A distinção entre os regimes de economia familiar e individual representa um dos aspectos mais complexos da classificação do segurado especial no direito previdenciário brasileiro, impactando diretamente no acesso aos benefícios e na forma de comprovação da atividade rural.

Conceito e Características do Segurado Especial

O segurado especial constitui categoria diferenciada no sistema previdenciário, caracterizado pelo exercício de atividade rural em condições específicas. Conforme estabelecido na legislação, o segurado especial é “o indivíduo residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, exerce atividade rural”. Esta definição legal estabelece duas modalidades distintas de exercício da atividade: individual e em regime de economia familiar.

A importância desta classificação transcende aspectos meramente conceituais, influenciando diretamente os requisitos probatórios e os benefícios disponíveis. O regime de economia familiar pressupõe que “o trabalho é realizado pelos membros da família para a mútua subsistência, sem a contratação de empregados permanentes”. Esta característica é fundamental para diferenciar o segurado especial de outras categorias de trabalhadores rurais.

Regime de Economia Familiar versus Individual

A distinção entre economia familiar e individual apresenta implicações jurídicas substanciais. No regime de economia familiar, a atividade rural é exercida pelos membros da família de forma conjunta, visando a subsistência comum. A legislação reconhece que “todos devem contribuir de forma conjunta e sem hierarquia, visando a subsistência e o sustento da família”. Esta modalidade permite maior flexibilidade na comprovação, pois admite o aproveitamento de provas em nome de diferentes membros do grupo familiar.

No ponto, o art. 11, inciso VII, da Lei 8.213/91, assim preconiza:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (Redação dada pela Lei nº 8.647, de 1993)

(…) VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

  1. a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
  2. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
  3. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
  4. b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
  5. c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

O Conselho de Recursos da Previdência Social modificou recentemente as regras através da Resolução nº 12/2025, estabelecendo que “é segurado especial quem exerce atividade rural em regime de economia familiar, ainda que acumule tarefas domésticas, podendo usar provas em nome do cônjuge ou companheiro(a), desde que corroboradas”. Esta alteração fortalece o reconhecimento da economia familiar como regime prioritário.

Pontos-chave da Resolução nº 12/2025:

Comprovação do trabalho rural:

  • A autodeclaração é o meio prioritário para comprovar a atividade rural, devendo ser ratificada por órgãos públicos credenciados ou bases governamentais. 
  • Caso a autodeclaração não possa ser ratificada, documentos complementares podem ser apresentados. 
  • Pequenas propriedades e o trabalho em regime de economia familiar continuam sendo reconhecidos. 

Relativização da idade mínima:

  • É possível relativizar a idade mínima para o reconhecimento como segurado especial, desde que comprovada a participação ativa e indispensável na atividade rural. 

Uso de documentos:

  • Documentos em nome do cônjuge ou companheiro(a) podem ser usados como prova, desde que corroborados. 

Evita a justificação administrativa:

  • Não será realizada a justificação administrativa se a autodeclaração já for ratificada por bases governamentais ou outros elementos comprobatórios aceitos na legislação. 

Efeitos dos documentos em justificação administrativa:

  • Os efeitos de documentos apresentados em justificação administrativa são exclusivos para o interessado, não podendo ser utilizados por terceiros para comprovar a condição de segurado especial. 

Esta resolução visa proporcionar maior segurança jurídica e transparência nos julgamentos administrativos do CRPS, especialmente em relação aos trabalhadores rurais. 

Jurisprudência e Teses Consolidadas

A jurisprudência tem consolidado entendimentos importantes sobre a classificação. A Súmula 30 da TNU estabelece que “o fato de o imóvel ser superior ao módulo rural não afasta, por si só, a qualificação de seu proprietário como segurado especial, desde que comprovada, nos autos, a sua exploração em regime de economia familiar“.

sumula 30

Este entendimento foi reforçado pelo STJ no Tema 1115, que firmou tese no sentido de que “o tamanho da propriedade não descaracteriza, por si só, o regime de economia familiar, quando preenchidos os demais requisitos legais”.

tema 1115

A TNU também consolidou no Tema 23 que “a condição de segurada especial em regime de economia familiar não é descaracterizada pelo trabalho urbano do marido”. Esta tese reconhece a autonomia dos membros familiares na manutenção da condição de segurado especial.

Legislação Atual e Alterações Recentes

A legislação previdenciária atual mantém a estrutura básica da Lei 8.213/91, que estabelece os parâmetros do segurado especial. O artigo 39 prevê benefícios específicos “desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento”. As recentes alterações do CRPS enfatizam a importância da autodeclaração ratificada por entidades públicas como meio prioritário de comprovação.

A distinção entre individual e economia familiar determina não apenas os requisitos probatórios, mas também as possibilidades de contribuição facultativa. O segurado especial pode “contribuir facultativamente com o INSS com uma alíquota de 20% sobre um valor entre o salário mínimo e o teto do INSS”, ampliando suas possibilidades de benefícios.

Conclusão

A classificação adequada entre regimes individual e de economia familiar constitui elemento fundamental para o reconhecimento dos direitos previdenciários do segurado especial. A jurisprudência tem evoluído no sentido de flexibilizar os critérios, reconhecendo as peculiaridades do trabalho rural e priorizando a substância sobre a forma na análise dos casos concretos.

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