D.E. Publicado em 27/04/2015 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0019349-25.2014.404.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | ADELCIO CEMIN |
ADVOGADO | : | Vilmar Lourenco |
: | Imilia de Souza | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA MATERIAL. RELATIVIZAÇÃO. INVIABILIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CERCEAMENTO DE DEFESA E PROCESSAMENTO EM RELAÇÃO A PERÍODO NÃO ATINGIDO PELA COISA JULGADA.
1. O instituto da coisa julgada (material) caracteriza-se, fundamentalmente, por ser uma garantia constitucional (artigo 5°, XXXVII, Constituição da República) que tem como efeito principal a chamada imutabilidade e a indiscutibilidade do teor da parte dispositiva da sentença, operando-se entre as partes litigantes e tendo uma eficácia preclusiva e negativa, sendo inerente para a aplicação do princípio da segurança jurídica e respeito ao devido processo legal. Consoante o CPC, "há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso"; verifica-se a identidade de ações quando se "tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido".
2. Conquanto em direito previdenciário muitas vezes o rigor processual deva ser mitigado, não podem ser ignorados os limites expressamente estabelecidos pela legislação processual e, mais do que isso, ditados pelos princípios que informam o direito processual e o próprio ordenamento, sendo certo que coisa julgada goza de expressa proteção constitucional (art. 5º, inciso XXXVI) a bem da segurança jurídica, pilar fundamental do estado de direito. Inviável, assim, a relativização da coisa julgada em matéria previdenciária ou mesmo se entenda pela formação de coisa julgada secundum eventum probationem em todas as situações nas quais a sentença considere frágil ou inconsistente a prova documental do alegado trabalho rural. Precedente da 3ª Seção.
3. A litigância de má-fé se configura quando a parte deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; alterar a verdade dos fatos; usar do processo para conseguir objetivo ilegal; opuser resistência injustificada ao andamento do processo; proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; provocar incidentes manifestamente infundados ou, ainda, interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório (artigo 17 do CPC). Não identificada a incidência de quaisquer das hipóteses previstas em lei, não configurada a litigância temerária.
4. Acolhida a tese de cerceamento de defesa, determinando a baixa dos autos à origem para que o juízo a quo - reabrindo a fase postulatória - processe e julgue a demanda (delimitado o pedido em face do afastamento da coisa julgada em relação ao período de 01/02/1999 a 26/08/2005).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de abril de 2015.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7407101v5 e, se solicitado, do código CRC 5D194E1B. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0019349-25.2014.404.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | ADELCIO CEMIN |
ADVOGADO | : | Vilmar Lourenco |
: | Imilia de Souza | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação de rito ordinário proposta por ADELCIO CEMIN contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, postulando a conversão (revisão) da aposentadoria comum por tempo de contribuição em aposentadoria especial (sucessivamente, a revisão da aposentadoria comum, com a conversão do respectivo tempo de serviço especial em tempo de serviço comum), mediante o reconhecimento da natureza especial, prejudicial à saúde ou à integridade física, de atividades laborais que alega ter desenvolvido no(s) período(s) de 14/04/1975 a 29/06/1979, 01/08/1979 a 31/05/1983, 01/06/1983 a 03/05/1989 (Calçados Rosa Lete), 01/09/1990 a 01/09/1991 (Beneficiadora de Calçados Reluz), 01/07/1994 a 17/05/1996 (Indústria e Beneficiamento de Calçados Rocha), 07/04/1997 a 24/07/1998 (Calçados Multik Soares), 01/02/1999 a 26/08/2005 (Rosmar Calçados), bem como a conversão de tempo comum em especial relativamente aos períodos de 24/12/1970 a 24/03/1975 e de 01/08/1992 a 30/06/1994 (fator 0,71).
Sentenciando, o juízo "a quo" julgou extinto o processo, na forma do art. 267, V, CPC (coisa julgada), condenando a parte autora no pagamento das custas e suspendendo a respectiva exigibilidade, nos termos e limites do art. 12 da Lei n° 1.060/50, por gozar do benefício da gratuidade da justiça. Sem condenação em honorários. Em face do reconhecimento do autor como litigante de má-fé, condenada a parte autora e seus procuradores, de modo solidário, à multa de 1% sobre o valor da causa, bem como à indenização de 2% sobre o valor da causa (art. 18, caput, § 1°, CPC).
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, requerendo, em síntese, seja:
- afastada a coisa julgada;
- oportunizada a necessidade de prova pericial por similaridade;
- reconhecida a especialidade nos períodos postulados e convertidos em especial os períodos de labor comum; ressalta que, em relação ao período de 01/02/1999 a 26/08/2005, "não teve análise acerca de sua especialidade pelo Juízo monocrático";
- convertido o benefício comum que a parte atualmente percebe em aposentadoria especial; sucessivamente, seja revisado o benefício comum (sem a aplicação do fator previdenciário ou aplicando-se o fator previdenciário apenas sobre o tempo de serviço comum); incidência dos respectivos ônus sucumbenciais;
- afastada a litigância de má-fé.
Contra-arrazoado o recurso, subiram os autos ao Tribunal.
É o relatório.
VOTO
DA COISA JULGADA MATERIAL
O instituto da coisa julgada (material) caracteriza-se, fundamentalmente, por ser uma garantia constitucional (artigo 5°, XXXVII, Constituição da República) que tem como efeito principal a chamada imutabilidade e a indiscutibilidade do teor da parte dispositiva da sentença, operando-se entre as partes litigantes e tendo uma eficácia preclusiva e negativa, sendo inerente para a aplicação do princípio da segurança jurídica e respeito ao devido processo legal.
Conforme prevê o disposto no art. 301, §3°, CPC, "há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso".
Verifica-se a identidade de ações, na forma do § 2° do mesmo dispositivo, quando se "tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido".
A coisa julgada material acaba por obstar o reexame de ação - repito, na tríplice identidade de partes, causa de pedir e pedido - já julgada por sentença de mérito transitada em julgado.
Na ação anteriormente ajuizada (Processo n° 2007.71.58.011748-0), perante o Juizado Especial Federal de Novo Hamburgo/RS (fls. 42/54), a parte autora pleiteou, além do reconhecimento de tempo comum e rural, a especialidade em relação aos períodos de 14/04/1975 a 29/06/1979, 01/08/1979 a 31/05/1983, 01/06/1983 a 03/05/1989 (Calçados Rosa Lete), 01/09/1990 a 01/09/1991 (Beneficiadora de Calçados Reluz), 01/07/1994 a 17/05/1996 (Indústria e Beneficiamento de Calçados Rocha), 07/04/1997 a 24/07/1998 (Calçados Multik Soares).
Nesta ação, busca a conversão (revisão) de seu benefício comum em especial (sucessivamente, a revisão do benefício comum), mediante o reconhecimento da especialidade dos mesmos períodos, além do período de 01/02/1999 a 26/08/2005 (Rosmar Calçados).
Na ação anteriormente ajuizada, em relação ao reconhecimento da especialidade do labor, o Juizado julgou o pedido improcedente (fls. 49/54).
Ou seja, identifica-se, no caso, a tríplice identidade de partes, causa de pedir e pedido em relação aos períodos de labor cuja especialidade se pugna, aqui, o reconhecimento, exceto em relação ao período de 01/02/1999 a 26/08/2005 (Rosmar Calçados), que não fora objeto do pedido daquela ação.
No tocante à relativização da coisa julgada, peço vênia para reproduzir excerto do voto de relatoria do Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle, que apreciou a questão com a acuidade que lhe é peculiar, por ocasião da do julgamento da ação rescisória nº 2009.04.00.027595-8/SC pela 3ª Seção deste Tribunal:
"Não há dúvida de que em direito previdenciário muitas vezes o rigor processual deve ser mitigado. Não se pode, todavia, ignorar os limites expressamente estabelecidos pela legislação processual e, mais do que isso, ditados pelos princípios que informam o direito processual e o próprio ordenamento, sendo certo que coisa julgada goza de expressa proteção constitucional (art. 5º, inciso XXXVI) a bem da segurança jurídica, pilar fundamental do estado de direito. Inviável, assim, a relativização da coisa julgada em matéria previdenciária ou mesmo se entenda pela formação de coisa julgada secundum eventum probationem em todas as situações nas quais a sentença considere frágil ou inconsistente a prova documental do alegado trabalho rural.
Oportuna a transcrição de excerto no qual Eduardo Talamini aborda o tema:
Em um dos campos em que a incidência da coisa julgada tem se revelado mais delicada - o das ações sobre filiação - tem-se cogitado de excluir essa autoridade das sentenças que se amparam nos critérios de distribuição do ônus da prova ou julgam com base em presunções. Cabe aqui examinar a questão à luz do ordenamento vigente. Como proposta de lege ferenda, o tema é enfrentado no capítulo 15.
Nos processo de cognição exauriente, vigora a regra geral no sentido de que mesmo a sentença que julga o mérito tomando em conta a falta ou insuficiência de provas (i. e., que aplique as regras sobre ônus da prova) faz coisa julgada material.
O estabelecimento de ônus probatórios para as partes visa a fornecer para o juiz critérios para decidir naqueles casos em que não foi possível produzir as provas suficientes para formar seu convencimento. É então uma "regra de juízo". O processo, por um lado, não pode ter duração indeterminada no tempo. Não é possível passar a vida inteira tentando descobrir a verdade - até porque, em termos absolutos, a verdade é inatingível. A atuação jurisdicional para cada caso concreto tem de, em um determinado momento, terminar, sob pena de sua prolongada pendência ser até mais prejudicial, no âmbito social, do que os males que o processo buscava eliminar. Por outro lado, o juiz não pode eximir-se de decidir apenas porque tenha dúvidas quanto à "verdade dos fatos". Trata-se do princípio de vedação ao non liquet. O juiz terá necessariamente de chegar a uma decisão, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Então, a atribuição de ônus da prova às partes serve de critério - o último recurso - para o juiz decidir nesses casos. O legislador, tomando em conta situações de anormalidade, identifica qual das partes em princípio mais facilmente comprovaria um fato, atribuindo-lhe o ônus de prová-lo. Quando o juiz, a despeito de ter adotado todas as providências razoáveis para reconstrução dos fatos da causa, não houver conseguido formar convencimento a esse respeito, ele deverá aplicar as regras sobre ônus probatório - decidindo contra aquele que não produziu a prova que lhe incumbia.
Pois bem, nesses casos, em regra, formar-se-á a coisa julgada material. A mesma razão que justifica decidir com amparo no critério da distribuição do ônus - evitar a prolongação excessiva do litígio e afastar a insegurança jurídica - legitima igualmente a atribuição de coisa julgada material à decisão a que se chegue.
A cognição não se tornará "sumária" porque o juiz decidiu tomando em conta o ônus da prova ou se amparou em presunções. Se a cognição era exauriente, cognição exauriente continuará havendo. Afinal, não é, em si e por si, mensurável o grau de convencimento de que é dotado o juiz no momento em que sentencia acerca do mérito. Eventualmente, não há plena convicção pessoal do magistrado quanto aos fatos, e ele mesmo assim acaba tendo de decidir, valendo-se de máximas da experiência ou dos critérios de distribuição dos ônus probatórios. Mas a falta de plena convicção pode ocorrer até mesmo quando o juiz sentencia amparando-se em provas ditas "diretas". Por isso, não é o grau de convencimento pessoal do juiz, no momento da sentença, que permite qualificar a atividade cognitiva então encerrada como exauriente ou não. O adequado critério para tal classificação (sumário versus exauriente) é dado por aquilo que se fez antes, no curso do processo - melhor dizendo: por aquilo que o procedimento legalmente previsto possibilitava fazer para chegar à decisão. Processo cujo momento da sentença encontra-se depois de ampla permissão de instrução e debate é de cognição exauriente. Já quando a lei prevê que o pronunciamento judicial não será precedido de tal leque de oportunidades, a cognição é sumária (superficial). Resumindo: a estrutura procedimental instrutória repercute necessariamente na qualificação da cognição. A psicologia do juiz, seu efetivo "grau de convencimento", é insondável.
Portanto, se é exauriente a cognição desenvolvida, e na medida em que a sentença em questão julga o mérito, aplicam-se as regras gerais: há coisa julgada material. Em princípio, a reunião de novas ou melhores provas não permitirá nova ação sobre o mesmo objeto entre as mesmas partes.
Só não será assim, excepcionalmente, por expressa disposição legal. É o que ocorre, por exemplo:
(a) na ação popular (art. 18, da Lei 4.711/1965): a sentença de improcedência por falta ou insuficiência de provas não faz coisa julgada material. Tanto o autor quanto qualquer outro cidadão poderá tomar a propor exatamente a mesma ação popular (mesmos réus, mesmo pedido, mesma causa de pedir), reunindo novos elementos instrutórios destinados a demonstrar a lesividade do ato;
(b) na ação coletiva em defesa de direito difuso ou coletivo (CDC, art. 103, I e II, Lei 7.347/1985, art. 16): aplica-se regime semelhante ao da ação popular. Se a ação foi julgada improcedente porque faltaram provas ou elas foram insuficientes, qualquer legitimado, inclusive o que foi autor da ação rejeitada, pode repetir a mesma ação;
(c) no mandado de segurança: quando não há prova documental suficiente, a sentença que o juiz profere não faz coisa julgada material (Lei 1.533/1951, art. 6°, c/c arts. 15 e 16; STF, Súm. 304). Discute-se, porém, qual o exato motivo pelo qual não se põe essa autoridade. Parte da doutrina e da jurisprudência reputa que não é de mérito tal sentença: terá faltado um pressuposto processual ou condição da ação, de caráter especial, consistente na prova preconstituída (o "direito líquido e certo"). Mas há quem sustente que a sentença, nessa hipótese, é de cognição superficial de mérito. O mandado de segurança seria, então, ação de cognição sumária secundum eventum probationes: se há prova preconstituída a respeito de todos os fatos relevantes, juiz desenvolveria cognição exauriente; ausente esse "direito líquido e certo", apenas se teria cognição superficial.
Em todas essas hipóteses, há disposição legal expressa estabelecendo disciplina própria para a coisa julgada. E, em todas, especiais razões justificam o tratamento especial: (nos dois primeiros exemplos, a regra em exame presta-se a atenuar as conseqüências da extensão da coisa julgada a terceiros; no terceiro, é uma contrapartida à exclusiva admissão de prova preconstituída).
Portanto, a extensão desse regime a outros tipos de processo depende de norma expressa a respeito. Mais ainda: a alteração legislativa apenas se justifica, em cada tipo de caso, se se fundar em razoáveis motivos.
(TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: RT. 2005. pp. 58/61)
Até se poderia se cogitar de coisa julgada secundum eventum probationem a partir da concepção de que o judiciário exerce controle de legalidade dos atos administrativos. Desta forma, formulado um novo requerimento administrativo, e admitindo a Administração a rediscussão da matéria decidida no processo administrativo anterior, abrir-se-ia campo fértil à defesa da possibilidade de novamente a questão ser submetida ao Judiciário, o qual estaria se limitando a apreciar a legalidade do proceder do ente público.
A ementa respectiva tem o seguinte teor, in verbis (grifei):
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. OFENSA A COISA JULGADA. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ART. 485, INCISO IV.
1. Consoante estabelece o Código de Processo Civil em seu artigo 333, I, o ônus da prova, no que toca aos fatos constitutivos do direito, é do autor. Assim, havendo rejeição do pedido, ainda que por reputar o julgador que a prova mostrou-se insuficiente à comprovação do que alegado, a extinção do feito se dá com resolução do mérito (art. 269, I, do CPC).
2. A sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas (art. 468 do CPC), e, quando não mais sujeita a recurso, faz coisa julgada material, ou seja, adquire eficácia que a torna imutável e indiscutível (art. 467 do CPC).
3. Conquanto em direito previdenciário muitas vezes o rigor processual deva ser mitigado, não podem ser ignorados os limites expressamente estabelecidos pela legislação processual e, mais do que isso, ditados pelos princípios que informam o direito processual e o próprio ordenamento, sendo certo que coisa julgada goza de expressa proteção constitucional (art. 5º, inciso XXXVI) a bem da segurança jurídica, pilar fundamental do estado de direito. Inviável, assim, a relativização da coisa julgada em matéria previdenciária ou mesmo se entenda pela formação de coisa julgada secundum eventum probationem em todas as situações nas quais a sentença considere frágil ou inconsistente a prova documental do alegado trabalho rural.
4. Hipótese em que a demandada, tanto na primeira como na segunda ação judicial, questionou indeferimento de benefício previdenciário ocorrido em 2004, de modo que na espécie houve clara repetição de ação anterior, na qual o direito da parte havia sido negado.
(...).
6. Rescisória parcialmente acolhida, uma vez que violada a coisa julgada (art. 485, IV, do CPC), desconstituindo-se a segunda decisão, que apreciou novamente o mérito da pretensão.
(TRF4, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2009.04.00.027595-8, 3ª SEÇÃO, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR UNANIMIDADE, D.E. 25/06/2010, PUBLICAÇÃO EM 28/06/2010).
Logo, inadmite-se a relativização da coisa julgada no caso dos autos, sob pena de instaurar séria insegurança e instabilidade na relação jurídico-processual definitivamente julgada.
Dessa forma, verifica-se a ocorrência de identidade dos elementos da ação entre as duas demandas (partes, pedidos e causa de pedir), razão pela qual se impõe a extinção do processo sem resolução do mérito, por força da coisa julgada, nos termos do art. 267, V, do Código de Processo Civil, à exceção do pedido de reconhecimento da especialidade no período de 01/02/1999 a 26/08/2005 (Rosmar Calçados), que não fora objeto do pedido anterior.
Portanto, deve ser parcialmente provido o recurso da parte, reformando-se em parte a sentença.
DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ:
A litigância de má-fé se configura quando a parte deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; alterar a verdade dos fatos; usar do processo para conseguir objetivo ilegal; opuser resistência injustificada ao andamento do processo; proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; provocar incidentes manifestamente infundados ou, ainda, interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório (artigo 17 do CPC).
Quanto à multa e à indenização fixada pelo reconhecimento da litigância de má-fé, entendo que deva ser afastada, na medida em que a parte autora fundamentou seu entendimento em precedentes exarados por este Tribunal, os quais, em tema de Direito Previdenciário, consideravam a coisa julgada secundum eventum probationis.
Note-se que a parte jamais ocultou do juízo a quo a especial circunstância do ajuizamento de ação anterior, a qual objetivara o reconhecimento da especialidade de praticamente todos os períodos aqui pleiteados. Juntou cópias da petição inicial da referida ação, bem como da respectiva sentença (fls. 42/54) e defendeu a tese da coisa julgada secundum eventum probationis.
Não visualizo a incidência de quaisquer das hipóteses previstas nos incisos do art. 17 do CPC, pois, à imposição da litigância temerária.
Assim, cabe reforma da sentença para afastar a incidência da multa e indenização por litigância de má-fé, devendo ser provido o recurso no ponto.
DO PROCESSAMENTO DA AÇÃO EM RELAÇÃO A PERÍODO CUJA COISA JULGADA NÃO FORA RECONHECIDA
Como anteriormente fundamentado, afastado o reconhecimento da coisa julgada em relação ao período de 01/02/1999 a 26/08/2005 (Rosmar Calçados), pois não verificado em relação a esse tempo a ocorrência de identidade dos elementos da ação entre as duas demandas (partes, pedidos e causa de pedir), a ação deve ser processada em face desse pleito, reabrindo-se a fase postulatória para citação do INSS, oportunizando-lhe defesa.
Infiro que, em relação a esse pleito, considerado os elementos de prova colacionados (PPP, fls. 97/8), há necessidade de que o documento respectivo seja preenchido observando-se os respectivos requisitos, apontando-se, v.g., o nome do profissional responsável pela monitoração biológica (item 18).
Não sendo possível a complementação dessa prova, na medida em que a empresa se encontrada desativada, o juízo a quo poderá proporcionar à parte autora (na instrução) a produção de prova testemunhal, onde seja possível identificar, com clareza e transparência, as atividades desempenhadas pela parte no período e respectivo setor de trabalho.
A partir da produção da prova testemunhal, o juízo a quo deverá determinar a produção de prova pericial.
Ressalto que, consoante vem decidindo esta Corte, restando impossível a realização da perícia no local onde o serviço foi prestado, porque não mais existente, admite-se a perícia indireta ou por similitude, realizada mediante o estudo técnico em outro estabelecimento, que apresente estrutura e condições de trabalho semelhantes àquele em que a atividade foi exercida (TRF4, EINF 0008289-08.2008.404.7108, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 15/08/2011; TRF4, EINF 0003914-61.2008.404.7108, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 10/06/2011). Essa aferição quanto à mesma estrutura e condições de trabalho semelhantes poderá ficar ao encargo do expert, sob a fiscalização do juízo a quo e das próprias partes.
Acolho, no ponto, pois, a tese de cerceamento de defesa, determinando a baixa dos autos à origem para que o juízo a quo - reabrindo a fase postulatória - processe e julgue a demanda (delimitado o pedido em face do afastamento da coisa julgada em relação ao período de 01/02/1999 a 26/08/2005 (Rosmar Calçados).
CONCLUSÃO
À vista do parcial provimento do recurso da parte autora, pois, alterada a sentença no sentido de:
a) afastar o reconhecimento da coisa julgada material em relação ao reconhecimento da especialidade em relação ao período de 01/02/1999 a 26/08/2005 (Rosmar Calçados);
b) reconhecer, em relação a esse pleito, o cerceamento de defesa, determinando-se a baixa dos autos à origem para - reabrindo-se a fase postulatória -, o processamento e julgamento do pedido;
c) afastar a aplicação da multa e indenização por litigância de má-fé.
Prejudicada a análise da apelação em relação à inaplicabilidade do fator previdenciário, bem como em relação à conversão de tempo comum em especial relativamente aos períodos de 24/12/1970 a 24/03/1975 e de 01/08/1992 a 30/06/1994 (fator 0,71) e, consequentemente, sobre a conversão (revisão) do benefício comum em aposentadoria especial e, ainda, o pedido sucessivo quanto à revisão da aposentadoria comum que percebe a parte autora.
DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/04/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0019349-25.2014.404.9999/RS
ORIGEM: RS 00096132620138210132
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | ADELCIO CEMIN |
ADVOGADO | : | Vilmar Lourenco |
: | Imilia de Souza | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/04/2015, na seqüência 173, disponibilizada no DE de 19/03/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON | |
: | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
Lídice Peña Thomaz
Diretora de Secretaria
Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Diretora de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7483702v1 e, se solicitado, do código CRC 67104A20. | |
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