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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ATIVIDADE ESPECIAL. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. NÍVEIS DE CONCENTRAÇÃO DOS AGEN...

Data da publicação: 01/03/2024, 11:01:19

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ATIVIDADE ESPECIAL. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. NÍVEIS DE CONCENTRAÇÃO DOS AGENTES QUÍMICOS. EPIS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. 1. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea ou autodeclaração, nos termos da Lei 13.846/2019, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço. 2. A exposição a hidrocarbonetos aromáticos na prestação do labor enseja o reconhecimento da especialidade da atividade. 3. Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos não dependem, segundo os normativos aplicáveis, de análise quanto ao grau ou intensidade de exposição no ambiente de trabalho para a configuração da nocividade e reconhecimento da especialidade do labor para fins previdenciários. 4. Não havendo provas consistentes de que o uso de EPIs neutralizava os efeitos dos agentes nocivos a que foi exposto o segurado durante o período laboral, deve-se enquadrar a respectiva atividade como especial. A eficácia dos equipamentos de proteção individual não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, como luvas, máscaras e protetores auriculares, mas a partir de todo e qualquer meio pelo qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida. 5. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição. (TRF4, AC 5002616-15.2022.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA, juntado aos autos em 22/02/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002616-15.2022.4.04.9999/RS

RELATORA: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ALZIRA DA COSTA WEIRICH

ADVOGADO(A): ROSANGELA ANGST (OAB RS028117)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação contra sentença publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, com dispositivo de seguinte teor:

Ante o exposto, com base no art. 487, inciso I, do CPC/15, julgo PROCEDENTES os pedidos veiculados na ação proposta por Alzira da Costa Weirich em face de INSS - Instituto Nacional de Seguro Social, para:

a) reconhecer o período de 07/08/1979 a 23/01/1987 como tempo de atividade exercido em atividade rural, em regime de economia familiar, determinando sua averbação;

b) reconhecer os períodos de 18/01/88 a 13/03/89; 12/04/89 a 01/08/89; 05/03/90 a 12/03/1991; 01/01/99 a 31/12/99; 01/05/2000 a 31/12/2001; 22/04/2002 a 30/06/2002; 24/03/2003 a 30/06/2003; 05/01/2004 a 20/02/2004; 28/01/2005 a 31/03/2006; 27/06/2006 a 16/07/2006 e 21/11/2006 a 01/02/2007, como tempo de trabalho sujeito a condições especiais, na forma do art. 57 da Lei 8.213/91;

c) determinar que o réu conceda a aposentadoria integral por tempo de contribuição à autora desde a DER (21/02/2019); e

d) condenar o réu ao pagamento das parcelas vencidas e vincendas, desde a data de entrada do requerimento administrativo até a efetiva implantação do benefício.

As parcelas vencidas sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009), nos termos da tese definida em julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos, Tema 905-STJ.

Isento o INSS do pagamento da taxa única (art. 5°, inc. I da Lei Estadual n° 14634/2014), devendo, contudo, pagar as eventuais despesas processuais na integralidade (arts. 14 e 16 da Lei Estadual n° 14634/2014).

Condeno a autarquia ao pagamento dos honorários advocatícios sobre a integralidade das parcelas vencidas do benefício ora concedido, até a data da sentença, em observância ao disposto na Súmula nº 76 do egrégio TRF-4ª Região, e Súmula nº 111 do STJ.

Em atenção ao § 4º do art. 85, do CPC/15, tratando-se de sentença ilíquida e sendo parte a Fazenda Pública, a definição do percentual fica postergada para a fase de liquidação do julgado, restando garantida, de qualquer modo, a observância dos critérios definidos no § 3º, incisos I a V, conjugado com § 5º, todos do mesmo dispositivo.

Dispensado o reexame necessário, com base no art. 496, §3º, inciso I, do CPC, pois ainda que o benefício previdenciário fosse concedido com base no teto máximo, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, não se vislumbra, em regra, como uma condenação na esfera previdenciária venha a alcançar os mil salários-mínimos, muito menos se verificadas as circunstâncias do caso concreto. Inaplicável, por conseguinte, o enunciado sumular nº 490 do STJ para casos deste jaez (REsp 1.735.097-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019).

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, dê-se baixa.

Apelou o INSS sustentando não ter sido comprovado o exercício de labor rurícola no período reconhecido em sentença, além de não estar demonstrada a especialidade das atividades nos períodos controvertidos.

Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.

Mérito

Não estando o feito submetido ao reexame necessário, a controvérsia no plano recursal restringe-se:

- ao reconhecimento do exercício de atividade rural no período de 07/08/1979 a 23/01/1987;

- ao reconhecimento da especialidade das atividades desenvolvidas nos períodos de 18/01/1988 a 13/03/1989, 12/04/1989 a 01/08/1989, 05/03/1990 a 12/03/1991, 01/01/1999 a 31/12/1999, 01/05/2000 a 31/12/2001, 22/04/2002 a 30/06/2002, 24/03/2003 a 30/06/2003, 05/01/2004 a 20/02/2004, 28/01/2005 a 31/03/2006, 27/06/2006 a 16/07/2006 e 21/11/2006 a 01/02/2007;

- à consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da DER (21/02/2019).

Tempo de serviço rural

O aproveitamento do tempo de atividade rural desenvolvida até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, V, do Decreto n.º 3.048/99.

Acresce-se que o cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).

Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91; Recurso Especial Repetitivo n.º 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13-12-2010, DJe 15-04-2011).

A partir da Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, que deu nova redação a dispositivos da Lei de Benefícios da Previdência Social, permitiu-se a comprovação do tempo de atividade rural por meio de autodeclaração, ratificada por outros elementos e consulta às bases governamentais.

A relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02-02-2006, p. 524).

Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19-12-2012).

O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25-10-2011, DJe 11-11-2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).

No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27-06-2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

Do caso concreto

A r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Felipe Sandri, bem analisou as questões controvertidas, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, in verbis:

"(...)

No caso concreto, pugna a parte autora pelo reconhecimento do período de 07/08/1979 a 23/01/1987 laborado nas lides campesinas, em regime de economia familiar, que não foi reconhecido administrativamente.

Como início de prova material de atividade campesina dos períodos vindicados trouxe aos autos:

- Declaração de escolaridade e Histórico Escolar, dando conta ter a autora estudado na Escola Rural São Miguel, nos anos de 1980 e 1981, cursando a 1ª e 2ª série (Evento 1, PROCADM9, Páginas 33/35);

- Certidão de Nascimento da Autora e de seus irmãos constando que o genitor, Sr. Norberto da Costa, é agricultor (Evento 1, PROCADM9, Página 38;

- Declaração do Sr. JOÃO ANTONIO PAESI, referente aos anos de 1979 a 1987, onde declara que a autora juntamente com sua família produzia milho, arroz e batata, bem como mantinham uma criação de gado e plantavam acácias em imóvel de sua propriedade (Evento 1, PROCADM9, Página 32);

- Matrícula de nº 42.076 do imóvel rural onde a família da autora praticava agricultura familiar e correspectiva certidão emitida pelo INCRA onde indicam o registro do imóvel rural em questão desde 1972 (Evento 1, PROCADM9, Páginas 36/37).

No que pertine à prova oral, a testemunha Maria Henzel de Oliveira contou conhecer a autora desde criança. Que a autora, irmãos e o seus pais trabalhavam na roça, nas terras do Paese. Mencionou que a autora e sua família plantavam arrroz, feijão milho, batatinha etc. Criavam algumas vacas, porcos e galinhas. Disse que a autora sempre auxiliou os pais na agricultura, e que ela chegou a parar de estudar para trabalhar na roça. Falou que a autora deixou de trabalhar na agricultura quando foi trabalhar numa fábrica de calçado. Contou que os pais da autora moravam nas terras do Paese, e que parte da produção era destinada ao proprietário da área. Viviam só da renda extraída da agricultura, e que não tinham empregados, só os filhos.

A testemunha Manoel Ignacio de Oliveira disse conhecer a autora desde criança. Referiu que a autora e a sua família moravam nas terras do Sr. João Paese, e lá trabalhavam com agricultura, sendo que parte da produção era destinada ao proprietário da área. Contou que a autora auxiliava os pais na roça. Produziam arroz, milho, feijão etc. Disse que viviam só da renda extraída da agricultura, e que não tinham empregados.

A testemunha Jayme Romeu Lutz disse conhecer a autora desde criança. Que a autora, irmãos e o seus pais trabalhavam na roça, nas terras do Sr., João Paese. Que parte da produção era repassada ao dono da terra. Mencionou que a autora e sua família plantavam feijão, milho, aipim. Disse que a autora auxiliava os pais na roça, e que ela estudou pouco para poder ajudar os pais na lavoura. Contou que a autora trabalhou na roça até o momento em que se casou. Viviam só da renda extraída da agricultura, e que não tinham empregados.

Como se pode notar, a prova testemunhal converge com o início de prova material anexado aos autos, e não deixam dúvidas de que a autora exerceu atividade rural, em regime de economia familiar, desde tenra idade, época em que laborou nas lides do campo auxiliando os seus pais em terras arrendadas do Sr. João Paese, tendo se afastado da lida rural a partir do momento em que passou a trabalhar no meio urbano em uma fábrica, cuja admissão ocorreu em 24/02/1987 (Evento 1, PROCADM9, Página 10).

Neste cenário, entendo suficientemente provada a atividade rurícola exercida no período postulado como laborado em regime de economia familiar, de sorte a reconhecer-se o tempo trabalhado nas lides campesinas no período de 07/08/1979 a 23/01/1987, o qual deverá ser averbado pelo INSS.

(...)"

Consoante bem exposto no trecho acima transcrito, há nos autos documentação suficiente a caracterizar início de prova material do desempenho de atividade rurícola em regime de economia familiar no período postulado, a qual foi confirmada pela prova testemunhal/autodeclaração.

Dessa maneira, impõe-se a manutenção da sentença no ponto.

Da atividade especial

As questões controvertidas acerca do tempo de serviço especial foram adequadamente analisadas em sentença, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais também adoto como razões de decidir, in verbis:

(...)

a) Dos períodos de 18/01/88 a 13/03/89; 12/04/89 a 01/08/89; 05/03/90 a 12/03/1991; 01/01/99 a 31/12/99; 01/05/2000 a 31/12/2001; 22/04/2002 a 30/06/2002; 24/03/2003 a 30/06/2003; 01/01/2004 a 20/02/2004; 28/01/2005 a 31/03/2006; 27/06/2006 a 16/07/2006 e 21/11/2006 a 01/02/2007.

Alegou a parte autora ter laborado nos períodos indicados na empresa Reichert Comercio de Máquinas e Equipamentos Ltda, exposta a agentes nocivos.

Para comprovar o exercício de atividades especiais, juntou aos autos cópia de sua CTPS (Evento 1, PROCADM9, Páginas 8/28; PROCADM10, Página 91/110), PPP (Evento 1, PROCADM10, Páginas 3/6), e laudos técnicos (Evento 1, PROCADM10, Página 7 e ss.).

Conforme se constata dos formulários e laudos técnicos elaborados nos anos de 1994, 1996, 1997, 1998, 2000, 2002, a parte autora laborou nos períodos vindicados no setor de costura e montagem, desempenhando, entre outras funções, atividades que implicavam a manipulação de colas para os sapatos, estando exposta a agentes químicos - hidrocarbonetos aromáticos, de forma habitual e permanente.

Neste contexto, entendo que a utilização e eficácia de EPIs não afastam a especialidade do labor em se tratando de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos, como é o caso de hidrocarbonetos aromáticos.

Além disso, a exposição do trabalhador a hidrocarbonetos aromáticos, provoca danos ao organismo que vão além de patologias cutâneas, causando danos nas vias respiratórias quando inalados e até efeitos neurológicos, quando absorvidos e distribuídos através da circulação do sangue no organismo.

[...]

Concluo, portanto, pela especialidade da atividade desempenhada nos períodos vindicados.

Assim sendo, impõe-se o reconhecimento dos períodos de 18/01/88 a 13/03/89; 12/04/89 a 01/08/89; 05/03/90 a 12/03/1991; 01/01/99 a 31/12/99; 01/05/2000 a 31/12/2001; 22/04/2002 a 30/06/2002; 24/03/2003 a 30/06/2003; 05/01/2004 a 20/02/2004; 28/01/2005 a 31/03/2006; 27/06/2006 a 16/07/2006 e 21/11/2006 a 01/02/2007, como trabalho sujeito a condições especiais, na forma do art. 57 da Lei 8.213/91.

(...)

Acrescente-se que os períodos controvertidos tiveram reconhecida a especialidade em razão da exposição aos hidrocarbonetos aromáticos, razão pela qual não será analisada a argumentação acerca do agente ruído.

Com relação à alegação acerca dos níveis de concentração dos agentes químicos, registra-se que os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos - tóxicos orgânicos e inorgânicos - , diferentemente do que ocorre com alguns agentes agressivos, como ruído, calor, frio ou eletricidade, não dependem, segundo os normativos aplicáveis, de análise quanto ao grau ou intensidade de exposição no ambiente de trabalho para a configuração da nocividade e reconhecimento da especialidade do labor para fins previdenciários, especificamente quando o contato é MANUAL e não apenas AÉREO.

Sobre a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), destaca-se que é considerada irrelevante para o reconhecimento da especialidade das atividades exercidas sob exposição a agentes nocivos até 03/12/1998, data da publicação da MP 1.729/98, convertida na Lei 9.732/98, que alterou o § 2.º do artigo 58 da Lei 8.213/91.

Para os períodos posteriores, merece observância o decidido pela 3ª Seção desta Corte, ao julgar o IRDR n.º 5054341-77.2016.4.04.0000, em 22/11/2017, quando fixada a seguinte tese jurídica:

“A mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário.”

Conforme estabelecido no precedente citado, tem-se que a mera anotação acerca da eficácia dos equipamentos protetivos no PPP apenas pode ser considerada suficiente para o afastamento da especialidade do labor caso não contestada pelo segurado.

Há, também, hipóteses em que é reconhecida a ineficácia dos EPIs ante a determinados agentes nocivos, como em caso de exposição a ruído, a agentes biológicos, a agentes cancerígenos e à periculosidade. Nessas circunstâncias, torna-se despiciendo o exame acerca do fornecimento e da utilização de EPIs.

Nos demais casos, a eficácia dos equipamentos de proteção individual não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, mas a partir de toda e qualquer forma pela qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida.

Quanto aos agentes químicos, a utilização de luvas e cremes de proteção não possui o condão de neutralizar a ação dos agentes nocivos a que estava exposto o segurado.

Os cremes de proteção são conhecidos como "luvas invisíveis" e são utilizados por não ocasionarem perda de tato ou movimentação dos trabalhadores. Considerando-se o desgaste natural da camada protetora proporcionada por esses cremes em virtude do manuseio de equipamentos, ferramentas, da fricção das mãos com objetos e roupas e mesmo do suor, aspectos ínsitos à prestação laboral em análise, torna-se impossível a avaliação do nível de proteção a que está sujeito o trabalhador.

Assim, não convincente a afirmação de que a utilização apenas de cremes de proteção, ainda que de forma adequada, possui o condão de neutralizar a ação de agentes nocivos químicos, ainda mais considerando que a exposição do segurado ocorria de forma "contínua e permanente".

Frise-se que tal entendimento vem sendo reiteradamente adotado no âmbito trabalhista, restando caracterizada a insalubridade do labor, em grau máximo, desempenhado por trabalhadores da área de mecânica de manutenção, ainda que demonstrada, por meio de prova técnica, a adequada utilização de cremes protetores. Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CREME DE PROTEÇÃO. Em que pese a conclusão do perito engenheiro, no sentido de não serem insalubres as atividades laborais da reclamante, pelo uso adequado do creme de proteção para as mãos, esta Turma Julgadora, na sua atual composição, adota o entendimento de que os cremes de proteção, mesmo com Certificado de Aprovação, e utilização regular pelo trabalhador, não são eficazes para neutralizar de forma eficiente a ação dos agentes insalubres, porquanto não formam uma barreira de proteção uniforme sobre as mãos e antebraços, a qual não permanece íntegra após o atrito das mãos com as peças manuseadas. Adicional de insalubridade devido. (TRT4, RO 0002111-72.2012.5.04.0333; 9ª Turma; Relatora Desa. Maria da Graça Ribeiro Centeno. 22/05/2014).

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CONTATO COM PRODUTOS QUÍMICOS DE ORIGEM MINERAL. "LUVA INVISÍVEL". GRAU MÁXIMO. O fornecimento e o uso do creme protetor, ainda que o obreiro o reaplique de forma periódica, consiste em uma "luva invisível" que vai sendo retirada com o manuseio, expondo o empregado ao contato direto com o agente insalubre. A proteção insuficiente é fator de aumento do risco, pois o trabalhador, acreditando estar imune, age com menor cautela do que quando não está usando nenhum equipamento de proteção individual. (TRT4, RO 0000145-35.2013.5.04.0561; 6ª Turma; Relator Des. Raul Zoratto Sanvicente. 26/02/2014).

Por conseguinte, considerando que a caracterização da especialidade do labor em decorrência da exposição do segurado a agentes químicos prescinde de análise quantitativa, bem como demonstrada a impossibilidade de total neutralização dos efeitos de tais agentes pelo uso dos EPIs fornecidos à parte autora, é cabível o reconhecimento da natureza especial do labor.

Nesse sentido, mantida a sentença quanto ao reconhecimento da especialidade do labor nos períodos controvertidos, por exposição aos hidrocarbonetos aromáticos.

Do direito à aposentadoria

Mantido o tempo de serviço, fica inalterada a sentença quanto ao direito ao benefício.

Consectários e provimentos finais

- Correção monetária e juros de mora

A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da Lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).

- INPC ou IPCA em substituição à TR, conforme se tratar, respectivamente, de débito previdenciário ou não, a partir de 30/06/2009, diante da inconstitucionalidade do uso da TR, consoante decidido pelo STF no Tema 810 e pelo STJ no tema 905.

Os juros de mora, por sua vez, devem incidir a partir da citação.

Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.

A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.

Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).

Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o artigo 3º da Emenda n. 113, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.

Honorários advocatícios

Negado provimento ao recurso do INSS, deve ser observada, em cumprimento de sentença, a majoração de 50% da verba honorária fixada na origem, pela incidência do §11 do artigo 85 do CPC.

Tutela específica - implantação do benefício

Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do CPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.

Resulta, todavia, facultada à parte autora a possibilidade de renúncia à implantação do benefício ora determinada.

TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB
CUMPRIMENTOImplantar Benefício
NB1887127914
ESPÉCIEAposentadoria por Tempo de Contribuição
DIB21/02/2019
DIPPrimeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício
DCB
RMIA apurar
OBSERVAÇÕES

Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.

Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.

Conclusão

Honorários advocatícios majorados nos termos do §11 do artigo 85 do CPC. Nos demais pontos, mantida a sentença.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício, via CEAB.



Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004324803v6 e do código CRC 7455d4b9.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA
Data e Hora: 22/2/2024, às 17:28:12


5002616-15.2022.4.04.9999
40004324803.V6


Conferência de autenticidade emitida em 01/03/2024 08:01:18.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002616-15.2022.4.04.9999/RS

RELATORA: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ALZIRA DA COSTA WEIRICH

ADVOGADO(A): ROSANGELA ANGST (OAB RS028117)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ATIVIDADE ESPECIAL. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. NÍVEIS DE CONCENTRAÇÃO DOS AGENTES QUÍMICOS. EPIS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO.

1. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea ou autodeclaração, nos termos da Lei 13.846/2019, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço.

2. A exposição a hidrocarbonetos aromáticos na prestação do labor enseja o reconhecimento da especialidade da atividade.

3. Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos não dependem, segundo os normativos aplicáveis, de análise quanto ao grau ou intensidade de exposição no ambiente de trabalho para a configuração da nocividade e reconhecimento da especialidade do labor para fins previdenciários.

4. Não havendo provas consistentes de que o uso de EPIs neutralizava os efeitos dos agentes nocivos a que foi exposto o segurado durante o período laboral, deve-se enquadrar a respectiva atividade como especial. A eficácia dos equipamentos de proteção individual não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, como luvas, máscaras e protetores auriculares, mas a partir de todo e qualquer meio pelo qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida.

5. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de fevereiro de 2024.



Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004324804v7 e do código CRC 0d050aaf.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA
Data e Hora: 22/2/2024, às 17:17:40


5002616-15.2022.4.04.9999
40004324804 .V7


Conferência de autenticidade emitida em 01/03/2024 08:01:18.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/02/2024 A 21/02/2024

Apelação Cível Nº 5002616-15.2022.4.04.9999/RS

RELATORA: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ALZIRA DA COSTA WEIRICH

ADVOGADO(A): ROSANGELA ANGST (OAB RS028117)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/02/2024, às 00:00, a 21/02/2024, às 16:00, na sequência 235, disponibilizada no DE de 31/01/2024.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA

Votante: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA

Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

LIDICE PENA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 01/03/2024 08:01:18.

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