APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007209-19.2011.4.04.7107/RS
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | MOISES RICHETTI |
ADVOGADO | : | MARCELO LIPERT |
: | Elisa Torelly | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TÉCNICO DO SEGURO NACIONAL. ALEGADO DESEMPENHO DE ATIVIDADES PRÓPRIAS DE ANALISTA DO SEGURO SOCIAL. DESVIO DE FUNÇÃO NÃO CONFIGURADO.
. Não há falar em desvio de função se o servidor desempenha as atribuições que estão inseridas na previsão legal pertinente à carreira e ao cargo que ocupa, pois está executando aquilo que integra o conteúdo de suas atribuições e deveres para com a administração pública, que o remunera pelo exercício daquelas atividades;
. Pela forma como foram redigidas as atividades dos cargos de técnico e analista do Seguro Social (Leis nº 10.667/03 e 11.501/07) percebe-se que a diferença entre eles não está nas atribuições, mas na escolaridade exigida para cada cargo, sendo que a vaguidade das funções previstas para o técnico não caracterizam o desvio de função;
. Nas carreiras do Seguro Social a escolaridade superior não é inerente nem necessária ao desempenho das atribuições do cargo;
. Ainda que a prova eventualmente produzida pudesse apontar para a semelhança entre algumas das atividades realizadas na unidade administrativa em que lotado o servidor, isso não significa que o técnico estivesse realizando atribuições privativas de cargo superior (Analista Previdenciário);
. No INSS as atividades-fim são realizadas por ambos os cargos e não há distinção privativa entre tais tarefas entre agentes públicos de nível superior e de nível intermediário, tudo apontando para que tais atividades possam ser igualmente exercidas por pessoal de nível intermediário, como historicamente era feito no INSS, antes da criação do cargo de Analista do Seguro Social;
. Em não tendo o servidor comprovado que exercia atribuições típicas e próprias do cargo de Analista do Seguro Social, não tem direito às diferenças remuneratórias decorrentes de equiparação salarial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de agosto de 2016.
EDUARDO GOMES PHILIPPSEN
Relator
Documento eletrônico assinado por EDUARDO GOMES PHILIPPSEN, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8442973v7 e, se solicitado, do código CRC 1B1C3452. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Eduardo Gomes Philippsen |
Data e Hora: | 23/08/2016 13:22 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007209-19.2011.4.04.7107/RS
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | MOISES RICHETTI |
ADVOGADO | : | MARCELO LIPERT |
: | Elisa Torelly | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada em face do INSS com o objetivo de condená-lo ao pagamento das diferenças entre o vencimento recebido pela parte autora, que ingressou na autarquia no cargo de Técnico Previdenciário/Técnico do Seguro Social, e o percebido pelos Analistas do Seguro Social, uma vez que estaria atuando em desvio de função, porque realizando atividades próprias do cargo de Analista Previdenciário/Analista do Seguro Social.
Cuida-se de novo julgamento, tendo em vista que esta Corte anulou a sentença de improcedência anterior (Evento 34 dos autos originários), determinando o retorno dos autos à origem para produção de prova testemunhal (Evento 6 destes autos eletrônicos).
Processado o feito, ouvidas as testemunhas, sobreveio nova sentença, agora proferida pelo juiz federal Fernando Tonding Etges, na qual declara prescritas as parcelas anteriores a 08/08/2006 e, no mérito, julga improcedente o pedido sob o fundamento de que o reconhecimento do desvio de função pressupõe uma inequívoca prática de atribuições relacionadas a específico cargo, por determinado servidor, não correspondentes àquelas que são legalmente atribuíveis ao cargo em que investido e que no caso concreto há uma sobreposição de atribuições entre os cargos que exigem formação superior ou intermediária. Condenou a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa, restando suspensa a exigibilidade da condenação em face da gratuidade judiciária concedida (Evento 108 dos autos originários).
Apela a parte autora alegando que a interpretação conferida ao artigo 6º da Lei nº 10.667/03 afronta o artigo 39 da CRFB. Defende que a organização da carreira não permite que servidores ocupantes de cargos diversas executem as mesmas tarefas. Sustenta que a sentença fundamenta-se em premissa equivocada, qual seja a sobreposição de atribuições dos cargos de nível médio e de nível superior, o que autorizaria que, na prática, ambos desempenhassem as mesmas tarefas. Argumenta que as atividades definidas para os Analistas do INSS estão detalhadamente arroladas na Lei nº 10.667/2003, e as atribuições relacionam-se com as atividades finalísticas da instituição, sendo que as atividades desempenhadas pelos Técnicos e Auxiliares coadunam-se com as atividades de suporte ou apoio. Afirma que, na prática, está desempenhando tarefas próprias do cargo de nível superior, sem que haja lei autorizando, de forma expressa, esse procedimento. Refere executar todas as tarefas necessárias para a concessão, indeferimento e manutenção de benefícios previdenciários, além de outras tarefas inerentes à atividade-fim da autarquia previdenciária, de forma autônoma e habitual, sem a necessidade de supervisão ou aval de um superior, assumindo a responsabilidade por eventuais erros cometidos no procedimento. Assevera que as testemunhas afirmaram não haver qualquer distinção entre as tarefas praticadas pelos Técnicos e pelos Analistas do Seguro Social na agência em que lotada a autora, sendo as tarefas praticadas por ambos exatamente as mesmas, sem diferenciação quanto ao grau de complexidade (Evento 114).
Com contrarrazões (Evento 117), vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
1. Da pretensão de equiparação de Técnicos Previdenciários a Analistas Previdenciários
A controvérsia envolve pedido de pagamento de diferenças remuneratórias decorrentes de alegado desvio funcional, formulado por servidor público federal lotado no INSS - Agência de Previdência Social de Caxias do Sul/RS - para o exercício do cargo de Técnico Previdenciário/Técnico do Seguro Social, que, segundo diz, desempenharia funções de Analista Previdenciário/Analista do Seguro Social.
Essa equiparação com o cargo de analista previdenciário, de nível superior, é incabível. Explico.
Esta Turma tem firmado o entendimento no sentido de que, a não ser em casos excepcionais, no âmbito do INSS, em decorrência da forma como está estruturada a carreira dos servidores, o desempenho da atividade-fim (v.g., instrução dos processos concessórios de benefícios previdenciários) por técnicos previdenciários, servidores de nível intermediário, não configura desvio de função nem lhes assegura o direito à equiparação com analistas.
De fato, tratando do contrato de locação de serviços, Pontes de Miranda lembra que no regime das Ordenações Filipinas não haveria espaço para postular equiparação salarial porque se dizia que "o escudeiro, pajem ou outro criado deve servir a seu amo em todo o ministério, que lhe mandar", razão por que, se alguma vez serviu em função mais alta, não podia pedir salário maior" (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, volume XLVII, p. 31).
Não vivemos mais naquele regime e há bastante tempo a jurisprudência já reconhece o direito às diferenças salariais ou remuneratórias decorrentes do desvio de função, conforme consta de pelo menos duas súmulas de tribunais superiores:
O empregado, durante o desvio funcional, tem direito a diferença salarial, ainda que o empregador possua quadro de pessoal organizado em carreira (Súmula 223 do TFR).
Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes (Súmula 378 do STJ).
No que interessa ao presente processo, em que servidor público federal busca as diferenças decorrentes do alegado desvio de função (pelo exercício das atribuições do cargo de Analista Previdenciário), parece que os requisitos para procedência da ação seriam: (a) comprovar a ocorrência do desvio de função; (b) comprovar existirem diferenças remuneratórias decorrentes do exercício das outras atribuições que não eram típicas nem previstas para seu cargo.
Examinado o direito vigente e os fatos provados, chego à conclusão da inexistência de direito ao pagamento de diferenças remuneratórias por desvio de função pelos seguintes motivos:
Primeiro, porque somente se poderia falar em "desvio de função" quando o servidor tivesse sido "contratado" (impropriamente falando, porque não se trata de contrato, mas de regime estatutário) para fazer algo, mas acabasse fazendo algo diferente daquilo que seriam suas atribuições específicas (funções).
É o caso, por exemplo, do técnico judiciário que desempenha atribuições de oficial de justiça (ad hoc), ou do oficial de justiça que desempenha atribuições próprias de técnico judiciário numa vara judiciária. Um está fazendo o trabalho do outro. Um está fazendo um trabalho para o qual não foi investido no cargo. As atribuições do técnico são típicas e próprias daqueles servidores que se submeteram ao respectivo concurso e foram investidos naquele cargo. O mesmo se diga em relação ao oficial de justiça.
Também é o caso do auxiliar de enfermagem (graduado em enfermagem) que, por carência de pessoal no hospital público a que está vinculado, acaba desempenhando atribuições próprias de enfermeiro. Ou daquele ocupante do cargo de enfermeiro no ambulatório público que precisa desempenhar atribuições próprias de auxiliar de enfermagem, como dar banho em pacientes ou ministrar medicamentos prescritos. Um acaba fazendo o trabalho do outro cargo.
Mas se o servidor desempenha as atribuições que estão inseridas na previsão legal pertinente à carreira e ao cargo que ocupa, não há se falar em desvio de função porque nada está sendo desviado e ele está executado justamente aquilo que integra o conteúdo de suas atribuições e deveres para com a administração pública que o remunera pelo desempenho daquelas atividades.
Inicialmente, a Lei nº 10.355/2001, não estabelecia especificamente as atribuições de cada um dos cargos, mas apenas estruturava a Carreira Previdenciária no âmbito do INSS, separando os cargos conforme o nível de escolaridade exigido para cada um (níveis superior, intermediário e auxiliar).
Posteriormente, a Lei nº 10.667/2003, veio a criar 3.800 cargos efetivos no quadro de pessoal do INSS, estabelecendo que 1.525 seriam de Analista Previdenciário ("de nível superior") e 2.275 seriam de Técnico Previdenciário ("de nível intermediário"), nos termos do artigo 5º da lei.
Ainda, estabeleceu quais seriam as atribuições desses cargos (artigo 6º da Lei nº 10.667/2003), utilizando dois critérios para indicação das respectivas atribuições.
Para os Analistas Previdenciários, o inciso I enumerou diversas tarefas e competências que seriam desempenhadas, a saber: "a) instruir e analisar processos e cálculos previdenciários, de manutenção e de revisão de direitos ao recebimento de benefícios previdenciários; b) proceder à orientação previdenciária e atendimento aos usuários; c) realizar estudos técnicos e estatísticos; e d) executar, em caráter geral, as demais atividades inerentes às competências do INSS".
Para os Técnicos Previdenciários, o inciso II preferiu técnica de redação distinta, mais genérica: "suporte e apoio técnico especializado às atividades de competência do INSS".
E o respectivo parágrafo único ainda limitou-se a dizer que "o Poder Executivo poderá dispor de forma complementar sobre as atribuições decorrentes das atividades a que se referem os incisos I e II".
Ou seja, foram utilizados dois critérios distintos de atribuição de funções, que não permitem a discriminação específica das tarefas entre os cargos porque: (a) os dois incisos contêm previsão genérica de atribuições, tanto que até mesmo os Analistas podem "executar, em caráter geral, as demais atividades inerentes às competências do INSS", da mesma forma que os Técnicos devem dar "suporte e apoio técnico especializado às atividades de competência do INSS" e o Agente de Serviços Diversos deve "Realizar atividades de nível intermediário com a finalidade de garantir o apoio operacional e administrativo necessários à execução dos trabalhos de todas as unidades do INSS (...) e a execução de outras atividades inerentes às competências do INSS"; (b) nenhum dos cargos recebe atribuição privativa ou exclusiva de atribuições porque aquilo de específico que tinham as três primeiras alíneas do inciso I acabam esvaziadas e generalizadas pela alínea "d" do inciso I e pela generalidade e abstração com que estão previstas as atribuições no inciso II e, no que se refere ao cargo de agente a generalidade e a abstração estão contidas na expressão "execução de outras atividades inerentes às competências do INSS".
Por fim, o artigo 7º da Lei nº 10.667/2003, ainda estabelece os requisitos de ingresso nos cargos, reforçando aquilo que já constava na legislação anterior (anexo I da Lei nº 10.355/2001) e que tinha sido mencionado no artigo 5º da Lei nº 10.667/2003: o fundamental para distinguir entre os cargos são os níveis de escolaridade exigidos para seu provimento: "curso superior completo, para o cargo de Analista Previdenciário" e "curso de ensino médio concluído ou curso técnico equivalente, para o cargo de Técnico Previdenciário". O mesmo raciocínio de distinção entre os cargos se faz entre o cargo de Analista e de Agente de Serviço Diverso, o qual, nos termos do inciso II do art. 5º da Lei nº 10.855/2004 instituiu cargo de nível intermediário.
Esse é o fator de distinção entre os cargos: um é de nível superior e os outros (técnicos e agente de serviços diversos) são de nível intermediário. As atribuições que competem a cada um se misturam, porque estão previstas de forma genérica e abrangente na respectiva legislação, sendo importante distinguir entre a escolaridade com que cada um dos cargos é realizado. Mais: dado o quantitativo dos cargos, não parece seja necessário pessoal de nível superior para ocupar todos os cargos e desempenhar todas as atribuições dentro da organização previdenciária, bastando que a maior parte seja do nível intermediário e uma parcela menor seja de nível superior.
A Lei nº 10.855/2004, que reestruturou a Carreira Previdenciária e a transformou na Carreira do Seguro Social, manteve aquelas atribuições e a distinção entre os cargos conforme a escolaridade, apenas passando a denominar de Técnico do Seguro Social e Analista do Seguro Social aqueles que eram, respectivamente, Técnicos Previdenciários e Analistas Previdenciários (artigos 5º e 5º-A da Lei nº 10.855/2004, na redação da Lei nº 11.501/2007; artigo 21-A da Lei nº 10.855/2004, na redação da Lei nº 11.907/2009).
Então, pelo exame dessa legislação e pela forma como foram redigidos os respectivos artigos que tratam dos cargos discutidos nesta ação, percebe-se que a diferença entre os cargos de Agente de Serviços Diversos e Analista Previdenciário não está nas atribuições, mas na escolaridade exigida para cada um dos cargos.
A técnica legislativa não foi das melhores (previsão abstrata, enumeração exemplificativa mas não exclusiva, atribuições genéricas) e acaba falhando em distinguir entre os cargos. Além disso, o decreto regulamentar não foi editado e acabou gerando essa controvérsia. Mas não se pode dizer que essa diferença de escolaridade e a vaguidade das funções previstas para o Técnico possam caracterizar o desvio de função.
Segundo, porque, ao contrário do que ocorre em outras carreiras administrativas, como por exemplo a Carreira Auditoria do Tesouro Nacional, a Carreira Auditoria da Receita Federal, a Carreira Auditoria-Fiscal da Previdência Social e a Carreira Auditoria-Fiscal do Trabalho (Decreto-lei nº 2.225/1985; Lei nº 10.593/2002), nas Carreiras do Seguro Social a escolaridade superior não é inerente nem necessária ao desempenho das atribuições do cargo.
Naquelas outras carreiras administrativas mencionadas (por exemplo, na Lei nº 10.593/2002), as atribuições exigem escolaridade de nível superior para serem desempenhadas, tanto que a legislação atribui essas funções de forma "privativa" para os respectivos cargos: "são atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil ... no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil e em caráter privativo ... constituir, mediante lançamento, o crédito tributário e de contribuições" (artigo 6-I-a da Lei nº 10.593/2002, na redação da Lei nº 11.457/2007, grifei) e "o Poder Executivo regulamentará as atribuições privativas previstas neste artigo, podendo cometer aos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho outras atribuições, desde que compatíveis com atividades de auditoria e fiscalização" (parágrafo único do artigo 11 da Lei 10.593/2002, grifei).
Por que os servidores da Receita Federal e da Fiscalização do Trabalho precisam de nível superior para determinadas atribuições, que são enunciadas e explicitadas no texto legal, inclusive com atribuição privativa aos integrantes daqueles cargos? Ora, é assim porque esses servidores atuam restringindo direitos e exercendo poder de controle, fiscalização e até mesmo polícia administrativa nas respectivas áreas de atuação, já que eles são agentes públicos que falam em nome da Administração, aplicando penalidades, cominando multas, interditando atividades e estabelecimentos, fiscalizando pessoas. Não desempenham apenas funções administrativas (como por exemplo os servidores do INSS que instruem um processo de concessão de benefício previdenciário), mas também desempenham poder de polícia administrativo, restringindo direitos e interditando atividades. Enquanto no âmbito da organização previdenciária a função do servidor se limita a criar condições para que um benefício previdenciário seja negado ou deferido, naquelas outras situações o servidor não lida apenas com o interesse da Administração, mas também produzem efeitos diretos e com eficácia imediata sobre a vida e as atividades de outras pessoas, terceiros em relação à Administração. Isso justifica o tratamento diferenciado na legislação que estrutura as respectivas carreiras e atribui poderes e competências aos respectivos cargos.
Por que os servidores do INSS ou da Seguridade Social precisariam necessariamente ser de nível superior? A concessão de benefícios não restringe direitos de ninguém, não se está aplicando penalidade, não se está interditando atividade, não se está exercendo poder de polícia nem cominando penalidade. Apenas se está preparando o processo administrativo que concederá ou que negará um benefício previdenciário.
Aliás, a concessão ou a denegação do benefício não são feitos pelo servidor não-especializado do INSS, mas pelo Chefe do Posto ou da Agência, que provavelmente ocupem um cargo de direção no órgão. O ato de meramente instruir um processo administrativo de concessão de benefício, por exemplo, não está restringindo direito de terceiro, como o faz por exemplo a lavratura de auto de infração ou termo de interdição em matéria de tributos, de direitos aduaneiros ou de exercício de poder de polícia das condições de segurança e higiene no trabalho.
A distinção é relevante e justifica o tratamento diferenciado entre as respectivas carreiras administrativas, não valendo para Auxiliares e Analistas do Seguro Social, por exemplo, o que vale para Técnicos do Tesouro Nacional e os integrantes das Carreiras de que trata a Lei nº 10.593/2002.
Terceiro, porque, ainda que a prova produzida eventualmente pudesse apontar para a semelhança entre algumas das atividades realizadas por ambos cargos naquela unidade administrativa em que estava lotado o servidor-autor, isso não significa que o autor estivesse realizando atribuições privativas de cargo superior (Analista Previdenciário).
Ao contrário, tudo indica que era o Analista (de nível superior) que estava desempenhando funções que eram próprias da atividade de nível médio, uma vez que historicamente os serviços administrativos das agências e postos do INSS eram desempenhadas por pessoal de nível médio, somente com a criação dos cargos de Analista do Seguro Social tendo surgido essa distinção quanto à escolaridade.
Não se pode distinguir de forma tão estrita entre atividade-fim e atividade-meio para diferenciar as atribuições entre os cargos. Pela argumentação da parte autora, parece que todas as atividades-fim do INSS somente poderiam ser realizadas privativamente por Analistas (nível superior), enquanto apenas atividades-meio poderiam ser realizadas por Agentes e Técnicos (nível médio). Seja como for, não é o fato de se relacionar ou não a benefício previdenciário que caracteriza uma atividade como fim ou meio do INSS. Tudo indica que, ao contrário de outras carreiras administrativas (como é o caso da Receita Federal, já mencionada), no INSS as atividades-fim são realizadas por ambos os cargos e não há distinção privativa entre tais tarefas entre agentes públicos de nível superior e de nível intermediário.
Por exemplo, não parece se possa distinguir entre Agentes de Serviços Diversos, Técnicos e Analistas tão-somente porque realizem atividades que envolvam atendimento a público, exame de documentação, instrução de pedidos de concessão de benefícios, etc. Não foi intenção da legislação atribuir essas atividades privativamente aos Analistas, enquanto que os Técnicos e Agentes somente pudessem realizar atividades-meio (entendidas estas aquelas que não envolvessem os benefícios previdenciários e assistenciários que são a razão de ser dos órgãos do Seguro Social).
Em nenhum lugar está dito que estas atividades de atendimento e orientação ao público, de exame e análise de documentação, de encaminhamento de requerimentos de concessão e revisão de benefícios previdenciários e assistenciais, entre outros, fossem atividades privativas de Analista do Seguro Social e que exigissem nível superior de escolaridade.
Ao contrário, tudo aponta para que tais atividades possam ser igualmente exercidas por pessoal de nível intermediário, como historicamente era feito no INSS antes da criação do cargo de Analista do Seguro Social, já que isso é compatível com o tipo de serviço público que se está prestando (concessão e revisão de benefícios da seguridade social), que o torna diferente de outras atividades que envolvam restrição de direitos, limitação de atividades e exercício de poderes de polícia, de controle e de fiscalização administrativa.
Ora, se é assim (ambos os cargos podem realizar tarefas próprias dos órgãos de seguridade social), o que busca o servidor-autor não é indenização pelo desvio de função (diferenças remuneratórias pelas atribuições típicas do seu próprio cargo), mas equiparação salarial (mesma remuneração para um mesmo trabalho).
Quarto, porque a pretensão à equiparação salarial é distinta daquela ao desvio de função, conforme reconhece a doutrina trabalhista, em lição perfeitamente adaptável ao direito administrativo:
O desvio de função se caracteriza, sobretudo, quando há quadro de pessoal organizado em carreira; mas pode ocorrer mesmo quando não exista o quadro. Não se trata, porém, na hipótese, de equiparação salarial, pois o desvio de função, desde que não seja episódico ou eventual, cria o direito a diferenças salariais, ainda que não haja paradigma no mesmo estabelecimento. Como bem acentuou o Ministro Carlos Madeira, "não há confundir diferença salarial com equiparação salarial. Para esta, é necessária a comparação com o trabalho de outrem, prestado no mesmo local para o mesmo empregador. Para a diferença salarial, basta a prova de que a função existe no quadro do órgão e é exercida por empregado de outra categoria" (AC. Do TFR, 4ª T., no RO-4.268; DJ de 18.6.80)(SUSSEKIN, Arnoldo. Instituições de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: Editora LTr, 1992, vol. I, p. 417, grifei)
A distinção é feita no direito do trabalho (artigo 461 da CLT). Embora a diversidade dos dois regimes (estatutário e celetista), a comparação é apropriada porque evidencia que esta demanda proposta pelo autor não pretende propriamente indenizar pelo desvio de função (que não existe porque os Auxiliares não estão desempenhando atribuições privativas de Analistas do Seguro Social), mas buscar as diferenças que entende devidas porque outros servidores (de cargo distinto), no mesmo órgão, no mesmo local de trabalho, fazem funções semelhantes e recebem um valor maior (isto é, os Analistas do Seguro Social é que poderiam estar desempenhando tarefas que poderiam ser executadas por Agente de Serviços Diversos).
A propósito, convém mencionar que a equiparação salarial se fundamenta no princípio de que "salário igual para trabalho de igual valor", e encontra previsão para o contrato de trabalho no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (grifei):
Art. 461 - Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.
§ 1º - Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos.
§ 2º - Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão obedecer aos critérios de antigüidade e merecimento.
§ 3º - No caso do parágrafo anterior, as promoções deverão ser feitas alternadamente por merecimento e por antigüidade, dentro de cada categoria profissional.
§ 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.
Esse instituto trabalhista se justifica para evitar discriminação que resultaria de salário distinto para igual trabalho, assim conceituado pela doutrina (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3a edição. São Paulo: Editora LTr, 2004, p. 788):
O princípio antidiscriminatório objetiva também evitar tratamento salarial diferenciado àqueles trabalhadores que cumpram trabalho igual para o empregador. Uma das mais relevantes de situações é a da equiparação salarial.
Equiparação salarial é a figura jurídica mediante a qual se assegura ao trabalhador idêntico salário ao do colega perante o qual tenha exercido, simultaneamente, função idêntica, na mesma localidade, para o mesmo empregador.
Mas não podemos esquecer que o desvio de função não é indenizado por si, mas apenas quando acarrete diferenças salariais dele decorrentes (Súmula 378 do STJ: "Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais").
Ou seja, não basta o desvio de função. É preciso também que o servidor fizesse "jus às diferenças salariais" disso decorrentes, o que não acontece porque, ao contrário do contrato de trabalho, não temos uma regra estatutária semelhante ao artigo 461 da CLT, que asseguraria a equiparação salarial entre os empregados de uma mesma empresa.
Aqui, ao contrário do direito do trabalho onde imperam as regras pertinentes à autonomia da vontade e à proteção do hipossuficiente, temos um regime estatutário previsto constitucionalmente e estabelecido pela legislação ordinária vigente, que tem de ser seguido e não pode ser descumprido pela vontade ou pela omissão do administrador.
Esse regime estatutário diz que os Técnicos Previdenciários ganham tantos reais e que os Analistas Previdenciários ganham outros tantos reais pelo desempenho daquelas atribuições que a lei prevê, sendo irrelevante que um ou todos os Analistas Previdenciários de determinada unidade administrativa estivessem realizando tarefas e atribuições que eram próprias de Técnicos.
Se aqueles (Analistas) podem ou não buscar reparação por estarem desempenhando atribuições que não exigem grau superior e estão aquém de suas qualificações, é questão que não se discute nem interfere nestes autos, onde discute-se apenas a situação do autor, Técnico do Seguro Social.
Isso é confirmado quando retomamos os exemplos anteriormente mencionados e fazemos uma analogia com o caso dos autos. Por exemplo, havia mencionado o caso do técnico judiciário que desempenha atribuições de oficial de justiça (ad hoc), ou do oficial de justiça que desempenha atribuições próprias de técnico judiciário numa vara judiciária.
No primeiro caso, há desvio de função e são devidas as diferenças remuneratórias porque o técnico está desempenhando um cargo de maior complexidade e realizando tarefas que não lhe competem. Está em desvio de função que acarreta diferenças remuneratórias (porque as funções de oficial de justiça exigem nível superior de escolaridade e importam uma remuneração maior que as funções do técnico judiciário).
Mas no segundo caso, embora se pudesse falar em desvio de função (oficial de justiça realizando funções de técnico judiciário, fora e aquém de suas atribuições), não há direito dos técnicos judiciários daquela vara perceberem a mesma remuneração percebida pelo oficial de justiça: há o desvio de função, mas não existem diferenças remuneratórias dela decorrentes em favor dos oficiais de justiça, que estão apenas fazendo menos do que deveriam fazer (pelo menos, realizando tarefas remuneradas por valor inferior àquele valor previsto para as atribuições próprias do oficial de justiça).
O mesmo também acontece no caso do auxiliar de enfermagem e do enfermeiro: se o auxiliar de enfermagem (mas que concluiu curso superior de enfermagem) desempenha atribuições próprias de enfermeiro, faz jus à diferença de remuneração (existe o desvio de função e existem as diferenças remuneratórias de que trata a Súmula 378 do STJ). Mas se aquele que está investido no cargo de enfermeiro desempenha atribuições típicas de auxiliar de enfermagem, os auxiliares de enfermagem naquele local de trabalho não passam a ter direito de receber como enfermeiros porque não existe norma estatutária que lhes assegure, sem concurso público, direitos idênticos àquele que o regime estatutário (a lei) assegura a servidores públicos de outro cargo. Não é o fato do enfermeiro realizar trabalho de auxiliar de enfermagem (e continuar recebendo como enfermeiro) que gera o direito de equiparação salarial para os demais auxiliares de enfermagem daquela unidade administrativa. Afinal, desvio de função não se confunde com a equiparação salarial do artigo 461 da CLT.
Concluindo o tópico, os ocupantes de cargos de nível intermediário do INSS - técnicos do Seguro Social - que realizam as tarefas de atendimento ao público e de instrução dos processos não estão em desvio de função, e não fazem jus às diferenças salariais relativamente ao cargo de técnico.
2. Conclusão
Dito isso, adoto como razões de decidir a sentença proferida pelo juiz federal Fernando Tonding Etges, transcrevendo-a:
"II - FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de ação ordinária em que o autor, servidor público federal, lotado na Agência da Previdência Social de Farroupilha-RS, investido no cargo de TÉCNICO DO SEGURO SOCIAL, pretende o reconhecimento de desvio de função inerente ao seu cargo e consequente condenação do INSS ao pagamento das diferenças de remuneração atinentes ao exercício das atividades próprias do cargo de analista do seguro social.
1. Da prescrição
Ambos os litigantes concordam com a premissa de que o prazo prescricional é de 05 anos, conforme Decreto nº 20.910/32.
O ponto de divergência diz respeito à interrupção da prescrição levada a efeito, segundo alega a parte autora em réplica, por medida cautelar de protesto protocolada sob o nº 2008.71.00.015936-3 pelo sindicato da categoria envolvendo a questão em exame.
Considerando a documentação do OUT4 do evento nº 20, tenho que, de fato, o Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no Estado do Rio Grande do Sul - SINDISPREV fez uso da medida cautelar de protesto, tombada sob o número 2008.71.00.015936-3, tratando exatamente da matéria ora em análise, que tem o condão de interromper o prazo prescricional, tal como preconizam os artigos 202 e 203 do Código Civil :
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
(...)
Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado.
Ocorre, porém, que o caso concreto apresenta uma peculiaridade. Com efeito, enquanto o protesto interruptivo foi protocolado em 04/07/2008, a presente ação foi ajuizada em 08/08/2011. Como o artigo 9º do Decreto 20.910/32 estatui que "a prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo", regra repisada pelo enunciado da súmula nº 383 do STF, tendo decorrido mais de dois anos e meio entre o manejo da medida cautelar e o ajuizamento da presente ação, tem-se que, para o presente caso, o protesto não teve nenhum efeito. Neste sentido o seguinte julgado: TRF4, AC 5001049-75.2011.404.7107, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 18/06/2015.
Assim, declaro prescritas as parcelas anteriores a 08/08/2006.
2. Do mérito
A matéria de fundo debatida nestes autos não demanda maiores digressões, tendo em vista que na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem vingado o entendimento no sentido de reconhecer ao servidor público o direito ao recebimento das diferenças remuneratórias decorrentes do desvio de função. Fundamenta-se a posição jurisprudencial na impossibilidade de se admitir o enriquecimento ilícito por parte da Administração que, em vez de nomear um servidor habilitado em concurso público direcionado ao cargo paradigma, prefere utilizar outro, cujos vencimentos são de menor monta e as atribuições são distintas. Em verdade, por motivos econômicos, o Poder Público acaba por utilizar servidor não habilitado para função, não logrando sequer retribuí-lo pelo exercício das atividades.
Sinalo, por oportuno, que a posição do STF é clara em garantir o direito ao pagamento das diferenças, mas nunca de galgar o servidor a novo cargo. Ou seja, o servidor com a função desvirtuada deve receber os vencimentos condizentes com suas atividades, mas não pode jamais ser "promovido" para o novo cargo em virtude do exercício das mesmas funções por um período de tempo, já que isso representaria ofensa direta ao artigo 37, II, da Constituição Federal. Eis os presentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO. DIREITO AO RECEBIMENTO DAS DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (AI 743886 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 27/10/2009, DJe-223 DIVULG 26-11-2009 PUBLIC 27-11-2009 EMENT VOL-02384-07 PP-01433)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988. IMPOSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO. DIREITO ÀS DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, "o desvio de função ocorrido em data posterior à Constituição de 1988 não pode dar ensejo ao reenquadramento. No entanto, tem o servidor direito de receber a diferença das remunerações, como indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado" (AI 339.234-AgR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence). Outros precedentes: RE 191.278, RE 222.656, RE 314.973-AgR, AI 485.431-AgR, AI 516.622-AgR, e REs 276.228, 348.515 e 442.965. Agravo regimental desprovido. (RE 433578 AgR, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 13/06/2006, DJ 27-10-2006 PP-00047 EMENT VOL-02253-05 PP-00811)
Em decorrência destes precedentes, aquela Corte estabeleceu o enunciado da súmula vinculante nº 43, que versa que "é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido."
O tema específico do desvio de função, aliás, é objeto do verbete da Súmula nº 378 do Superior Tribunal de Justiça: "reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes". Tal enunciado ganha maior importância em virtude de que em abril de 2009 o STF, no RE nº 578.657, de relatoria do Ministro Meneses Direito, negou repercussão geral ao tema, firmando a posição de que, por ser matéria de índole infraconstitucional, cabe ao STJ a fixação de seus parâmetros.
Pois bem. No caso dos autos, ao dar parcial provimento ao agravo retido da parte autora, vinculado ao evento 27, o TRF da 4ª Região anulou a sentença prolatada em 13/06/2013 (evento 34), "determinando a remessa dos autos à Vara de origem a fim de que seja realizada a prova testemunhal, e julgando prejudicada a apelação". A sentença anulada assim dispunha (destaques do original):
II - FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de ação ordinária em que o autor, servidor público do quadro do INSS, exercente do cargo de Técnico do Seguro Social (anexo CHEQ4 do evento 1), pretende o reconhecimento de desvio de função inerente ao seu cargo e consequente condenação do INSS no pagamento das diferenças de remuneração atinentes ao exercício das atividades próprias do cargo diverso.
Razão não lhe assiste.
A Lei nº 10.667/2003 dispôs sobre as atribuições dos Técnicos do Seguro Social:
Art. 6º Os cargos de Analista Previdenciário e Técnico Previdenciário, criados na forma desta Lei, têm as seguintes atribuições:
(...)
II - Técnico Previdenciário: suporte e apoio técnico especializado às atividades de competência do INSS.
Parágrafo único. O Poder Executivo poderá dispor de forma complementar sobre as atribuições decorrentes das atividades a que se referem os incisos I e II.
No tocante à remuneração, aquele diploma remete à Lei nº 10.355/2001 e seus anexos, sendo a reestruturação de que trata esta última é disposta na Lei nº 10.855/2004, que prevê:
Art. 5º Os cargos de provimento efetivo de nível auxiliar e intermediário integrantes da Carreira do Seguro Social do Quadro de Pessoal do INSS cujas atribuições, requisitos de qualificação, escolaridade, habilitação profissional ou especialização exigidos para ingresso sejam idênticos ou essencialmente iguais ficam agrupados em cargos de mesma denominação e atribuições gerais, conforme estabelecido no Anexo V desta Lei, passando a denominar-se: (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)
I - os cargos de nível auxiliar: Auxiliar de Serviços Diversos; e
II - os cargos de nível intermediário:
a) Agente de Serviços Diversos;
b) Técnico de Serviços Diversos; ou
c) Técnico do Seguro Social;
III - (revogado)
Art. 5º-A Os cargos de provimento efetivo de nível superior de Analista Previdenciário integrantes da Carreira do Seguro Social do Quadro de Pessoal do INSS, mantidas as atribuições gerais, passam a denominar-se Analista do Seguro Social.
Art. 5º-B As atribuições específicas dos cargos de que tratam os arts. 5º e 5º-A desta Lei serão estabelecidas em regulamento.
Embora inexista até esta data o regulamento a que faz alusão o dispositivo, a Lei nº 11.501/2007 ainda esclarece, no seu Anexo V, Tabela III, as atribuições gerais dos Técnicos do Seguro Social, quais sejam, 'Realizar atividades técnicas e administrativas, internas ou externas, necessárias ao desempenho das competências constitucionais e legais a cargo do INSS, fazendo uso dos sistemas corporativos e dos demais recursos disponíveis para a consecução dessas atividades.'
Por ser um cargo de nível intermediário, presume-se que dentro das aludidas competências constitucionais e legais relegadas à Autarquia, aos Técnicos do Seguro Social compitam atividades de tal natureza de menor complexidade. Não obstante, estando o servidor apto a desenvolver atividades de complexidade maior - desde que não exijam formação profissional específica, como é o caso dos peritos médicos constantes dos quadros do INSS -, nada impede que as execute, ainda que as mesmas, à primeira vista, se enquadrem nas atribuições dos analistas. Também não existe óbice ao inverso, a propósito. Ou seja, o exercício de atividade tomada como de nível médio por um analista não representa desvio de sua função.
Deve-se considerar ainda que o funcionamento da Autarquia - assim como de outros órgãos da Administração - consiste em sistema complexo que se tornaria praticamente engessado se a cada servidor se impusesse o limite de atuar nas estritas raias de suas atribuições, o que provavelmente acabaria de encontro ao princípio da eficiência que norteia a Administração Pública.
Por fim, atente-se ainda para o fato de que, no caso concreto, conforme declaração acostada pelo INSS no anexo PROCADM2 do evento 17, as atribuições exercidas pelo autor são (sic):
(...) na APS desenvolve todas as atividade que envolve as demandas da APS, com exceção de justificação administrativa e trabalhos de chefias.
2. Servidor atende no balcão de atendimento, habilitado para recepcionar todos os atendimentos e dar andamento, como protocolos, análise e conclusão (seja concessão ou indeferimento) de aposentadorias, pensão, maternidade, reclusão. Processa revisões, da andamento em recursos, faz pagamento alternativo, cadastro, libera perícia no sistema SABI, protocola auxílio-doença, etc, enfim, todos os atendimentos que envolvem a APS de Farroupilha no balcão o servidor atende e da os devidos andamentos ou se necessários encaminhamentos ao setor competente.
Tais atividades se enquadram na previsão no Anexo V da Lei nº 11.501/2007, qual seja, de que aos Técnicos do Seguro Social competem atividades técnicas e administrativas, internas ou externas, necessárias ao desempenho das competências constitucionais e legais a cargo do INSS.
Sobre a inexistência de desvio de função, aliás, já decidiu o TRF da 4ª Região (destaques acrescidos):
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TÉCNICO DO SEGURO SOCIAL. DESVIO DE FUNÇÃO NÃO CONFIGURADO. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais dele decorrentes. Definitivamente afastado o reenquadramento, pois inaceitável perceber em definitivo valores correspondentes a cargo no qual não houve investidura decorrente do devido concurso público. 2. No caso, não se vislumbra que as tarefas desempenhadas pelo autor eram, de modo permanente, exclusivas do cargo de analista do seguro social. (TRF4, AC 5002945-05.2010.404.7200, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 06/10/2011)
Do voto da Relatora extraio o seguinte trecho, o qual inclusive adoto como razões de decidir:
Lei nº 11.501/07 prevê as seguintes atribuições gerais para o cargo de Técnico do Seguro Social: 'Realizar atividades técnicas e administrativas, internas ou externas, necessárias ao desempenho das competências constitucionais e legais a cargo do INSS, fazendo uso dos sistemas corporativos e dos demais recursos disponíveis para a consecução dessas atividades.'
Já a Lei nº 10.667/03, em seu art. 6º, previu como atribuições do cargo o 'suporte e apoio técnico especializado às atividade de competência do INSS'.
Na petição inicial, o autor relatou que exerce no INSS atividades como 'análise de processos de aposentadoria, auxílios-doença, concessão de aposentadorias e pensões e análises de recursos as Câmaras de Julgamento da Previdência Social'.
Nesse contexto, conquanto as atividades citadas possam, de um lado, ser enquadradas como atribuições do cargo de analista previdenciário, não se pode, de outro, excluí-las peremptoriamente das atribuições típicas de técnico previdenciário, uma vez que há parcial identidade entre elas. Como se viu, as atribuições do técnico previdenciário envolvem atividades técnicas e administrativas necessárias ao desempenho das competências do INSS.
No caso, não se vislumbra que as tarefas desempenhadas pelo autor eram, de modo permanente, exclusivas do cargo de analista previdenciário. Logo, considerando que a caracterização do desvio de função é situação excepcional em face do princípio da legalidade, não se pode reconhecer o direito postulado.
Ademais, a título de complemento, acrescento que entre abril de 2006 e dezembro de 2009 o autor percebeu gratificação correspondente a cargo de chefia, sendo, pois, remunerado em função do exercício de atribuições de maior complexidade e responsabilidade.
Quanto ao prequestionamento, não há necessidade do julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matéria através do julgamento feito pelo Tribunal justifica o conhecimento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13-09-99).
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
Relator
Uma vez afastado o desvio de função alegado pelo requerente, por consequência, não merece guarida o pedido de condenação do INSS no pagamento de diferenças de remuneração relativas a exercício de atribuições de cargo diverso daquele em que o demandante restou investido por meio de concurso público.
Sendo assim, são improcedentes os pedidos do autor.
Não vislumbro nenhum elemento hábil a infirmar a sentença outrora proferida. Senão, vejamos.
O cerne da questão está em avaliar se as atividades do autor transcendem àquelas explicitadas no artigo 6º, II, da Lei nº 10.667/03 (suporte e apoio técnico especializado às atividades de competência do INSS), que foram melhor elucidadas na tabela III do Anexo V da Lei nº 10.855/04, com redação dada pela Lei nº 11.501/07:
Realizar atividades técnicas e administrativas, internas ou externas, necessárias ao desempenho das competências constitucionais e legais a cargo do INSS, fazendo uso dos sistemas corporativos e dos demais recursos disponíveis para a consecução dessas atividades.
Mais que isso, o acolhimento do pedido exige a comprovação de que o autor não mais exerce o mister acima transcrito, mas sim, de forma habitual e permanente, cumpre com as exigências do inciso II do artigo 6º da Lei nº 10.667/03.
Como consta dos documentos acostados até a prolação da sentença, o autor demonstrou que lhe incumbe conceder benefícios previdenciários (OUT6), enquanto que o INSS apontou que ele, tal como narrado e sublinhado acima, realiza atendimento ao público, promovendo o andamento dos processos, com protocolo, análise e conclusão de pedidos. Consta também na fl. 04 do PROCADM2 do evento nº 17 que a contar de 22/01/2010, o autor passou a realizar "solicitação de pesquisa".
E estes apontamentos, salvo no tocante à última atividade indicada, não destoam do que se colheu da prova testemunhal. Com efeito, ao passo que o autor assentou que "todo mundo faz tudo" dentro da agência, as testemunhas confirmaram o cenário de que o demandante realiza o atendimento ao público e a análise de concessão de benefícios. Neste sentido, observem-se os seguintes trechos dos depoimentos (evento 83, destaques acrescidos):
TESTEMUNHA: MIRIAM SERVI GONÇALVES
(...)
JUÍZA: A senhora saberia então me descrever basicamente as atividades, se a senhora recorda, que o senhor Moises tinha na agência?
TESTEMUNHA: Sim. Atendimento ao público e análise e concessão de benefícios.
JUÍZA: Lembra que tipo de benefícios ele trabalhava?
TESTEMUNHA: Pensões, aposentadorias, com todos. Ele fez todos, passou por todos os serviços da agência.
JUÍZA: E ele tinha autonomia para fazer a concessão ou o indeferimento?
TESTEMUNHA: Sim, análise e concessão.
JUÍZA: E não dependia do aval de nenhuma chefia?
TESTEMUNHA: Não.
(...)
TESTEMUNHA: MARINÊS TONIETTO
(...)
JUÍZA: E existe alguma diferenciação entre a atividade dos analistas e dos técnicos dentro da agência?
TESTEMUNHA: Não, dentro da agência não. Assim, a chefia é que determina o que cada um vai fazer. Então se o serviço é tal e tal pessoa tem aquele perfil para fazer aquele serviço, a chefia determina que aquela pessoa faça. Então não importa se o cargo é de analista ou se é de técnico. Ele vai colocar o técnico, que tenha capacidade para habilitar um benefício de aposentadoria, assim como pode colocar um analista para fazer aquele serviço.
JUÍZA: E um técnico, mesmo tendo só o ensino médio, consegue exercer essa atividade tranquilamente?
TESTEMUNHA: Assim, a maioria dos técnicos têm ensino superior. Então a habilitação de aposentadorias e a análise desses benefícios requer um pouco mais de conhecimento. Então aquelas pessoas que têm um perfil, conseguem se desenvolver melhor, acabam indo para esse tipo de serviço. Então não necessariamente seja analista, mas a maioria, digamos que 90%, têm curso superior.
JUÍZA: E esse perfil que a senhora diz, essas pessoas que tem então vão trabalhar nessa habilitação de benefícios. E quem não tem, faz o quê?
TESTEMUNHA: Quem não tem esse perfil acaba fazendo outros serviços no atendimento geral, ou na habilitação de auxílios-doença, na informação ao público, tem uma série de demandas na agência.
JUÍZA: E a atividade do seu Moises era nessa parte que seria, vamos dizer, um pouco mais complexa de concessão e análise?
TESTEMUNHA: Isso, dos benefícios de aposentadoria.
JUÍZA: E com relação ao aceso ao sistema do INSS, também não há diferenciação quanto ao cargo?
TESTEMUNHA: Não, quanto ao cargo não existe diferenciação nenhuma. Os acessos aos sistemas, como são vários sistemas, a maioria tem acessos para quase todos. Nas aposentadorias, nas pensões e benefícios de maior grau de dificuldade, acaba sendo em um sistema específico do PRISMA, mas com acesso aos demais, tipo CNIS, que informa os vínculos, que informa os dados cadastrais.
JUÍZA: E em ambos tem acesso?
TESTEMUNHA: E ambos tem acesso.
(...)
TESTEMUNHA: ROSELI FERREIRA DE BAIRROS
(...)
JUÍZA: E dentro da agência essa atividade que o seu Moises exercia de atendimento ao público e concessão de aposentadorias, é exercida exclusivamente por técnicos, por analistas? Tinha alguma diferenciação quanto ao cargo para exercer essa função?
TESTEMUNHA: Não, na verdade todos que atendem guichê, alguns que atendem serviços específicos, ou só salário maternidade, ou só aposentadorias, mas todos vão desde a habilitação até a concessão.
JUÍZA: A senhora tem curso superior em que curso?
TESTEMUNHA: Direito.
JUÍZA: A senhora entende que alguém só com o ensino médio teria condições de fazer esse tipo de trabalho?
TESTEMUNHA: Olha, tem feito.
JUÍZA: Tem feito?
TESTEMUNHA: Sim, porque tantos os técnicos quanto analistas, quando entram a gente ensina, eu ensinei alguns colegas também que entraram no cargo de técnico e ensinei a fazer as mesmas que eu faço.
JUÍZA: E essas pessoas, como é que elas conseguem? Elas estudam pela instrução normativa, como é que funciona?
TESTEMUNHA: A gente segue mais a instrução normativa para algumas dúvidas, e para fundamentação legal, daí claro, faz mais consultas.
JUÍZA: Atualmente, qual é a função do seu Moises na agência?
TESTEMUNHA: Ele é chefe do setor de benefícios.
JUÍZA: A senhora recorda a partir de quando ele passou a exercer a chefia?
TESTEMUNHA: É mais de um ano, acho que deve ser 2012 porque a colega que estava antes no cargo engravidou, então ficou toda a gestação fora do cargo e mais um tempo. Mais de um ano com certeza.
(...)
Portanto, ao que se infere da prova produzida, num caso hipotético, o segurado da Previdência Social, ao agendar numa das ferramentas estabelecidas para tanto uma data para atendimento a fim de requerer um dos benefícios legalmente revistos, será atendido por servidor, tal como o autor, que analisará a documentação e avaliará se o benefício deve ou não ser concedido.
E é exatamente aí que se assenta a resolução da controvérsia trazida à baila nos autos, já que não há nenhuma regra legal que atribua exclusivamente ao analista tal mister. A pergunta que deve ser feita é a seguinte: diante das atribuições do cargo de técnico do seguro social - de realizar atividades técnicas e administrativas, internas ou externas, necessárias ao desempenho das competências constitucionais e legais a cargo do INSS, fazendo uso dos sistemas corporativos e dos demais recursos disponíveis para a consecução dessas atividades -, é vedada ao servidor investido nele a análise e concessão de benefício previdenciário? E a resposta é certamente negativa. O atendimento ao público em geral, com análise do direito ou não no caso concreto à concessão do benefício, é uma atividade técnica, interna e necessária ao desempenho das competências constitucionais e legais do INSS, coadunando precisamente com as incumbências do cargo em apreço. O próprio apoio técnico descrito no artigo 6º, II, da Lei nº 10.667/03 se amolda à atividade descrita.
Em verdade, o que o caso concreto resplandece é uma sobreposição de atribuições entre os cargos de analista e técnico, mas jamais um desvio de função. Não nego que as atribuições e responsabilidades do cargo de técnico deveriam ser melhor explicitadas, de forma que houvesse um detalhamento mais apurado dos misteres, a fim inclusive de se poder identificar os elementos que segregam os ofícios dos analistas e dos técnicos. Ocorre que não é isso que se está a examinar nos autos, e nem sequer caberia ao Poder Judiciário fazer tal tipo de juízo, salvo se aferida eventual inconstitucionalidade, sob pena de se imiscuir em atribuição de poder distinto. Não se está, portanto, aqui a apurar quais deveriam ser as atribuições legais acometidas aos técnicos do seguro social, mas sim se aquelas previstas em lei estão sendo olvidadas a fim de se compelir o autor a exercer ofício incompatível com o cargo que ocupa.
O reconhecimento do desvio de função pressupõe uma inequívoca prática de atribuições relacionadas a específico cargo, por determinado servidor, não correspondentes àquelas que são legalmente atribuíves ao cargo em que investido. Um exemplo simplório e esclarecedor é o do técnico judiciário e do oficial de justiça, ou mesmo do técnico do seguro social e do perito médico. Seus cargos elencam tarefas específicas e distintas, que não se entrelaçam, de modo que eventual desvio de função é de fácil visualização. Nesta linha, embora o desvio de função não indique como requisito a facilitada visualização no caso concreto, impõe-se que seja inconteste a prática de ofício não condizente com seu cargo, e vinculada a cargo distinto, com vencimentos superiores, não se admitindo, notadamente pelo princípio da legalidade, conclusões atinentes a situações que externem dúvidas e perfis nebulosos de atribuições.
A prática do desvio de função deve ser combatida, já que se trata de uma "corruptela do sistema de cargos e funções" (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª Ed. São Paulo: Atlas: Saraiva, 2012, fl. 605). No entanto, uma coisa é a hipótese de o servidor exercer funções que não são atribuições de seu cargo, mas sim de cargo distinto, com vencimentos superiores. Outra coisa é a existência de dois cargos de funções similares, dentro do mesmo quadro funcional, cujas diferenças se assentam quase que exclusivamente no nível de escolaridade exigido.
Convergem ao entendimento deste Juízo, a propósito, as recentes decisões prolatadas pela Terceira e Quarta Turmas do TRF da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PRETENSÃO AO RECONHECIMENTO DO DESVIO DE FUNÇÃO. EQUIPARAÇÃO AO CARGO DE ANALISTA DO SEGURO SOCIAL. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS SALARIAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. O desvio de função caracteriza-se nas hipóteses em que o servidor, ocupante de determinado cargo, exerce funções atinentes a outro cargo público, seja dentro da própria repartição ou em outro órgão. 2. Conquanto não seja possível o reenquadramento do servidor em desvio de função, em face da exigência constitucional de concurso para provimento cargo público, deve ser reconhecido o seu direito à reparação pecuniária, que deve corresponder às diferenças remuneratórias entre o cargo ocupado e aquele cujas funções são efetivamente desempenhadas, com vistas a evitar o enriquecimento sem causa da Administração Pública. 3. A diferenciação entre os cargos de Técnico do Seguro Social e de Analista do Seguro Social se dá não em face das atribuições, e sim em razão da diferenciação de escolaridade, uma vez a previsão das tarefas atinentes a cada cargo é genérica e abrangente, tratando-se de enumeração não taxativa, sem uma específica distinção entre os misteres afetos a cada um dos cargos. 4. No caso específico do quadro do INSS, ainda que o autor realize atividades técnicas e administrativas vinculadas às competências institucionais próprias do INSS, inclusive de natureza mais complexa, não se tem como presente o proclamado desvio. 5. Dado o caráter genérico da descrição legal das atribuições, que admite a prática da atividade fim por ambos os cargos, tem-se que o exercício da análise e concessão de benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição e por idade, pensão por morte e salário-maternidade, a elaboração de termo de acordo de atividade rural, análise de manutenção e de revisão de benefícios previdenciários, bem como a orientação e o atendimento aos usuários, não são capazes de justificar o acolhimento do pleito. 6. Apelação improvida. (TRF4, AC 5001926-45.2012.404.7118, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 25/06/2015)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TÉCNICO DO SEGURO SOCIAL. DESEMPENHO DE ATIVIDADES PRÓPRIAS DE ANALISTA DO SEGURO SOCIAL. DESVIO DE FUNÇÃO NÃO CONFIGURADO. Não há falar em desvio de função se o servidor desempenha as atribuições que estão inseridas na previsão legal pertinente à carreira e ao cargo que ocupa, pois está executando aquilo que integra o conteúdo de suas atribuições e deveres para com a administração pública, que o remunera pelo exercício daquelas atividades. Pela forma como foram redigidas as atividades dos cargos de Técnico e Analista do Seguro Social (Lei nºs 10.667/03 e 11.501/07) percebe-se que a diferença entre eles não está nas atribuições, mas na escolaridade exigida para cada cargo, sendo que a vaguidade das funções previstas para o Técnico não caracterizam o desvio de função. Nas carreiras do Seguro Social a escolaridade superior não é inerente nem necessária ao desempenho das atribuições do cargo. Ainda que a prova eventualmente produzida pudesse apontar para a semelhança entre algumas das atividades realizadas na unidade administrativa em que lotado o servidor, isso não significa que o Técnico estivesse realizando atribuições privativas de cargo superior (Analista Previdenciário). No INSS as atividades-fim são realizadas por ambos os cargos e não há distinção privativa entre tais tarefas entre agentes públicos de nível superior e de nível intermediário, tudo apontando para que tais atividades possam ser igualmente exercidas por pessoal de nível intermediário, como historicamente era feito no INSS, antes da criação do cargo de Analista do Seguro Social. Em não tendo o servidor comprovado que exercia atribuições típicas e próprias do cargo de Analista do Seguro Social, não tem direito às diferenças remuneratórias decorrentes de equiparação salarial com Analista do Seguro Social. (TRF4, APELREEX 5043563-73.2011.404.7000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 26/06/2015)
Ressalte-se, por fim, que ao exercer a atribuição de Chefe de Benefícios no ano de 2012 em diante, o requerente passou também a receber a correspondente função gratificada, de maneira que não há falar em diferenças de remuneração devidas pela Autarquia, seja antes da aludida função, ou após a ela. Aliás, não passa despercebido que este cenário acima visualizado, de similaridade entre as atribuições, permite inclusive que os técnicos logrem exercer funções gratificadas dentro da instituição, decorrentes da prática de atividade técnica e com certo grau de complexidade.
Por derradeiro, saliento que eventual decisão do TCU ou informe interno do INSS levantando a questão ora em exame não tem nenhum reflexo no julgamento do caso, já que a comprovação do desvio de função deve ser individualizada, a depender do caso concreto. Nada interessa a este caso se existem hipóteses dentro do INSS de efetivo desvio de função a serem questionadas judicialmente. Ademais, eventuais debates acerca das especificações de cada cargo não induzem à cognição de que se está concluindo haver desvio de função.
É, portanto, improcedente o pedido".
Mantenho, pois, a sentença, por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, na forma da fundamentação.
EDUARDO GOMES PHILIPPSEN
Relator
Documento eletrônico assinado por EDUARDO GOMES PHILIPPSEN, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8442972v7 e, se solicitado, do código CRC 145AA5D1. | |
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Signatário (a): | Eduardo Gomes Philippsen |
Data e Hora: | 23/08/2016 13:22 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 10/08/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007209-19.2011.4.04.7107/RS
ORIGEM: RS 50072091920114047107
RELATOR | : | Juiz Federal EDUARDO GOMES PHILIPPSEN |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | MOISES RICHETTI |
ADVOGADO | : | MARCELO LIPERT |
: | Elisa Torelly | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10/08/2016, na seqüência 401, disponibilizada no DE de 11/07/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal EDUARDO GOMES PHILIPPSEN |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal EDUARDO GOMES PHILIPPSEN |
: | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA | |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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Signatário (a): | Luiz Felipe Oliveira dos Santos |
Data e Hora: | 10/08/2016 17:58 |