A APOSENTADORIA ESPECIAL surgiu com a Lei Orgânica da Previdência Social 3.807, de 26 de agosto de 1960. Esse benefício é uma modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição (mas sem incidência do fator previdenciário no cálculo), diminuído o tempo para 15, 20 ou 25 anos em razão das condições insalubres, periculosas e penosas a que estiver submetido o trabalhador, sendo elevado ao status de norma constitucional em 1988, no § 1º do art. 201 e prevista na lei dos benefícios no art. 57:
Constituição Federal: Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
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1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.
Lei 8.213/91: Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
Ocorre há alguns anos que a concessão administrativa do benefício de APOSENTADORIA ESPECIAL é fato raro de acontecer (aqui no sul dizemos que é quase tão difícil como encontrar uma mosca branca com olhos azuis).
Isso porque a Autarquia sempre impõe diversas barreiras ao reconhecimento das atividades especiais desenvolvidas, exigindo documentos impossíveis de obtenção pelo segurado, como PPP E LAUDOS TÉCNICOS de empresas extintas, de empregadores pessoa física (muito comum na construção civil), bem como declarações no que tange a intensidade e tipo de exposição.
Assim, a própria Previdência Social faz exigências criando obstáculos intransponíveis ao segurado.
Tratamento da Aposentadoria Especial no Judiciário
Dessa forma, a postura do INSS motivou uma verdadeira judicialização obrigatória dessas demandas. Lembro que no início dos Juizados Especiais Federais, após a instauração dos mesmos no início dos anos 2000, o benefício era tratado de maneira especial pelos juízes (em sua maioria), que corretamente designavam perícias laborais para todos os casos de pedido de aposentadoria especial ou pedidos de conversão de atividades especiais em comum.
Uma pena que alguns anos depois, provavelmente para conter despesas, os Juízes dos JEFs passaram a negar (quase todos) os pedidos de perícias, bem como valorando (quase que) exclusivamente a prova documental, ou seja, os formulários emitidos pelos empregadores e seus laudos correspondentes.
Assim, após os Juizados Especiais cercearem o direito fundamental à prova dos segurados, surgiram de imediato três efeitos:
- AUMENTO DA NECESSIDADE DE MELHOR PRODUÇÃO PROBATÓRIA E RECURSOS ADMINISTRATIVOS (muitos com êxito);
- ORDINARIZAÇÃO DAS DEMANDAS (muitos casos não vale a pena correr o risco de ajuizar nos JEFs);
- MASSIFICAÇÃO DE IMPROCEDÊNCIAS em AÇÕES visando APOSENTADORIAS ESPECIAIS nos JUIZADOS ESPECIAIS PREVIDENCIÁRIOS.
Por outra lado, e maior motivo desta coluna, gostaria de ressaltar a recente JURISPRUDÊNCIA do Superior Tribunal de Justiça que confirmou entendimento já adotado pela Turma Nacional de Uniformização no sentido de que o trabalhador não precisa apresentar laudo técnico para que o tempo de trabalho com risco à saúde seja reconhecido como especial (STJ, processo nº 201304048140, Pet 10262/RS)!
Recente decisão do STJ sobre dispensa do laudo técnico
No julgado em apreço, restou consagrado que nos pedidos de aposentadoria especial feitos com base em exposição do trabalhador a ruído nocivo, a apresentação do Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT) pode ser dispensada quando o processo é instruído com o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP).
O entendimento foi firmado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar incidente de uniformização de jurisprudência apresentado pelo INSS. Com base em PERFIL PROFISSIOGRÁFICO, entendeu-se que um profissional foi submetido a níveis insalubres de ruído em seu ambiente de trabalho.
Na oportunidade, o ministro Sérgio Kukina assim esclareceu:
Lícito se faz concluir que, apresentado o PPP, mostra-se despicienda a também juntada do LTCAT aos autos, exceto quando suscitada dúvida objetiva e idônea pelo INSS quanto à congruência entre os dados do PPP e do próprio laudo que o tenha embasado […] no caso em julgamento, o INSS não suscitou nenhuma objeção quanto ao conteúdo do PPP juntado ao processo de aposentadoria, não se podendo, por isso, recusar-lhe validade jurídica como meio de prova apto à comprovação da nociva exposição do trabalhador.
Segundo a decisão, o formulário PPP é suficiente e dispensa a apresentação do LTCAT, que analisa todos os agentes insalubres do ambiente de trabalho.
A decisão é excelente!
INSS e o dever de fiscalizar…
Quero também aproveitar a oportunidade para convidar todos colegas Previdenciaristas para adotarem uma postura pouco usual até o momento: defendo que devemos cobrar uma mudança de visão e ação do próprio INSS em relação às empresas empregadoras.
E vou mais longe: já chega de assistirmos a conivência da previdência e seus agentes, permitindo que empresas produzam laudos fraudulentos para minimizar a incidência dos reflexos contributivos, prejudicando diretamente o erário e o direito dos trabalhadores ao acesso à aposentadoria especial.
É importante sempre ressaltarmos que compete ao servidor do INSS responsável pela condução do processo, juntamente com o segurado requerente, a instrução do processo administrativo com o intuito de reunir toda a documentação indispensável ao processamento do benefício pleiteado, para fins de obtenção do BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO AO SEGURADO! Vejamos o que diz a própria IN 77/2015, no seu art. 687:
O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido.
Nesse sentido, cabe lembrar que deve o empregador recolher “Adicional do SAT”, que prevê percentual proporcional ao grau de nocividade da exposição do empregado aos agentes agressivos, exclusivamente sobre a remuneração do segurado exposto ao agente especial.
…as contribuições do empregador
Assim, não se pode permitir a descaracterização da atividade especial ou a não concessão do benefício de aposentadoria especial ao segurado pela não contribuição a cargo do empregador, eis que se presume que ela foi realizada pelo empregador!
Ademais, a contribuição existe e está prevista em lei. Basta que haja fiscalização e cobrança efetiva pela Autarquia Previdenciária! Incabível, portanto, discutir em um processo de concessão de benefício matéria de custeio. Se houve exposição do segurado aos agentes nocivos, cabe ao INSS propor a ação de cobrança que entender cabível para sanar a discussão sobre o equilíbrio financeiro e atuarial.
… o correto preenchimento de documentos trabalhistas e previdenciários
Tratando-se de atividade especial, a precedência da fonte de custeio e a necessidade de arrecadação e fiscalização também geram reflexos no preenchimento dos formulários PPP pelo empregador. Isto ocorre porque o empregador pode “omitir” a informação de ambiente insalubre para se eximir de pagar a contribuição específica. Contudo, não é possível permitir que o segurado seja prejudicado pela “omissão” do empregador!
Com efeito, é relevante salientar que o preenchimento dos formulários de segurança do trabalho se dá unilateralmente, sem qualquer tipo de fiscalização e/ou contraditório, visando somente amparar interesses da empresa e cumprir formalidades burocráticas, bem como são produzidos “por encomenda” e com relação comercial de prestação de serviço da empresa responsável pela elaboração dos “laudos”, ao passo que naturalmente há disposição destas para “amenizar” os “impactos” que a correta exposição dos agentes poderia ocasionar à empresa contratante.
Ademais, muitas vezes, o empregador até se recusa a fornecer o PPP ao segurado. Ressalta-se que há previsão de multa em tais casos, consoante dispõe o §8º, do art. 68 do Decreto 3.048/99. Veja-se (grifos nossos):
8o A empresa deverá elaborar e manter atualizado o perfil profissiográfico do trabalhador, contemplando as atividades desenvolvidas durante o período laboral, documento que a ele deverá ser fornecido, por cópia autêntica, no prazo de trinta dias da rescisão do seu contrato de trabalho, sob pena de sujeição às sanções previstas na legislação aplicável.
Neste ponto, importante mencionar que o esmero do segurado em obter o PPP cessa seu dever de comprovação, cabendo ao INSS fiscalizar o empregador, bem como consagrar o direito do segurado requerente ao melhor entendimento e enquadramento, conforme obrigam as próprias instrução normativa 77 e resolução 485/2015 do INSS:
Art. 293, IN 77:
4º Em caso de divergência entre o formulário legalmente previsto para reconhecimento de períodos alegados como especiais e o CNIS ou entre estes e outros documentos ou evidências, o INSS deverá analisar a questão no processo administrativo, com adoção das medidas necessárias.
5º Serão consideradas evidências, de que trata o § 4º deste artigo, entre outros, os indicadores epidemiológicos dos benefícios previdenciários cuja etiologia esteja relacionada com os agentes nocivos.
A Resolução INSS nº 485/2015 também se mostra um meio eficiente de periciar/inspecionar o ambiente laboral administrativamente no caso de divergência entre o formulário e o CNIS ou entre outros documentos ou evidências:
Considerando…
c.) o § 7º do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999, que dispõe sobre a inspeção, se necessário, no local de trabalho do segurado visando a confirmar as informações contidas no Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP e Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho – LTCAT, para fins de Aposentadoria Especial;
(…)
Art. 4º A inspeção no ambiente de trabalho terá por finalidade:
V – verificar se as informações contidas no PPP estão em concordância com o LTCAT utilizado como base para sua fundamentação, com fins à aposentadoria especial;
VI – confirmar se as informações contidas LTCAT estão em concordância com o ambiente de trabalho inspecionado, com fins à aposentadoria especial; e
Art. 5º A Perícia Médica dará ciência ao segurado, por meio da Carta de Comunicação ao Segurado de Inspeção no Ambiente de Trabalho (Anexo IV), da data e hora de realização da inspeção, informando-lhe da possibilidade da participação do representante do sindicato da categoria e/ou do seu médico assistente.
Comprovação da situação do segurado
Cumpridas as devidas diligências pelo INSS, desnecessária seria a judicialização de muitas demandas. Inclusive há jurisprudência que consagra a desnecessidade do segurado esgotar toda e qualquer pendência de responsabilidade de empregador, sendo que caberia ao próprio INSS o esforço de complementar a prova da atividade especial do segurado e, quando fosse o caso, utilizar seu poder fiscalizador:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. DETERMINAÇÃO AO INSS PARA JUNTADA DE DOCUMENTOS RELATIVOS A ATIVIDADES ESPECIAL EM EMPRESAS INATIVAS CONTEMPORÂNEAS AO TEMPO EM QUE O AUTOR ERA SEGURADO EMPREGADO MESMO EM SE TRATANDO DE PERÍODO ANTERIOR AOS PPP’s, NR 09 PPRA e LTCAT. 1. Tem sido utilizado em casos de empresas extintas a perícia por similaridade, sendo apenas excepcionalmente, quando aquela se tornar inviável, invertido o ônus da prova. 2. É certo que as empresas têm a obrigação de entregar ao INSS documentos contendo as condições de trabalho de seus empregados, ficando elas com uma cópia. 3. No caso em epígrafe, não consta que esteja inviabilizada a realização de perícia por similitude com empresas congêneres, pelo que esta deve ser a primeira opção em termos instrutórios. 4. A despeito, nada impede que o INSS colabora com a juntada de documentos que estejam em seus arquivos referentes às empresas inativas, sem que isso implique inversão do ônus da prova, e sim uma atitude em prol da verdade real na busca na realização da justiça. (TRF4, AG 5001964-32.2016.404.0000, SEXTA TURMA, Relator (AUXÍLIO OSNI) HERMES S DA CONCEIÇÃO JR, juntado aos autos em 05/05/2016, grifos acrescidos)
Ocorre que, na prática, tem ocorrido uma verdadeira transferência de responsabilidades do INSS para o segurado! Ao simplesmente negar a aposentadoria especial, a Autarquia Previdenciária permanece inerte, contrariando as regras que dispõe a respeito da sua obrigação de fiscalizar e cobrar das empresas a prestação de informações corretas e o devido recolhimento das contribuições!
Também devemos atentar para o NOVO CPC no que tange a distribuição dinâmica do ônus da prova, conforme § 1.º do art. 373 do Diploma Processual, pois ao segurado é excessivamente difícil exigir a regular documentação dos empregadores, enquanto para o INSS pende a RESPONSABILIDADE e o poder de FISCALIZAÇÃO, ou seja, possui facilidades para cumprir o encargo do ônus na obtenção das provas!
Caso o INSS continue se omitindo nas suas atribuições, devemos provocar também o Ministério Público do Trabalho para tomar medidas enérgicas e apurar possíveis crimes contra a Previdência, praticados por empresários, médicos e engenheiros de segurança do trabalho envolvidos na confecção de laudos fraudulentos sobre condições de trabalho!
Assim, Previdenciaristas, por mais dura e árdua que sejam as nossas batalhas para melhorar entendimentos em prol dos segurados, sofrendo diariamente a resistência de servidores da Previdência e Juízes, que muitas vezes SEQUER se dignam em ler nossas petições, precisamos fazer com que o INSS fiscalize as empresas, invertendo a lógica atual, pois em se tratando de Direito Previdenciário, ao invés de amputar direitos sociais dos segurados, dever-se-ia primar pela MAIOR arrecadação com práticas eficientes de fiscalização!
Por fim, informo que todas nossas novas peças juntadas já estão vindo revestidas desses entendimentos, no sentido de valorar o PPP quando preenchido corretamente e exigir FISCALIZAÇÃO DO INSS quando o segurado está sendo lesado por “erros” do empregador.
Forte abraço, força e sucesso! Juntos podemos fazer diferença!
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