APELAÇÃO CÍVEL Nº 5030954-09.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | MANOEL ROCHA RODRIGUES |
ADVOGADO | : | MIGUEL DE NICOLLELLI NETO |
: | RAUL BARBI | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE RURAL. TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. DIREITO AO RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Em toda situação na qual se aprecia ato de cancelamento de benefício previdenciário (em especial para os benefícios deferidos entre a revogação da Lei n.º 6.309/75 e o advento da Lei n.º 9.784/99), há necessidade de análise do caso concreto, considerando-se, por exemplo, o tempo decorrido, as circunstâncias que deram causa à concessão do amparo, as condições sociais do interessado, sua idade, e a inexistência de má-fé, tudo à luz do princípio constitucional da segurança jurídica. 2. O prazo decadencial de dez anos do art. 103-A da Lei de Benefícios, acrescentado pela Lei n.º 10.839/2004, alcança os benefícios concedidos em data anterior à sua publicação (STJ, REsp n.º 1.114.938, Terceira Seção, unânime, j. em 14-04-2010), respeitados os princípios da legalidade e da segurança jurídica. 3. Para benefícios concedidos entre 14-05-1992 e 01-02-1999 incide o prazo decadencial de dez anos, a contar de 01-02-1999. 4. Nos processos de restabelecimento de benefício previdenciário compete ao INSS o ônus de provar a ocorrência de fraude ou ilegalidade no ato concessório, pois este se reveste de presunção de legitimidade, o que não se vislumbra no caso concreto. 5. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo da parte autora, e determinar a reimplantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de fevereiro de 2017.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8809221v6 e, se solicitado, do código CRC 8347B41D. | |
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Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
Data e Hora: | 24/02/2017 12:04 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5030954-09.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | MANOEL ROCHA RODRIGUES |
ADVOGADO | : | MIGUEL DE NICOLLELLI NETO |
: | RAUL BARBI | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta da sentença que julgou improcedente o pedido de restabelecimento de Aposentadoria por Idade Rural, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 700,00 (setecentos reais), suspensa a exigibilidade de tais verbas em razão do deferimento da assistência judiciária gratuita.
Tempestivamente a parte autora recorre, postulando a reforma da decisão recorrida. Sustenta, em síntese, que: (a) no presente caso operou-se a decadência do direito da Autarquia em revisar o ato que concedeu o benefício; (b) há nos autos início de prova material hábil a comprovar o exercício da atividade rural em regime de economia familiar no período de carência exigido para a concessão do benefício, devidamente corroborada pela prova testemunhal; e (c) o auxílio eventual de terceiros não descaracteriza o regime de economia familiar.
Oportunizadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Controverte-se nos autos acerca do direito da parte autora ao restabelecimento do benefício da Aposentadoria por Idade Rural, desde a data da cessação administrativa (15/06/2011 - evento 1 - INIC1, pág. 47).
No caso, a parte autora passou a receber o benefício de Aposentadoria por Idade Rural em 20/05/1994. O benefício foi cessado em 15/06/2011, sob alegação de constatação de irregularidades.
Reavaliação do conjunto probatório
Registra-se, inicialmente, que é vedada à Administração desfazer ato de concessão de benefício ou reconhecimento de direito, com base em simples reavaliação de prova constante do procedimento administrativo perfeito e acabado.
Com efeito, não havendo prova de ilegalidade de ato administrativo formalmente constituído, não é facultado à Administração reavaliar situação decidida de acordo com parâmetros vigentes à época da concessão do benefício.
Trata da questão o Professor José Antônio Savaris, em sua obra Direito Processual Previdenciário, 5ª Edição, p. 214, ao prescrever que mesmo admitida a revisão de ato administrativo devem ser observados limites formais para o cancelamento do benefício previdenciário:
"Mesmo que sejam respeitados os limites formais ao exercício da autotutela, não será legítimo o cancelamento do benefício previdenciário se a decisão administrativa anulatória fundamentar-se em circunstâncias que não digam respeito à estrita legalidade do ato, a qual deve ser verificada segundo a legislação vigente ao tempo da concessão do benefício.
Emanam igualmente do princípio da segurança jurídica - como desdobramento do princípio do Estado do Direito - as diretrizes materiais de constrangimento à atuação administrativa de verificação da regularidade do ato de concessão de benefício previdenciário".
É justamente em razão do princípio da segurança jurídica que se deve limitar o poder de autotutela da administração.
Traz ainda o eminente jurista a citação de Gomes Canotilho sobre o tema (p. 215):
"Os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomados de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas. Estes princípios apontam basicamente para: (1) a proibição de leis retroactivas; (2) a inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de actos administrativos constitutivos de direitos".
Toma relevo neste controle dos limites formais ao exercício da autotutela a circunstância de que a leitura da expressão "ilegalidade" há de ser feita com temperamentos, ou seja, tais aferições não podem estar deslocadas dos princípios que norteiam a Administração Pública, na espécie tomam relevo os da razoablidade e segurança jurídica de que trata o art. 2º da Lei 9.784/99, não sendo demais lembrar que em seu parágrafo único, inciso XIII, há disposição expressa no seguinte sentido:
Art. 2º (...)
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Dessa forma, não se justificam as revisões promovidas pelo INSS que frequentemente deságuam no judiciário, pautadas no argumento de ilegalidade, quando em realidade promove-se nova valoração da prova à luz de uma das interpretações possíveis do regramento atinente à concessão dos benefícios previdenciários.
É precipuamente em nome da segurança jurídica, da confiança e boa-fé dos cidadãos e estabilidade das relações que se apregoe que não é dado à Administração analisar a legitimidade do ato concessivo por meio de uma nova avaliação do conjunto probatório.
Importante ressaltar, como nos ensina Juiz José Antônio Savaris, na obra supracitada (p. 217) que: "a segurança jurídica também é vulnerada quando um elemento de prova não solicitado quando da concessão do benefício se torna, no juízo administrativo de verificação da regularidade, verdadeira conditio sine qua non para o reconhecimento da regularidade do ato concessivo".
Do prazo decadencial para o INSS proceder à revisão do benefício - segundo critérios adotados por esta Corte
Dos efeitos da Lei n.º 6.309/75.
Sob a égide da legislação anterior à atual Lei de Benefícios (Lei n.º 8.213/91), assim estabelecia o artigo 7º da Lei n.º 6.309, de 15-12-1975 (que só foi revogada pela Lei n.º 8.422, de 13-05-1992, publicada no DOU de 14-05-1992):
Art. 7º Os processos de interesse de beneficiários e demais contribuintes não poderão ser revistos após 5 (cinco) anos, contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo.
Pertinente referir igualmente o artigo 14 do Decreto-Lei n.º 72, de 21-11-1966 (na redação dada pela Lei n.º 5.890, de 08-06-1973) eis que tem relação com a matéria:
Art. 14. Compete às Turmas do Conselho de Recursos da Previdência Social julgar os recursos das decisões das Juntas de Recursos da Previdência Social.
§ 1º Quando o Instituto Nacional de Previdência Social, na revisão de benefícios, concluir pela sua ilegalidade, promoverá a sua suspensão e submeterá o processo ao Conselho de Recursos da Previdência Social, desde que haja decisão originária de Junta.
§ 2º Na hipótese de suspensão do benefício já concedido, e que não tenha sido objeto de recurso, o Instituto Nacional de Previdência Social abrirá ao interessado o prazo para recurso à Junta de Recursos da Previdência Social.
Como resultado do estabelecido nos artigos citados, assim dispôs a CLPS (Decreto n.º 89.312, de 22-01-1984):
Art. 206. Quando o INPS, na revisão do benefício, conclui pela sua ilegalidade, deve promover sua suspensão.
§ 1º Se trata de benefício já concedido que não foi objeto de recurso, o INPS abre prazo ao interessado para recorrer à JRPS.
§ 2º Se já existe decisão da JRPS, o processo é submetido ao CRPS.
Art. 207. O processo de interesse de beneficiário ou empresa não pode ser revisto após 5 (cinco) anos contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo.
Já o Decreto n.º 83.080, de 24-01-1979 (antigo Regulamento de Benefícios da Previdência Social) estabelecia:
Art. 382. Quando o INPS, ao rever a concessão do benefício, concluir pela sua ilegalidade, deve promover a sua suspensão e, se houver decisão originária de JRPS, submeter o processo ao CRPS.
Parágrafo único. No caso de revisão de benefício já concedido que não tenha sido objeto de recurso, o INPS deve abrir ao beneficiário prazo para recorrer a JRPS.
Art. 383. Ressalvada a hipótese do artigo 382, o processo de interesse de beneficiário não pode ser revisto após 5 (cinco) anos contados da sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo.
O prazo expressamente previsto para a Administração rever seus atos se dá até a data de 14 de maio de 1992 (data da publicação da Lei nº 8.422, de 13-05-1992, que revogou em seu artigo 22 a Lei n.º 6.309/75), ressalvados obviamente, os casos de fraude, como a propósito já consignado em precedente do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO - REVISÃO - PRESCRIÇÃO - SUSPENSÃO - ART. 207, DEC. 89.312/84 - SÚMULA 473 DO STF.
1 - Na hipótese de suspensão de beneficio previdenciário obtido mediante fraude, não se aplica o prazo prescricional qüinqüenal previsto no art. 207 do dec. 89.312/84, devendo, incidir, na espécie, a Súmula n.º 473 do supremo tribunal federal, eis que ato nulo não produz efeitos.
2 - Seria esdrúxula a hipótese de se considerar ocorrida a prescrição, impedindo a administração pública de rever o processo de aposentadoria nos moldes em tela e, mesmo assim, entender viável a "persecutio criminis" do pretenso fraudador.
3 - Recurso não conhecido. (STJ, REsp n.º 78.703, 6ª Turma, Rel. Min. Anselmo Santiago, julgado em 15-05-1998).
Assim, em se tratando de ato praticado até 14-05-1992 (quando entrou em vigor a Lei n.º 8.422/92), uma vez decorrido o prazo de cinco anos, inviável a revisão da situação, ressalvada a hipótese de fraude, pois esta não se consolida com o tempo.
Dos efeitos da Lei n.º 9.784/99.
Da revogação da Lei n.º 6.309/75, em 14-05-1992, até a edição da Lei n.º 9.784, de 29-01-1999, não havia previsão expressa de prazo prescricional ou decadencial para a revisão de ato administrativo por parte da Administração Pública em geral. A Lei n.º 8.213/91 também não previa prazo decadencial para revisão de ato concessório de benefício previdenciário.
Não obstante, entendia parte da doutrina que o desfazimento de atos administrativos, mesmos daqueles viciados, ressalvados os casos de fraude, não ficava ao alvedrio da autoridade administrativa por período indeterminado, até por aplicação analógica do disposto no Decreto n.º 20.910 de 06-01-1932. Segundo essa corrente, deve haver um limite temporal para a Administração anular atos administrativos, em respeito ao princípio da segurança jurídica, uma vez que o direito busca acima de tudo a pacificação social.
Exemplo disso é a manifestação de Diógenes Gasparini, que, por sinal, faz menção a opiniões de outros doutrinadores:
Nada justifica a possibilidade de um ato administrativo vir a ser declarado inválido depois de um longo tempo de sua edição. A entender-se isso factível, estar-se-ia pondo em risco a necessária estabilidade das relações jurídicas após certo tempo de vigência. Destarte, decorrido um determinado prazo, o ato, mesmo que inválido, firma-se, estabiliza-se, não podendo mais ser invalidado pela Administração Pública ou anulado pelo Judiciário. Nesse sentido é a lição de Clenício da Silva Duarte, ao afirmar que as situações irregulares consolidam-se com o decurso do tempo, não sendo mais passíveis de qualquer retificação, seja para melhor, seja para pior (RDA, 116:368). Também, a esse respeito, diz Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo, cit. p. 189) que a prescrição administrativa e a judicial impedem a anulação do ato no âmbito da Administração ou do Poder Judiciário. Ademais, continua esse autor, justifica-se essa conduta porque o interesse na estabilidade das relações jurídicas existentes entre os administrados e a Administração, ou entre esta e seus servidores, é também de interesse público, tão relevante como os demais. (GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 100-101).
A edição da Lei n.º 9.784/99 veio ao encontro do que significativa parte da doutrina já afirmava sobre a matéria, e deitou pá de cal sobre a discussão. Assim dispôs a citada lei em seus artigos 53 e 54:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Saliento que o entendimento doutrinário acima referido tem também apoio jurisprudencial. Há vários precedentes afirmando que mesmo antes da Lei n.º 9.784/99, a Administração dispunha do prazo de 5 (cinco) anos para desfazer seus próprios atos. Nesse sentido, reporto-me ao julgado da Terceira Seção desta Corte, em que foi relatora para o acórdão a Desembargadora Federal Virgínia Scheibe, que assim se manifestou em seu voto:
A questão posta nestes autos, ao meu ver, não diz respeito à possibilidade legal de deferimento do benefício de aposentadoria por invalidez, em se tratando de trabalhadores rurais.
Trata-se de decidir-se sobre o acerto ou não da decisão administrativa que, após quinze anos em que deferiu em favor da ora embargada o benefício de aposentadoria por invalidez, o suspende sob alegação de erro na concessão, porque a perícia médica concluiu que a incapacidade da segurada era preexistente à sua filiação previdenciária.
Entendo, portanto, que não está em discussão a questão levantada pela ilustrada Relatora da apelação, de ser ou não a segurada chefe ou arrimo de família. Aliás, como se vê dos autos, o motivo da suspensão administrativa foi a suposta preexistência da doença.
Muito embora entenda que o argumento relativo à preexistência da doença demande maior análise, na hipótese dos autos a controvérsia limita-se a saber se pode a administração rever seus atos, como o fez, após tantos anos, sob alegação de erro na concessão .Entendo "in casu" que não e transcrevo parte do voto que proferi quando do julgamento da apelação cível interposta pela segurada:
"Assim, impõe-se definir-se se é lícito à Administração proceder à anulação de ato anterior seu, consistente na concessão de benefício previdenciário, ao argumento de existência de irregularidade na concessão, porquanto constatada que a doença que acomete o autor era preexistente à sua filiação ao sistema previdenciário."
Tenho que, efetivamente, pode a Administração rever os seus atos, desde que no prazo de cinco anos, pois, embora ausente a disposição legal expressa neste sentido (como havia na legislação anterior - art. 207 do Decreto 89.312/84), entende a doutrina pátria que se deve aplicar o mesmo prazo concedido aos beneficiários, nos termos do art. 103 da Lei nº 8.213/91, exceção aos casos de fraude, que por não restarem convalidados, podem ser revistos a qualquer tempo, não estando sujeitos à irretratabilidade.
No caso, pois, que a Autarquia não estava mais autorizada a proceder à revisão do benefício, uma vez que tendo sido concedido em 1977, e revisado em 11/92, com a consequente suspensão, não havendo alegação de fraude na espécie. Assim, não poderia a Administração ter realizado a revisão do benefício porque fora do prazo de cinco anos, impondo-se aqui a observância ao princípio da segurança nas relações jurídicas.
Não é de justiça que se pense diferentemente, jogando ao abandono o incapaz que há tanto tempo vive do amparo previdenciário, em relação consolidada pelo tempo e cuja desconstituição seria bem mais danosa ao interesse público do que a permanência de um ato administrativo pretensamente equivocado.
Ademais, vale referir, em momento algum a defesa autárquica indicou residir no fato de não ser a Apelante segurada, por não ser chefe de família rural, a razão da cassação do benefício. Este ponto está, pois, data vênia, fora da lide e não pode servir de supedâneo para desacolher-se a pretensão vestibular.
Nesta linha, entendo que o restabelecimento da aposentadoria por invalidez rural em favor da autora é medida que se impõe, uma vez que a incapacidade, pressuposto essencial para a concessão em tela, já está suficientemente comprovada nestes autos.
Voto, com renovada vênia, portanto, no sentido de dar provimento ao apelo, para julgar procedente a presente ação. Condeno a Autarquia a restabelecer o benefício, pagando as parcelas atrasadas com correção monetária desde a origem, na forma da Lei nº 6.899/81, utilizando-se os índices legalmente previstos para o período, juros de mora de 6% ao ano, contados da citação. (...).
Neste contexto, não há como afastar a pretensão recursal da segurada de ver seu benefício restabelecido, até porque, como se viu, a própria administração não está se voltando contra o fato de não haver comprovação de ser chefe da família rural, mas de ser a doença da qual é portadora anterior à sua filiação previdenciária.
Voto, portanto, com renovada vênia ao ilustrado relator dos presentes embargos infringentes, no sentido de negar-lhes provimento". (EIAC n.º 14.892, Rel. para o acórdão Des. Federal Virgínia Scheibe, DJU, Seção II, de 26-06-2002). (Grifou-se).
Esse entendimento, saliente-se, chegou a ser referendado pelas 1ª e 3ª Seções do Superior Tribunal de Justiça, consoante se percebe dos seguintes precedentes:
ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO - FUNCIONÁRIOS DA CONAB - ANISTIA - REVISÃO DOS ATOS - IMPOSSIBILIDADE - PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA - § 1º DO ART. 54, DA LEI N.º 9.784/99 - SEGURANÇA CONCEDIDA.
1 - Pode a Administração utilizar de seu poder de autotutela, que possibilita a esta anular ou revogar seus próprios atos, quando eivados de nulidades. Entretanto, deve-se preservar a estabilidade das relações jurídicas firmadas, respeitando-se o direito adquirido e incorporado ao patrimônio material e moral do particular. Na esteira de culta doutrina e consoante o art. 54, § 1º, da Lei n.º 9.784/99, o prazo decadencial para anulação dos atos administrativos é de 05 (cinco) anos da percepção do primeiro pagamento. No mesmo sentido, precedentes desta Corte (MS n.º 7.455/DF, Rel. Ministro Vicente Leal, DJU, Seção I, de 18-03-2002 e n.º 6.566/DF, Rel. p o acórdão Ministro Peçanha Martins, DJU, Seção I, de 15-05-2000).
2 - No caso "sub judice", tendo sido os impetrantes anistiados e readmitidos pela Portaria n.º 237, de 21-12-1994, publicada em 23-12-1994, decorridos, portanto, mais de cinco anos entre a sua edição e a data da impetração, em 12-03-2001, não pode a Administração Pública revisar tal ato em razão da prescritibilidade dos atos administrativos.
3 - Segurança concedida para afastar eventual desconstituição dos atos de anistia em benefício dos impetrantes, determinando suas manutenções no serviço público federal. Custas "ex lege". Honorários advocatícios incabíveis, nos termos das Súmulas n.ºs 512/STF e 105/STJ. (STJ, MS n.º 7436, Processo 2001.00.33916-6/DF, Terceira Seção, Relator Min. Jorge Scartezzini, j. em 23-10-2002, DJU, Seção I, de 17-02-2003).
PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - PORTUÁRIOS - ANISTIA - APOSENTADORIA EXCEPCIONAL DO INSS - CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO - DECADÊNCIA DO DIREITO - LEI N.º 9.784, DE 29-01-1999 E SÚMULA N.º 473 DO STF.
- Após decorridos 5 (cinco) anos não pode mais a Administração Pública anular ato administrativo gerador de efeitos no campo de interesses individuais, por isso que se opera a decadência.
- Segurança concedida. (STJ, MS n.º 6566, Processo 1999.00.84172-7/DF, Primeira Seção, Relator Min. Garcia Vieira, j. em 27-10-1999, DJU, Seção I, de 15-05-2000).
No mesmo sentido decidiu a 2ª Seção desta Corte:
ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SEGURANÇA JURÍDICA.
1. Com suporte no princípio da segurança jurídica o art. 54 da Lei n.º 9.784/99 acabou por consolidar que o direito da administração de anular os atos administrativos decai em cinco anos.
2. Ademais, mesmo anteriormente ao advento da referida lei, a melhor doutrina já fixava em cinco anos o prazo prescricional das pretensões invalidantes da Administração Pública, no que diz respeito aos atos administrativos.
3. No caso em tela, prevalece o princípio da boa-fé da administração pública sobre o da legalidade. Transcorreram quase 12 (doze) anos de efeitos da Portaria 474/87 e, em homenagem à segurança jurídica, não cabe mais anular os seus efeitos.
4. Improvidos o apelo e a remessa oficial. (TRF 4ª Região, AMS n.º 79822, Processo 2000.71.00.00.2908-0/RS, Segunda Seção, Relatora Juíza Federal Marga Inge Barth Tessler, j. em 12-08-2002, DJU, Seção II, de 06-11-2002).
É de se entender, pois, que a Lei nº 9.784/99 apenas consagrou algo que doutrina e jurisprudência já vinham admitindo valendo-se de interpretação analógica e sistêmica.
Da Medida Provisória n.º 138/03, convertida na Lei n.º 10.839/04.
A despeito do que estabeleceu a Lei n.º 9.784/99, não se pode perder de vista que em 2003 foi publicada a MP n.º 138, de 19-11-2003 (em vigor desde 20-11-2003), a qual instituiu o art. 103-A da Lei n.º 8.213/91:
Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004).
§1ª No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Nessa ocasião ainda não havia decorrido o prazo de cinco anos a contar do advento da Lei n.º 9.784/99 (vigente desde 01-02-1999). Tendo havido a ampliação do prazo decadencial de cinco para dez anos, a questão não era solucionada pelo Código Civil de 2002 nem pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que só tratavam de casos de diminuição de prazo por Lei nova.
O Superior Tribunal de Justiça solucionou essa questão em 14-04-2010:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.787/99. PRAZO DECADENCIAL DE 05 ANOS, A CONTAR DA DATA DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ART. 103-A DA LEI N.º 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP N.º 138, DE 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI N.º 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NO ENTANTO.
1. A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei n.º 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei n.º 9.784/99 incide o prazo decadencial de 05 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01-02-1999). Ressalva do ponto de vista do Relator.
2. Antes de decorridos 5 anos da Lei n.º 9.784/99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP n.º 138, de 19-11-2003, convertida na Lei n.º 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei n.º 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários.
3. Tendo o benefício do autor sido concedido em 30-07-1997 e o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em janeiro de 2006, não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato.
4. Recurso Especial do INSS provido para afastar a incidência da decadência declarada e determinar o retorno dos autos ao TRF da 5ª. Região, para análise da alegada inobservância do contraditório e da ampla defesa do procedimento que culminou com a suspensão do benefício previdenciário do autor. (STJ, REsp n.º 1.114.938, 3ª Seção, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJU, Seção 1, de 14-04-2010).
Na prática, todos os casos subsumidos inicialmente à regência da Lei n.º 9.784/99, portanto, passaram a observar o prazo decadencial de dez anos a contar de 01-02-1999, pois a MP n.º 138/2003 entrou em vigor antes de decorridos cinco anos a contar do advento daquela lei.
De todo o exposto, quanto à decadência, conclui-se que:
a) atos praticados até 14-05-1992 (revogação da Lei n.º 6.309/75): incide o prazo de cinco anos, a contar da data do ato a ser revisado;
b) atos praticados entre 14-05-1992 e 01-02-1999: incide o prazo de dez anos (Lei n.º 10.839/2004), a contar de 01-02-1999;
c) para os atos praticados após 01-02-1999: incide o prazo decadencial de dez anos, a contar da data da respectiva prática do ato.
Do caso "sub judice"
A parte autora teve o benefício de Aposentadoria por Idade Rural deferido em 20/05/1994.
O benefício foi cessado na via administrativa em 15/06/2011, sob o argumento de que foi constatado indício de irregularidade, consistente em falta de qualidade de segurado especial, uma vez comprovado que o requerente contratava mão de obra de volantes/bóias-frias em sua propriedade. Alega a Autarquia que até então o requerente omitira tal fato, e prestou declarações contraditórias em sua defesa, após tal constatação.
Desse modo, no caso dos autos, a hipótese de incidência ou não do instituto da decadência depende da análise sobre os indícios de irregularidade apontados pelo INSS, que ora passo a fazer, visto que, a contar de 01/02/1999, transcorreram 12 anos, 04 meses e 14 dias, assim restando superado o prazo decadencial de 10 anos.
Da atividade rural
Tratando-se de rurícola, cumpre ao julgador valorar os fatos e circunstâncias evidenciados com ênfase no artigo 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, e levar em conta a realidade social em que inserido o trabalhador rural, na qual predomina a informalidade na demonstração dos fatos. Vale lembrar que não se mostra razoável exigir que os documentos carreados ao processo sigam sempre a forma prescrita em lei, por isso devem ser considerados válidos quando de outra forma atingir a finalidade precípua de comprovar o exercício da atividade rural, consoante disposto no art. 277 do CPC/2015.
Aos trabalhadores rurais, filiados à Previdência à época da edição da Lei n.º 8.213/91, que implementarem os requisitos da aposentadoria por idade no prazo de até quinze anos após a sua vigência (ou seja, até 24-07-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, inciso II, mas a regra de transição prevista no art. 143, ambos da Lei de Benefícios.
Os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição da Lei n.º 8.213/91 são, pois, os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (Lei n.º 8.213, art. 48, § 1º); e (b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício (Lei n.º 8.213, art. 143). A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo que é necessário comprovar como de efetivo exercício do labor rural, considera-se a tabela constante do art. 142 da Lei de Benefícios, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria, ou seja, idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos 142 e 143 da Lei de Benefícios, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural (direito adquirido ou DER); b) termo inicial e final do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício (DIB).
No mais das vezes, o ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário será o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de labor rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XXXVI; Lei de Benefícios, art. 102, § 1º).
Nada obsta, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início de tal período de trabalho, sempre contado retroativamente, será justamente a data da implementação do tempo equivalente à carência.
No caso em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-08-1994 (data da publicação da Medida Provisória n.º 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei n.º 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/91.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, RExt nº 631240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, julgado em 03-09-2014), ou, inexistente este, da data da citação (STJ, REsp n. 1450119-MT, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves c/c o art. 219, § 1º, do CPC), o que não afasta o direito às parcelas anteriores aos cinco anos desde o ajuizamento ação. Interpretação em conformidade com o precedente desta Turma (APELRE nº 0020438-83.2014.404.9999), onde consignado que: "A interrupção da prescrição deve ser contada de forma retroativa à data do ajuizamento da ação, não da citação, nos termos do art. 219, § 1º, do CPC, que não foi revogado tacitamente pelo art. 202, inc. I, do CC/02". (Relatoria Desembargador Federal Celso Kipper, DJe de 11/02/2015). Conforme disposto no art. 240, § 1º, do CPC/2015: "A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data da propositura da ação."
Da demonstração da atividade rural
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, considerando-se como tal os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade rural, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula nº 149 do STJ e REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia). Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural de todo período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.), que juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, de acordo com a Súmula n° 73, desta Corte, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra a documentação emitida em nome de uma única pessoa. Tal orientação, agora sumulada, decorre da própria interpretação possibilitada pelo art. 11 da Lei de Benefícios, que define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo certo, repita-se, que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Assim, as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
Acerca do exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, cumpre referir o entendimento do STJ, no julgamento do recurso especial repetitivo nº 1.354.908/SP, vinculado ao Tema nº 642, representativo de controvérsia, assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil (REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016. (Grifou-se.)
Do caso concreto
No presente caso, observo que a parte autora preencheu o requisito etário (60 anos) em 16/05/1993, porquanto nascida em 16/05/1933, e requereu o benefício na via administrativa em 20/05/1994. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural no período de 66 meses anteriores ao implemento do requisito etário, ou nos 72 meses que antecedem o requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável.
Para comprovar o trabalho agrícola no período de carência, a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de casamento, ocorrido em 02/01/1954, na qual consta sua qualificação como lavrador;
b) escritura pública de compra e venda de imóvel rural, referente a uma área de terras com 16,7 hectares, adquirida pelo autor em 1974;
c) notas fiscais de produtor, em nome do autor, dos anos de 1992 a 1994.
Tais documentos demonstram que a parte autora pode ser qualificada como sendo agricultora de profissão, o que também vem sendo aceito pela jurisprudência como início de prova material.
A prova oral produzida em juízo em 09/09/2013 (evento 1 - TERMOAUD13) foi precisa e convincente acerca do trabalho rural da parte autora em regime de economia familiar, no período de carência do benefício, conforme se extrai da sentença (evento 1 - SENT17):
A testemunha João Maria Pereira versou que conheceu o autor laborando no meio rural já adulto, juntamente com sua esposa, em sua propriedade no Bairro do Pinhal, nas culturas de arroz, feijão e milho. Disse ainda que nas temporadas de capina e colheita contratava boias-frias.
A testemunha Otávio José da Silva em juízo afirmou que faz dezoito anos que o autor deixou de laborar no meio rural, bem como o mesmo laborou em regime de economia familiar, todavia, contratava terceiros para ajuda-los periodicamente, nas culturas de feijão, milho e arroz. Versou que o autor vendia uma certa quantidade de sua produção.
A testemunha Dirceu Bueno disse que desde que conhece o autor aproximadamente quarenta anos o mesmo laborou em regime de economia familiar na propriedade pertencente ao requerente, nas culturas de arroz, milho e feijão. Afirmou que na colheita o autor contratava pessoas para lhe auxiliarem.
As testemunhas confirmam a eventual contratação de mão-de-obra de terceiros por parte do requerente, em determinadas épocas do ano.
No ponto, ressalte-se que o auxílio de terceiros em determinados períodos não elide o direito postulado, porquanto dispõe o § 7º do art. 11 da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013: O grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença. Ademais, trata-se de prática comum no meio rural.
Com efeito, tenho que a prova material acostada, aliada à prova testemunhal colhida, mostra-se razoável à demonstração de que a parte autora se enquadra na categoria de segurado especial, não havendo motivo para que seja afastado seu direito ao benefício.
No caso, não se vislumbrou irregularidades na concessão do benefício, restando devidamente comprovado o exercício da atividade laborativa rurícola, em regime de economia familiar, no período correspondente à carência.
Assim, preenchidos os requisitos da idade exigida (completou 60 anos em 16/05/1993) e comprovado o exercício da atividade rural em período correspondente ao da carência, no caso, 66 meses (cinco anos e seis meses), deve ser reformada a sentença para condenar o INSS a restabelecer o benefício de Aposentadoria Rural por Idade em favor da parte autora a partir da cessação administrativa, em 15/06/2011, a teor do disposto no art. 49, inciso II, da Lei n.º 8.213/91.
Juros moratórios e correção monetária
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
Da Verba Honorária
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual n.º 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI n.º 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Tutela Específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007 - 3.ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício postulado, no prazo de 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo da parte autora, e determinar a reimplantação do benefício.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/02/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5030954-09.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00014015320118160155
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | MANOEL ROCHA RODRIGUES |
ADVOGADO | : | MIGUEL DE NICOLLELLI NETO |
: | RAUL BARBI | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/02/2017, na seqüência 583, disponibilizada no DE de 09/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA, E DETERMINAR A REIMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN | |
: | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8852905v1 e, se solicitado, do código CRC 6A7DD1BA. | |
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