José Antonio Savaris (Direito Processual Previdenciário: Curitiba, Alteridade Editora, 2014, p. 275-276), sustentando que não atende ao dever de fundamentação a decisão judicial que consubstancia simples referência à resposta pericial a um dos quesitos que lhe foram formulados (se há ou não incapacidade para o trabalho). Por conseguinte, vaticina o ilustre magistrado, quando a sentença denegatória de proteção social não especifica a função habitual do segurado, o seu contexto social (idade, escolaridade, local de residência, etc), a patologia identificada pela prova técnica e pelos demais achados médicos, e tampouco arrisca pensar o segurado para além da sala em que é realizada a perícia judicial, culmina, a referida sentença, por carecer da necessária fundamentação. Por conta disso, existindo documentação médica relevante, as conclusões do julgador podem afastar-se, por exemplo, quanto à existência de incapacidade, quando à data do seu início, ou quanto à existência de incapacidade que justifique a concessão de benefício.
Os critérios de exame das provas no processo previdenciário já não se restringem aos instrumentos e às formas tradicionais. Ainda que o caderno processual não contenha elementos probatórios categóricos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências. Nesse aspecto, não é preciso romper com os paradigmas da dogmática, porque tal meio probatório é legal e, no contexto, pode e deve ser valorada, haja vista o moderno conceito de incapacidade dado pela Organização Mundial da Saúde:
"Incapacidade, genericamente falando, é a resultante da interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (orgânica e/ou da estrutura do corpo), a limitação de suas atividades e a restrição na participação social e dos fatores ambientais que podem atuar como facilitadores ou barreiras para o desempenho dessas atividades ou da participação (CIF/OMS, 2004).
A incapacidade pode ser operacionalmente definida como debilidades não compensadas do indivíduo frente às exigências do trabalho, sempre tendo em mente que debilidade e incapacidade não são apenas uma conseqüência das condições de saúde/doença, mas são determinadas, também, pelo contexto do meio ambiente físico e social, pelas diferentes percepções culturais e atitudes em relação à deficiência, pela disponibilidade de serviços e legislação (CIF/OMS, 2004)." (TREZUB, Cláudio José. Fundamentos para a perícia médica judicial previdenciária. Curso de Perícia Judicial Previdenciária/coordenação de José Antonio Savaris. Curitiba: Alteridade Editora, 2014. p. 168).
A tendência, pois, é de uma maior valorização da prova indiciária, o que, aliás, já vem sendo feito pela jurisprudência em relação a outros benefícios previdenciários, como nos casos da aposentadoria rural por idade (v.g. AgRg no AREsp 163.261/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 17-12-2012).
Ademais, não se pode olvidar que o artigo 472 do NCPC prevê que o juiz poderá, inclusive, dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes, o que, aliado ao dever de fundamentação das decisões judiciais previsto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, demonstra a possibilidade de emprego de tais meios.
Muitas vezes, se instala a dúvida científica em relação à verdade sobre um fato relevante à solução do conflito, como no caso presente, em que se pretende comprovar a incapacidade para fins previdenciários. Uma dose de recursividade ao pragmatismo pode ajudar o juiz na tarefa de compelir o Estado a cumprir o seu papel constitucional de proteção social.
Se vamos assumir que a verdade real precisa ser perseguida, e nem sempre nos deparamos com a prova cabal, seja sobre a própria incapacidade ou sobre a data do início desta, um raciocínio filosófico pragmático autoriza, a partir de uma boa "inquirição", a recursividade às "evidências" e, além destas, às circunstâncias do caso, como os fatores ambientais, a condição social, a profissão ou ocupação do segurado, a sua idade, a sua escolaridade, a natureza da patologia, a possibilidade de readaptação e reingresso no mercado de trabalho. Todas são variáveis importantes, e algumas perpassam o trabalho do perito judicial, mas que não podem ficar à margem do crivo judicial.
A perícia judicial previdenciária deveria ser uma avaliação holística, o que permitiria distinguir as circunstâncias do caso concreto, inclusive a perspectiva das consequências do reconhecimento para a manutenção da vida e da subsistência digna do segurado, objetivo primaz do Estado Social Democrático de Direito.
Na prática, é comum adotarmos um raciocínio fingido, expressão cunhada por Susan Haack, uma forma rematada de cinismo. Nem o juiz, nem seus auxiliares, como o perito judicial, buscam descobrir as coisas como verdadeiramente são. Não importa onde a busca os levará, mas buscam suporte para uma proposição com a qual eles já estão comprometidos e que não é negociável. Não se interessam por desconstituir seus preconceitos, seus prejuízos, seus comprometimentos anteriores e inamovíveis com a proposição que tentam defender. Não se interessam pela coisa como ela é, em uma compreensão mais aderente à fenomenologia e à faticidade do caso concreto.
Cumpre salientar que quando a ciência médica não consegue subsidiar a instrução com elementos mínimos sobre o estado global de saúde do segurado, a proteção social há de ser conferida pelo Estado-Juiz, aplicando-se, no campo previdenciário, o princípio constitucional da proteção do hipossuficiente, pois, consoante abalizada lição de João Batista Lazzari (Manual de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 89), não há razão para gerar proteção ao sujeito passivo - como, certas vezes, acontece em matéria de discussões jurídicas sobre o direito dos beneficiários do sistema a determinado reajuste ou revisão de renda mensal, por dubiedade da norma, visto que incide, a regra de interpretação in dubio pro misero, ou pro operário, pois este é o principal destinatário da norma previdenciária.
Por conseguinte, delineado conflito aparente entre as avaliações médicas elaboradas pelos profissionais da Autarquia Previdenciária, pelo médico-assistente do segurado e pelo próprio expert do juízo, impõe-se, com fundamento no princípio in dubio pro misero, acolher a conclusão da asserção mais protetiva ao bem jurídico tutelado pelos benefícios de incapacidade, isto é, a vida, a saúde, e, mais remotamente, a própria dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil insculpido no artigo 3º, inciso III, da Constituição da República, sob pena de o próprio Poder Judiciário afrontar o princípio da proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot).
Portanto, ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, é forçoso reconhecer que a confirmação da existência da moléstia incapacitante referida na exordial (depressão e síndrome do pânico - CID 10 F33.1; F41.9; F33.9; F60.9; F25.9; F34.0; F44; F43.9; F51; F59; F33.3), corroborada pela documentação clínica das fls. 13-36, associada às suas condições pessoais - habilitação profissional (encarregado de espaço de confinado) e idade atual (37 anos) - demonstram a efetiva incapacidade temporária para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de auxílio-doença, desde a cessação administrativa, descontados os valores pagos a título de tutela antecipada.
Saliente-se, por oportuno, que se revela assaz prematura a aposentadoria por invalidez postulada pela parte autora neste momento, porquanto deve ser oportunizado ao segurado e ao próprio Instituto Previdenciário o serviço de reabilitação para outra profissão, previsto nos artigos 18, III, alínea "c", 62 e 89 a 93 da Lei 8.213/91.
Com efeito, a reabilitação profissional é uma das prestações compreendidas pelo RGPS a que tem direito os segurados e destina-se a promover a reinserção no mercado de trabalho daqueles que tenham ficado incapazes de voltar a exercer a sua atividade profissional. De outro lado, a submissão do segurado ao processo de reabilitação profissional é uma obrigação legal, e o seu descumprimento acarreta uma sanção administrativa - a suspensão do pagamento do benefício (art. 101 da Lei 8.213/91) - ou, quando o benefício de auxílio-doença é concedido judicialmente e é determinada a reabilitação profissional, a recusa ou o abandono configuram, também, um descumprimento de decisão judicial.
Conclusão quanto ao direito da parte autora no caso concreto
Dessarte, se o exame do conjunto probatório demonstra que a parte autora possui incapacidade, deve ser reconhecido o direito ao auxílio-doença, desde a data do cancelamento do benefício, até a total reabilitação profissional do apelante, impondo-se a reforma da sentença.
Dos consectários
Correção Monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- IPCA-E (a partir de 30-06-2009, conforme decisão do STF na 2ª tese do Tema 810 (RE 870.947), j. 20/09/2017, ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22-09-2017, com eficácia imediata nos processos pendentes, nos termos do artigo 1.035, § 11, do NCPC).
Juros moratórios.
Os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ) , até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 (RE 870.947), j. 20/09/2017, ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22-09-2017.
Honorários Advocatícios
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Saliente-se, por oportuno, que não incide a sistemática dos honorários prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC [A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada].
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e responde por metade do valor no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 156/97).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a partir da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Reformada a sentença para conceder auxílio-doença, desde a data do cancelamento do benefício, até a total reabilitação profissional.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo do autor e determinar a imediata implantação do benefício.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator


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Signatário (a): Paulo Afonso Brum Vaz
Data e Hora: 23/10/2017 15:29




EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/10/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001493-43.2017.4.04.9999/SC
ORIGEM: SC 00068730520138240135
RELATOR
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE
:
Paulo Afonso Brum Vaz
PROCURADOR
:
Solange Mendes de Souza
APELANTE
:
LUCIANO DOS SANTOS PEREIRA
ADVOGADO
:
Cynara Beatriz de Oliveira Mesquita
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/10/2017, na seqüência 98, disponibilizada no DE de 02/10/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
VOTANTE(S)
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
:
Des. Federal CELSO KIPPER
:
Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
Ana Carolina Gamba Bernardes
Secretária


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Signatário (a): Ana Carolina Gamba Bernardes
Data e Hora: 20/10/2017 16:26




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