O recente adiamento do julgamento do STF sobre a possibilidade de divisão da pensão por morte no caso de segurado que manteve uniões estáveis simultâneas em vida reacendeu a pauta entre os profissionais da área de direito previdenciário. Atualmente, com o placar de 5 votos a favor e 3 contra, a situação da Corte é muito semelhante a uma que deu origem a entendimento já pacificado pelo Tribunal Regional Federal e a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região.
De fato, desde 2011, nos casos em que o instituidor da pensão, mesmo casado, mantinha “união estável” com outra pessoa, a TRU-4 já havia decidido no seguinte sentido:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. CONCUBINATO ADULTERINO. BOA-FÉ. EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS. POSSIBILIDADE. 1. A existência de impedimentos ao casamento não obsta o reconhecimento de entidade familiar nas hipóteses de concubinato adulterino, quando da vigência de matrimônio válido sem separação, não retirando da concubina a proteção previdenciária, quanto às situações em que reste evidenciada a boa-fé, entendida essa não somente como o desconhecimento de supostos impedimentos ao casamento, mas também nas hipóteses em que a afetividade, estabilidade e ostensibilidade da relação revelem expectativa no sentido de que aquele relacionamento poderá evoluir para o casamento, dependendo do contexto probatório dos autos. 2. Interpretação do inciso I e dos §§ 3º e 4º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 à luz do art. 226, §3º, da Constituição Federal. 3. Pedido de Uniformização conhecido e provido. (IUJEF 0000558-54.2009.404.7195, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator Susana Sbrogio Galia, D.E. 31/05/2011).
Embora o falecido mantivesse o vínculo jurídico formal com a esposa/autora até a data do óbito, também manteve união estável com a corré até seu falecimento, possuindo duas famílias de forma concomitante, não desistindo ou renunciando a qualquer desses relacionamentos, ambas fazendo jus a pensão por morte a ser dividida em partes iguais. 3. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício em favor da parte autora, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5014655-53.2014.4.04.7112, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 08/08/2019)
No primeiro caso, o ministro Edson Fachin defendeu que seria possível o reconhecimento de efeitos previdenciários póstumos a uniões estáveis concomitantes, desde que presente o requisito da boa-fé objetiva. De acordo com o jurista “uma vez não comprovado que ambos os companheiros concomitantes do segurado instituidor, na hipótese dos autos, estavam de má-fé, ou seja, ignoravam a concomitância das relações de união estável por ele travadas, deve ser reconhecida a proteção jurídica para os efeitos previdenciários decorrentes“.
No segundo, a TRU-4 também ressaltou a necessidade da boa-fé objetiva na situação, consubstanciada no desconhecimento de supostos impedimentos ao casamento e afetividade, estabilidade e ostensibilidade da relação que revelem expectativa no sentido de que aquele relacionamento poderá evoluir para o casamento. O TRF-4, por sua vez, acrescenta que o rateio é possível, pois o segurado possuía duas famílias, de forma concomitante, e não desistiu ou renunciou a qualquer dos relacionamentos.
Em que pese se tratar de situações fáticas relativamente distintas, entendo que um posicionamento favorável em ambos os casos representa a solução mais acertada . Com efeito, a previdência social possui como um dos seus princípios condutores o da proteção social, que deve se estender tanto em prol do segurado como de seus dependentes.
Ainda, de acordo com Castro e Lazzari (2018, p. 91), o princípio da universalidade da cobertura, previsto no art. 194, inciso I, da Constituição Federal, deve ser entendido no sentido de que “a proteção social deve alcançar todos os eventos cuja reparação seja premente, a fim de manter a subsistência de quem dela necessite“.
Nos casos referidos, não me parece observar a proteção e, tampouco, a justiça social eleger somente um beneficiário para perceber a pensão por morte, se comprovado que tanto os dois companheiros como o companheiro e o cônjuge dependiam economicamente do segurado instituidor. Ora, qualquer um dos companheiros como o companheiro e o cônjuge tinham justa expectativa de se verem agraciados pelo benefício previdenciário, pois haviam mantido relacionamentos juridicamente protegidos com o segurado extinto.
Por certo, não se está aqui a defender a bigamia ou poligamia, matéria afeta ao direito de família. O cerne da questão cinge-se aos efeitos previdenciários derivados de relações que efetivamente ocorreram e que, como tais, merecem ser amparadas judicialmente. Ainda que a legislação eventualmente vede mais de um matrimônio ou mais de uma relação estável, a proibição jurídica não pode prejudicar o reconhecimento da aplicação de efeitos derivados de uma situação de fato.
Ademais, não há que se falar em retirar direitos de um ou de outro dependente. Pelo contrário: o rateio da pensão por morte nos dois casos representa justamente respeitar o direito de todos, abarcando a totalidade dos dependentes do segurado falecido e permitindo a consecução do princípio da proteção social.
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