Apelação Cível Nº 5013625-08.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA ZITA EBERHARDT BICKEL
ADVOGADO: EVERSON BAMBERG (OAB RS043763)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente ação de aposentadoria rural por idade, pela condição de trabalhadora rural em regime de economia familiar da parte autora, na qual concedido o benefício desde a DER (25/02/2016). A seguir, o teor do respectivo dispositivo:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por MARIA ZITA EBERHARDT BICKEL contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, com fundamento no artigo 487, inciso I, do CPC, para CONDENAR o demandado a conceder à autora o benefício de APOSENTADORIA RURAL POR IDADE, no valor de 01 (um) salário mínimo nacional, a contar do requerimento administrativo – 25.02.2016, com o pagamento das diferenças decorrentes, corrigidas monetariamente, desde vencimento de cada parcela, pelo INPC, e acrescidas de juros moratórios, a contar da citação, observando-se índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos da fundamento, deduzidos eventuais valores pagos administrativamente ou por tutela antecipada, a esse título ou por benefício inacumulável com o ora concedido durante o período.
Em face do acolhimento do pedido da parte autora e da necessidade alegada e plausível, a evidenciar o perigo da demora, CONCEDO a tutela provisória de urgência e determino a concessão do benefício de APOSENTADORIA POR IDADE RURAL ora deferido.
Sucumbente, CONDENO o INSS ao pagamento de eventuais despesas processuais, estando isento do pagamento da taxa única, em conformidade com o artigo 4621da Consolidação Normativa Judicial. Condeno-o, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, que arbitro em 10% sobre as prestações vencidas até a sentença de procedência, nos termos da fundamentação.
Intimem-se.
Interposta(s) apelação(ões), intime(m)-se o(s) apelado(s) para contrarrazões, no prazo legal.
Após, apresentadas ou não as contrarrazões, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em conformidade com o artigo 1.010 do CPC.
Considerando que o proveito econômico obtido pela parte autora seguramente não ultrapassa a quantia correspondente 1.000 salários mínimos, dispenso a remessa dos autos para reexame necessário, com fundamento no artigo 496, §3º, I, do Código de Processo Civil.
Transitado em julgado, intime-se a parte autora para que diga sobre o prosseguimento do feito, no prazo de 10 dias.
Diligências legais.
1 Art. 462 – Na apuração da sucumbência pela Fazenda Pública (União, os Estados, os Municípios, os Territórios Federais, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações) aplica-se a legislação conforme o ajuizamento do feito:
I – nos processos ajuizados até 14/06/2015 (Regimento de Custas – Lei nº 8.121/85) são devidas as custas judiciais por metade;
II – nos processos ajuizados a partir de 15/06/2015 (Lei da Taxa Única – Lei nº 14.634/2014), a taxa única é isenta.
§1º As despesas processuais são devidas integralmente, independentemente da data da propositura.
§2º A Taxa Judiciária (Lei Estadual nº 8.960/89) é isenta a todos os entes públicos nos processos distribuídos até 14/06/2015, devendo ser excluída da conta de custas quando lançada automaticamente pelo sistema Themis 1G, assim como a respectiva guia, nos casos dispostos neste artigo. A Taxa Judiciária não se confunde com a Taxa Única de Serviços Judiciais prevista na Lei nº 14.634/2014.
§3º O Estado do Rio Grande do Sul, suas autarquias e fundações:
a) não recolhem custas aos servidores que deles recebam vencimentos (cartórios estatizados).
b) são isentos da taxa única.
c) recolhem as despesas integralmente, exceto a condução ao Oficial de Justiça.
§4º As Fazendas, de qualquer esfera, não estão dispensadas de reembolsar taxa judiciária, custas, despesas e taxa única quando tais rubricas tiverem sido antecipadas pela parte vencedora da demanda.
Apelou o INSS. Primeiramente, arguiu a prescrição quinquenal. Sustentou não ter sido comprovado o exercício de labor rurícola no período reconhecido em sentença ante a ilegitimidade e ilegalidade da prova testemunhal ao suplantar a existência de fonte de renda da parte autora, decorrente de aluguel de imóvel, no valor de R$ 1.000,00. Referiu, ainda, que o esposo é proprietário de veículo cujo valor de mercado atinge o montante de R$ 77.743,00, fato que coloca em xeque à condição de segurada especial da autora. Requereu a concessão de efeito suspensivo ao recurso para determinar a não implantação do benefício, ou sua cessação, caso já implantado; e por fim, a reforma da sentença.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Da prescrição
Em matéria previdenciária,a prescrição atinge as parcelas anteriores ao quinquênio que precedeu ao ajuizamento da ação, conforme o parágrafo único do artigo 103 da Lei n°8.213/1991. Vale frisar ainda que, consoante entendimento jurisprudencial pacificado, nas relações de trato sucessivo em que figurar como devedora a Fazenda Pública, como na espécie, "quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação" (Súmula n.º 85 do STJ).
No presente caso, a análise do pedido do autor está limitada a data do requerimento administrativo, ou seja, 25/02/2016. Tendo sido a ação proposta em 08/03/2018, não transcorreram mais de cinco anos entre a propositura da ação e a DER, restando afastada a prescrição.
Nega-se provimento ao apelo no ponto.
Da aposentadoria por idade rural
A apreciação de pedido de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei n.º 8.213/91), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei n.º 8.213/91. Assim, necessária a comprovação do implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinquenta e cinco anos para a mulher), e do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida nas aposentadorias em geral, sendo, porém, dispensável o recolhimento de contribuições.
O artigo 143 da Lei n.º 8.213/91, tratando genericamente do trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do Art. 11), assegurou-lhe o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de sua vigência, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência exigida. Complementando o artigo 143 na disciplina da transição de regimes, o artigo 142 da Lei n.º 8.213/91 estabeleceu que para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial deve obedecer a uma tabela que prevê prazos menores no período de 1991 a 2010.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei n.º 8.213/91, como regra deverá ser aquele em que o segurado completa a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima, mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei n.º 8.213/91. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessário ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios. Assim, se ao completar a idade no ano de 2006 o segurado precisava de 150 meses de tempo/carência e, nessa data, ainda lhe faltavam 12 meses, deve-se posicioná-lo na tabela a partir do ano em que completaria os 150 meses, ou seja, 2007. Neste ano, a carência será de 156 meses (6 meses além do período inicial), de forma que o segurado implementa os requisitos em 2008. (TRF4, APELREEX 5008945-59.2012.404.7100, Quinta Turma, Relatora p/ Acórdão Dês. Cláudia Cristina Cristofani, julgado em 08/08/2012)
A disposição contida no art. 143 da Lei n.º 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima (TRF4, AC 0006711-23.2015.404.9999, 5º Turma, Relator Des. Rogério Favreto, julgado em 30/06/2015).
Nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-08-1994, data da publicação da Medida Provisória n.º 598 (posteriormente convertida na Lei n.º 9.063/95), que alterou o art. 143 da Lei de Benefícios, o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/91, e sim a redação original do art. 143, II da mesma lei, em respeito ao direito adquirido (STF, RE 168.191, Segunda Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 01/04/1997).
Em qualquer caso, desde que implementados os requisitos, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, e desde que caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STF, RE 631.240, com repercussão geral, Plenário, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 03/09/2014).
Quanto aos segurados especiais que implementarem os requisitos para concessão do benefício após 31 de dezembro de 2010, não deve ser aplicado o limite temporal a que se refere o art. 143, com as alterações promovidas pela Lei 11.718/2008, destinadas, exclusivamente, aos trabalhadores rurais não enquadrados ou equiparados a segurados especiais. A estes últimos, aplica-se o disposto no art. 39, I, sem limite de data.
Da comprovação do tempo de atividade rural
Com relação à prova do exercício da atividade rural, na condição de segurado especial, como regra geral, exige-se, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (STJ - REsp 1.348.633/SP, Primeira Seção, Rel.Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 28/08/2013).
O Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso especial repetitivo, assentou definitivamente que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural, inclusive o informal (STJ, REsp 1.321.493/PR, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 10/10/2012).
Além disso, o início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado. Em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, que seguiu o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
Aliás, a relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar (STJ, AgRg no AREsp 31.676/CE, Quinta Turma, Rel.Ministro Gilson Dipp, julgado em 28/08/2012).
No entanto, segundo precedente do Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo, embora possível para fins de comprovação da atividade rural, a extensão de prova material em nome de um dos membros do núcleo familiar a outro, a extensibilidade da prova fica prejudicada no caso de o cônjuge em nome do qual o documento foi emitido passar a exercer labor incompatível com o trabalho rural, como no meio urbano (STJ, RESP 1.304.479/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 10/10/2012).
Por outro lado, comprovado o desempenho de atividade rural por meio de documentos em nome do segurado ou de ente familiar que permaneça na lida rural, corroborado por prova testemunhal, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais. Assim, o fato por si só do cônjuge ter exercido labor urbano e hoje perceber aposentadoria de origem urbana ou permanecer trabalhando em atividade que não a rural, não afasta a condição de segurado especial, da parte interessada, desde que esta disponha de início de prova material independente do cônjuge.
Em se tratando de aposentadoria por idade rural do segurado especial, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei n.º 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições.
Ressalte-se que não constituem início de prova material as declarações emitidas por sindicato de trabalhadores rurais quando não tiverem a homologação do INSS (art. 106, inc. III, da Lei nº 8.213/91), pois equivalem a meros testemunhos reduzidos a termo (STJ- EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.010.725/MS, Quinta Turma, Rel.Ministro Marco Aurélio Bellize, julgado em 06/11/2012; STJ, AgRg no REsp 1.291.466/MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Newton Trisotto, julgado em 18/11/2014; STJ, AR 3.202/CE, Terceira Seção, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, julgado em 23/04/2008).
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR também não tem o condão de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não).
A circunstância de a propriedade ser superior a quatro módulos rurais ou de haver a utilização de maquinário agrícola, não retiram, isoladamente, a condição de segurado especial, nem descaracterizam o regime de economia familiar. Não há lei, inclusive, que exija que o segurado desenvolva a atividade manualmente (STJ, REsp 1.403.506/MG, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, julgado em 03/12/2013, e TRF4-APELREEX 0005826-82.2010.404.9999/PR, 6º Turma, Rel. Des. Celso Kipper, julgado em 06/04/2011).
É de se ressaltar ainda que o exercício de pequenos períodos de labor urbano, não retira do interessado a condição de trabalhador rural. O exercício da atividade rural pode ser descontínuo (STJ, EDcl no AgRg no AREsp 297.322/PB, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 13/08/2013).
Com relação à idade mínima para exercício de atividade laborativa, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido de que é possível o cômputo de tempo de atividade rural a partir dos doze anos, em regime de economia familiar, visto que a lei ao vedar o trabalho infantil do menor de 14, visou estabelecer a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo (STJ, REsp 573.556/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 16/02/2006; STJ, AR 3629/RS, Terceira Seção, Rel.Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/06/2008).
Quanto à classificação da atividade como urbana ou rural é questão de apreciação da prova material produzida pelo interessado, não decorrendo de prévia definição ou categorização legal. Conforme a prova que foi produzida, pode-se reconhecer trabalho rural na cidade, bem como trabalho urbano no meio rural. (Trf-4 - apelreex 2005.71.00.044110-9, 5º Turma, Rel. Juiz Artur César de Souza, julgado em 10/02/2009).
Do caso concreto
A parte autora preencheu o requisito etário (55 anos) em 23/02/2016, pois nascida em 23/02/1961 (
). O requerimento administrativo foi apresentado em 25/02/2016 ( ). Dessa forma, deve comprovar o exercício de atividade rural no período de 180 meses ainda que de forma descontínua, devendo estar em atividade no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, ou no período de 180 meses (contínuos ou intercalados) imediatamente anterior ao requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável.No caso concreto o requerente alega ter laborado em regime de economia familiar, desde o casamento, em 1980, até a DER.
A r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Diego Dezorzi bem analisou as questões controvertidas, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, in verbis:
Desse modo, a fim de comprovar o labor rural no período de carência, a parte autora acostou os seguintes documentos:
a) Certidão de Casamento da autora, em que consta a profissão do seu esposo como agricultor e dela como do lar – ano de 1980.
b) Comprovante de residência, em que costa a Linha Wolff como sendo o endereço da autora, que está em nome do seu esposo – ano de 2015.
c) Escritura pública de compra e venda de uma fração de terras rurais de cultura, em nome da autora e de seu esposo – ano de 1981.
d) Notas fiscais de produtor rural e de comercialização de produtos agrícolas em nome da autora e de seu esposo – anos de 2000-2016.
Além do mais, as testemunhas ouvidas durante a justificação administrativa, corroboram o conteúdo dos documentos coligidos.
Veja-se a prova oral produzida na seara administrativa:
ARMANDO ALVES VIEIRA: Mencionou que: “(…) Conhecia a autora desde quando ela era pequena, quando morava com os pais. Lembrava do casamento da autora, ela devia ter, por volta, de 20 anos de idade. O esposo dela se chamava José Bickel. Após o casamento, Maria e o marido foram adquirindo terras, sendo que atualmente teriam 30 hectares, na localidade de Indústrias Frizzo. A Linha Worf e as Indústrias Frizzo eram emendadas, o pai dele morava na linha Worf e depois José comprou uma parte que pertencia a Indústrias Frizzo. Era lindeiro da autora. Maria possuía três filhas, mas nenhuma morava com eles, todas eram adultas. A autora não possuía peões ou empregados. O casal tinha um trator velho. Plantavam soja, milho, arroz e feijão, sendo uma parte da produção para o consumo e a outra para a venda. Maria e o esposo compraram uma casa no Mato Grosso para a filha deles morar e essa casa não era alugada. A única fonte de renda da Maria era a agricultura. Achava que a casa do Mato Grosso estava no nome da filha e ela pagava para os pais o valor que eles pagaram pelo imóvel. Eles plantavam a soja em cerca de 20 hectares de terra, sendo uma média de 50 a 60 sacas de soja por hectare, valendo a saca por volta de 70 reais. (…).”
FRANCISCO FRIZZO: Afirmou que: (…) Conhecia a autora há 30 anos, quando ela já era casada com José Carlos Bickel. O casal morava perto de sua residência, cerca de 400 metros de distância em linha reta, na Linha Wolf. Morava na Linha Frizzo, mas a Linha Wolf ficava perto, por as linhas fazerem divisa. Maria teve três filhas, mas nenhuma morava ainda com ela. A autora possuía 30 hectares de terra e foram os adquirindo aos poucos. Maria nunca possuiu bares na localidade, sendo que sempre viveu da agricultura. O trabalho do casal era manual, só possuíam um trator e uma plantadeira. Maria e o esposo plantavam mandioca, e outros tipos de cultura, e criavam animais para o consumo. Não possuíam peões ou empregados. A autora comercializava mais soja, trigo e milho e as outras culturas eram para o consumo. A autora e o esposo compraram uma casa no Mato Grosso para uma das filhas, sendo que ela iria pagar o valor da casa de volta. Maria e José viviam da agricultura, sendo esta a única fonte de renda. Dos 30 hectares que a autora possuía, somente 20 eram para o cultivo. A saca de soja na região estava em torno de 75, 76 reais, sendo a média de produção de 55 a 70 sacas por hectare. (…).”
GENESIO FRIZZO: Disse que: (…) Conhecia a autora desde que ela se casou e veio morar perto de sua casa, a mais de 30 anos, pois eram vizinhos. O esposo da autora se chamava José Carlos Bickel. Morava na Linha Frizzo, sendo que após o casamento Maria também foi residir lá. Maria e José possuíam 30 hectares de terra, as quais foram adquirindo aos poucos. Suas terras faziam divisa com as da autora, sendo que as da autora se localizavam na Linha Wolf. Maria teve três filhas. A autora nunca possuiu bar na localidade, só viviam da agricultura. O trabalho era manual, sendo que José e Maria só possuíam um trator, não possuindo peões ou empregados. A área aproveitável dessa terra de 30 hectares era por volta de 20. A autora comercializava mais soja, milho e trigo, sendo que plantava outras culturas para o consumo, como feijão, mandioca, e criava animais também para o consumo. Maria e o esposo adquiriram uma casa no Mato Grosso para a filha deles. A única fonte de renda da autora era a agricultura. A filha do casal estava pagando de volta a casa para os pais. (…).”
No caso concreto, verifica-se que as testemunhas foram uníssonas ao afirmar que a autora exerce a atividade rural, em regime de economia familiar, com seu esposo.
É importante destacar que a Lei nº 8.213/91 não exige, para a caracterização do regime de economia familiar, que toda a família trabalhe na lavoura, mas que o trabalho de todos seja indispensável à subsistência do grupo familiar, o que restou comprovado no caso dos autos, já que a agricultura era a principal fonte de renda da família e todos auxiliavam no labor rural.
Não merece acolhimento, ainda, a alegação do demandado de que a compra de um imóvel urbano seria apta a descaracterizar a qualidade de segurada, bem como o regime de economia familiar da autora.
Isso porque, em que pese a autora e seu esposo tenham adquirido um imóvel urbano no estado do Mato Grosso, o que é fato incontroverso, ela comprovou que continuou na atividade rurícola até os dias atuais, atividade essencial para a sobrevivência da família, bem como que referido imóvel foi e é utilizado pela filha do casal, conforme demonstram os documentos para pagamento da energia elétrica (que foram acostados ao feito pela autora), nos quais constam como cliente a filha da parte autora.
Assim, mesmo que tenha constado em sua entrevista rural que a autora recebia aluguel decorrente do referido imóvel urbano, restou comprovado nos autos realidade diversa, ou seja, que este é utilizado por sua filha, bem como que ela não efetua o pagamento de aluguel em favor da autora, conforme inclusive veio corroborado pela prova testemunhal colhida em sede de justificação administrativa, motivo pelo qual não há que se falar na descaracterização da qualidade de segurada da autora, conforme afirmado pelo demandado.
Dessarte, comprovado o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 2000 a 2016, a autora faz jus ao benefício de aposentadoria rural por idade, a contar da data do requerimento administrativo – 25.02.2016, conforme requerimento de benefício que aportou com a inicial, com o pagamento de renda mensal no valor de um salário mínimo nacional, nos termos do artigo 29, inciso II, §6º, da Lei nº 8.213/1991.
Assim, pertencendo a requerente a um grupo familiar dedicado à lida rural, consequência lógica que se abstrai dos diversos documentos anexados e do teor dos depoimentos das testemunhas, inviável não reconhecer que tenha a demandante desenvolvido atividade rural em regime de economia familiar. Os argumentos do INSS no apelo no sentido de que auferia renda de um aluguel de imóvel em outro Estado foi devidamente analisada na sentença. De outra parte, o fato de possuir um veículo de valor relativamente alto, a sugerir que a família não tinha uma vida compatível com a atividade rural em regime de economia familiar, por si só, não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurada especial da parte autora.
Mantém-se a sentença, portanto, que reconheceu o tempo rural de 1980 até a DER.
Considerando que a parte autora preencheu os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria rural por idade concomitantemente (carência: 180 meses e idade mínima: 55 anos, em 23/02/2016), bem como comprovou que estava trabalhando no meio rural no período imediatamente anterior à DER (25/02/2016), faz jus ao benefício pleiteado.
Assim, atingida a idade mínima necessária à concessão do benefício pleiteado, bem como restando comprovada a atividade rural, em regime de economia familiar, pelo período de carência exigido, deve ser reconhecido o direito à aposentadoria por idade desde a data de entrada do requerimento, ou seja, 25/02/2016.
Na hipótese dos autos, a parte autora implementou a idade/tempo de serviço rural após 31 de dezembro de 2010. Tratando-se, porém, de segurado especial/boia fria (trabalhador equiparado a segurado especial), não se lhe aplica o limite temporal a que se refere o art. 143, com as alterações promovidas pela Lei 11.718/2008, destinadas, exclusivamente, aos trabalhadores rurais não enquadrados ou equiparados a segurados especiais. A estes últimos, aplica-se o disposto no art. 39, I.
Consectários e provimentos finais
- Correção monetária e juros de mora
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da Lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
- INPC ou IPCA em substituição à TR, conforme se tratar, respectivamente, de débito previdenciário ou não, a partir de 30/06/2009, diante da inconstitucionalidade do uso da TR, consoante decidido pelo STF no Tema 810 e pelo STJ no tema 905.
Os juros de mora, por sua vez, devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o artigo 3º da Emenda n. 13, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.
Honorários advocatícios
Negado provimento ao recurso do INSS, deve ser observada, em cumprimento de sentença, a majoração de 50% da verba honorária fixada na origem, pela incidência do §11 do artigo 85 do CPC.
Antecipação de tutela
Confirmado o direito ao benefício, resta mantida a antecipação dos efeitos da tutela, concedida pelo juízo de origem.
Conclusão
Negado provimento ao apelo do INSS. Honorários advocatícios majorados nos termos do §11 do artigo 85 do CPC. Nos demais pontos, mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003202097v18 e do código CRC 72ed6310.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5013625-08.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA ZITA EBERHARDT BICKEL
ADVOGADO: EVERSON BAMBERG (OAB RS043763)
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. regime de economia familiar. TRABALHO RURAL. comprovação. IDADE MÍNIMA. implemento. concessão.
Atingida a idade mínima exigida e comprovado o exercício da atividade rural em regime de economia familiar, pelo período exigido em lei, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal consistente, o segurado faz jus à aposentadoria rural por idade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003202098v6 e do código CRC cc80850b.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/05/2022 A 18/05/2022
Apelação Cível Nº 5013625-08.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA ZITA EBERHARDT BICKEL
ADVOGADO: EVERSON BAMBERG (OAB RS043763)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2022, às 00:00, a 18/05/2022, às 14:00, na sequência 297, disponibilizada no DE de 02/05/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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