A discussão em torno da possibilidade de cancelamento administrativo de benefícios por incapacidade, mesmo quando concedidos judicialmente e já transitados em julgado, tem ganhado relevância no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Sob a relatoria do ministro Herman Benjamin, o Tema 1.157 será avaliado, possivelmente em 2025, para definir se a Administração Pública pode revisar e cancelar esses benefícios por meio de perícia médica administrativa, sem a necessidade de ajuizamento de uma ação revisional.

Até o momento, o posicionamento do ministro relator é de que a revisão e o eventual cancelamento são viáveis quando, em um processo administrativo idôneo, ficarem comprovadas eventuais irregularidades na manutenção do benefício. A fundamentação nesse sentido se baseia no entendimento de que o Poder Público detém a prerrogativa de autotutela para corrigir e reprimir atos irregulares ou ilegais, com respaldo em princípios como o da indisponibilidade do interesse público e o da legalidade.

Entretanto, o julgamento foi interrompido após pedido de vista do ministro Teodoro Silva Santos, o que faz com que a decisão final fique em suspenso. 

É possível que o resultado final seja um marco na jurisprudência do STJ, tendo em vista o potencial impacto financeiro e social, além dos reflexos diretos sobre a segurança jurídica dos beneficiários.

Do ponto de vista jurídicos temos algumas reflexões sobre o tema que devem ser consideradas para esse julgamento:

Princípio da coisa julgada

Um ponto de tensão é o enfrentamento entre o princípio da coisa julgada, que confere estabilidade e segurança às decisões judiciais, e a possibilidade de revisão administrativa. Em regra, decisões transitadas em julgado não podem ser modificadas, justamente para garantir segurança jurídica. A grande questão é saber em que medida essa imutabilidade pode ser relativizada quando há indícios concretos de fraude ou irregularidade.

Quando falamos de perícia médica na autarquia previdenciária, e, dentro da prática da advocacia previdenciária, o que observamos não é a conduta da alta/aptidão do segurado para retorno ao trabalho, que, após nova demanda judicial, resta comprovada a situação oposta.

Ou seja, o segurado após um período de afastamento por incapacidade ao trabalho concedido judicialmente, é submetido a uma revisão administrativa de seu benefício, para avaliar sua capacidade de retorno ao trabalho, tem seu benefício cessado, ou ainda ingressa na recuperação gradativa.

Para tanto, necessita de novo ajuizamento que, em grande maioria, após perícia médica judicial chancelando sua incapacidade laboral, tem o provimento judicial de concessão de benefício, mais uma vez.

Autotutela e prerrogativas da Administração

Por outro lado, a Administração Pública não pode ser compelida a manter atos e pagamentos viciados por ilegalidades ou irregularidades. 

A doutrina e a jurisprudência já reconhecem o poder-dever de autotutela, o que pode legitimar a revisão administrativa. O cerne da controvérsia está em saber se esse poder também se estende a benefícios concedidos por sentença judicial definitiva.

Sendo assim, mantendo o exemplo citado acima, nada impede a Administração Pública, no caso a autarquia previdenciária, de solicitar nova avaliação médica pericial para confirmar a incapacidade ou não do segurado.  

A autotutela aqui estaria sendo exercida em conformidade com a legislação que lhe dá essa prerrogativa, porém a cessação do benefício não deve ser feita sem uma decisão judicial que lhe dê essa confirmação.

Processo administrativo e contraditório

Caso o STJ defina que o cancelamento na via administrativa é possível, haverá necessidade de um processo administrativo formal, com garantia de contraditório e ampla defesa. Nesse contexto, é fundamental que o beneficiário seja notificado, tenha acesso aos documentos e possa produzir prova contrária aos laudos apresentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), garantindo-se a efetividade de seu direito de defesa.

Perspectivas do julgamento e impactos sociais

A depender do desfecho do julgamento, há dois cenários principais:

Afastamento da revisão administrativa: o STJ pode entender que a coisa julgada prevalece integralmente, exigindo ação revisional para qualquer alteração em benefícios concedidos judicialmente. 

Isso reforçaria a estabilidade das sentenças e garantiria a segurança jurídica dessas relações.

Além do mais, o número de judicialização também seria diminuído, evitando assim um excesso de demandas que apenas oneram o erário público.

Caberia ao INSS analisar com mais cuidado os casos possíveis de fraudes na via administrativa, promovendo a prevenção nessa análise.

Admissão da revisão administrativa: seguindo o voto do ministro relator, a corte superior poderia consolidar a possibilidade de revisão na via administrativa, desde que observados os princípios constitucionais do devido processo legal. 

Não obstante, a grande massa da população brasileira que necessita do benefício por incapacidade pertence a classes econômicas mais baixas, de modo que não detém a possibilidade de suporte jurídico e médico adequados para um processo em  igualdade de condições com a autarquia.

A resolução do julgamento neste viés, portanto, manteria a atual conjuntura que a advocacia previdenciária bem conhece. 

Julgamento trará repercussões significativas

O Tema 1.157 no STJ representa uma importante discussão sobre os limites entre a coisa julgada e a competência da Administração Pública para rever seus próprios atos. 

Seja qual for a orientação firmada neste ano, o julgamento trará repercussões significativas para a seara previdenciária, podendo alterar tanto a rotina de concessão de benefícios por incapacidade quanto a segurança jurídica dos beneficiários.

Nesse contexto, recomenda-se que os segurados acompanhem os desdobramentos do caso e, sempre que notificados de eventual revisão administrativa, busquem assessoramento jurídico especializado para garantir a defesa de seus direitos.

Voltar para o topo