D.E. Publicado em 10/11/2016 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0004602-36.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LUCIA MENDES DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Marcos Luis Werner |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ESPUMOSO/RS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL DO INSTITUIDOR E DA UNIÃO ESTÁVEL. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI 11.960/2009. CRITÉRIOS DE ATUALIZAÇÃO. DIFERIMENTO PARA A FASE PRÓPRIA (EXECUÇÃO).
1. A qualidade de segurado especial do instituidor restou comprovada nos autos.
2. Comprovada a união estável, presume-se a dependência econômica (artigo 16, § 4º, da Lei 8.213/91), impondo-se à Previdência Social demonstrar que esta não existia. In casu, a autora comprovou a existência de união estável com o de cujus, fazendo jus, portanto, à pensão por morte do companheiro.
3. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, de modo a racionalizar o andamento do processo, e diante da pendência, nos tribunais superiores, de decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, diferir para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial e determinar o imediato cumprimento do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 26 de outubro de 2016.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8334837v11 e, se solicitado, do código CRC F89FD3A3. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Hermes Siedler da Conceição Júnior |
Data e Hora: | 27/10/2016 17:04 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0004602-36.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LUCIA MENDES DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Marcos Luis Werner |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ESPUMOSO/RS |
RELATÓRIO
LÚCIA MENDES DE OLIVEIRA ajuizou ação ordinária contra o INSS, objetivando a concessão do benefício de pensão por morte de seu companheiro NELSON MENDES DE OLIVEIRA, falecido em 08/05/2012.
Sentenciando, a Julgadora Monocrática assim dispôs (fls. 68/71):
ISSO POSTO, julgo PROCEDENTE o pedido deduzido por LUCIA MENDES DE OLIVEIRA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, resolvendo o feito com base no art. 269, I, do CPC.
a) Conceda à parte autora o benefício de pensão por morte¸ a contar da data do óbito do instituidor, em 08/05/2012;
b) Pague à parte autora a quantia apurada a título de diferenças vencidas no período decorrente desde o marco inicial referido até a competência anterior a da implantação do benefício, com correção monetária pelo INPC1, desde a data de cada vencimento, acrescida de juros de mora, na forma do que dispõe o art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97.
Condeno o INSS ao pagamento de metade das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, os quais estabeleço em 10% do valor das parcelas vencidas até a prolação desta sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ e dos §§ 3 e 4 do art. 20 do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Decorrido o prazo para recurso voluntário, remetam-se os autos para o E. TRF4ª Região para reexame necessário, nos termos do artigo 475, inciso I, do Código de Processo Civil, considerando que se trata de sentença ilíquida."
O INSS apela alegando, em preliminar, a carência de ação por falta de interesse de agir, considerando que a autora não instruiu adequadamente o requerimento administrativo; alega que a ação judicial contém documentos não apresentados no âmbito administrativo. Se rejeitada a preliminar, o termo inicial do benefício deve ser a data do ajuizamento da ação e os consectários devem ser fixados observando-se o disposto na Lei nº 11.960/2009. Alega, ainda, isenção de custas (fls. 72/77v.)
Com contrarrazões (fls. 80/83), vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão-somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Interesse processual
Entendo que não pode ser acolhida a preliminar de falta de interesse processual, suscitada pelo INSS. É fato incontroverso que o autor protocolou pedido administrativo de pensão por morte, que foi negado, o que basta para a configuração de pretensão resistida. O fato de o requerimento administrativo não ter sido instruído com os mesmos documentos apresentados em juízo não torna o autor carente de interesse processual. Observo que cabe à autarquia providenciar aos segurados a melhor proteção previdenciária possível e orientá-los quanto aos documentos necessários à obtenção de benefício.
Mérito
Para a obtenção do benefício de pensão por morte deve a parte interessada preencher os requisitos estabelecidos na legislação previdenciária vigente à data do óbito, consoante iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte.
À época do falecimento de NELSON MENDES DE OLIVEIRA (08/05/2012 - fl. 17), vigia o art. 74 da Lei n. 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.528/97 (precedida da Medida Provisória n. 1.596-14, de 10-11-1997), que disciplinou a concessão de pensão por morte nos seguintes termos:
"Art. 74 - A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até 30 dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida."
No presente caso, devem ser comprovadas a qualidade de segurado especial do instituidor e a união estável entre aquele e a parte autora, já que a dependência econômica entre os companheiros é presumida por força de lei (art. 16, § 4º, da Lei 8.213/91).
Qualidade de segurado especial
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, e Súmula 149 do STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de alternância das provas ali referidas. Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
A respeito do trabalhador rurícola boia-fria, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp n. 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifo nosso)
Saliente-se que, no referido julgamento, o STJ manteve decisão deste Regional que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, tendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua CTPS, constando vínculo rural no intervalo de 01-06-1981 a 24-10-1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Ademais, entendo que as certidões de óbito, casamento e nascimento são hábeis a configurar início de prova material acerca da atividade rural desenvolvida pela pessoa falecida até a data do óbito.
A propósito, trago à colação precedente do Eg. STJ:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. VIÚVA DE RURÍCOLA. CERTIDÃO DE ÓBITO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR IDÔNEAS PROVAS TESTEMUNHAIS.
"1. O rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo.
"2. A certidão de óbito, na qual conste a condição de lavrador do falecido cônjuge da Autora, constitui início de prova material de sua atividade agrícola. Tal documento, corroborado por idônea prova testemunhal, viabiliza a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte.
"3. Recurso especial desprovido."
(REsp 718759/CE, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, publicado in DJ de 11-04-2005)
Na hipótese em apreço, foram trazidos aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de óbito, ocorrido em 08/05/2012, em que o de cujus foi qualificado como agricultor (fl. 17);
b) contrato particular para financiamento de cooperante, firmado pelo falecido com a Cooperativa de Energia e Desenvolvimento Rural - COPREL, para cultivo de milho, em 03/01/2005 (fls. 19/20);
c) ficha de cadastro da autora e do Sr. Nelson no projeto Comunidades Rurais em Ação, da Prefeitura Municipal de Espumoso/RS, em que o de cujus é qualificado como agricultor e, ainda, informa a existência de horta organizada e pomar na propriedade, com cultivo de repolho, cebola, alface, couve (fls. 21/22);
d) ficha cadastral do de cujus em loja de eletrodomésticos (Benoit), em que o mesmo é qualificado como agricultor em 21/03/2012 - data da realização de compra (fl. 24);
e) declaração de aptidão ao Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, em que foram cadastrados o Sr. Nelson e a autora, datada de 23/07/2009 (fl. 25).
Ainda, há que se considerar o "documento auxiliar Nota Fiscal Eletrônica" emitido pela Cooperativa Tritícola de Espumoso, 30/11/2011, relativo a compra de soja transgênica produzida por Nelson Mendes de Oliveira, anexado ao processo administrativo (fl. 38)
Observe-se que o extrato do CNIS trazido com a contestação (fl. 35) dá conta de vínculos de trabalho regido pela CLT em nome do de cujus, o que não afasta sua condição de segurado especial. Com efeito, os vínculos são brevíssimos: 01/03/80 a 12/03/80, 15/07/81 a 12/10/81, 03/04/87 a 17/05/87, 14/04/89 a 13/05/89. Ora, pequenos lapsos temporais como trabalhador urbano não têm o condão de descaracterizar o de cujus como segurado especial, mormente diante das provas produzidas nestes autos.
Ademais, na audiência, realizada em 17/12/2013, foram ouvidas duas testemunhas que, no tocante à atividade rural, assim se manifestaram:
Renato Strelow: Dona Lúcia auxiliava o Sr. Nelson em serviços de lavoura, "de ordem braçal", com utilização de bois. Cultivavam feijão, milho. Lúcia nunca trabalhou em outra atividade.
Andréa Dalmolin: como funcionária da EMATER, "fez" alguns programas de ordem social na região da Linha Mendes. Houve orientação para horta, pequeno pomar, criação de animais, reuniões para tratar de produção de pequenas e grandes culturas.
Da análise do conjunto probatório produzido, entendo que restou comprovado que NELSON MENDES DE OLIVEIRA era trabalhador rural na época do óbito, em 2012.
União estável
No que pertine à qualidade de companheira, a Constituição de 1988 estendeu a proteção dada pelo Estado à família para as entidades familiares constituídas a partir da união estável entre homem e mulher nos seguintes termos:
"Art. 226, § 3º: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."
O legislador ordinário, por sua vez, regulamentou esse dispositivo constitucional na Lei 9.278/96:
"Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida como objetivo de constituição da família."
A Lei 8.213/91, em sua redação original, assim definiu companheiro (a):
"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
(...)
§3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o§ 3º do artigo 226 da Constituição Federal."
Já o Decreto 3.048/99 conceituou a união estável deste modo:
"Art.16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
(...)
§ 6º Considera-se união estável aquela verificada entre o homem e a mulher como entidade familiar, quando forem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, ou tenham prole em comum, enquanto não se separarem."
Ressalto, ainda, que o novo Código Civil disciplinou a matéria consoante dispõem o caput e o §1º do seu art. 1.723:
"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1º. A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente."
Em qualquer caso, para o reconhecimento da união estável, essencial que haja aparência de casamento, não sendo a coabitação, entretanto, requisito indispensável, consoante demonstra o julgado do STJ abaixo ementado:
"DIREITOS PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS. CONVIVÊNCIA SOB O MESMO TETO. DISPENSA. CASO CONCRETO. LEI N. 9.728/96. ENUNCIADO N. 382 DA SÚMULA/STF. ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ. DOUTRINA. PRECEDENTES. RECONVENÇÃO. CAPÍTULO DA SENTENÇA. TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM. HONORÁRIOS. INCIDÊNCIA SOBRE A CONDENAÇÃO. ART. 20, § 3º, CPC. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.
I - Não exige a lei específica (Lei n. 9.728/96) a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Na realidade, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas a sua ausência não afasta, de imediato, a existência da união estável.
II - Diante da alteração dos costumes, além das profundas mudanças pelas quais tem passado a sociedade, não é raro encontrar cônjuges ou companheiros residindo em locais diferentes.
III - O que se mostra indispensável é que a união se revista de estabilidade, ou seja, que haja aparência de casamento, como no caso entendeu o acórdão impugnado. (...)"
(STJ, Quarta Turma, REsp 474962, Processo: 200200952476/SP, DJ 01-03-2004, Relator Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA) (Grifei)
De mais a mais, comprovada a relação concubinária com intuitu familiae, isto é, aquela que apresenta convivência duradoura, pública, contínua e reconhecida como tal pela comunidade na qual convivem os companheiros, presume-se a dependência econômica, como referi alhures, impondo-se à Previdência Social demonstrar que esta não existia. Nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL QUANDO DO ÓBITO.
1. A prova material demonstra a convivência "more uxório", sendo presumida a dependência econômica, entre companheiros. (...)"
(Sexta Turma, AC 533327, Processo: 199971000160532/RS, DJU 23-07-2003, Relator Des. Fed. NÉFI CORDEIRO)
"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL DO DE CUJUS. COMPROVAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. (...)
2. A dependência econômica da companheira é presumida (art. 16, I e § 4º e art. 74 da Lei nº 8.213/91). (...)"
(Sexta Turma, AC 572909, Processo: 2001.70.07.002419-0/PR, DJU 23-06-2004, Rel. Des. Fed. NYLSON PAIM DE ABREU)
Na hipótese dos autos, a prova oral, colhida na audiência realizada em 17/12/2013, foi uníssona e consistente ao atestar a vida em comum da autora com o de cujus, residindo e frequentando eventos e a comunidade juntos:
Renato Strelow: Conhece a Dona Lúcia da localidade de Linha Mendes. Lúcia e Nelson viveram juntos por, aproximadamente, 30 (trinta) anos. Era possível identificar a casa em que ambos viviam na localidade. (...) O convívio era público, sendo o casal visto em eventos. Lúcia era conhecida como esposa do Sr. Nelson. A autora tinha 16 (dezesseis) ou 17 (dezessete) anos quando começou a conviver com Nelson (...).
Andréa Dalmolin: (...) Conhece a Dona Lúcia e o Sr. Nelson desde que começou a trabalhar em Espumoso, em 1987. A residência onde mora Dona Lúcia é identificada por todos na comunidade. Ela era conhecida como esposa do Sr. Nelson. Desde que iniciou o projeto "Comunidades Rurais em Ação", o casal sempre participou. (...) O casal participava das reuniões quando estas eram abertas à comunidade. Quando as reuniões eram dirigidas apenas às mulheres, o Sr. Nelson não participava.
Saliento que a prova testemunhal já seria suficiente para demonstrar a união intuitu familiae, pois não há necessidade de início de prova material, como, por exemplo, nos casos de reconhecimento de tempo de serviço rurícola. A autora, no entanto, trouxe, ainda, aos autos, como início de prova material, os seguintes documentos:
a) ficha de cadastro da autora e do Sr. Nelson no projeto Comunidades Rurais em Ação, da Prefeitura Municipal de Espumoso/RS, na qual a autora e o de cujus são considerados "responsáveis da família", o campo "estado civil" é preenchido com "casado", e os nomes de ambos aparecem no campo "constelação familiar" (fls. 21/22);
b) consulta realizada no Sistema de Informações Banco do Brasil, em 31/07/2012, assinada por gerente de agência, em que consta Nelson Mendes de Oliveira como "cliente" e Lúcia Mendes de Oliveira como "cônjuge" (fl. 23);
c) ficha cadastral do de cujus em loja de eletrodomésticos (Benoit), em que consta a autora como "cônjuge" e o estado civil como "união estável" em 21/03/2012 - data em que realizada compra (fl. 24);
d) declaração de aptidão ao Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, datada de 23/07/2009, em que foram cadastrados o Sr. Nelson e a autora (fl. 25).
Do conjunto probatório produzido nos autos, extraio, pois, que a união era estável e com intuitu familiae, preenchendo assim os requisitos legais para a concessão do benefício postulado.
Comprovadas, assim, a qualidade de segurado especial do instituidor e a união estável.
Termo inicial do benefício
O marco inicial do benefício deve ser fixado na data do óbito (08/05/2012), eis que o requerimento administrativo foi apresentado em 17/05/2012. Não há parcelas prescritas, vez que o óbito ocorreu em 2012, há menos de cinco anos, portanto. Obviamente, o ajuizamento da ação é posterior (28/01/2013).
Destaco que o requerimento administrativo, conquanto não instruído com todos os documentos que acompanharam a inicial, continha documentos suficientes à concessão do benefício.
Não há falar, portanto, em fixação do termo inicial na data do ajuizamento da ação, como requereu a autarquia em seu recurso.
Correção monetária e juros de mora
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que sejam definidos na fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais.
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios, em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, foram fixados de acordo com o entendimento desta Corte.
Custas e despesas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Providas a apelação e a remessa oficial no ponto.
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497 do novo CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão, a ser efetivado em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Prequestionamento
Para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores dou por prequestionadas as matérias constitucionais e legais alegadas em recurso pelas partes, nos termos das razões de decidir já externadas no voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou tidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do declinado.
Ante o exposto, voto por diferir para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial e determinar o imediato cumprimento do acórdão.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 26/10/2016
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0004602-36.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00002680320138210046
RELATOR | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Adriana Zawada Melo |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LUCIA MENDES DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Marcos Luis Werner |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ESPUMOSO/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 26/10/2016, na seqüência 604, disponibilizada no DE de 10/10/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DIFERIR PARA A FASE DE EXECUÇÃO A FORMA DE CÁLCULO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL E DETERMINAR O IMEDIATO CUMPRIMENTO DO ACÓRDÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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