D.E. Publicado em 29/01/2015 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021196-62.2014.404.9999/SC
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | FATIMA HINCHEL DE SOUZA |
ADVOGADO | : | Max Edson de Figueiredo |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL COMPROVADA.
1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea. Precedentes da Terceira Seção desta Corte e do egrégio STJ. 2. Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência, a autora tem direito à percepção do salário-maternidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de dezembro de 2014.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7196397v4 e, se solicitado, do código CRC FE0D35D3. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
Data e Hora: | 20/01/2015 16:51 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021196-62.2014.404.9999/SC
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | FATIMA HINCHEL DE SOUZA |
ADVOGADO | : | Max Edson de Figueiredo |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta da sentença que assim dispôs:
Iso posto, JULGO PROCEDENTE o pedido lançado na inicial, a fim de condenar a autarquia ré a conceder à autora o benefício de salário-maternidade, no valor equivalente a 04 (quatro) salários mínimos vigentes na data do requerimento administrativo (19/1/2012), nos termos previstos no art. 71 da Lei nº 8.213/91, acrescidas, ainda, de coreção monetária e juros de mora. Em conseqüência, declaro extinto o processo com fulcro no inc. I do art.269 do CPC.
A atualização monetária deverá ser contabilizada a contar do vencimento de cada prestação, devendo dar-se, no período de 05/1996 a 03/2006, pelo IGP-DI (art. 10 da Lei n.° 9.711/98, c/c o art. 20, §§5° e 6.°, da Lei n.° 8.880/94), e, de 04/2006 a 06/2009, pelo INPC (art. 31 da Lei n.° 10.741/03, c/c a Lei n.° 11.430/06, precedida da MP n.° 316, de 11-08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.° 8.213/91, e REsp. n.° 1.103.122/PR). Nesses períodos, os juros de mora devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a contar da citação, com base no art. 3° do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte. A contar de 01-07-2009, data em que passou a viger a Lei n.° 11.960, de 29-06-2009, que alterou o art. 1.°-F da Lei n.° 9.494/97, para fins de atualização monetária e juros haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (TRF 4a Região, Apelação cível n. 00,18133-68.2010.404.9999, RS, Rei. Luís Alberto de D'Azevedo Aurvalle.j. Em 20-07-2011).
Fixo os honorários advocatícios devidos pela Autarquia ao procurador da autora em 20% sobre o valor da condenação.
A encargo do INSS, custas pela metade, (§ 1° do art. 33 da LCE n. 156/97 - Regimento de Custas e Emolumentos do Estado de Santa Catarina).
(...)
P. R. I.-se. (Grifou-se.)
O INSS recorre, postulando a reforma da sentença. Sustenta, em síntese: (a) ausência de início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, nos 10 meses que antecedem à data de início do benefício, in casu, de 12-08-2011 a 12-06-2012; (b) a existência de registros empregatícios urbanos do companheiro da autora no CNIS (fl. 77), o que impossibilitaria o reconhecimento da atividade rural em regime de economia familiar; (c) que a demandante não faz jus à concessão do salário-maternidade, uma vez que não teria preenchido os requisitos estabelecidos pela legislação de regência para a outorga do benefício. Regularmente processado o feito, os autos subiram a esta Corte.
Regularmente processado o feito, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
A questão controversa nos presentes autos cinge-se à possibilidade de a parte autora obter o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial (trabalhadora rural).
Sobre o tema, assim dispõe a legislação previdenciária:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Texto alterado pela Lei n.º 10.710, de 05-08-2003).
Como se vê, para fazer jus ao benefício, a autora deve demonstrar a maternidade e a condição de segurada da Previdência Social.
No que tange à maternidade, restou comprovada pelo Registro de Nascimento de Paloma Hinchel Mendes, em 09-07-2012 (fl. 04).
Relativamente ao período de carência para a outorga do benefício, a Lei n.º 8.213/91 expressa que:
Art. 25 - A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral da Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
I a II - omissis;
III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incs. V e VII do art. 11 e o art. 13: 10 contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei. (Inciso acrescentado pela Lei n.º 9.876, de 26-11-1999).
Art. 39 - Para os segurados especiais referidos no inc. VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I a II - omissis.
Parágrafo único - Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural , ainda que de forma descontínua, nos 12 meses imediatamente anteriores do início do benefício. (Parágrafo único com a redação dada pela Lei n.º 8.861, de 25-03-1994).
Com efeito, a partir de 25-03-1994 as seguradas especiais têm direito também ao benefício do salário-maternidade, mediante simples comprovação do exercício de atividade rural (sem necessidade de contribuições), a qual, no caso em tela, deverá corresponder aos 10 meses anteriores ao início do benefício, em virtude do preceituado no art. 93, § 2º, do Decreto n.º 3.048 de 06-05-1999, com a redação dada pelo Decreto n.º 3.265, de 29-11-1999.
Quanto à demonstração do exercício da atividade rural, encontra-se averbado no parágrafo 3º do art. 55 da Lei de Benefícios da Previdência que a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Complementando a matéria, cuidou o legislador de elencar no art. 106 do mesmo Diploma os meios destinados à demonstração do exercício da atividade rural e, ainda que se entenda o referido rol meramente enunciativo, à evidência, alguma prova material há de ser produzida.
O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).
Quando se trata de mulheres, a prova se torna ainda mais difícil, pois se sabe que quando existiam documentos, estes eram lançados em nome do chefe da família onde, há certo tempo, era o único membro familiar a possuir direito à aposentadoria, de modo que deixar de atribuir-lhe a qualidade de trabalhadora rural em face da inexistência de documento em nome próprio, qualificando-a como tal, redunda em grande injustiça com as mulheres ativas neste tipo de trabalho árduo em que trabalham tanto quanto ou muitas vezes ainda mais que os homens.
De outro modo, não há impedimento a que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade rural.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, de acordo com a Súmula n.° 73, desta Corte, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra a documentação emitida em nome de uma única pessoa.
Assim, as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, dentre outros julgados).
Ressalte-se que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados - insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) - art. 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis anos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.
Do caso concreto
A propósito da exigência de comprovação do efetivo exercício da atividade rural no período de carência (de 12-08-2011 a 12-06-2012), a fim de evitar tautologia, passo a transcrever excerto da sentença, adotando seus bem lançados fundamentos como razões de decidir:
"O início de prova material, deverá ser feito mediante documentos que comprovem o exercício da atividade rural, devendo ser contemporâneo ao período de carência, ainda que parcialmente.
A propósito de tal exigência, foram juntados aos autos, os seguintes documentos:
Documento | Teor e período | Fls. |
ITR em nome do parceiro agrícola Bertoldo Guilherme Althoff | 2011-2012 | 15-16 |
Declaração do Sindicato referente aos períodos de atividade rural | 01/05/2002-01/05/2006 2007-2011 2012 - [...] | 24-25 |
Notas fiscais de Produtor em nome da autora | 14/04/2005 27/02/2006 24/02/2007 16/10/2012 | 26-29 |
Contrato de Parceria Agrícola em nome da autora | 01/05/2002-01/05/2006 | 31-32 |
Declaração de Bertoldo Guilherme Althoff constando que a autora trabalhou em regime de agricultura familiar | 2007/2011 | 33 |
Contrato de Parceria Agrícola em nome da autora e seu companheiro | 03/10/2012-03/10/2016 | 34-35 |
Apreciando a prova coletada nos autos, constato que os contratos de parceria agrícola, as notas fiscais de produtor, aliadas as declarações anexadas, efetivamente contemplam o período de carência.
Não obstante, em se tratando de rurícola, deve o Magistrado valorar a situação fática do trabalhador rural, "[...] devendo-se levar em conta a realidade social em que inserido o trabalhador rural, onde na demonstração dos fatos predomina a informalidade, não se mostrando razoável exigir que os documentos carreados ao processo sigam sempre a forma prescrita em lei, devendo ser considerados válidos quando de outra forma atingir a finalidade precípua de comprovar o exercício da atividade rural, consoante disposto no art. 244 do CPC.
Ademais, quando se trata de mulheres, a prova se toma ainda mais difícil, pois sabe-se que quando existiam documentos, os apontamentos acerca de sua qualificação, de regra, eram feitos no sentido de estarem ligadas às lides domésticas, ou eram lançados em nome do chefe da família onde, a certo tempo, era o único membro familiar a possuir direito à aposentadoria, de modo que deixar de atribuir-lhe a qualidade de trabalhadora rural em face da inexistência de documento em nome próprio, qualificando-a como tal, redunda em grande injustiça com as mulheres ativas neste tipo de trabalho árduo em que trabalham tanto quanto ou muitas vezes ainda mais que os homens." (trecho do corpo da Apelação Cível n° 0010765-08.2010.404.9999/PR, Rei. Des. Federal João Batista Pinto Silveira)
Pois bem, este é o caso dos autos.
Com efeito, o nascimento ocorrido em 09/07/2012 está devidamente comprovado à fl. 22.
Da mesma forma, o período de carência de 10 meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício - quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua, restou demonstrado na documentação acostada ao feito.
A prova oral, por sua vez, corrobora a tese de que a autora sempre exerceu atividade laborativa rural, vejamos:
Ivete Berger Seemann (fls. 133-134/mídia): "Que conhece a dona Fátima há bastante tempo; que ela teve um neném; que ela trabalha na roça, na terra do Bertoldo, no Rio Lessa, como parceira; que ele ajuda na roça; que quando a roça diminui o serviço ele trabalha de pedreiro, ali no inverno, quando alivia o tempo da roça; que eles não tem empregado e maquinário; que são pequenos agricultores mesmo, pobre mesmo".
Eni Mohr Marian (fls. 133-134/mídia): "Que conhece a dona Fátima há bastante tempo, lá do Rio Lessa; que a profissão dela é agricultora, trabalha na roça, nas terras do Bertoldinho; que a roça é dela mesmo e o marido dela também é agricultor; que quando não é época de roça ele faz uns biquinho por fora, mas ele trabalha na roça, na localidade de Rio Lessa; que eles não tem empregados e maquinários."
Através da prova documental trazida aos autos com a inicial, e dos testemunhos colhidos posteriormente, fica claro que a autora efetivamente exerce
trabalho rural, demonstrada a sua condição de segurada especial, tendo portanto, direito a receber o salário-maternidade conforme requerido.
Ainda, em que pese o companheiro da autora ter possuído exercício de trabalho urbano por um curto período de tempo, o fato, por si só, não descaracteriza sua condição de trabalhadora rural, assim é o entendimento jurisprudêncial:
[...] O fato do cônjuge da autora desenvolver atividade urbana não obsta o reconhecimento do labor agrícola desta, pois o trabalho da autora é exercido individualmente (pessoalidade), independentemente do labor do esposo, não constituindo este fato óbice à concessão do beneficio. (TRF4, AC 0015755-71.2012.404.9999, Quinta Turma, Relator João Pedro Gebran Neto, D.E. 07/05/2013) Grifou-se
Além do mais, o caso está amparado no seguinte julgado:
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. TRABALHO URBANO DO CÔNJUGE NÃO OBSTA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. 1. Demonstrada a maternidade e a qualidade de segurada especial, mediante início razoável de prova documental corroborada pela prova testemunhal, durante período equivalente ao da carência, é devido o salário-maternidade. 2. O fato do cônjuge da autora desenvolver atividade urbana não obsta o reconhecimento do labor agrícola desta, pois o trabalho da autora é exercido individualmente (pessoalidade), independentemente do labor do esposo, não constituindo este fato óbice à concessão do benefício. (TRF4, AC 0000714-30.2013.404.9999, Sexta Turma, Relator Néfi Cordeiro, D.E. 12/04/2013)
Demonstrada a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência, tem direito, a autora, à percepção do salário-maternidade."
Com efeito, na hipótese vertente, foram apresentados os seguintes documentos em nome da requerente: a) os contratos de parceria agrícola, firmados nos anos de 1999/2002, 2002/2006 e 2012/2016; b) a declaração do proprietário da terra e parceiro nos referidos contratos, de que a autora trabalhou em seu terreno rural nos anos de 2007 a 2011; c) as notas fiscais de produtor rural de 2006/2007 e 2012; d) e a declaração do sindicato de trabalhadores rurais de que a autora exerceu atividade rural em regime de economia familiar, em terras de terceiro, em regime de parceria, no período de 2002 a 2012. Tais documentos demonstram que a parte autora pode ser qualificada como sendo agricultora de profissão e atendem à necessidade de apresentação de prova material em nome próprio.
Não se pode desconsiderar, que os trabalhadores que desenvolvem suas atividades em terras de terceiros são, à exceção dos trabalhadores rurais boias-frias, talvez os mais prejudicados quando se trata de comprovar labor rural. Como não detêm título de propriedade e, na maior parte das vezes, comercializam a produção em nome do proprietário do imóvel, acabam por ficar sem qualquer documento que os vincule ao exercício da agricultura.
Quanto ao fato de o companheiro da autora ter possuído vínculos urbanos, de 2005 a 2012, na qualidade de empregado na atividade de "Ajudante de obras civis" (CBO 7170), inclusive durante o lapso carencial, conforme informações constantes do CNIS (fls. 37/40), entendo que não tem o condão de descaracterizar a condição de segurada especial de quem postula o benefício, pois, ainda que considerada como trabalhadora rural individual, sua situação encontra guarida no art. 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/91, sendo certo também que incumbia à Autarquia Previdenciária a prova de que a subsistência da família era garantida pelo salário do seu companheiro, e não pela atividade rural desenvolvida pela requerente, o que não se verificou no presente caso.
Nesse sentido, vejam-se as seguintes decisões:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO.. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR UM DOS MEMBROS DA FAMÍLIA. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
(omissis)
3. O exercício de atividade urbana por um dos membros do grupo familiar não descaracteriza a condição de segurado especial dos demais, quando não comprovado que os rendimentos dali advindos sejam de tal monta que possam dispensar o trabalho rural desempenhado pelo restante da família.
(omissis). (TRF4ªR, AC n.º 0001115-49.2007.404.7118, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. em 12.05.2010)
Colaciona-se, ainda, a Súmula 41 da TNU (DJ 03/03/2010): "A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto".
Por fim, a prova testemunhal colhida em juízo confirmou o labor rural da autora pelo número de meses correspondente à carência do benefício.
Dessa forma, o conjunto probatório permite concluir que a autora exerceu atividade agrícola no período de carência, restando comprovada sua qualidade de segurada especial, razão pela qual deve ser mantida a sentença de procedência.
Dos consectários
Cuidando-se de questão de ordem pública, segundo orientação do STJ, devem ser adequados de ofício (AgRg no AREsp: 144069 SP 2012/0026285-1, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 19-10-12).
Assim, conforme entendimento das Turmas Previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
a) CORREÇÃO MONETÁRIA:
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam:
- ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);
- OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86);
- BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89);
- INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91);
- IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92);
- URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94);
- IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94);
- INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95);
- IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei nº 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei nº 8.880/94);
- INPC (a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/03, combinado com a Lei nº 11.430/06, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91, e REsp nº 1.103.122/PR).
Entendia a 3.ª Seção deste Tribunal que a contar de 30.06.2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960/09, de 29.06.2009, publicada em 30.06.2009 (a qual alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97), deveria haver, para fins de atualização monetária e juros, a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
Não são aplicáveis, todavia, no que toca à correção monetária, os critérios previstos na Lei nº 11.960/2009, que modificou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, por conta de decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, que apreciou a constitucionalidade do artigo 100 da CF, com a redação que lhe foi dada pela EC 62/2006. Essa decisão proferida pela Corte Constitucional, além de declarar a inconstitucionalidade da expressão "na data de expedição do precatório", do §2º; dos §§ 9º e 10º; e das expressões "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança" e "independente de sua natureza", do §12, todos do art. 100 da Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, por arrastamento, também declarou inconstitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960, de 29.07.2009 (atualização monetária pelo índice de remuneração da poupança).
Impõe-se, pois, a observância do que decidido com efeito erga omnes e eficácia vinculante pelo STF nas ADIs 4.357 e 4.425, restabelecendo-se, no que toca a juros e correção monetária, a sistemática anterior à Lei nº 11.960/09, ou seja, apuração de correção monetária pelo INPC.
A correção monetária deve ser adequada aos critérios acima definidos. De fato, em razão do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, as disposições do art. 1.º-F da Lei n.º 9.494, com a redação dada pelo art. 5.º da Lei nº 11.960/09, foram expungidas do ordenamento jurídico no que toca à correção monetária, a qual, como sabido, constitui acessório, sobre o qual pode e deve o órgão julgador deliberar. Eliminada do mundo jurídico uma norma legal em razão de manifestação do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade, não pode subsistir decisão que a aplique, pois está em confronto com a Constituição Federal.
b) JUROS DE MORA
Até 30.06.2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n.º 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de 30.06.2009, por força da Lei n.º 11.960, de 29.06.2009(publicada em 30.06.2009), que alterou o art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos juros aplicados à caderneta de poupança. Registre-se que a Lei 11.960/09, segundo o entendimento do STJ, tem natureza instrumental, devendo ser aplicada aos processos em tramitação (EREsp 1207197/RS. Relator Min. Castro Meira. Julgado em 18.05.2011).
Observo que as decisões tomadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não interferiram com a taxa de juros aplicável às condenações da Fazenda Pública, consoante entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do RESP 1.270.439. Com efeito, como consignado pela Ministra Eliana Calmon no julgamento do MS 18.217, "No julgamento do REsp 1.270.439/PR, sob a sistemática dos recursos repetitivos, esta Corte, diante da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 1º-F da Lei 9.494/99 no que concerne à correção monetária, ratificou o entendimento de que nas condenações impostas à Fazenda Pública após 29.06.2009, de natureza não tributária, os juros moratórios devem ser calculados com base na taxa de juros aplicáveis à caderneta de poupança".
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/12/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021196-62.2014.404.9999/SC
ORIGEM: SC 00000630420138240009
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Cláudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | FATIMA HINCHEL DE SOUZA |
ADVOGADO | : | Max Edson de Figueiredo |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/12/2014, na seqüência 72, disponibilizada no DE de 03/12/2014, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal CELSO KIPPER | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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