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EMENTA: PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. OBTENÇÃO IRREGULAR DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. COBRANÇA PELO INSS DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. ART. 115 DA LEI 8....

Data da publicação: 01/07/2020, 00:02:51

EMENTA: PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. OBTENÇÃO IRREGULAR DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. COBRANÇA PELO INSS DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. ART. 115 DA LEI 8.213/91. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DOLO E MÁ-FÉ. PROVAS INSUFICIENTES. 1. É remansosa jurisprudência pátria consolidada no sentido de que, havendo por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada e erro da administração, não se autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício assistencial, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis. 2. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema da seguridade social, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido. 3. De acordo Vladimir Novaes Martinez, A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva. 4. No caso concreto diante da ausência de outros elementos capazes de confirmar o agir malicioso da segurada, não há como concluir que a recorrida tenha agido com fraude ou má-fé na obtenção do benefício assistencial. Desta forma, mostra-se incabível a cobrança, pelo INSS, dos valores pagos a título de benefício previdenciário, ainda que indevidamente. 5. Apelação desprovida. (TRF4, AC 5011727-50.2014.4.04.7009, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 27/10/2016)


APELAÇÃO CÍVEL Nº 5011727-50.2014.4.04.7009/PR
RELATOR
:
SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO
:
NEUZA MACHADO
ADVOGADO
:
SILVANA APARECIDA LOPES
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. OBTENÇÃO IRREGULAR DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. COBRANÇA PELO INSS DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. ART. 115 DA LEI 8.213/91. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DOLO E MÁ-FÉ. PROVAS INSUFICIENTES.
1. É remansosa jurisprudência pátria consolidada no sentido de que, havendo por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada e erro da administração, não se autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício assistencial, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis. 2. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema da seguridade social, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido. 3. De acordo Vladimir Novaes Martinez, A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva. 4. No caso concreto diante da ausência de outros elementos capazes de confirmar o agir malicioso da segurada, não há como concluir que a recorrida tenha agido com fraude ou má-fé na obtenção do benefício assistencial. Desta forma, mostra-se incabível a cobrança, pelo INSS, dos valores pagos a título de benefício previdenciário, ainda que indevidamente. 5. Apelação desprovida.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que integram o presente julgado.

Porto Alegre/RS, 26 de outubro de 2016.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora


Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8634952v4 e, se solicitado, do código CRC C7A3317F.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5011727-50.2014.4.04.7009/PR
RELATOR
:
SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO
:
NEUZA MACHADO
ADVOGADO
:
SILVANA APARECIDA LOPES
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou improcedente o pedido de restituição dos valores recebidos a título de benefício assistencial -NB 120.809.807-9.
Em suas razões (evento 55) a Autarquia Previdenciária refere que o art. 115 da Lei 8.213/91 é expresso no sentido de poder o INSS buscar a restituição de verbas não sendo relevante, para a existência dessa obrigação, a boa ou má fé no recebimento. Discorre acerca do princípio do equilíbrio econômico e financeiro, previsto no art. 201 da Constituição Federal. Por fim, postula o provimento do recurso a fim de restituir os valores recebidos indevidamente pela parte ré.
Foram apresentadas contrarrazões (evento 58). O feito eletrônico alçou a esta Corte, ocasião em que foi autuado e distribuído.

VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Cobrança de valores previdenciários pagos indevidamente.

É cediço que a Seguridade Social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.
Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de auto-tutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.
A autorização legal para tal desiderato está estampada nos artigos 115 da Lei 8.213/91 e 154 do Decreto 3.048/99, in verbis:
Lei nº 8.213/91
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido; (...)
§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
§ 2o Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
Decreto nº 3.048/99
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
I - contribuições devidas pelo segurado à previdência social;
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser feita de uma só vez, atualizada nos moldes do art. 175, independentemente de outras penalidades legais.
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
Logo, para a manutenção do equilíbrio financeiro do regime geral, tão caro à sociedade brasileira, o princípio da supremacia do interesse público deve ser invocado pela Autarquia Previdenciária para fazer retornar ao sistema da seguridade social valores que foram indevidamente pagos.
De outro lado, não se desconhece a remansosa jurisprudência pátria consolidada no sentido de que, havendo por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada e erro da administração, não se autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis.
Nesse sentido, os seguintes julgados do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 18/05/2016)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016)
No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
Pois bem. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.
Consoante ensina Wladimir Novaes Martinez em sua obra Cobrança de benefícios indevidos, Ed. LTR, 2012, página 97:
A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva.
Os argumentos do INSS não são capazes de elidir os sólidos fundamentos de fato e de direito constante da sentença (evento 49 - SENT1) de lavra do MM. Juíza Federal Melina Faucz Kletemberg, que merece ser mantida em todos seus termos. Para evitar tautologia, reproduzo seus fundamentos, que adoto como razões de decidir:
"(...)
Ademais, cumpre analisar a renda familiar percebida que gerou o afastamento do recebimento do benefício.
O benefício assistencial é devido às pessoas com deficiência e aos idosos, com idade igual ou superior a 65 anos, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. Acerca deste particular, o artigo 20, §3º, da Lei nº 8.742/93 dispõe o seguinte: "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo".
Com relação ao critério econômico aventado pela Lei nº 8.742/93, o Supremo Tribunal Federal sustentava o posicionamento de que este não padecia de qualquer inconstitucionalidade. No julgamento da ADI 1.232, que versava sobre o tema, o STF apenas afirmou a existência de omissão legislativa quanto a edição de outros parâmetros para a fixação do requisito socioeconômico nos benefícios assistenciais, de forma que o artigo em comento também se constituía em um critério válido a ser utilizado pelo aplicador do direito.
Contudo, em recente decisão proferida na Rcl 4.374, ao exercer um novo juízo sobre a matéria, a Suprema Corte reviu o posicionamento outrora adotado, e, em face do que também foi decidido no julgamento do RE 567.985/MT, confirmou a inconstitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, que estabelece a renda mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes.
Na decisão, asseverou-se que o parâmetro adotado estaria defasado para caracterizar a situação de miserabilidade dos beneficiários. Nas palavras do Ministro Relator Gilmar Mendes: "Trata-se de uma inconstitucionalidade que é resultado de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro)".
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já havia reconhecido, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (Resp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
Assim, quanto à condição socioeconômica, tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça entendem que é possível a aferição da miserabilidade do deficiente ou do idoso por outros meios, ainda que não observado estritamente o critério objetivo preestabelecido previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993.
Desse modo, o critério econômico disposto na Lei nº 8.742/93, que já era relativizado pelo Poder Judiciário quando constatado que a aplicação da lei à situação concreta conduziria à inconstitucionalidade diante do parâmetro material da Carta da República, não pode mais ser utilizado como paradigma para a constatação da miserabilidade social, definitivamente.
Logo, a análise da situação fática é que irá determinar se o postulante efetivamente não possui condições financeiras de prover a própria subsistência nem de tê-la provida por sua família. Para tanto, deve-se lançar mão de todos os meios de prova admissíveis em direito, como as provas documental e testemunhal, e sobretudo, a elaboração do laudo socioeconômico.
Por outro lado, relevante registrar que, em julgamento conjunto com o RE 567.985/MT, anteriormente referido, o Pretório Excelso analisou o RE 580.963/PR, também submetido à repercussão geral, e, por maioria de votos, reconheceu e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade, por omissão parcial, do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS". O Relator, Min. Gilmar Mendes, reputou violado o princípio da isonomia, uma vez que abrira o legislador exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais de idoso, mas não permitira a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário. Segundo o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Assim, no cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, pode ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade.
Contudo, a exclusão da renda de valor mínimo não deve ocorrer de forma automática, devendo-se, também nesse ponto, analisar a situação fática vivenciada pelo requerente e pelos demais integrantes da família.
É necessário, portanto, aferir materialmente se o grupo familiar encontra-se em estado de vulnerabilidade social, levando-se em consideração a idade de todos os componentes do núcleo, o nível cultural e de escolarização, o estado de saúde de cada membro, assim como outras situações peculiares.
Ou seja, somente se o postulante realmente se enquadrar na condição de pessoa socialmente vulnerável, poderá ser excluída a renda de valor mínimo percebida por idoso ou por deficiente integrante do grupo familiar. Do contrário, se a situação fática não demonstrar que a família está vivendo em condições de risco social, não há razão que justifique a exclusão de qualquer renda percebida pelos integrantes do grupo.
No caso dos autos, foi realizada constatação socioeconômica (evento 1 - PROCADM 6 - p. 12/13) em que se verificou que a ré reside com seu genitor Sr. Nicanor Rodrigues Machado, pensionista, e seus três irmãos, todos desempregados. A renda familiar mensal resulta dos proventos de pensão por morte percebida pelo genitor da ré, no valor de um salário mínimo e, até então, do recebimento do BPC da ré, também valorado em um salário mínimo.
Segundo o parecer da assistente social, a família reside em localidade rural no Assentamento Ernesyo Che Guevara, Município de Teixeira Soares. Sendo que a casa é própria, em construção de madeira, contém quatro peças, incluindo o banheiro. O mobiliário é simples e encontra-se em péssimas condições de conservação. Possui energia elétrica e água encanada de uma nascente próxima ao imóvel. Está localizado em região distante e remota, sem transporte coletivo ou posto de saúde.
No tocante às despesas do grupo familiar, verifica-se que foram apontados gastos mensais no valor de R$ 1.074,00 (um mil e setenta e quatro reais) com alimentação, produtos de primeira necessidade, energia elétrica, medicamentos e parcela do financiamneto do veículo Uno 1998, que possui para o transporte da filha.
Nesse contexto, ainda que os gastos mensais não excedam o valor recebido pelo genitor e pela autora, é possível verificar que a família vive em condições precárias. A residência é simples e pequena, com infraestrutura precária e sem acabamentos, guarnecida com poucos móveis e eletrodomésticos em regular estado de conservação. Saliente-se, que hoje o único rendimento percebido pela família é decorrente da pensão por morte.
Dessa forma, pautando-se pelas condições de moradia, pelos gastos informados e pelo estado de saúde da ré, conclui-se que a família vive em condições de risco social, evidenciando-se, portanto, uma situação que justifica a exclusão da renda de valor mínimo auferida pelo genitor da ré.
Assim, desconsiderando-se a renda do genitor, há presunção de miserabilidade da ré, inexistindo, ademais, perspectivas de melhora das condições sociais em curto prazo, situação que clama por maior atenção estatal.
Deveras, as condições da residência, guarnecida unicamente pelo essencial ao mínimo de dignidade, bem como a saúde frágil da ré, em nada demonstram melhores condições, enquadrando-se a ré no perfil costumeiro daqueles que necessitam da benesse assistencial.
Por assim ser, não obstante inexista parâmetro fixo para a determinação do estado de miserabilidade que demonstre a necessidade de concessão de benefício assistencial na legislação vigente atualmente, conclui-se, no presente caso, que está clara a necessidade de amparo assistencial, inexistindo fundamento para a alegação de má-fé da ré, bem como para a dívida cobrada."
Efetivamente, diante da ausência de outros elementos capazes de confirmar o agir malicioso do segurado, não há como concluir que Neuza Machado tenha agido com fraude ou má-fé na obtenção do benefício de prestação continuada. Desta forma, mostra-se incabível a cobrança, pelo INSS, dos valores pagos a título de benefício previdenciário, ainda que indevidamente.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. SUPRESSÃO DA PARCELA. CABIMENTO. DESCONTO NOS VENCIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ. ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. Não se exige o esgotamento do processo na via administrativa para que o interessado ingresse com a ação correspondente. No seu sistema de autocontrole, a administração pública tem o poder-dever de suprimir o pagamento de parcela cujo pagamento foi considerado ilegal. Hipótese em que se constata a observância dos princípios da segurança jurídica e boa-fé, bem como do devido processo legal na atuação da Administração, que culminou com a redução nos proventos de aposentadoria. O recebimento da parcela com a alegada boa-fé, por si só, não obsta a supressão de parcela ilegal pela Administração. Não é cabível a repetição dos valores ao Erário quando o pagamento se tiver dado por erro da Administração Pública e o servidor estiver de boa-fé, máxime em se tratando de verba de natureza alimentar. É princípio geral do direito que a boa-fé se presume e a má-fé depende de prova, sendo que os elementos de convicção constantes dos autos não autorizam um juízo de certeza sobre a má-fé do autor, indispensável à determinação de restituição dos valores percebidos. (TRF4, AC 5000865-55.2012.404.7214, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, D.E. 19/12/2012).
Não comprovado, portanto, qualquer comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé da recorrida, descabe a exigibilidade de restituição dos valores recebidos, não merecendo reparos a decisão recorrida, que deve ser mantida, uma vez alinhada ao entendimento deste Regional e do STJ para a espécie.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação supra.

Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora


Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8634951v4 e, se solicitado, do código CRC A46151B9.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 26/10/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5011727-50.2014.4.04.7009/PR
ORIGEM: PR 50117275020144047009
RELATOR
:
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
PRESIDENTE
:
Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida
PROCURADOR
:
Procuradora Regional da República Adriana Zawada Melo
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO
:
NEUZA MACHADO
ADVOGADO
:
SILVANA APARECIDA LOPES
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 26/10/2016, na seqüência 519, disponibilizada no DE de 10/10/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
VOTANTE(S)
:
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
:
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
:
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria


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Signatário (a): Gilberto Flores do Nascimento
Data e Hora: 27/10/2016 08:33




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