Muitas vezes nos deparamos com decisões que contrariam manifestações de instâncias superiores e que à primeira vista não comportariam recurso ao órgão que teve sua competência usurpada. Contudo, existe uma ferramenta pouco utilizada e debatida: a Reclamação. Hoje vamos compartilhar este mecanismo.

O que é a Reclamação no Direito?

A Reclamação nada mais é do que um instrumento jurídico-processual que visa preservar a competência de determinado tribunal ou garantir a autoridade de suas decisões.

Prevista nos artigos 988 e seguintes do Código de Processo Civil, alguns autores como Didier Jr. defendem que a mesma possui natureza jurídica de ação. Por outro lado, o STF no julgamento da ADI 2.212-1/CE entendeu que a mesma deve ser enquadrada como manifestação do direito de petição.

De qualquer forma, adotaremos aqui a natureza jurídica de ação como interpretação mais coerente, na medida em que para apresentar uma Reclamação perante um tribunal há de se fazer por meio de uma petição inicial, observando seus requisitos, bem como possuir capacidade postulatória.

Observem as hipóteses de cabimento da Reclamação, e como ela representa também um mecanismo de garantia do sistema de precedentes do novo CPC:

Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

I – preservar a competência do tribunal;

II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;

III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;

Além disso, a Reclamação também é cabível perante a TNU, a fim de garantir sua competência ou a autoridade de suas decisões. Contudo, o Regimento Interno da TNU, atualmente consubstanciado na Resolução CJF nº 586/2019, estabelece restrições importantes ao seu cabimento. De acordo com o Art. 53 desta Resolução:

Art. 53 da Resolução CJF nº 586/2019:

“Não caberá reclamação:

I – se pretender a garantia da autoridade de decisão proferida em processo em que o reclamante não tenha sido parte;

II – impugnar decisões proferidas pelo Presidente da Turma Nacional ou pelo magistrado responsável pelo juízo preliminar de admissibilidade nos Incidentes de Uniformização;

III – quando for utilizada como sucedâneo recursal para discutir o acerto ou desacerto da decisão impugnada;

IV – contra decisão transitada em julgado;

V – contra acórdão de Turma Recursal em que haja fundamento diverso daquele que serviu de base para a uniformização de jurisprudência, ou quando se fundar em interpretação de fato ou de direito local.”

Da leitura das hipóteses de cabimento da Reclamação e suas restrições, podemos verificar que este instrumento pode ser amplamente utilizado em processos previdenciários, nos quais os recursos para instâncias superiores são recorrentes, bem como os Incidentes de Uniformização para a TNU.

Exemplos práticos de utilização da Reclamação no processo previdenciário

Ok, sabemos na teoria as hipóteses de cabimento da Reclamação, mas como visualizar melhor isso na prática previdenciária?

Vou apresentar aqui dois exemplos de casos reais que utilizamos a Reclamação, bem como iremos disponibilizar ao final os respectivos modelos das petições utilizadas.

Descumprimento de decisão proferida em IRDR

Um caso comum envolve um processo de benefício assistencial (BPC/LOAS) que tramita no Juizado Especial Federal. Nele, a Turma Recursal pode negar o benefício, mesmo quando a renda per capita do grupo familiar é inferior a 1/4 do salário mínimo, em clara contrariedade a tese firmada em um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) do respectivo Tribunal Regional Federal (TRF).

Por exemplo, imagine que após o TRF de sua região (como o TRF4 no antigo IRDR nº 12, ou outro IRDR posterior) ter determinado a suspensão dos processos que tratavam sobre a presunção (absoluta ou relativa) de miserabilidade do critério objetivo de renda no BPC, e ter fixado uma tese jurídica vinculante sobre o tema, uma Turma Recursal profere decisão que a desconsidera.

Nesse cenário, apresentada a Reclamação perante o TRF, a mesma pode ser julgada procedente, cassando a decisão da Turma Recursal e determinando que fosse seguida a tese firmada no IRDR. Este exemplo demonstra que decisões proferidas pelos Tribunais nos IRDRs e Incidentes de Assunção de Competência (IACs) podem e devem ser efetivadas com o uso da Reclamação, garantindo a autoridade do precedente. Por isto, o estudo dos precedentes do TRF da sua região de atuação é imprescindível para não deixar escapar oportunidades de dar nova vida para processos que, em um olhar superficial, se encaminhariam para a improcedência.

Clicando aqui você terá acesso ao modelo da petição inicial utilizada no caso.

Turma Recursal que se nega a adequar seu acórdão à decisão da TNU

Já neste segundo exemplo temos um caso em que a Turma Recursal proferiu acórdão da qual foi interposto Incidente de Uniformização pelo segurado perante a TNU. Por sua vez, o incidente foi provido pela TNU, determinando a readequação do acórdão.

Contudo, a Turma Recursal se negou a readequar seu entendimento. Esta decisão motivou a interposição de Reclamação perante a TNU, a fim de preservar a autoridade de sua decisão.

Nestes casos é possível inclusive postular que a TNU aplique o direito no caso concreto, solucionando definitivamente o litígio.

Clicando aqui você terá acesso ao modelo da petição inicial utilizada no caso.

Conclusão

Como conseguimos observar, a Reclamação pode ser muito útil em processos previdenciários, apresentando-se como um “coringa” em situações difíceis.

Evidentemente que o presente post não pretende encerrar a discussão e situações de cabimento da Reclamação. O constante estudo dos precedentes dos tribunais superiores, TRFs e da TNU deve ser aliado constante do advogado Preidenciarista que pretende utilizar a Reclamação como mais uma ferramenta na defesa dos interesses dos seus clientes.

Aos que ainda não tiveram a oportunidade de utilizar esta ferramenta, posso adiantar que a satisfação de sucesso é dobrada, pois são nessas horas que a preparação e estudo constante dos Previdenciaristas é posta em evidência.

Esperamos que este post possa ser útil no aprimoramento do seu cotidiano profissional, que demanda soluções criativas para superar adversidades processuais.

Ficou com alguma dúvida? Já utilizou a Reclamação em casos diferentes? Deixe seu comentário abaixo!

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