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PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. BOIA-FRIA. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. TRF4. 0014327-20.2013.4...

Data da publicação: 04/07/2020, 01:58:18

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. BOIA-FRIA. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. 1. É devido o salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos filhos e do labor rural exercido no período de doze meses antecedentes ao início do benefício, ou nos dez meses precedentes ao parto (artigo 25, inciso III, c/c artigo 39, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, e no artigo 93, § 2º, do Decreto n.º 3.048/99). 2. Segue-se o recorrente enquadramento jurisprudencial dos boias-frias na categoria de segurado especial, do art. 11, VII da Lei 8.213/91 por também não se tratar exatamente da hipótese prevista na definição de trabalhador rural eventual, do art. 11, V, g, da mesma Lei, menos benéfica ao segurado, pela exigência de contribuição a um trabalhador de cujo vínculo a irregularidade não lhe é imputável; ao contrário, é-lhe imposta. (TRF4, APELREEX 0014327-20.2013.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, D.E. 30/01/2015)


D.E.

Publicado em 03/02/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0014327-20.2013.404.9999/PR
RELATOR
:
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO
:
FRANCIELE INOCENCIA DA SILVA
ADVOGADO
:
Luiz Miguel Vidal
REMETENTE
:
JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TOMAZINA/PR
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. BOIA-FRIA. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL.
1. É devido o salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos filhos e do labor rural exercido no período de doze meses antecedentes ao início do benefício, ou nos dez meses precedentes ao parto (artigo 25, inciso III, c/c artigo 39, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, e no artigo 93, § 2º, do Decreto n.º 3.048/99).
2. Segue-se o recorrente enquadramento jurisprudencial dos boias-frias na categoria de segurado especial, do art. 11, VII da Lei 8.213/91 por também não se tratar exatamente da hipótese prevista na definição de trabalhador rural eventual, do art. 11, V, g, da mesma Lei, menos benéfica ao segurado, pela exigência de contribuição a um trabalhador de cujo vínculo a irregularidade não lhe é imputável; ao contrário, é-lhe imposta.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de janeiro de 2015.
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
Relator


Documento eletrônico assinado por Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6998737v12 e, se solicitado, do código CRC B57D9A67.
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Signatário (a): Luiz Carlos de Castro Lugon
Data e Hora: 23/01/2015 14:04




APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0014327-20.2013.404.9999/PR
RELATOR
:
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO
:
FRANCIELE INOCENCIA DA SILVA
ADVOGADO
:
Luiz Miguel Vidal
REMETENTE
:
JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TOMAZINA/PR
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido para conceder à autora, segurada especial, salário-maternidade, no valor de 4 salários mínimos vigentes na data do nascimento, corrigido monetariamente desde o vencimento de cada parcela, pelo IGP-DI, acrescido de juros de mora de 1% ao mês. A contar da vigência da Lei nº 11.960, em 1º-7-2009, foi determinada a incidência, de uma só vez, de atualização monetária e juros pelos índices oficiais aplicados à caderneta de poupança. Arcará a autarquia, também, com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, corrigidas pelo INPC.

Em suas razões, sustenta a entidade previdenciária que autora, boia-fria, não tem caracterizada a qualidade de segurada especial, uma vez que o volante "só pode ser enquadrado como contribuinte individual (art. 11, V, "g", da LB) ou autônomo(art. 11, VI, da LB)", e que, portanto, não tendo recolhido nessa condição, não é filiada ao Regime Geral da Previdência Social.

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.
VOTO
Do salário- maternidade à segurada especial

A Constituição Federal, nos artigos 6º e 201, inciso II, assegura proteção "à maternidade, especialmente à gestante", mediante a inclusão do direito de "licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias" (inc. XVIII do art. 6º, CF).

Posteriormente, a Lei nº 8.213/91 assim dispôs sobre a matéria, na seção destinada aos benefícios, nos seguintes termos:

Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Texto alterado pela Lei nº 10.710, de 5.8.2003).

A trabalhadora rural, apesar de havida como segurada especial da previdência social, consoante previsão do art. 11, inc. VII, da Lei nº 8.213/91, somente foi contemplada com o benefício em questão pela edição da Lei nº 8.861, de 23-03-1994, que acrescentou o § único ao art. 39, Lei nº 8.213/91, com a seguinte redação:

"Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício."

Com a edição da Lei nº 9876, de 26-11-1999, regulamentada pelo Dec. nº 3.048, art. 93, § 2º, com a redação do Dec. 3.265, de 29-11-1999, foi acrescentado que a segurada especial deve comprovar o exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício, ainda que de forma descontínua.

Portanto, para fazer jus ao benefício, a segurada especial deve comprovar o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, pelo período de 12 meses anteriores ao início do benefício (carência exigida), ou nos dez meses precedentes ao parto, consoante interpretação mais benéfica do próprio INSS, com fundamento no artigo 25, inciso III, c/c artigo 39, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, e no artigo 93, § 2º, do Decreto n.º 3.048/99.

De outra monta, a comprovação da atividade rural, no caso da segurada especial, pauta-se pelo disposto nos artigos 55, § 3º, e 106 da Lei nº 8.213/91, que dispõem:

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o Art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)

§3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no Art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.

Art. 106 - Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir de 16 de abril de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art. 12 da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16 de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo Ministério Público ou por outras autoridades constituídas definidas pelo CNPS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural.
(Redação dada pela Lei n.º 9.063/95)

Não se exige prova plena da atividade rural em relação a todo o período de carência, mas somente início de documentação, que, aliada à prova testemunhal, viabilize a formação de conjunto probatório apto ao convencimento do Julgador. O artigo 106 relaciona documentos aptos a esta comprovação; porém tal rol não é exaustivo, mas exemplificativo.

Estampa a jurisprudência:

PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. CERTIDÃO DE NASCIMENTO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
1. Nos termos dos arts. 71 e seguintes da Lei n. 8.213/91, é devido o salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos filhos e do labor rural no período de dez meses que antecede o início do benefício.
2. A certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade é documento apto à constituição de início de prova material, até porque, segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedente desta Terceira Seção.
3. Preenchidos os requisitos legais, é de se conceder o benefício à autora.
(AC: 0004805-66.2013.404.9999/PR;Relator Des. Fed. Celso Kipper; 6ª T, D.E. 14/06/2013).

PREVIDENCIÁRIO.SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PERÍODO DE CARÊNCIA. CONDIÇÃO DE SEGURADA ESPECIAL DEMONSTRADA.
1. A parte autora faz jus à concessão do salário-maternidade quando demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência.
2. O exercício de atividades rurais, para fins previdenciários, pode ser demonstrado através de início razoável de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea.
3. Tratando-se de pedido de concessão de salário-maternidade à trabalhadora rural, deve ser mitigada a exigência de demonstração plena do exercício de atividades rurais sob pena de tornar impossível a concretização de um dos objetivos deste benefício, qual seja, a proteção à criança.
(AC: 0004209-82.2013.404.9999/ PR, Relator Des. Fed. Rogerio Favreto,5ª T. , D.E. 18/06/2013).

Observa-se, ainda, que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
Da condição do boia-fria frente à atual legislação

Boia-fria, volante e diarista são designações ainda correntes de uma mesma categoria de trabalhadores rurais cuja definição parece não haver sido desenvolvida pela doutrina jurídica pátria, que se limita a tratar do enquadramento do trabalhador rural nas categorias de segurado do Regime Geral da Previdência Social. Compreendo que, não se tratando de categoria definida por lei, deve-se buscar os elementos essenciais que constituem tal categoria nas ciências sociais. Encontra-se a origem do trabalhador classificado como boia-fria no aparecimento de "um campesinato expropriado da roça, da morada, da posse, da terra, dos meios e instrumentos de trabalho". (SILVA, M. A . M. Os errantes do fim do século. São Paulo: EDUNESP, 1999, p. 71). Este processo de expropriação iniciou-se com o advento do Estatuto do Trabalhador Rural (Lei 4.214/62), que estendeu garantias trabalhistas ao obreiro rural. A partir deste momento, o quadro observado é o de que os trabalhadores permanentes acabam se tornando mais onerosos ao empregador, o que leva à sua dispensa, "para serem, em seguida, admitidos como volantes, isso é, uma força de trabalho mais barata, porque os gastos sociais não seriam computados" (ibidem, p. 64).

O boia-fria é, portanto, o trabalhador deste novo modelo de agricultura, verdadeiro proletário rural. Caracteriza-se pelo trabalho autônomo e temporário, e pela suas precárias condições socioeconômicas. Um último fator que se pode citar é o da desterritorialização, caracterizada pela migração sazonal (RISK, E.N.V.M.; TERESO, M.J.A. e ABRAHÃO, R.F. O perfil do boia-fria: uma abordagem sócio-antropológica. Cadernos Ceru, Brasil, 2010 Vól. 21 Núm. 1 Jun, 2010, p. 119):

Do ponto de vista do trabalho a desterritorialização ocorre num sentido negativo, pois o trabalhador (no caso o bóia-fria), embora "livre", é desprovido dos meios de produção e muitas vezes, também das condições básicas de sobrevivência, sua e da sua família, reduzindo-se assim à força física para a produção canavieira. No universo do trabalhador "bóia-fria" apreende-se com mais clareza duas manifestações do processo de desterritorialização. Vamos considerar como primeiro exemplo o do cortador de cana que mora nas periferias urbanas (migrante que já fixou residência ou morador local). Este trabalhador está em constante processo de desterriotrialização e reterritorialização, tendo em vista que durante a entressafra ele habita a periferia urbana enquanto morador urbano a sua territorialidade passa a ter uma determinada dinâmica, ou seja, na periferia, ou na cidade, ele pode construir vários territórios e passar por eles no decorrer do dia. O primeiro desses territórios seria o de morador da vila, da comunidade, onde ele conhece os códigos e estabelece relações com outros moradores. O segundo território seria o do trabalho em muitos casos difícil de delimitar, tendo em vista o fato de que num dia ele pode ser pedreiro, num outro porteiro, etc. No período de safra, ou seja, da colheita da cana, esse trabalhador se desterritorializa, na medida em que deixa as atividades e os territórios urbanos, para reterritorializarse no trabalho da lavoura de cana, enquanto trabalhador rural assalariado, portanto cortador de cana.

No plano jurisdicional, o que se afigura como o principal empecilho para a efetivação do direito fundamental à Previdência Social, no caso dos trabalhadores rurais boias-frias, volantes ou diaristas, é a dificuldade de enquadrar tal grupo de trabalhadores em uma das categorias de segurado do Regime Geral de Previdência Social, contidos nas Leis 8.212 e 8.213 de 1991. A legislação previdenciária brasileira não trata de forma explícita a categoria composta pelos trabalhadores rurais diaristas (também chamados de boias-frias ou volantes). Tratando-se de proteção de ordem trabalhista, tais obreiros encontram salvaguarda no art. 17 da Lei 5.889/73, legislação que dispõe sobre o trabalho rural, que possui caráter residual: "as normas da presente Lei são aplicáveis, no que couber, aos trabalhadores rurais não compreendidos na definição do art. 2º, que prestem serviços a empregador rural". Sobre esse dispositivo, assevera OLIVEIRA (1997, p. 147, in BERWANGER, 2011, p. 91) que "a proteção legal deixa em segundo plano as diferenças entre trabalhador rural empregado, trabalhador rural eventual, 'empreiteiros operários rurais". O Tribunal Superior do Trabalho já se pronunciou quanto à aplicação desta regra aos diaristas:

Diante da semelhança entre as condições de trabalho, compreendendo as rotinas de horário, frequência e intervalos, a faixa de renda, sua realização em proveito do empreendedor agropecuário, a equiparação do trabalhador rural sem vínculo empregatício (volante, diarista, bóia-fria) ao trabalhador empregado, no tocante aos direitos trabalhistas mínimos, está positivada no ordenamento jurídico, através da norma contida no art. 17 da Lei 5.889/1973, compondo uma espécie de padrões civilizatórios mínimos. (RR - 21200-93.2007.5.09.0567 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 28/09/2011, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/10/2011).

Não há, todavia, dispositivo de caráter similar na legislação previdenciária. Com efeito, a Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei 8.213/91) estabelece, em seu artigo 11, as categorias de segurado obrigatório do Regime Geral da Previdência Social, distribuindo-os em seus incisos, quais sejam: o empregado celetista (inciso I), o empregado doméstico (inciso II), o contribuinte individual (inciso V - onde se enquadram o empresário, o autônomo e a pessoa equiparada a autônomo), o trabalhador avulso (inciso VI) e o segurado especial (inciso VII). A doutrina especializada tenta alocar o trabalhador boia-fria em uma dessas categorias. Tal enquadramento carece de consenso entre os principais autores que se ocuparam da matéria.

Há certa tendência em entender que a natureza das relações de trabalho dos boias-frias é variável, podendo se enquadrar em mais de uma das hipóteses da Lei de Benefícios, a depender da relação jurídica com o empregador. Assim, ora poderia estar enquadrado como empregado celetista (inciso I), em havendo relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho - via de regra com carteira assinada -, ora poderia ser enquadrado como contribuinte individual (inciso V), autônomo, se a prestação do labor for eventual (CASTRO, C.A.P e LAZZARI, J.B. Manual de Direito Previdenciário. 15 ed. Rio de Janeiro. Forense, 2013, p. 155). Nesta senda, a alínea g do inciso V ("como contribuinte individual: quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego") representaria tipo extremamente abrangente, podendo abrigar qualquer um que, não sendo empregado, exerça labor de modo eventual (IBRAHIM, F.Z. Curso de Direito Previdenciário. 7ª ed. Rio de Janeiro. Impetus, 2006, p. 114). Por outro lado, DUARTE (Direito Previdenciário. 7ª ed. Porto Alegre. Verbo Jurídico, 2011, p. 59) assevera que o boia-fria só será contribuinte individual quando trabalhar para empresas. Em se tratando o empregador de produtor rural pessoa física, estaria emoldurado na categoria de empregado rural, ainda que o serviço seja prestado eventualmente. Outra hipótese, ainda, é levantada por BERWANGER (Previdência Rural: Inclusão Social. 2ª ed. Curitiba. Juruá, 2011, p. 93):

Há de se estabelecer uma diferenciação entre trabalhador eventual e trabalho eventual. No que se refere aos trabalhadores rurais, eles não são eventuais, porém, o trabalho, pela característica de agricultura, é sazonal, fazendo com que esse contingente não tenha oferta de trabalho de forma permanente.

Aparentemente distante das referidas contendas, o Superior Tribunal de Justiça, de outra feita, veio entendendo que o trabalhador rural boia-fria está abarcado no Regime Geral de Previdência Social como segurado especial. Demonstra-se isto a partir de trechos de julgados recentes:

Restou consignado na decisão agravada, ainda, que o Tribunal de origem estabeleceu, com base na prova dos autos, que o período vindicado pelo ora recorrente como segurado empregado é, na verdade, período no qual o segurado exercia atividade de bóia-fria trabalhador rural, na qualidade de segurado especial da previdência e não segurado empregado, como quer fazer crer o ora agravante. (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.172.644 - PR (2009/0243453-6)

Discute-se nestes autos o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, na condição de boía-fria. (AgRg no AREsp 390.932/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013)

Veja-se que, em nenhum momento discutem-se os termos em que é o bóia-fria enquadrado como segurado da Previdência. Esta é a corriqueira situação, em que o enquadramento na qualidade de segurado especial consta como pressuposto. Tal entendimento extrai-se, inclusive, do julgamento de Recurso Especial na da sistemática de representatividade de controvérsia (CPC, art. 543-C):

No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui afixados (REsp. 1.321.493/PR, Rel. Min. Henrique Benjamin, Primeira Seção, j. em 10.10.12, DJe 19.12.2012).

Esta Corte sequer faz diferenciação quanto à situação em que há contrato celetista, engranzando todas as hipóteses na categoria de segurado especial. Tal entendimento extrai-se da decisão tomada no REsp 1321493 / PR, ementada da seguinte forma:

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.

Neste acórdão, a decisão foi mantida "pois foi atestada a existência de registro na Carteira de Trabalho consubstanciada por robusta prova testemunhal".

A premente importância dessa subsunção um tanto forçada dos boias-frias em um dos regimes jurídicos da Lei de Benefícios, como dá conta todo o alegado na presente apelação, está no impacto direto que tem na efetivação do direito fundamental desses trabalhadores à Previdência Social. A analogia, construída no cotidiano forense, e encampada pelos tribunais superiores, com o regime jurídico aplicado ao segurado especial, demonstra-se, é certo, formalmente perigosa, pois que, a princípio, o segurado especial é, na literalidade da lei, aquele que, residente em imóvel rural, ou próximo a ele, trabalha individualmente ou em regime de economia familiar, situação em que, também sob esse regime, ficam abarcados cônjuges e filhos. Nesse caso, a contribuição ao Fundo da Previdência e Assistência Social ocorre pela alíquota incidente sobre a comercialização da produção (esse recolhimento totalizou 367,1 milhões no mês de março de 2014, de acordo com o Informe da Previdência Social de Abril de 2014, disponível em http://www.previdencia.gov.br/wp-content/uploads/2014/08/Informe_abril_2014. pdf, p. 24). Ora, o trabalhador boia-fria, por definição, não produz para si; ele vende a sua mão-de-obra para outrem, não havendo produção própria que se destine ao comércio. Dessa forma, se enquadrado o boia-fria como segurado especial, este acaba por não contribuir para o Fundo da Previdência e Assistência Social. Esta situação, destarte, produz infração às prescrições de justiça formal, uma vez que se trata de forma diferente indivíduos de uma mesma categoria: alguns segurados da previdência contribuem para o Fundo, outros não.

Ainda assim, enquanto não se dá conta de suprir esse problema por meio de reforma legislativa, a analogia se faz necessária, da constatação de que o enquadramento do boia-fria como contribuinte individual corresponderia à negativa de proteção jurídica justamente àquele trabalhador que está mais desamparado. "Observa-se, aqui, a contradição de que justamente aquele trabalhador que tem menor rendimento, porque é variável, tem maior dificuldade de acesso [à previdência], pois o grande número de boias-frias que perambula pelas fazendo do interior (...) fica completamente desprotegido." (BERWANGER, op. cit.) Ademais, a categoria de segurado especial tem justamente a função de abranger situações especiais de que se encontram no meio rural, não sendo em nada absurda a perspectiva de abrangência entre suas hipóteses dos trabalhadores volantes.

Deu lenitivo a essa situação o art. 143 da Lei de Benefícios de 1991, que concedeu ao prestador de serviços rurais, em caráter eventual, sem relação de emprego, se requerido até 2006, direito à aposentadoria por idade sem a exigência de contribuição; prazo que foi estendido pela Medida Provisória 410/07 até dezembro de 2010.

Concluo, pois, por negar provimento ao recurso de apelação do INSS.

Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.
É o voto.
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
Relator


Documento eletrônico assinado por Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6998736v12 e, se solicitado, do código CRC E53F44AC.
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Data e Hora: 23/01/2015 14:04




EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/10/2014
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0014327-20.2013.404.9999/PR
ORIGEM: PR 00004906120098160171
RELATOR
:
Juiz Federal ROGER RAUPP RIOS
PRESIDENTE
:
Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira
PROCURADOR
:
Dr. Juarez Mercante
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO
:
FRANCIELE INOCENCIA DA SILVA
ADVOGADO
:
Luiz Miguel Vidal
REMETENTE
:
JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TOMAZINA/PR
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/10/2014, na seqüência 108, disponibilizada no DE de 24/09/2014, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
ADIADO O JULGAMENTO.
Lídice Peña Thomaz
Diretora de Secretaria


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Data e Hora: 14/10/2014 18:49




EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/01/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0014327-20.2013.404.9999/PR
ORIGEM: PR 00004906120098160171
RELATOR
:
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
PRESIDENTE
:
Rogerio Favreto
PROCURADOR
:
Dr. Claudio Dutra Fontella
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO
:
FRANCIELE INOCENCIA DA SILVA
ADVOGADO
:
Luiz Miguel Vidal
REMETENTE
:
JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TOMAZINA/PR
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/01/2015, na seqüência 16, disponibilizada no DE de 08/01/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
VOTANTE(S)
:
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
:
Juiza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN
:
Des. Federal ROGERIO FAVRETO
Lídice Peña Thomaz
Diretora de Secretaria


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