Certamente você já ouviu falar sobre a possibilidade de reconhecer o tempo rural trabalhado antes dos 12 anos de idade, certo?

Ocorre que na prática isso não vem ocorrendo nos processos judiciais, o que me motivou a escrever essa coluna.

 

Trabalho rural antes dos 12 anos de idade: entenda

A possibilidade de reconhecer tempo rural antes dos 12 anos de idade começou com o julgamento da Ação Civil Pública n. 5017267-34.2013.4.04.7100 pelo TRF4.

Nesse sentido, o Ofício-Circular Conjunto nº 25 /DIRBEN/PFE/INSS do INSS regulamentou o julgamento da ACP, prevendo a possibilidade administrativa de reconhecer tempo de trabalho rural prestado em qualquer idade.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão no mesmo sentido (Agravo em Recurso Especial nº 956.558 – SP).

Diante desses precedentes, se imaginou que finalmente o reconhecimento do trabalho rural antes dos 12 anos se concretizaria para todos.

Contudo, na via judicial, a história é bem diferente.

 

Trabalho rural antes dos 12 anos na via judicial: uma ilusão?

Por certo que na via administrativa, o INSS vem reconhecendo o trabalho rural antes dos 12 anos de idade, sem maiores empecilhos (até o momento, ao menos).

Contudo, na via judicial, os julgadores tem se valido de uma “artimanha argumentativa” para negar esse reconhecimento.

Em resumo, os julgados reconhecem que a decisão da ACP do TRF4 e a jurisprudência do STJ admitem essa possibilidade. Todavia, a jurisprudência tem exigido que o trabalho do menor seja em um contexto de “indispensabilidade” e não de “complementaridade“.

Observe que a bem da verdade há uma negativa objetiva, eis que muitos julgadores tem considerado que o fato da parte autora ser menor de 12 anos torna o trabalho rural um “mero auxílio“:

(5003316-78.2020.4.04.7115, QUARTA TURMA RECURSAL DO RS, Relator GERSON GODINHO DA COSTA, julgado em 06/12/2021)

(TRF4 5001356-23.2020.4.04.7007, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 15/12/2021)

 

É tudo uma questão de perspectiva

Como se percebe, claramente as decisões judiciais vem entendendo que o trabalho rural antes dos 12 anos é um trabalho “dispensável“, o que aduz um desconhecimento da realidade campesina e do Brasil rural das décadas de 60 e 70 (que são as décadas de reconhecimento pleiteada pelos segurados com direito adquirido em 2021).

É provável que esse entendimento restritivo advenha de uma visão míope dos atores do processo judicial previdenciário sobre a realidade do campo, e de como as crianças e adolescentes são utilizadas pelos grupos familiares como mão de obra.

Possivelmente a maior parte dos juízes, advogados e procuradores se dedicou somente ao estudo e às atividades lúdicas quando menor de 12 anos. Por consequência, isso possibilitou uma maior gama de oportunidades, inclusive de estarem hoje em posições institucionais decisórias.

Nesse sentido, é possível que haja um real desconhecimento do sentido do trabalho infantil no campo, especialmente por parte de quem decide.

Aliás, cabe ressaltar que o conceito de “regime de economia familiar” aduz justamente à complementariedade de esforços. Isso vai desde o pai (“provedor” que se dedica 100% às atividades campesinas), passando pela mãe (“do lar” que realiza trabalhos domésticos, cuida dos filhos e auxiliar no campo) até aos filhos, que prestam auxílio nas atividades rurais e domésticas.

Com certeza, todos são parte de uma engrenagem que se complementa, e não reconhecer isso é vendar os olhos para a realidade.

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