Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br
Apelação/Remessa Necessária Nº 5000438-48.2014.4.04.7130/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ALCEU PEDRO TOSETTO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) (AUTOR)
APELADO: NELSON FRANCISCO TOSETTO (Curador) (AUTOR)
RELATÓRIO
ALCEU PEDRO TOSETTO ajuizou ação de procedimento comum contra o INSS, postulando a anulação do ato administrativo de revisão e cancelamento de benefício que percebia, a condenação do réu ao pagamento dos valores que deixaram de ser pagos referentes ao benefício cessado, a restituição dos valores descontados do atual benefício que recebe e ao pagamento de valor equivalente a 60 salários-mínimos a título de reparação por danos morais.
Processado o feito, sobreveio sentença com o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, nos termos do art. 269, inciso IV, do CPC, afasto a decadência do direito de revisão do INSS do ato de concessão do benefício de amparo previdenciário por invalidez ao autor, e no mérito, fulcro no art. 269, inciso I, do CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão formulada na inicial, a fim de:
a) declarar nulo o ato administrativo de cobrança dos valores percebidos pelo autor a título de benefício de amparo previdenciário por invalidez cessado (NB 051.003.652-0);
b) determinar ao INSS a cessação dos descontos referentes ao benefício cessado (NB 051.003.652-0); e
c) condenar o INSS a restituir ao autor todas as parcelas descontadas do atual benefício previdenciário recebido (NB 545.270.188-1), em virtude da anulação do benefício de amparo previdenciário por invalidez (NB 051.003.652-0), acrescidas de juros e correção monetária nos termos da fundamentação.
Apelaram as partes.
Asseverou a autarquia, em síntese, que a) restou evidente nos autos que à parte autora não era devido o benefício conforme deferido, já que houve erro no cálculo da RMI, tendo percebido valores a maior; b) houve recebimento indevido no caso dos autos e tal fato impõe a devolução de tais valores ao INSS, ainda que o autor não tenha agido de má-fé; c) houve equívoco na fixação dos critérios de correção monetária.
A parte autora argumentou, em suma: a) decadência; b) a suspensão do benefício durante o procedimento administrativo não encontra qualquer justificativa plausível, pois a própria autarquia recorrida reconheceu, durante o procedimento administrativo, o direito do recorrente à concessão do LOAS; c) a prova documental apresentada na exordial mostra-se suficiente para corroborar a presença dos requisitos autorizadores da concessão do LOAS na época da defesa administrativa, sendo totalmente arbitrária e abusiva a suspensão do benefício; d) deverá ser reformada a sentença no que pertine à impossibilidade de suspensão do benefício no período da defesa administrativa; e) do mesmo modo, merece ser reformada a sentença, para que sejam reconhecidos os elementos caracterizadores do dever de indenizar, condenando a autarquia requerida ao pagamento dos danos morais postulados. Isto porque devidamente demonstrada a conduta culposa dos prepostos da autarquia requerida (ao revisar ato já atacado pelo instituto da decadência, suspender o pagamento do benefício em sede de defesa administrativa, bem como descontar do beneficio do requerente valores já recebidos através do benefício anterior, que, ressalte-se foi concedido ao recorrente por erro da autarquia previdenciária); e f) por fim, o recurso deve ser acolhido para que seja condenada a autarquia recorrida ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência, sem compensação.
Com contrarrazões pela parte autora.
Vieram os autos a esta Corte, também por força da remessa necessária.
O MPF opinou pelo parcial provimento dos recursos da parte autora e do INSS e pelo desprovimento da remessa necessária.
Em sessão de 13/12/2016, esta Turma negou provimento ao apelo do INSS.
Posteriormente, em sessão realizada em 07/11/2017, a Turma solveu questão de ordem para anular o julgamento anterior, por não ter apreciado o apelo da parte autora, e rejeitar a preliminar de decadência, determinando a suspensão do processo até o julgamento do Tema 979 do STJ.
A parte autora requereu o prosseguimento do feito.
É o relatório.
VOTO
Código de Processo Civil aplicável
Consoante a norma inserta no art. 14 do CPC de 2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, são examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas necessárias em face de provimentos judiciais proferidos a contar do dia 18/03/2016. No caso, considerando que a sentença foi publicada ainda na vigência do CPC de 1973, a apelação será analisada à luz da legislação então em vigor.
Decadência
O tópico do recurso da parte autora quanto à decadência para revisão já foi analisado no julgamento de 07/11/2017, cabendo apenas ratificar o entendimento, nos seguintes termos:
"A questão do prazo decadencial previsto no art. 103-A da Lei 8.213/1991 foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça na forma do antigo art. 543-C do CPC, no julgamento do REsp 1114938/AL, em 14/10/2010, sendo relator o Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Na ocasião ficou assentado o entendimento de que o prazo decadencial para o INSS revisar o ato de deferimento dos benefícios concedidos antes da vigência da Lei 9.784/1999 é de dez anos a contar da data de sua entrada em vigor (01/02/1999). O julgado foi assim ementado:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.787/99. PRAZO DECADENCIAL DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ART. 103-A DA LEI 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NO ENTANTO.
1. A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99). Ressalva do ponto de vista do Relator.
2. Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784/99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus benefíciários.
3. Tendo o benefício do autor sido concedido em 30.7.1997 e o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em janeiro de 2006, não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato.
4. Recurso Especial do INSS provido para afastar a incidência da decadência declarada e determinar o retorno dos autos ao TRF da 5a.
Região, para análise da alegada inobservância do contraditório e da ampla defesa do procedimento que culminou com a suspensão do benefício previdenciário do autor.
(STJ, Terceira Seção, REsp 1114938/AL, rel. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 14/10/2010, DJe de 02/08/2010)
Na hipótese, o benefício foi concedido em 28/07/1989 (Evento 1-PROCADM6), de forma que o INSS teria até fevereiro de 2009 para promover revisão. O processo de revisão iniciou em 2008, sendo o demandante comunicado de sua existência em 06/06/2008 (Evento 1-PROCADM6-p. 4), de forma que não está atingido pela decadência o direito de revisão do INSS.
Observe-se que não há indicação de fraude ou irregularidade na concessão do benefício. Ao contrário, o próprio INSS admite, inclusive em seu recurso de apelação (Evento 54), que o pagamento a maior decorreu de erro administrativo. Superada a preliminar apresentada na apelação do autor, é necessário analisar a apelação do INSS, onde se discute a possibilidade de repetição dos valores indevidamente pagos."
Nesse ponto, o recurso da parte deve ser desprovido.
Recebimento de BPC concedido administrativamente desde a cessação administrativa do benefício de amparo por invalidez
Sustenta ainda a parte autora que, caso afastada a decadência, tem direito ao recebimento do benefício de prestação continuada que posteriormente lhe foi concedido desde o cancelamento do anterior benefício. Quanto ao ponto, acolho as razões do parecer do Ministério Público Federal, da lavra do Dr. Fábio Bento Alves, no sentido de que o próprio parecer do INSS já havia sugerido a substituição do benefício concedido por equívoco pelo BPC ao portador de deficiência, verbis:
"A parte autora não recebeu benefício algum no período entre a suspensão do benefício de amparo previdenciário por invalidez até a concessão do benefício assistencial e, em sede recursal, pretende o recebimento dos valores referentes a esse período.
O juízo a quo analisou o ponto nos seguintes termos:
“O autor afirmou que entre a suspensão do benefício de amparo previdenciário e concessão do benefício de amparo à pessoa portadora de deficiência, decorreram 2 anos e 7 meses, tempo durante o qual o INSS deixou de alcançar-lhe qualquer parcela pecuniária.
Em que pese a razão do cancelamento do benefício decorrer de equívoco praticado pela Administração quando da concessão do mesmo, não assiste razão à pretensão formulada pela parte autora, haja vista que a autarquia ré tem o direito de rever seus atos, inclusive, quando se tratar de erro, e observou o devido processo legal na via administrativa.
E, de qualquer sorte, considerando que não corre prazo prescricional em face dos absolutamente incapazes, passo a analisar, se na data de cancelamento do benefício, o autor preenchia os pressupostos para concessão do LOAS.
A patologia que acomete o autor e acarreta-lhe impedimento de longo prazo, há bastante tempo, é incontroversa. Inclusive, em virtude dessa doença o requerente é absolutamente incapaz para os atos da vida civil.
Já, no que tange à insuficiência econômica do autor ou de sua família para prover o seu sustento, verifico no laudo socioeconômico elaborado pela assistente social (evento 33) que a renda per capita da família, mesmo descontando o benefício atualmente recebido pelo autor, é superior ao limite de 1/4 do salário mínimo (cerca de R$ 384,00).
Outrossim, as fotografias do imóvel (evento 34) em que o requerente e sua família residem, evidenciam uma vida simples, mas com conforto, pois a casa de alvenaria é equipada com móveis e eletrodomésticos em bom estado de conservação, senão novos.
Desse modo, não tendo a parte autora demonstrado que no ano de 2008, as condições materiais em que vivia era inferior das que atualmente desfruta, o autor não fazia jus ao benefício assistencial no ano de 2008.
Em virtude dessa conclusão, improcede a pretensão deduzida pelo autor de receber as parcelas previdenciárias entre o cancelamento de um benefício e a concessão do outro.”
Ocorre que, da análise do processo administrativo juntado com a inicial (Evento 1 – PROCADM – processo originário), tem-se que a própria autarquia previdenciária havia sugerido, em parecer social realizado naqueles autos (fl. 41 do PA), a implantação do Benefício Assistencial ao Portador de Deficiência, em substituição ao amparo por invalidez concedido por equívoco, uma vez que o recorrente cumprira os requisitos para tanto, verbis:
DESCRIÇÃO:
O beneficiário da Previdência Social (LOAS – BPC) Sr. Alceu Pedro Tosetto, reside sozinho, próximo à residência de seu Curador, Nelson Francisco Tosetto (conforme Termo de Curatela), sendo que o mesmo presta os cuidados necessários para com o interessado, como alimentação, saúde, higiene, limpeza da moradia entre outros que se fizerem necessário.
O referido, segundo seu responsável legal, não apresenta condições físicas e psíquicas de exercer qualquer tipo de trabalho, sendo dependente de outras pessoas para suprir suas necessidades básicas, principalmente financeiras para seu próprio sustento.
OUTRAS INFORMAÇÕES:
Conclui-se que o Sr. Alceu Pedro Tosetto, necessita continuar assegurado pelo benefício de Prestação Continuada, conforme prevê a LOAS.
Taquaraçu do Sul – RS, 05 de junho de 2008.
Neste sentido, consta do relatório de fl. 51 e seguintes do Procedimento Administrativo (Evento 1 – PROCADM8 – processo originário), que:
“9 - Na data de 08/12/2008 fora realizada a CONVERSÃO do JULGAMENTO então realizada na DILIGÊNCIA DECISÓRIO nº 15862008, fls. 35-37, por meio do qual se solicitou ao representante legal da parte interessada que se manifestasse no sentido de informar se possui interesse na concessão do LOAS – AMPARO SOCIAL AO PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS, sendo que, uma vez aceita a concessão do referido benefício, que o INSS providencie a pesquisa IN LOCO com a emissão de PARECER SOCIAL ...(...)”
10 - Em cumprimento à referida diligência fora protocolada PETIÇÃO de fl. 40, onde a parte interessada solicita que sejam pagos todos os valores que lhe são devidos desde que foi suspendido os pagamentos do mesmo, pois não é uma nova concessão e sim uma transformação de espécie, pois o engano na concessão foi do INSS, e com isso o recorrente não pode ser prejudicado.
11 - Foi ainda emitido PARECER SOCIAL de fl. 41, por meio do qual a Assistente Social concluiu 'que o Sr. Alceu Pedro Tosetto necessita continuar assegurado pelo Benefício de Prestação Continuada, conforme prevê a LOAS'. [...] ...fora realizada PESQUISA às fls. 43-44 que retornou POSITIVA ...Por fim, apurou-se por meio de PESQUISAS e PARECER SOCIAL que a parte interessada faz jus ao deferimento do presente benefício.”
Configura-se, portanto, como imprópria a análise dos requisitos para a concessão do benefício assistencial com base em laudo socioeconômico elaborado em agosto de 2015 (Evento 33 do processo originário).
Assim, a sentença merece reforma no ponto, a fim de que seja reconhecido o direito do autor ao recebimento do benefício assistencial relativo ao período entre a suspensão de um benefício e a concessão de outro."
Assim, o autor faz jus ao recebimento de parcelas benefício de prestação continuada desde quando cessado o benefício de amparo por invalidez que foi objeto de revisão e cancelamento administrativo.
Indenização por danos morais
Quanto ao pedido de indenização por danos morais, deve ser mantida a sentença pelos próprios fundamentos, pois o cancelamento do benefício não se mostrou indevido e nem alcançado pela decadência. De outro lado, foi concedido benefício em susbstituição. O só fato de não ter sido concedido desde a data da cessação do anterior benefício, bem como o INSS pretender obter ressarcimento ao erário, por si só, não geram dever de indenizar. Na mesma linha, igualmente, o parecer ministerial.
Ressarcimento ao erário
Quanto ao ponto, restou claro nos autos a ausência de má-fé. Nesse sentido, adoto as razões da sentença:
"Considerando que não houve má-fé do segurado para obtenção e manutenção do benefício de amparo previdenciário, desde 1989. Ao revés, a própria Administração Pública reconheceu ter laborado em erro ao conceder o benefício, o autor não tem o dever de ressarcir os cofres públicos.
No que concerne à devolução dos valores percebidos e abatimento de valores pagos indevidamente, há previsão legal no art. 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e no art. 154 do Decreto nº 3.048/99.
Amparado na jurisprudência do egrégio TRF4, entendo que nas hipóteses em que há boa-fé do segurado ou, em caso de erro administrativo, a verba percebida a maior é irrepetível, em face da natureza alimentar da benesse.
PAGAMENTOS EFETUADOS EM DECORRÊNCIA DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. IMPOSSIBILIDADE. É vedada a possibilidade de devolução dos valores que são pagos em decorrência de erro da Administração ou de interpretação errônea ou aplicação equivocada de lei. Precedentes do STJ. (TRF4, APELREEX 5002876-72.2012.404.7209, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 08/10/2015)
Desse modo, deve ser declarado nulo o ato administrativo que determinou a devolução dos valores percebidos pelo autor a título de benefício de amparo previdenciário por invalidez.
E, por via de consequência, devem ser cessados os descontos realizados pelo INSS em benefício previdenciário atualmente percebido pelo autor, bem como devida a condenação da Previdência Social a restituir ao requerente os valores já descontados."
Ao julgar o Tema 979, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese:
Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
O julgado (REsp n.º 1.381.734/RN) restou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART.
115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO.
ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n.
8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Entendo que a sentença deve ser mantida. Primeiro porque, segundo entendo, o pagamento indevido não decorre de erro material ou operacional, mas sim de equívoco na análise dos documentos fáticos existentes no processo administrativo e interpretação da lei.
Ainda que assim não fosse, é evidente a boa-fé da parte autora, de baixa instrução e que recebeu o benefício por quase duas décadas.
O apelo do INSS deve ser desprovido.
Consectários legais
Correção monetária
Segundo decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Tema 905 (REsp n.º 1.495.146), interpretando o julgamento do Supremo Tribunal Federal no Tema 810 (RE 870.947), as condenações judiciais previdenciárias sujeitam-se à atualização monetária pelo INPC:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Dessa forma, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme os seguintes índices e respectivos períodos:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).
Por outro lado, quanto às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve ser aplicado o IPCA-E.
Juros moratórios
Os juros de mora incidem a contar da citação, conforme Súmula 204 do STJ, da seguinte forma:
- 1% ao mês até 29/06/2009;
- a partir de então, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
Registre-se que, quanto aos juros de mora, não houve declaração de inconstitucionalidade no julgamento do RE 870.947 pelo STF. Ainda, cabe referir que devem ser calculados sem capitalização.
Honorários advocatícios
A parte autora é sucumbente quanto à decadência para revisão do benefício e quanto ao pedido de indenização por danos morais.
Já o INSS é sucumbente quanto à impossibilidade de restituição dos valores e quanto à concessão do BPC desde a cessação administrativa do benefício de amparo à invalidez.
Com o provimento parcial da parte autora, entendo que o INSS sucumbiu em maior parte.
Ante o disposto no art. 20, § 4º, do CPC de 1973, considerando o tempo de tramitação da ação e a complexidade da matéria em questão, fixo os honorários advocatícios em R$ 10.000,00, devendo o INSS arcar com o pagamento de 60% do montante e a parte autora 40%. Mantida a possibilidade de compensação, expressamente admitida na legislação processual então vigente.
Conclusão
Apelo da parte autora parcialmente provido para: condenar o INSS ao pagamento de benefício assistencial (NB 545.270.188-1) desde a cessação do benefício de amparo à invalidez cessado administrativamente (NB 051.003.652-0) e modificar os honorários advocatícios.
Apelo do INSS e remessa necessária providos em parte apenas para ajustar os consectários legais.
Mantida a sentença que: a) declarou nulo o ato administrativo de cobrança dos valores percebidos pelo autor a título de benefício de amparo previdenciário por invalidez cessado (NB 051.003.652-0); b) determinou ao INSS a cessação dos descontos referentes ao benefício cessado (NB 051.003.652-0); e
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento aos apelos e à remessa necessária.
Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002783760v9 e do código CRC cda28f4b.Informações adicionais da assinatura:
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Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br
Apelação/Remessa Necessária Nº 5000438-48.2014.4.04.7130/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ALCEU PEDRO TOSETTO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) (AUTOR)
APELADO: NELSON FRANCISCO TOSETTO (Curador) (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PELO INSS. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. TERMO INICIAL. DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
1. Hipótese em que não configurada a decadência do direito de revisão.
2. Determinada a concessão de BPC desde a cessação administrativa de anterior benefício de amparo à invalidez concedido indevidamente.
3. Não cabe a restituição ao erário de benefício recebido indevidamente por má interpretação da lei.
4. Negado pedido de indenização por danos morais.
5. Apelos e remessa necessária parcialmente providos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento aos apelos e à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de setembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002783761v4 e do código CRC d7e81403.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGER RAUPP RIOS
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 09/09/2021 A 16/09/2021
Apelação/Remessa Necessária Nº 5000438-48.2014.4.04.7130/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
APELANTE: ALCEU PEDRO TOSETTO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: Gláucia Nicole Pinheiro (OAB RS074822)
APELANTE: NELSON FRANCISCO TOSETTO (Curador) (AUTOR)
ADVOGADO: Gláucia Nicole Pinheiro (OAB RS074822)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 09/09/2021, às 00:00, a 16/09/2021, às 16:00, na sequência 361, disponibilizada no DE de 30/08/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AOS APELOS E À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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