D.E. Publicado em 07/12/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024171-91.2013.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
APELANTE | : | HELENA OLINDA DA SILVA QUEIROZ |
ADVOGADO | : | Tiago Brandão Pôrto |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | NELCY MELLO CORALDI |
ADVOGADO | : | Carlos Eduardo Ferreira e outros |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. ÓBITO. QUALIDADE DE SEGURADO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. CASAMENTO DE BOA-FÉ. COMPROVAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do falecido e da condição de dependente de quem objetiva a pensão.
2. Não houve controvérsia sobre a qualidade de segurado do de cujus, que era aposentado por invalidez.
2. É considerada presumida a dependência econômica do cônjuge, companheiro(a) e do filho menor de 21 anos ou inválido, nos termos do art. 16, I, § 4º, da Lei nº 8.213/91. Tendo em vista que o de cujus casou com a autora de posse de documentos falsos, mas que a requerente estava de boa-fé, o matrimônio produz efeitos em relação a ela.
4. Preenchidos os requisitos, a parte autora faz jus à pensão por morte requerida desde a DER, benefício a ser rateado com a corré, também esposa do de cujus.
5. Correção monetária desde cada vencimento, pelo IPCA-E. Juros de mora desde a citação, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/1997.
6. Os honorários advocatícios são fixados em dez por cento sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".
7. O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (art. 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864, TJRS, Órgão Especial).
8. Ordem para implantação do benefício. Precedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da autora, determinando a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de novembro de 2017.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9201513v5 e, se solicitado, do código CRC 4886EC0D. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Gisele Lemke |
Data e Hora: | 01/12/2017 09:46 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024171-91.2013.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
APELANTE | : | HELENA OLINDA DA SILVA QUEIROZ |
ADVOGADO | : | Tiago Brandão Pôrto |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | NELCY MELLO CORALDI |
ADVOGADO | : | Carlos Eduardo Ferreira e outros |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada por Helena Olinda da Silva Queiroz em face do INSS e de Nelcy Coraldi, em que requer a concessão de pensão por morte em decorrência do óbito do marido, Enedio Queiroz, ocorrido em 19/03/2002. Narra na inicial que foi casada com Enedio por 30 anos, vivendo em Taquari/RS, e que, quando do óbito, descobriu que ele tinha outros documentos, em nome de Inedio Coraldi, tanto que foi necessário fazer um registro policial para sepultá-lo com o nome de Enedio. Por outro lado, Inedio Coraldi foi casado por 48 anos em Porto Alegre/RS com Nelcy Coraldi, beneficiária da pensão por morte instituída pelo marido. A autora requer o reconhecimento de que Enedio e Inedio são a mesma pessoa, assim como a concessão da pensão por morte em sua integralidade ou a cota parte de 50%, benefício a ser dividido com Nelcy.
A sentença, proferida em 19/06/2013, julgou improcedente a demanda, porquanto o casamento de Enedio e Helena Olinda fora nulo, tratando-se de mero concubinato, que não gera cobertura previdenciária, não havendo qualidade de dependente. A requerente foi condenada ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios de R$ 800,00, cuja exigibilidade resta suspensa em razão da gratuidade da justiça concedida (fls. 132-138).
A autora apelou, sustentando que casou com Enedio em 1973, conforme certidão de casamento colacionada aos autos, relacionamento que perdurou por quase 30 anos. Alega que casou de boa-fé com Enedio e que o instituidor do benefício adoeceu nos últimos três anos de vida, não tendo condições de se locomover, tendo cuidado dele neste período até o óbito, segundo relatado pelas testemunhas. Afirma que Enedio e Inedio eram a mesma pessoa e que não tinha conhecimento de outro relacionamento mantido pelo cônjuge (fls. 140-147).
O Ministério Público opinou pelo desprovimento do apelo da autora, porquanto um dos casamentos ocorreu mediante fraude, sendo que o casamento com a requerente é nulo, por ter sido realizado 19 anos após o primeiro matrimônio, configurando mero concubinato, não gerando direitos previdenciários à autora (fls. 158-161).
Com contrarrazões (fls. 151-154), os autos vieram conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de apelação da parte autora.
Ordem cronológica dos processos
O presente feito está sendo levando a julgamento em consonância com a norma do art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que assim dispõe: os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. Nessa ordem de julgamento, também são contempladas as situações em que estejam litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Ademais, cumpre registrar que foi lançado ato ordinatório na informação processual deste feito programando o mês de julgamento, com observância cronológica e preferências legais. Esse procedimento vem sendo adotado desde antes (2013) da vigência do novo CPC.
CPC/1973
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença em comento foi publicada antes dessa data, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/1973.
Controvérsia dos autos
A controvérsia recursal cinge-se à comprovação da qualidade de dependente da autora.
Pensão por morte
A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) ocorrência do evento morte, b) condição de dependente de quem objetiva a pensão e c) demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.
Conforme o disposto no art. 26, I, da Lei nº 8.213/1991, referido benefício independe de carência, regendo-se pela legislação vigente à época do falecimento.
Quanto à dependência para fins previdenciários, dispõe o artigo 16 da Lei 8.213/91:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [redação alterada pela Lei nº 9.032/95]
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [redação alterada pela Lei nº 9.032/95]
IV - REVOGADO pela Lei nº 9.032/95.
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. [redação alterada pela MP nº 1.523/96, reeditada até a conversão na Lei nº 9.528/97]
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
O dependente, assim considerado na legislação previdenciária, pode valer-se de amplo espectro probatório de sua condição, seja para comprovar a relação de parentesco, seja para, nos casos em que não presumível por lei, demonstrar a dependência. Importa referir que a dependência pode ser parcial, devendo, contudo, representar um auxílio substancial, permanente e necessário, cuja falta acarretaria desequilíbrio dos meios de subsistência do dependente (Enunciado n. 13, do Conselho de Recursos da Previdência Social).
A manutenção da qualidade de segurado tem previsão no artigo 15 da Lei nº 8.213/91, in verbis:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Assim, o período de graça de 12 ou 24 meses, estabelecido no artigo 15, II e § 1º, da Lei nº 8.213/91, consoante as disposições do § 2º, pode ser ampliado em mais 12 meses, na eventualidade de o segurado estar desempregado, desde que comprovada essa condição.
Saliente-se que não será concedida a pensão aos dependentes do instituidor que falecer após a perda da qualidade de segurado, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria segundo as normas em vigor à época do falecimento.
Caso concreto
No caso em exame, a parte autora postula a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte na qualidade de esposa de Enedio Queiroz, cujo óbito ocorreu em 19/03/2002 (fls. 9). Além disso, requer o reconhecimento de que Enedio Queiroz e Inedio Coraldi são a mesma pessoa. O requerimento administrativo, protocolizado em 04/02/2010 e tendo como instituidor Inedio Coraldi, foi indeferido, sob o argumento de que havia divergência nos documentos (fls. 12). A presente ação foi ajuizada em 04/05/2012.
Devido à peculiaridade do caso, mostra-se imprescindível listar de forma detalhada os documentos e informações trazidos aos autos.
A autora casou-se aos 17 anos com Enedio Queiroz em 1973, em Taquari/RS (certidão de casamento, fls. 8). No documento, consta que Enedio havia nascido em 14/04/1934, sendo filho de Anna Maria Queiroz.
A requerente relata que, quando o marido veio a óbito, verificou que ele mantinha documentos em nome de Inedio Coraldi, nascido em 14/04/1925, cuja filiação era Alfredo Coraldi e Faustina Cunha Coraldi (carteira de identidade, fls. 14).
Foram juntados títulos de eleitor de Enedio e de Inedio, que confirmam as informações da certidão de casamento com Helena e da carteira de identidade, respectivamente (fls. 15); foto do casamento de Enedio com a autora (fls. 13) e cartão bancário para pagamento de benefício em nome de Inedio (fls. 16-17).
Ademais, foi colacionado boletim de ocorrência policial efetuado em Taquari por Cláudio Alberto da Silva, cunhado do falecido, informando a divergência nos documentos do de cujus, para fins de sepultamento de Enedio Queiroz (fls. 18). A certidão de óbito, cuja declarante foi a autora, informa o falecimento de Enedio Queiroz em 19/03/2002, no hospital São José, de Taquari/RS, município onde ele foi sepultado. No documento, refere que Enedio Queiroz era casado com Helena Olinda e deixou três filhos: Sebastião Coraldi, Edi Rosália Coraldi e José Alvarino Coraldi, sem informação sobre as idades (fls. 9).
Foi juntado extrato do sistema Plenus, em que consta que Inedio Coraldi era beneficiário de aposentadoria por invalidez previdenciária, com DIB em 11/06/1963, tendo por referência o Posto da Previdência Social do bairro Petrópolis, em Porto Alegre/RS (fls. 41)
Em sua contestação, o INSS aduz que o pedido é impossível, por tratar-se de caso de concubinato/poligamia (fls. 22-25).
A corré Nelcy Mello Coraldi, em sede de contestação, aduziu a inépcia da inicial, visto que o pedido era juridicamente impossível. Assevera que foi casada com Inedio por 48 anos, que teve com ele três filhos e que viviam em Porto Alegre, sendo que, esporadicamente, o marido ia a Taquari (fls. 50-53).
Nelcy juntou os seguintes documentos:
a) certidão de casamento com Inedio, datada de 31/07/1954 (fls. 56);
b) atestado do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), da Prefeitura de Porto Alegre, informando que Inedio Coraldi havia trabalhado no departamento, em regime CLT, no período de 11/05/1953 a 03/05/1961 (fls. 59);
c) carteira de Inedio na Associação dos Funcionários Municipais de Porto Alegre, constando como "pessoas inscritas na assistência" Nelcy; os filhos, José Alvarino, Edi Rosália e Sebastião; além da sogra, Marolina (fls. 60-62).
Nelcy Mello Coraldi é beneficiária da pensão por morte de Inedio desde a data do óbito - benefício com DIB em 19/03/2002 - NB 1448979169 (fls. 37).
Em audiência realizada em 20/02/2013, foram colhidos três depoimentos de testemunhas arroladas pela corré Nelcy.
José Alvarino Mello Coraldi, filho do de cujus com Nelcy Coraldi, informou que o pai vivia com a mãe, em Porto Alegre, mas que ele viajava com frequência ao interior, sob a justificativa de que ia visitar parentes. Disse ter conhecido a autora poucos dias antes do óbito do genitor, quando Inedio estava internado em um hospital em Taquari. Relatou que a família soube da internação graças aos esforços da irmã, que o localizou naquela cidade após alguns dias de afastamento da capital (não soube precisar quantos dias). Afirma que o pai, em momento algum, admitiu que era casado com Helena Olinda. Questionado sobre as fotos de casamento e documentos apresentados por Helena, reconheceu o pai nas fotografias (fls. 112-v e 113).
Zilma Amaral Batista, amiga da corré Nelcy, ouvida como informante, relatou que sempre que visitava Nelcy o marido estava em casa, mas que ele viajava com certa frequência ao interior a trabalho (fls. 113-v e 114).
Terezinha Sofia Cizmovski, amiga e vizinha da corré há 25 anos, ouvida como informante, disse que Nelcy e Inedio eram casados, que tiveram três filhos, que Inedio trabalhava no Demhab e que, de vez em quando, viajava ao interior a serviço, costumando "ir em um dia e voltar no outro". Relatou que nas ocasiões em que visitava a vizinha, o marido dela estava em casa. (fls. 114-v)
Em 09/05/2013, foram ouvidas testemunhas da parte autora, em Taquari/RS. Osvaldo Marques Cardoso, vizinho da requerente, informou conhecê-la há mais de 20 anos, desde que fora morar no bairro com o marido, Enedio Queiroz. Relatou que o cônjuge da autora trabalhava muito fora, passando algum tempo sem vir para casa. Disse que eles não tiveram filhos e que quando Enedio adoeceu ficou direto em Taquari, sob os cuidados da autora, período que se estendeu por dois ou três anos (mídia digital, fls. 129).
João Luiz Pereira afirmou que a requerente foi colega de trabalho da sua esposa, há 25 anos, e que o casal (Helena e Enedio Queiroz) foram padrinhos do seu casamento. Relatou que Helena e Enedio eram casados e que o marido da autora trabalhava em Porto Alegre, no serviço público, no Demhab, passando a semana na capital e retornando no final de semana. Disse que Helena cuidou de Enedio quando ele adoeceu, tendo ficado muito debilitado e perdido os movimentos (mídia digital, fls. 129).
Com base nos elementos documentais e nos relatos das testemunhas observa-se que Inedio Coraldi casou com Nelcy Mello Coraldi em 1956, em Porto Alegre. Em 1973, de posse de documentos obtidos em nome de Enedio Queiroz, casou com a autora, Helena Olinda da Silva.
Outrossim, conclui-se que Enédio e Inedio eram a mesma pessoa e que a autora casou-se com Enedio, aos 17 anos, em Taquari/RS, de boa-fé, de forma que o casamento produz efeitos em relação a ela, nos termos do § 1º do art. 1.561 do Código Civil:
Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.
§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
Portanto, não havendo qualquer elemento nos autos capaz de ilidir a boa-fé da requerente ao tempo do matrimônio, é de reconhecer-se a validade do casamento da autora com o de cujus, de modo que ela faz jus à pensão por morte, benefício a ser dividido com a corré Nelcy Mello Coraldi.
Provida parcialmente a apelação da parte autora.
Termo inicial
O termo inicial do benefício de pensão por morte deve ser fixado de acordo com as leis vigentes por ocasião do óbito. Antes da Lei 9.528/97, de 10/12/1997, o benefício era devido a contar do falecimento, independente da data do requerimento. A partir do advento dessa lei, o art. 74 da Lei nº 8.213/91 passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.
No caso em tela, o óbito ocorreu em 19/03/2002, após a vigência da Lei 9.528/97, e o requerimento administrativo foi protocolizado em 04/02/2010, mais de 30 dias após o falecimento, de modo que o benefício é devido a contar da DER, em 04/02/2010.
Da prescrição
Em se tratando de obrigação de trato sucessivo e de verba alimentar, não há prescrição do fundo de direito. Contudo, são atingidas pela prescrição as parcelas vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação, conforme os termos do parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 85/STJ.
Considerando que o benefício é devido a contar de 04/02/2010 e que a ação foi ajuizada em 04/05/2012, não há parcelas prescritas.
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação, e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- IPCA-E (a partir de 30/06/2009, conforme RE 870.947, julgado em 20/09/2017).
Juros de mora
A partir de 30/06/2009, os juros incidem de uma só vez, desde a citação, de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997.
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios são fixados em dez por cento sobre o valor da condenação (TRF4, Terceira Seção, EIAC 96.04.44248-1, rel. Nylson Paim de Abreu, DJ 07/04/1999; TRF4, Quinta Turma, AC 5005113-69.2013.404.7007, rel. Rogerio Favreto, 07/07/2015; TRF4, Sexta Turma, AC 0020363-44.2014.404.9999, rel. Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/07/2015), excluídas as parcelas vincendas nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (art. 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864, TJRS, Órgão Especial).
Implantação do benefício
A Terceira Seção deste Tribunal Regional Federal da Quarta Região definiu a questão da implantação imediata de benefício previdenciário, tanto em casos de concessão quanto de revisão de benefício:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 do CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE.
1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo "devedor" através da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) instituído a tutela específica do direito do "credor" de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo.
2. A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma conseqüência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário.
3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente mandamental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, eis que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege da apelação, em casos tais, traz por conseqüência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença.
5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, § 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão, requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação de pagar (os valores retroativamente devidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal.
6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu seja condenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previdenciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.
7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgado e de pedido específico da parte autora.
(TRF4, Terceira Seção, AC 2002.71.00.050349-7 Questão de ordem, rel. Celso Kipper, j. 09/08/2007)
Neste caso, reconhecido o direito ao benefício, impõe-se a implantação imediata.
A bem da celeridade processual, já que o INSS vem opondo embargos de declaração em todos os casos em que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação do art. 128, ou do inc. I do art. 475-O, tudo do Código de Processo Civil de 1973 (art. 141, ou ao § 5º do art. 520 do Código de Processo Civil de 2015), e art. 37 da Constituição, aborda-se desde logo a matéria.
Não se cogita de ofensa ao art. 128, ou ao inc. I do art. 475-O, do Código de Processo Civil de 1973 (art. 141, ou ao § 5º do art. 520 do Código de Processo Civil de 2015), porque a hipótese, nos termos do precedente da Terceira Seção desta Corte, não é de antecipação, de ofício, de atos executórios. A implantação do benefício decorre da natureza da tutela judicial deferida, como está expresso na ementa acima transcrita.
A invocação do art. 37 da Constituição, por outro lado, é despropositada. Sequer remotamente se verifica ofensa ao princípio da moralidade pela concessão de benefício previdenciário por autoridade judicial competente.
Desta forma, em vista da procedência do pedido e do que estabelecem os arts. 461 e 475-I do Código de Processo Civil de 1973 (arts. 497 e 513 do Código de Processo Civil de 2015), bem como dos fundamentos expostos na questão de ordem cuja ementa foi acima transcrita, deve o INSS implantar o benefício em até quarenta e cinco dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Provida parcialmente a apelação, para determinar a concessão da pensão por morte à autora desde a DER, em 04/02/2010, benefício a ser rateado com a corré Nelcy Mello Coraldi, condenando-se o INSS ao pagamento das prestações vencidas, corrigidas monetariamente pelo IPCA-E e com juros de mora pelos índices de poupança, além de honorários advocatícios de 10% das prestações vencidas, estando isento das custas processuais. Determinada a imediata implantação do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da autora, determinando a imediata implantação do benefício.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9201512v6 e, se solicitado, do código CRC CB896C4. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/11/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024171-91.2013.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00023636220128210071
RELATOR | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dr. Fábio Nesi Venzon |
APELANTE | : | HELENA OLINDA DA SILVA QUEIROZ |
ADVOGADO | : | Tiago Brandão Pôrto |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | NELCY MELLO CORALDI |
ADVOGADO | : | Carlos Eduardo Ferreira e outros |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/11/2017, na seqüência 73, disponibilizada no DE de 13/11/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA, DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI | |
: | Juiz Federal ÉZIO TEIXEIRA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9258615v1 e, se solicitado, do código CRC 5DAA0CC2. | |
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