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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO DO FALECIDO. TRABALHADOR RURAL. BOIA FRIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TEMA 629 DO...

Data da publicação: 11/02/2021, 07:01:25

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO DO FALECIDO. TRABALHADOR RURAL. BOIA FRIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TEMA 629 DO STJ. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. O benefício independe de carência e é regido pela legislação vigente à época do óbito 2. A qualidade de segurado especial do de cujus deve ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal, no caso de exercer atividade agrícola como volante ou boia-fria ou mesmo como trabalhador rural em regime de economia familiar. 3. A ausência de prova do trabalho rural atrai a aplicação do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 629 dos Recursos Repetitivos. (TRF4, AC 5003773-60.2017.4.04.7004, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 04/02/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5003773-60.2017.4.04.7004/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: APARECIDA DE ALMEIDA SILVA (AUTOR)

RELATÓRIO

A parte autora ajuizou ação contra o INSS, pleiteando a concessão de pensão por morte em razão do óbito de Alberico Hilário da Silva, desde a Data de Entrada do Requerimento administrativo (DER) em 27/09/2013.

Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 08/11/2019, por meio da qual o Juízo a quo julgou o pedido nos seguintes termos (ev. 73):

Ante o exposto, resolvendo o mérito da lide, na forma do art. 487, inciso I, do CPC, acolho o pedido, para o fim de reconhecer o exercício de atividade rural, pelo instituidor, como trabalhador bóia-fria no período imediatamente anterior a data de seu óbito, e, em virtude do trabalho rural apurado nesta sentença, condenar o INSS a implantar o benefício a seguir detalhado:

- beneficiário: APARECIDA DE ALMEIDA SILVA (CPF nº 857.678.249-91)

- benefício concedido: PENSÃO POR MORTE (21)

- NB: 21/165.130.011-6

- cota: 100%

- DIB: 27.09.2013

- DCB: é vitalícia

- RMI: um salário-mínimo.

- DIP: trânsito em julgado

Condenar o INSS a pagar as prestações vencidas do benefício entre a DIB e a DIP, devidamente corrigidas, na forma da fundamentação, observada a prescrição quinquenal, por meio de requisição de pagamento (RPV ou precatório).

Em razão da sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários à parte autora, estes fixados, sopesados os critérios legais (CPC/2015, art. 85, § 2º), no percentual de 10% (dez por cento) do valor da condenação, apurado até a data da prolação desta sentença, excluídas as parcelas vincendas, consoante entendimento das Súmulas n.º 76/TRF4 e 111/STJ.

Sem custas, pois o INSS é isento no foro federal e a parte autora beneficiária da justiça gratuita (Lei n.º 9.289/1996, art. 4, I e II).

Em suas razões recursais (ev. 78), o INSS requer a reforma da sentença, sustentando, em síntese, que não há início de prova material do trabalho rural, que a esposa do falecido tinha vínculos urbanos e que a prova oral indica o exercício esporádico de atividades não propriamente rurícolas pelo falecido. Subsidiariamente, afirma que o trabalhador boia-fria é enquadrado na condição de contribuinte individual, do qual se exige o recolhimento de contribuições.

Com contrarrazões (ev. 81), vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

VOTO

Pensão por Morte

A Lei 8.213/1991, que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social, preceitua em seu art. 74 ser devida pensão por morte aos dependentes do segurado falecido, não sendo exigido o cumprimento de carência (art. 26, I).

Assim, a concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.

Além disso, rege-se o benefício pela legislação vigente à época do falecimento.

Sobre a condição de dependência para fins previdenciários, dispõe o artigo 16 da Lei 8.213/91:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [redação alterada pela Lei nº 9.032/95]

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [redação alterada pela Lei nº 9.032/95]

IV - REVOGADO pela Lei nº 9.032/95.

§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. [redação alterada pela MP nº 1.523/96, reeditada até a conversão na Lei nº 9.528/97]

§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.

O dependente, assim considerado na legislação previdenciária, pode valer-se de amplo espectro probatório de sua condição, seja para comprovar a relação de parentesco, seja para comprovar a dependência econômica. Esta pode ser parcial, devendo, contudo, representar um auxílio substancial, permanente e necessário, cuja falta acarretaria desequilíbrio dos meios de subsistência do dependente (Enunciado. 13 do Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS).

Qualidade de Segurado Especial

Tratando-se de trabalhador rural em regime de economia familiar e de pescador artesanal, a jurisprudência atenuava a exigência de prova material da atividade laboral, flexibilizando a Súmula n° 149 do Superior Tribunal de Justiça, que impedia o reconhecimento com base apenas em prova oral. Contudo, a 1ª Seção daquele Tribunal, ao julgar o Tema n° 297 de seus Recursos Repetitivos, reafirmou a Súmula, e afastou o abrandamento ao decidir com força vinculante que: "a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário".

O rol de documentos descrito no art. 106 da Lei nº 8.213/91 é exemplificativo, admitindo-se a inclusão de documentos em nome de terceiros, integrantes do grupo familiar, conforme a Súmula nº 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".

Ressalva-se, neste ponto, que a atividade rural desempenhada na qualidade de boia-fria e/ou empregado assalariado caracteriza-se como serviços prestados individualmente a terceiros, não se tratando de trabalho exercido em mútua colaboração pelo grupo familiar, de modo que nessas hipóteses o efeito dos documentos comprobatórios da prestação de serviços pessoais a terceiros não se estende aos demais integrantes do grupo familiar.

O uso de provas documentais em nome de outras pessoas do grupo familiar também é vedado a partir do momento em que o titular da prova passa a exercer atividade de natureza diversa, de acordo com o Tema n° 533 dos Recursos Repetitivos do Superior Tribunal de Justiça : "Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana".

Ademais, sobre o labor urbano de integrante do grupo familiar e a investigação da descaracterização - ou não - do trabalho do segurado especial, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu no Tema n° 532 dos Recursos Repetitivos: "O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ)".

Para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou “boias-frias”. São recrutados por agenciadores de mão-de-obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 10.10.2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural "boia-fria":

TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.

O reconhecimento da condição de segurado especial em regime de economia familiar independe de recolhimento de contribuições previdenciárias. Da mesma forma, quanto ao trabalhador rural "boia-fria", em casos como o presente, que não trata de aposentadoria por tempo de contribuição, aplica-se o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de sua inexigibilidade, por equiparação ao segurado especial:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR BÓIA-FRIA. EQUIPARAÇÃO AO SEGURADO ESPECIAL. ART. 11, VII DA LEI 8.213/1991. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte consolidou a orientação de que o Trabalhador Rural, na condição de bóia-fria, equipara-se ao Segurado Especial de que trata o inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, no que tange aos requisitos necessários para a obtenção de benefícios previdenciários. 2. Exigindo-se, tão somente, a apresentação de prova material, ainda que diminuta, desta que corroborada por robusta prova testemunhal, não havendo que se falar em necessidade de comprovação de recolhimentos previdenciários para fins de concessão de aposentadoria rural (REsp. 1.321.493/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012). 3. É inegável que o trabalhador bóia-fria exerce sua atividade em flagrante desproteção, sem qualquer formalização e com o recebimento de valores ínfimos, o que demonstra a total falta de razoabilidade em se exigir que deveriam recolher contribuições previdenciárias. 4. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento. (REsp 1.762.211/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T., DJe 07.12.2018)

Caso Concreto

O óbito de Alberico Hilário da Silva, marido da autora, ocorreu em 28/06/2008 (ev. 1.3, página 3).

Processo anterior com as mesmas partes, pedido e causa de pedir foi extinto sem resolução do mérito (5004270-11.2016.4.04.7004).

Em vida, o senhor Alberico Hilário ajuizou o processo 2006.70.04.005195-3, pleiteando o restabelecimento de aposentadoria por invalidez cessada em 1993 (ev. 35). A perícia judicial daquele processo, realizada 05/11/2007, constatou cegueira em olho direito. Ao perito, o então autor afirmou não trabalhar há vinte e cinco anos (ev. 35.29, página 2).

Aquela sentença julgou o pedido improcedente pela não caracterização da incapacidade (ev. 35.50, página 6). A improcedência foi mantida pela Turma Recursal (ev. 35.54, página 7).

Já no presente feito, para comprovar o trabalho de boia-fria do falecido, foram apresentados os seguintes documentos a fim de demonstrar o início de prova material acerca do trabalho rural do de cujus:

- Certidão de óbito, na qual consta a profissão de lavrador;

- Certidão de casamento, lavrado em 1974, na qual consta a profissão de lavrador;

- Declaração da secretaria do Estado da Educação, emitida em 2013, afirmando que consta na matrícula da filha do instituidor a profissão deste como lavrador em 1995, 1996 e 1997;

- Certidão de nascimento da filha, na qual consta a profissão do instituidor como lavrador (1983).

Foi realizada a audiência de instrução em que foram ouvidas testemunhas e a própria autora. Transcrevo o trecho da sentença que reflete os depoimentos:

(...)

Em audiência a autora, Aparecida de Almeida Silva, relatou, em síntese que: mora em São Jorge do Patrocínio, na cidade, há 5 anos; antes, morava em Altônia; trabalhou e morou numa pousada, por 8 anos; quando o seu Alberico faleceu, ela morava lá; era uma área de lazer com pousada; era funcionária e morava numa casinha lá; morava apenas com o marido; o Alberico trabalhava por dia, roçando, carpindo e remendava cerca; às vezes, ele trabalhava na pousada também, rastelando o bosque e cortando grama; não era trabalho de jardineiro porque não havia jardim na pousada; ele trabalhava para fora também, porque ele não era funcionário da pousada, apenas a autora; na época, não tinha outros funcionários, apenas a autora e os donos; os donos são Antônio, Aldo e Edna Rodrigues Souza; a pousada chama Vale do Sol; na época, a pousada tinha 28 quartos; o Alberico trabalhou para a dona Altamira no sítio dela, carpindo pasto; ele trabalhou na roça para dona Maria Paraíba; ele trabalhou, também, para o José Zaneti, em São Jorge do Patrocínio, para arrancar mato; quando ele faleceu, ele ainda trabalhava; ele infartou; ele não estava com problemas de saúde, foi de repente; ele tinha, apenas, problema no olho, que há muitos anos, ele sofreu um acidente e ficou apenas com um olho; ele recebeu beneficio por um tempo; quando parou de receber, ele voltou a trabalhar; em 2003, a autora e ele foram morar na pousada; ele trabalhava mais na roça, para fora, porque na pousada não tinha roça; a autora fazia de tudo na pousada, como, cozinhar, lavar e passar.

A primeira testemunha, Marcos Régio Vicente Cominato, relatou, em síntese que: mora em Altônia, há 46 anos; saiu de Altônia, por um ano, em 1993, para estudar; mora na cidade; conhece a autora e o marido já falecido porque trabalhou numa veterinária de 2000 a 2008 e ia entregar ração e sal mineral nos sítios e o Alberico estava trabalhando ou na dona Altamira ou na Maria Paraíba há cada 10 dias, ou uma vez por semana, e sempre o via trabalhando; nessa época, eles moravam no Vale do Sol, que é uma área de lazer e pesque e pague; é perto da cidade; as propriedades da Altamira e da Maria Paraíba também é perto da cidade, uma fica na saída para Iporã e a outra fica na saída para São Jorge do Patrocínio; sempre que o depoente ia nessas propriedades o instituidor estava trabalhando roçando os pastos e fazendo ração; na propriedade da dona Altamira era produzido leite; tinha um funcionário nessa propriedade apenas para tirar o leite; não se recorda do nome desse funcionário; na propriedade da Maria Paraíba também era produzido leite; tinha apenas um funcionário também para tirar o leite e fazer serviços gerais, como limpar o pasto; não se recorda o nome desse funcionário também; na pousada a autora que era funcionária, ele apenas trabalhava quando não trabalhava para fora; o viu trabalhando uma semana antes de morrer.

A segunda testemunha, Valderino Madureira Silva, relatou, em síntese que: mora em Altônia, desde 2001; de 2001 para cá, não saiu de Altônia; trabalha de vendedor numa casa veterinária; conheceu o marido da autora porque trabalhou em 2003 com a dona Altamira e o conheceu nesse sítio; ele não era funcionário dela; ele trabalhava por dia; ele morava numa pousada; o depoente ia na pousada porque era uma área de lazer; a autora trabalhava na pousada, na cozinha; conheceu mais o Alberico porque quando fazia entrega no sítio e ele estava lá, carpindo e roçando; ele tinha apenas um olho, mas do resto era normal; o via trabalhando na propriedade da Altamira e da Maria Paraíba; não tinha funcionário na propriedade da Altamira, apenas o Alberico; tinha apenas um rapaz que tirava o leite pela manhã; a Altamira morava na cidade; ele trabalhava de vez em quando para a Altamira e de vez em quando para a Maria; quando o depoente ia na pousada, às vezes, ele estava varrendo o bosque e juntando grama; o depoente ia na pousada nos finais de semana; o marido da autora trabalhou até próximo do óbito; ele é conhecido como trabalhador rural na região.

A prova oral examinada é favorável . A autora e todas as testemunhas afirmaram que o instituidor era trabalhador rural, fazendo diárias para a Dona Altamira e para Dona Maria em propriedades rurais da região.

Contudo, sendo a prova documental escassa, a testemunhal deve ser robusta. Assim, foi expedida carta precatória para oitiva de supostos tomadores de serviço do falecido.

A Sra. Edna Rodrigues Peres foi ouvida, por meio de carta precatória, como testemunha do juízo e disse em síntese: a autora foi funcionária minha; o Alberico era bóia-fria, fazia diárias; ele fazia algumas diárias para mim, quem era minha funcionária era a Dona Cida; temos plantação de mandioca e banana, ele carpia, quando quebrava uma cerca pegava ele também; mas trabalhava só as vezes; ele também trabalhava para a Dona Maria e parece que também trabalhava para Altamira; sei que ele prestava serviços rurais pois a Dona Maria ligava no meu telefone para contratação; ele também saia sempre para trabalhar; ele estava trabalhando quando faleceu, ele infartou e logo veio a falecer; ele era conhecido por trabalhar como boia-fria; fazia algumas diárias para mim.

(...)

Destaco que há contradições nos depoimentos. A autora afirmou que não havia roça na pousada, enquanto a dona da pousada afirmou ter plantação de mandioca e banana.

Embora a autora tenha negado que o falecido fazia serviços de jardinagem (por não haver jardim na pousada), descreveu atividades típicas da jardinagem: cortar grama, consertar cercas e carpir campo de futebol. A dona da pousada descreveu as mesmas atividades de jardinagem. Em nenhum momento dos depoimentos é possível vislumbrar atividade tipicamente rural exercida pelo falecido.

Ademais, salta aos olhos a escassez documental no caso. Os documentos apresentados que poderiam caracterizar início de prova material são anteriores ao recebimento do benefício de aposentadoria por invalidez. Nesse ponto, cabe ressaltar que o próprio falecido informou, em 2007, que não trabalhava há 25 anos. Inexiste documento posterior a essa data que sirva como indício de trabalho rural, não se podendo aceitar para tal fim a certidão de óbito, documento post mortem que contém declaração unilateral com informações prestadas pela autora, potencial beneficiária de pensão por morte.

Depois disso, não há nenhuma prova documental de que teria retornado à atividade rural, aplicando-se o entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça e neste Tribunal Regional Federal, de que deve haver comprovação do efetivo retorno à atividade rural:

AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL. ATIVIDADE URBANA SUPERVENIENTE. RETORNO AO CAMPO. NÃO COMPROVAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DO PERÍODO DE CARÊNCIA. 1. A legislação previdenciária exclui expressamente da condição de segurado especial o trabalhador que, atuando no meio rural em regime de economia familiar, deixa o campo, enquadrando-se em qualquer outra categoria do Regime Geral da Previdência Social, a contar do primeiro dia do mês em que exerce outra atividade. 2. A fim de caracterizar o devido atendimento à condição de implementação da carência, deve o autor demonstrar o retorno às atividades campesinas, bem como a permanência no meio rural pelo prazo exigido, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, nos termos do art. 48, § 2º, da Lei n. 8.213/1991. 3. Hipótese em que a prova material acostada se refere somente a período anterior à comprovada atividade urbana do autor. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1266766/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 07.12.2011)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. REQUISITOS LEGAIS. DESCONTINUIDADE. (...) 3. A descontinuidade do labor rurícola permite afastamentos do campo sem que haja a desqualificação como segurado especial, desde que o conjunto probatório demonstre haver um retorno efetivo às lides campesinas. (...) (TRF4, AC 5027140-18.2018.4.04.9999, TRS/PR, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 18.03.2020)

PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. Os documentos em nome de terceiros (pais/cônjuge) consubstanciam início de prova material do trabalho rural desenvolvido em regime de economia familiar. De outra parte, afigura-se possível o reconhecimento de atividade rural para fins previdenciários a partir dos 12 anos de idade. 2. Para caracterizar o início de prova material, não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental. 3. No caso concreto, restou comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o período de 27/08/1968 a 31/12/1968. 4. No que tange ao período de 14/10/1982 a 30/11/1986, a documentação trazida pela parte autora não é apta a comprovar seu retorno ao trabalho na agricultura em regime de economia familiar. (...) (TRF4, APELREEX 0024350-88.2014.4.04.9999, TRS/SC, Rel. Des. Federal Jorge Antonio Maurique, D.E. 20.11.2017)

Nesse contexto, não é possível reconhecer a alegada condição de segurado especial do de cujus, com base exclusivamente em prova testemunhal.

Em casos como o da presente demanda, de impossibilidade da concessão do benefício rural em face da ausência de conteúdo probatório válido, notadamente pela insuficiência da prova material acostada com a inicial, o Superior Tribunal de Justiça firmou o seguinte entendimento:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO. 1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. 3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas. 4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social. 5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido. (STJ, RESp nº 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ-e de 28.04.2016)

Tal entendimento é aplicável aos casos em que se postula pensão por morte de trabalhador rural, com demonstra o seguinte precedente desta Turma:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. BOIA-FRIA. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. 1. Inexistência nos autos de início de prova material hábil a comprovar o exercício da atividade laborativa rurícola na condição de segurada especial da instituidora da pensão. 2. A ausência de conteúdo probatório válido a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito. Dessa forma, possibilita-se que a parte autora ajuíze nova ação, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural durante o período de carência necessário para a concessão da aposentadoria pleiteada. Precedente do STJ. (TRF4, AC 5000675-40.2016.4.04.9999, TRS/PR, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 04.05.2018).

Portanto, verificada a ausência de conteúdo probatório válido para instruir a inicial, conforme estabelece o artigo 320 do Código de Processo Civil, resta configurada a hipótese de carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, o que implica decidir a causa sem resolução do mérito, consoante os termos do artigo 485, IV, do Código de Processo Civil.

Decorrentemente, resta oportunizado à parte autora a formulação de novo requerimento na via administrativa e o ajuizamento de nova ação, caso obtenha outras provas do trabalho rural alegado, que não teve possibilidade de utilizar nesta demanda.

Honorários Advocatícios

Reformada a sentença e invertida a sucumbência, fixo a verba honorária em 10% sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade fica suspensa em face do benefício da gratuidade da justiça.

Custas

Inexigibilidade temporária também das custas, em face do benefício da assistência judiciária gratuita em favor da parte autora.

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

Conclusão

- apelação: provida em parte para extinguir o processo sem resolução do mérito;

- ônus da sucumbência invertidos.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso para extinguir o processo sem resolução do mérito.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002243706v12 e do código CRC f7cd40ac.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 4/2/2021, às 15:33:14


5003773-60.2017.4.04.7004
40002243706.V12


Conferência de autenticidade emitida em 11/02/2021 04:01:24.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5003773-60.2017.4.04.7004/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: APARECIDA DE ALMEIDA SILVA (AUTOR)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. pensão por morte. REQUISITOS. qualidade de segurado do falecido. trabalhador rural. boia fria. início de prova material. tema 629 do STJ.

1. A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. O benefício independe de carência e é regido pela legislação vigente à época do óbito

2. A qualidade de segurado especial do de cujus deve ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal, no caso de exercer atividade agrícola como volante ou boia-fria ou mesmo como trabalhador rural em regime de economia familiar.

3. A ausência de prova do trabalho rural atrai a aplicação do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 629 dos Recursos Repetitivos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso para extinguir o processo sem resolução do mérito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 03 de fevereiro de 2021.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002243707v3 e do código CRC 699440be.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 4/2/2021, às 15:33:14


5003773-60.2017.4.04.7004
40002243707 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 11/02/2021 04:01:24.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 26/01/2021 A 03/02/2021

Apelação Cível Nº 5003773-60.2017.4.04.7004/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: APARECIDA DE ALMEIDA SILVA (AUTOR)

ADVOGADO: NEIDE APARECIDA DA SILVA ALVES (OAB PR016186)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 26/01/2021, às 00:00, a 03/02/2021, às 14:00, na sequência 1313, disponibilizada no DE de 15/12/2020.

Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA EXTINGUIR O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

SUZANA ROESSING

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 11/02/2021 04:01:24.

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