Apelação Cível Nº 5008720-71.2019.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: EDENILSON FLORIANO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, publicada em 24/11/2019, proferida nos seguintes termos (
):Ante o exposto, reconheço a ausência de interesse processual do autor em relação ao período de 21/03/1990 a 01/03/1991 e 22/09/1994 a 30/06/1999, e a existência de coisa julgada quanto ao período de 01/08/2006 a 09/10/2015, e JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, com fundamento no art. 485, IV e V, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, § 4º, III, e § 6º, do CPC). Fica suspensa a execução, entretanto, ante a gratuidade de justiça deferida.
Isenção legal de custas (art. 4º da Lei nº 9.289/96).
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Na hipótese de interposição de recurso, deverá ser intimada a parte contrária para apresentar contrarrazões e, após, remetidos os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Transitado em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Em suas razões recursais, a parte autora requer a reforma do decisum para que seja reconhecido seu interesse de agir em relação aos lapsos de 21/03/1990 a 01/03/1991 e de 22/09/1994 a 30/06/1999; bem como seja relativizada a coisa julgada quanto ao período de 01/08/2006 a 09/10/2015, tendo em vista se tratar de processo previdenciário e a juntada de novas provas. Pugna assim pela retomada da instrução, a fim de possibilitar nova decisão de mérito (
).Com contrarrazões (
), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento.É o relatório.
VOTO
Preliminar de (in)existência de coisa julgada
Diversamente da conclusão do magistrado de primeiro grau, tenho que a prévia análise do período de 01/08/2006 a 09/10/2015, no bojo do processo n.º 5000181-53.2018.4.04.7204, não deve obstar a apreciação pelo Poder Judiciário quando apresentados novos elementos de prova aptos, em tese, a demonstrar a especialidade do lapso. Explico.
Em breve retrospecto do caso, nos autos do processo nº 5000181-53.2018.4.04.7204, cujo trânsito em julgado se operou em 16/07/2018 (
), o julgador, em relação ao lapso de 01/08/2006 a 09/10/2015, entendera descabido o enquadramento da atividade como nociva, ao argumento de que o formulário PPP apresentado não fora preenchido de acordo com o que determina a legislação previdenciária e que não fora apresentado laudo técnico das condições de trabalho, não restando outra prova capaz de atestar a nocividade do labor, veja-se ( ):Na presente demanda, visando o cômputo do período como especial, o autor investe contra a sentença de extinção do feito sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, inciso V, do CPC (
), sob o fundamento de que foram apresentadas novas provas do exercício de atividades nocivas ( ).De fato, a jurisprudência, reconhecendo que o processo previdenciário compreende peculiaridades que o tornam sui generis no campo hermenêutico, em razão do seu objeto, institutos e principiologia dirigidos para os fins constitucionais de concretização dos direitos da seguridade social, reconhece a necessidade de um tratamento menos rigoroso para a coisa julgada, atenuando a sua eficácia em diversas hipóteses: benefício por incapacidade, requisitos para o reconhecimento da condição de segurado especial (rural), tempo de serviço especial etc.
As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal de 1988, que prima pela proteção do trabalhador segurado da Previdência Social, motivo pelo qual, no âmbito do direito processual previdenciário, deve ser flexibilizada a compreensão do instituto da coisa julgada em prol dos direitos fundamentais indispensáveis à manutenção da dignidade humana, bem assim à vista da hipossuficiência da parte, situação que deve orientar o juiz na busca de soluções. Com efeito, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado (REsp. n. 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16-12-2015).
Pois bem.
No caso, o formulário PPP apresentado pelo autor nos autos nº 5000181-53.2018.4.04.7204 efetivamente não possuía indicação do responsável técnico pelos registros ambientais nele insertos (
). Não houve, tampouco, apresentação de laudo técnico da empresa.Como se vê, o juízo de improcedência no processo anterior decorreu da ausência de prova indispensável à propositura da ação, qual seja, o formulário PPP, documento legalmente exigido pela legislação previdenciária para a demonstração do exercício de atividades nocivas, segundo o art. 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, e não de juízo exauriente sobre as provas apresentadas.
Sendo assim, a conclusão necessária é a de que a decisão exarada nos autos nº 5000181-53.2018.4.04.7204 deveria ter extinto o processo sem resolução de mérito, e não julgado improcedente o pedido.
Essa é a solução que, obrigatoriamente, impõe-se ao julgador em razão da tese jurídica vinculante fixada no julgamento do Tema n.º 629 dos recursos especiais repetitivos no Superior Tribunal de Justiça, realizado na sessão de 16.12.2015 (DJe 28.04.2016), cujo teor ora transcrevo:
A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
Cito, por oportuno, a ementa do aludido repetitivo:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO Nº. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido. (REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).
Embora o precedente tenha tratado da demonstração da qualidade de segurado do trabalhador rural, a sua ratio decidendi deve ser aplicada a outras espécies de segurado e benefício. Isso porque, para a aplicação do precedente, o que é necessário verificar não é a identidade absoluta entre os casos (o que ensejou a formação do precedente e o que justificou a aplicação posterior do precedente), mas a sua identidade essencial. É preciso que os casos guardem semelhança fática suficiente para justificar a aplicação do precedente, isto é, basta que o caso análogo esteja inserido no campo gravitacional do precedente.
Com efeito, toda a razão de decidir do voto condutor do acórdão paradigma do Tema n.º 629/STJ está direcionada para uma especial proteção ao trabalhador segurado da Previdência Social, seja ele rural ou urbano, o que justifica (e mais: impõe) a sua aplicação extensiva.
Sobre o tema, trago à baila as lições de José Antonio Savaris (Direito Processual Previdenciário. 6. ed. Curitiba: Alteridade, 2016, p. 93-94):
Orientando-se ao encerramento sem o julgamento do mérito, contudo, o juiz se abre ao apelo do bem da vida que se encontra em discussão, distanciando-se da forma processual civil em nome de um valor maior. Resguardando a possibilidade de o indivíduo reunir os elementos de prova necessários e obter finalmente o benefício previdenciário, a homenagem é feita à lógica da preservação da existência humana, à ideia da não preclusão do direito previdenciário. (...) Na extinção do processo sem o julgamento do mérito por falta de provas, há também um importante reconhecimento da insuficiência do poder de cognição do juiz. A decisão final deixa de ser vista como um veredicto imutável para ser melhor compreendida como uma decisão 'nesses termos' ou 'por agora'. É isso o que expressa a decisão que extingue o feito sem julgamento do mérito: primeiro, a possibilidade de que existam provas favoráveis ao autor que não constam dos autos e que poderiam mudar a sua sorte; segundo, a injustiça ou a gravidade de se tornar essa decisão imutável e, assim, negar definitivamente o benefício previdenciário em que pese aquela possibilidade. (...) Com base nesse entendimento [REsp 1352721, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16.12.2015], deve ser extinto sem julgamento de mérito o processo previdenciário em que a decisão judicial não reconhece o direito ao benefício em razão da ausência ou insuficiência de prova material, pressuposto para a comprovação do tempo de serviço. (grifei)
Tal entendimento já fora aplicado por este Regional, veja-se:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO PRECEDENTE. TRAMITAÇÃO NO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. IMPROCEDÊNCIA POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. TEMPO ESPECIAL. NOVAS PROVAS. ADMISSÃO. POSSIBILIDADE. TEMPO ESPECIAL. AGENTE NOCIVO RUÍDO. RECONHECIMENTO. AVERBAÇÃO. 1. Na esteira do Resp 1.352.721/SP, julgado pela Corte Especial do STJ em 16/12/2015, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, na amplitude que vem sendo interpretado pela mesma Corte, estende-se a possibilidade de repropositura da ação para outras situações de insuficiência de prova em matéria previdenciária, especialmente quando a questão envolve comprovação de tempo de serviço ou as condições da prestação do serviço. 2. Se a ação anterior tramitou em Juizado Especial Federal, sequer se poderia cogitar de ação rescisória, motivo para se admitir o ajuizamento de nova ação, numa analogia à querella nullitatis, na qual o pressuposto material da rescisória - a prova nova a que se refere o CPC - deve estar presente. 3. Tendo a parte autora trazido ao feito documento a que não teve acesso à época da anterior demanda, que se caracteriza como prova nova suficiente para reverter o julgamento anterior, capaz de, por si só, assegurar pronunciamento favorável (art. 966, VII, do CPC/2015), não há falar em coisa julgada. 4. Restando comprovado, por meio de novo PPP colacionado ao feito, que o autor esteve exposto a ruídos superiores aos limites legais de tolerância vigente para o período (superior a 85 decibeis), é possível reconhecer a especialidade do labor exercido e determinar sua averbação junto ao RGPS, uma vez que o tempo total de labor especial ainda é insuficiente para a concessão da aposentadoria especial postulada. (TRF4 5025649-89.2013.4.04.7108, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 03/02/2021)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE ESPECIAL. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. REVISÃO. IMPROCEDÊNCIA. 1. O INSS é parte ilegítima para figurar no polo passivo de demanda objetivando o reconhecimento da especialidade de atividade exercida sob regime próprio de previdência. 2. A ausência de documentos legalmente exigidos para a demonstração de tempo de serviço especial, indispensáveis à prova do direito sobre o qual se funda a ação, tais como os formulários preenchidos pela empresa empregadora e/ou laudos periciais, na forma preconizada no art. 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, com a consequente recusa do direito à aposentadoria, enseja a extinção do processo sem julgamento de mérito, a teor do art. 485, inciso IV, do CPC, de modo a evitar-se que o segurado fique irremediavelmente privado da adequada proteção previdenciária, por força da coisa julgada formada a partir da improcedência da demanda. Precedente do STJ em sede de recurso representativo de controvérsia (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16-12-2015). (TRF4, AC 5002179-30.2016.4.04.7203, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 22/04/2021)
PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM EXAME DE MÉRITO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Inexiste cerceamento de defesa na decisão que indefere a realização de perícia judicial quando constam nos autos elementos suficientes ao convencimento do julgador. 2. À míngua de conteúdo probatório válido a instruir a inicial, conforme disposto no art. 320 do CPC, por implicar carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, resta autorizada a extinção do feito sem o julgamento do mérito. Aplicação analógica do entendimento firmado no julgamento do REsp 1.352.721/SP, estendendo-se para outras situações de insuficiência de prova em matéria previdenciária, a possibilidade de repropositura da ação, especialmente quando a questão envolve comprovação de tempo de serviço ou as condições da prestação do serviço. 3. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, o respectivo tempo de serviço especial deve ser reconhecido. 4. Presentes os requisitos de tempo de contribuição e carência, é devida à parte autora a aposentadoria por tempo de contribuição - regras permanentes. 5. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5005186-46.2015.4.04.7112, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 06/05/2021)
Outrossim, deve-se interpretar a sentença proferida naquele feito como sendo sem resolução de mérito, à luz do precedente obrigatório formado no REsp nº 1.352.721, permitindo-se à parte autora, na forma da tese firmada, o ajuizamento de nova ação ordinária com os elementos de prova necessários a tal iniciativa, não se afigurando, na hipótese, a coisa julgada.
É necessário aqui esclarecer, consoante já decidiram este colegiado e o colendo STJ, que o fato de a decisão ter sido de improcedência, quando devesse ter sido de extinção sem exame de mérito, não obsta a aplicação do precedente vinculante, como retrata o recente julgado do STJ que cito, aliás, confirmando acórdão desta 3ª Seção da relatoria do Des. Federal Jorge Maurique que afastou a coisa julgada em caso no qual a sentença fora de improcedência:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA (ART. 966, IV, DO CPC/2015). APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PROCESSO PREVIDENCIÁRIO. FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA. EXISTÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. INOCORRÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. ACÓRDÃO RESCINDENDO EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO STJ.
1. Cuida-se, na origem, de Ação Rescisória na qual o INSS busca a desconstituição de julgado que reconheceu à parte autora o benefício de aposentadoria por idade rural, ao fundamento de violação à coisa julgada (art. 966, IV, do CPC/2015).
2. A Ação Rescisória proposta com base no artigo 485, IV, do CPC/1973 (atual 966, IV, do CPC/2015), pressupõe, entre outros requisitos, que "a coisa julgada violada seja preexistente ao julgado rescindendo, ou seja, tratando-se a coisa julgada de pressuposto processual negativo a sua observância exige a sua preexistência ao tempo da emissão do julgado rescindendo, de modo que, ainda que a controvérsia já tenha sido decidida anteriormente, não tendo, contudo, se tornado imutável ao tempo da prolação do novo juízo, não haverá que se fazer em hipótese de rescindibilidade" (AR 4946/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 20.5.2019).
3. O Tribunal de origem, ao decidir a controvérsia, assim se manifestou: "Porém, apesar de ter sido julgado improcedente o pedido, tenho que isso não pode prejudicar a segurada. Este Tribunal pacificou o entendimento de que, para que se torne efetivamente implementada a proteção previdenciária, necessário uma flexibilização dos rígidos institutos processuais. O acórdão rescindendo está fundado em outros documentos, em especial a certidão de nascimento da ré, de 20/12/1949, onde seu genitor é qualificado como agricultor. Essa prova material foi devidamente corroborada pela prova testemunhal. Desse modo, tenho que não houve ofensa à coisa julgada" (fl. 371, e-STJ).
4. Como sabido, cabe ao autor a comprovação dos fatos constitutivos do seu direito e, ao réu, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pelo autor.
5. Entretanto, não se desconhecem as dificuldades enfrentadas pelo segurado para comprovar documentalmente que preenche os requisitos para a concessão do benefício, uma vez que normalmente se referem a fatos que remontam considerável transcurso de tempo.
6. Dessa forma, as normas de Direito Processual Civil devem ser aplicadas ao Processo Judicial Previdenciário, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que têm como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
7. Com base nas considerações ora postas, impõe-se concluir que a ausência de conteúdo probatório válido a instruir a inicial implica carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito, de forma a possibilitar que o segurado ajuíze nova ação, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período de carência necessário para a concessão da aposentadoria pleiteada.
8. Nesse sentido, não se mostra adequado inviabilizar ao demandante o direito de perceber a devida proteção social, em razão da improcedência do pedido e consequente formação plena da coisa julgada material, quando o segurado, na verdade, poderia fazer jus à prestação previdenciária que lhe foi negada judicialmente. Esse entendimento foi acolhido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.352.721/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, DJe 28.4.2016.
9. Assim, não merece reforma o acórdão recorrido, visto que decidiu em consonância com o entendimento do STJ no sentido de que, em matéria previdenciária, por seu pronunciado cunho social, há espaço para a excepcional flexibilização de institutos processuais, até mesmo da coisa julgada, quando, como ocorrido no caso em exame, constate-se que o direito do beneficiário, em demanda anterior, tenha sido negado em face da precariedade das provas apresentadas (como constatado, repita-se, pelo acórdão regional).
10. Recurso Especial não conhecido. (REsp 1840369/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 19/12/2019)
Na mesma toada, já decidiu esta Turma Regional Suplementar:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. TEMPO RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. COISA JULGADA. NÃO FORMAÇÃO. TEMA 629 DO STJ. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL ACERCA DO TEMPO DE TRABALHO RURAL. IMPRESCINDIBILIDADE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA PARA REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. O pedido de reconhecimento de labor rural que é indeferido sob fundamentação de prova material insuficiente e não corroborada por prova testemunhal, deve ser extinto sem resolução de mérito, nos termos do determinado no tema 628 do STJ. (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16-12-2015). 2. A decisão da primeira ação ajuizada, que julgou extinto o feito com resolução de mérito, deve ser interpretada como sendo sem resolução de mérito, nos termos do julgamento do Tema 628 do STJ, permitindo-se ao segurado, na forma da tese firmada, o ajuizamento de nova ação com os elementos de prova necessários a tal iniciativa. 3. É pacífica a jurisprudência no sentido de que, em se tratando de segurado especial, é exigível início de prova material complementado por prova testemunhal a fim de ser verificado o efetivo exercício da atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar. 4. Presente o início de prova documental do labor rurícola e ausente a prova oral, imprescindível para a solução da lide posta em Juízo, deve ser anulada a sentença, a fim de que seja reaberta a instrução processual e oportunizada a inquirição de testemunhas. (TRF4, AC 5040521-30.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 03/07/2020).
No caso, observo que, nesta autuação, foram trazidos formulário PPP, elaborado segundo a legislação previdenciária e LTCAT (
e ), que se afiguram como novas provas, indisponíveis à parte autora na demanda anterior.Desta feita, tenho que é o caso de se afastar o óbice da coisa julgada, devendo ser anulada a sentença, retornando-se os autos à origem para prosseguimento da instrução e prolação de nova decisão de mérito.
Apesar do permissivo constante do art. 1.013, § 3.º, inciso I, do CPC, entendo que o processo não se encontra maduro para julgamento, conforme ainda será tratado neste pronunciamento judicial.
Preliminar de ausência de interesse de agir
O interesse de agir afigura-se como uma das condições da ação e a sua ausência enseja o indeferimento da inicial com a consequente extinção do feito sem resolução de mérito, a teor dos artigos 17, 330, inciso III, e 485, inciso IV, todos do CPC. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, no julgamento do Tema 350 (RE nº 631.240, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, DJE 10/11/2014, trânsito em julgado em 03/05/2017), deixou assentado que A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise.
Embora o autor, com relação aos períodos de 21/03/1990 a 01/03/1991 e de 22/09/1994 a 30/06/1999, não tenha apresentado formulários padrão comprobatórios do exercício de atividades nocivas, é forçoso reconhecer que, diante da apresentação de requerimento administrativo, houve descumprimento dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva por parte do Instituto Previdenciário (dever de informação e orientação do segurado), que não apenas deixou de informar adequadamente o segurado, mas também não se atentou para verificar que se tratava de atividade suscetível de enquadramento como especial.
Nessa linha de intelecção, cabe rememorar as premissas da paradigmática decisão proferida pelo STF ao julgar o Tema nº 350 (RE nº 631.240):
"29. As principais ações previdenciárias podem ser divididas em dois grupos: (i) demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva certidão etc.); e (ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidade mais vantajosa, restabelecimento, manutenção etc.).
30. No primeiro grupo, como regra, exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada. No segundo grupo, precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque novamente o INSS para ingressar em juízo.
31. Isto porque, como previsto no art. 88 da Lei nº 8.213/1991, o serviço social do INSS deve "esclarecer junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem da sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade". Daí decorre a obrigação de a Previdência conceder a prestação mais vantajosa a que o beneficiário faça jus, como prevê o Enunciado nº 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social ("A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido").
32. Assim, uma vez requerido o benefício, se for concedida uma prestação inferior à devida, está caracterizada a lesão a direito, sem que seja necessário um prévio requerimento administrativo de revisão. A redução ou supressão de benefício já concedido também caracteriza, por si só, lesão ou ameaça a direito sindicável perante o Poder Judiciário. Nestes casos, a possibilidade de postulação administrativa deve ser como mera faculdade à disposição do interessado." (Grifei).
Portanto, mesmo que o segurado não houvesse formulado na via administrativa pedido expresso de cômputo de tempo de serviço especial, caberia ao INSS, nos termos do art. 88 da Lei nº 8.213/91, esclarecer e orientar o beneficiário de seus direitos, apontando os elementos necessários à concessão do amparo da forma mais indicada. Sobre o tema, já decidiu esta Turma Regionalizada que, Tendo havido prévio indeferimento administrativo do pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, resta demonstrado o interesse processual da parte autora na propositura da ação. Dentre os deveres do INSS está o de orientar o segurado de forma adequada sobre os requisitos necessários à inativação, inclusive quanto à possibilidade de reafirmação da DER, notadamente quando apresentado, com o requerimento, formulário PPP correspondente ao exercício de atividades nocivas no período subsequente. Caracterizado o interesse de agir. (TRF4, AC 5000298-04.2019.4.04.7206, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JOSÉ ANTONIO SAVARIS, juntado aos autos em 19/02/2021).
Logo, o autor tem, sim, interesse de agir, à vista do indeferimento por parte do INSS quanto ao pedido de concessão da aposentadoria, no bojo do processo NB 42/174.856.879-6 (DER 09/10/2015 -
).Em continuidade, destaco que este Regional admite a possibilidade, em hipóteses como tais, de julgamento do processo diretamente pelo Tribunal, tendo em conta o permissivo do parágrafo 3.º, do inciso I, do art. 1.013 do CPC, desde que o processo esteja em condições de imediato julgamento.
Não obstante, não é essa a situação concretizada nos autos.
Em face do preceito contido no artigo 370 do CPC (Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.), mostra-se prematura a solução da controvérsia. Explico.
Quanto aos lapsos de 21/03/1990 a 01/03/1991 e de 22/09/1994 a 30/06/1999, o autor informou que a empresa encerrou suas atividades (
) e que o laudo da empresa juntado ao é omisso em relação ao agente químico poeira de sílica, apesar de se tratar de labor em empresa do ramo da cerâmica, motivo pelo qual pleitou a produção de prova pericial, tanto na inicial ( ) quanto na réplica à contestação ( ). Tais pedidos sequer foram analisados pelo magistrado a quo, já que extinto o processo sem resolução do mérito logo após a apresentação de réplica.Além disso, não há nos autos elementos que esclareçam acerca do setor de labor da parte autora, justificando-se, portanto, o pedido de produção de prova oral formulado na réplica à contestação.
Outrossim, tenho que as provas produzidas até então se mostram insuficientes para o efetivo esclarimento quanto aos fatos que permeiam as condições laborais do autor, tanto em relação às atividades prestadas, quanto ao local de serviço e eventual sujeição do autor a agentes nocivos.
Assim, a princípio, seria inviável afastar-se a pretensão do autor sob o argumento de que deixou de apresentar documentos comprobatórios de sua alegação, quando se viu frustrado em sua intenção de produzir prova pericial no curso do feito. Esta Turma já decidiu que Há cerceamento de defesa em face do encerramento da instrução processual sem a produção da prova expressamente requerida pela parte autora, a qual é imprescindível para o deslinde da controvérsia. O art. 370 do NCPC dispõe que cabe ao Juiz, de ofício, ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, com o que se viabilizará a solução da lide, previsão esta que já existia no art. 130 do CPC de 1973. (TRF4 5030798-50.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 13/09/2019).
Diante deste cenário, forçoso reconhecer que a dúvida reside, justamente, na veracidade daquilo que consta dos documentos, no sentido da real exposição do autor aos agentes insalubres, prova que se mostra indispensável.
É assente que a prova pericial não pode ser desprezada, vez que objetiva demonstrar as reais condições de trabalho do segurado, quais as atividades desempenhadas pelo mesmo e os níveis quantitativos e qualitativos de exposição aos agentes nocivos, requisitos necessários para obter-se um juízo de certeza a respeito da situação fática posta perante o juízo.
Ora, se a prova é modesta ou contraditória toca ao julgador, de ofício ou a requerimento das partes, determinar a sua suplementação para a correta elucidação dos fatos, na busca da verdade real, não apenas porque o processo civil cada vez mais tem sido permeado por ela, mas também para que se obtenha um pronunciamento mais equânime e rente à realidade.
É de se considerar, em situações como a da espécie, a nítida conotação social das ações de natureza previdenciária, as quais na sua grande maioria são propostas por pessoas hipossuficientes, circunstância que, via de regra, resulta na angularização de uma relação processual de certa forma desproporcional, devendo ser concedida a oportunidade de produzir a prova pericial, que eventualmente tenha o condão de demonstrar as condições em que exercida a atividade.
Dito isso, indispensável a reabertura da instrução, oportunizando a produção de prova pericial, a fim de comprovar se o trabalho desenvolvido pela parte autora no período de 21/03/1990 a 01/03/1991 e de 22/09/1994 a 30/06/1999 se dava, ou não, em condições periculosas e/ou se havia sujeição a outros agentes nocivos.
Na eventualidade de impossibilidade de realização do exame direto nos locais da prestação de trabalho, deverá ser realizada a perícia em empresa similar.
Em empresa do mesmo ramo de atividade, com o exame de local de trabalho da mesma natureza daquele laborado pelo obreiro, o especialista terá condições de analisar se as atividades foram desenvolvidas em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador.
Contudo, eventual desconfiguração da original condição de trabalho na empresa empregadora do autor não constitui óbice à produção da prova pericial, uma vez que a perícia realizada por similaridade (aferição indireta das circunstâncias de trabalho) tem sido amplamente aceita em caso de impossibilidade da coleta de dados no efetivo local de trabalho do demandante.
Conclusão
- Reconhecido o interesse de agir da parte autora quanto aos períodos de 21/03/1990 a 01/03/1991 e de 22/09/1994 a 30/06/1999
- Afastado o óbice da coisa julgada em relação ao lapso de 01/08/2006 a 09/10/2015.
- Sentença anulada com determinação de remessa dos autos ao juízo de origem, a fim de que seja reaberta a instrução probatória com relação aos lapsos de 21/03/1990 a 01/03/1991 e de 22/09/1994 a 30/06/1999, facultando-se à parte autora a produção de todas as provas admitidas em direito para comprovação do exercício de atividades nocivas, inclusive perícia técnica judicial, conforme pleiteado na inicial e na réplica à contestação.
- Remessa à origem para prolação de nova decisão de mérito quanto ao período de 01/08/2006 a 09/10/2015.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para reconhecer seu interesse de agir, afastar o óbice da coisa julgada, anular a sentença e determinar a remessa dos autos à origem, para reabertura da instrução processual e prolação de novo julgamento de mérito.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003140836v16 e do código CRC 43e37c23.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 19/5/2022, às 18:31:59
Conferência de autenticidade emitida em 27/05/2022 04:01:11.
Apelação Cível Nº 5008720-71.2019.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: EDENILSON FLORIANO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. INTERESSE DE AGIR. CONFIGURADO. NULIDADE DA SENTENÇA. INSTRUÇÃO INSUFICIENTE. RETORNO À ORIGEM PARA REABERTURA DA INSTRUÇÃO E PRONUNCIAMENTO DE MÉRITO.
1. Nos termos do art. 337, §§ 1.º e 2.º, ocorre coisa julgada quando se reproduz ação ajuizada e julgada anteriormente, com as mesmas partes, pedido e causa de pedir (tríplice indentidade).
2. Conforme decidido pelo STJ no julgamento do Tema 629, nos processos previdenciários, a ausência de prova indispensável à propositura da ação deve levar à extinção sem resolução do mérito com fulcro no art. 485, inciso IV, do CPC. Embora o precedente tenha tratado da demonstração da qualidade de segurado do trabalhador rural, a sua ratio decidendi deve ser aplicada a outras espécies de segurado e benefício. Precedentes.
3. Outrossim, verificado que a sentença de improcedência no processo anterior foi pautada exatamente na ausência de conteúdo probatório apto a instruir a petição inicial, tal pronunciamento judicial deve ser interpretado como sendo sem resolução de mérito, à luz do precedente obrigatório formado no REsp nº 1.352.721 (Tema 629/STJ), permitindo-se à parte autora, na forma da tese firmada, o ajuizamento de nova ação ordinária com os elementos de prova necessários a tal iniciativa, não se afigurando, na hipótese, a coisa julgada.
4. Quanto aos demais períodos, tendo havido prévio indeferimento administrativo do pedido de aposentadoria, resta demonstrado o interesse processual da parte autora na propositura da ação. Dentre os deveres do INSS está o de orientar o segurado de forma adequada quanto ao cômputo correto dos períodos trabalhados, bem como sobre o reconhecimento da especialidade das atividades. Isso se deve ao caráter de direito social da previdência, vinculado à concretização da cidadania e ao respeito à dignidade humana, a demandar uma proteção social eficaz aos filiados ao regime, devendo conceder o melhor benefício a que tem direito, ainda que, para tanto, tenha que orientar, sugerir ou solicitar documentos necessários. Caso a autarquia não adote conduta positiva no sentido de orientar o segurado a trazer a documentação necessária, ante a possibilidade de ser beneficiário com o reconhecimento de tempo especial, fica caracterizado o interesse de agir.
5. Nos termos do art. 1013 do CPC, se o feito não se encontra suficientemente instruído, estando pendente pedido de produção de prova pericial e testemunhal, não é possível julgar, desde logo, a lide, impondo-se a anulação da sentença e a remessa dos autos à origem para reabertura da instrução processual e prolação de novo julgamento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para reconhecer seu interesse de agir, afastar o óbice da coisa julgada, anular a sentença e determinar a remessa dos autos à origem, para reabertura da instrução processual e prolação de novo julgamento de mérito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003140837v4 e do código CRC 65844fbe.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 19/5/2022, às 18:31:59
Conferência de autenticidade emitida em 27/05/2022 04:01:11.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022
Apelação Cível Nº 5008720-71.2019.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: EDENILSON FLORIANO (AUTOR)
ADVOGADO: GUILHERME MILIOLI BUZZANELLO (OAB SC042932)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 150, disponibilizada no DE de 29/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA RECONHECER SEU INTERESSE DE AGIR, AFASTAR O ÓBICE DA COISA JULGADA, ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR A REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM, PARA REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL E PROLAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO DE MÉRITO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 27/05/2022 04:01:11.