Em tempo de Copa do Mundo, a emoção da torcida aflora e os jogadores da seleção canarinha viram celebridades. Embalado por esse sentimento, talvez daí nasceu a ideia de premiar os atletas de futebol com indenização de R$ 100 mil e uma aposentadoria no valor máximo do teto do INSS: R$ 4.390,24. Concebido em 2010, o projeto de lei 7377/2010 é aprovado pelo Governo e começa a valer. Quem é aposentado no Brasil sabe o quanto é difícil trabalhar 35 anos e conseguir alcançar o teto da Previdência Social, principalmente quando existe o fator previdenciário que causa prejuízo de até 30% na renda e, uma vez aposentado, passar a receber reajustes salariais ridículos do Governo que achatam paulatinamente o valor da aposentadoria.
O deputado Fábio Trad (PMDB/MS) teve a brilhante idéia de propor em 2010 a previsão de o Governo arcar com a indenização e uma aposentadoria para os jogadores (e os reservas) que ganharam as copas do Mundo dos anos de 1958, 1962 e 1970. O projeto de lei n.º 7737/2010 foi alterado para beneficiar os titulares da copa do mundo de 1994 e 2002, o que pode ser estendido para a atual seleção casos os jogadores ganhem o hexa.
A justificativa do projeto para a aposentadoria, que não se chama de aposentadoria mas o singelo nome “auxílio especial mensal”, é que os “heróis esportivos encontram-se financeiramente em condições indignas, desamparados e sem uma aposentadoria que proporcione uma perspectiva de vida àqueles que tantas alegrias nos deram”. Aproveitaram o pacote de bondades e os jogadores atuais também vão gozar do benefício, já que de acordo com o projeto de lei 7737/2010 não há critério para aferição de miserabilidade.
Se isso virar moda, os atletas campeões dos mundiais do voleibol, basquetebol, natação, tênis, xadrez etc vão reclamar o mesmo benefício. Afinal, por que apenas os heróis do futebol podem ganhar R$ 100 mil e aposentadoria no teto máximo?
Nada contra os jogadores de futebol vencedores dos títulos mundiais, mas penso que para ter acesso à regalia do teto máximo é necessário contribuir como todo brasileiro mortal. O INSS é um seguro, ainda que social, que exige pagamento. Em outras palavras, não pagaram um real para receber esse benefício e, de uma hora para outra, vão ganhar o teto máximo.
A medida é totalmente contrária ao bom-senso e a princípio de qualquer regime previdenciário: a da prévia fonte de custeio. É necessário contribuir para ganhar. Apesar de viver reclamando que a Previdência vai quebrar, o Governo fecha os olhos ao equilíbrio atuarial do sistema previdenciário e aceita que a despesa seja paga pelos cofres públicos, o Tesouro Nacional. Simples assim. Ao proceder dessa maneira, o Governo trata o INSS como se pudesse meter a mão e fazer qualquer coisa.
O argumento de que os jogadores estão em situação de miserabilidade não prospera, pois a Constituição Federal já contempla o benefício assistencial chamado BPC/LOAS (benefício de prestação continuada); aquele pago a todo brasileiro com mais de 65 anos ou deficiente físico, que comprove ser pobre na forma da lei. A regalia dada aos jogadores quebra o princípio constitucional da assistência social e da isonomia entre miseráveis.
O Governo fere o direito de igualdade quando concede um privilégio desses a uma determinada casta de atletas, em detrimento dos milhares de desvalidos do país que recebem o amparo social no valor de um salário mínimo. Ao meu sentir, a norma é inconstitucional, sendo bom motivo para ser contestada no Supremo Tribunal Federal pelo Ministério Público. Todavia, quando o assunto é seleção brasileira parece que os princípios jurídicos, como o da isonomia, da imparcialidade e da prévia fonte de custeio do INSS, são relativizados. Até a próxima.
Leia a íntegra do projeto de lei 7377/2010, que foi aprovado pelo Governo:
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Benefícios concedidos
Art. 1o Fica concedido aos jogadores, titulares ou reservas, das seleções brasileiras campeãs das copas mundiais masculinas da Federação Internacional de Futebol – FIFA nos anos de 1958, 1962 e 1970:
I – prêmio em dinheiro; e
II – auxílio especial mensal para jogadores sem recursos ou com recursos limitados.
Prêmio
Art. 2o O prêmio será pago, uma única vez, no valor fixo de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao jogador.
Art. 3o Na ocorrência de óbito do jogador os sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial expedido a requerimento dos interessados, independentemente de inventário ou arrolamento, poderão se habilitar para receber os valores proporcionais a sua cota-parte.
Art. 4o Compete ao Ministério do Esporte proceder ao pagamento do prêmio.
Art. 5o O prêmio de que trata esta lei não está sujeito ao pagamento de Imposto de Renda ou contribuição previdenciária.
Auxílio especial mensal
Art. 6o O auxílio especial mensal será pago para completar a renda mensal do beneficiário até que seja atingido o valor máximo do salário-de-benefício do regime geral de previdência social.
Parágrafo único. Para fins do caput, considera-se renda mensal um doze avos do valor total de rendimentos tributáveis, sujeitos a tributação exclusiva ou definitiva, não tributáveis e isentos informados na respectiva Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física relativa ao ano base 2008.
Art. 7o O auxílio especial mensal também será pago à esposa ou companheira e aos filhos menores de vinte um anos ou inválidos do beneficiário falecido, desde que a invalidez seja anterior à data em que completaram vinte e um anos.
§ 1o Havendo mais de um beneficiário, o valor limite de auxílio per capita será o constante do art. 6o, caput, dividido pelo número de beneficiários, efetivos, ou apenas potenciais devido à renda, considerando-se a renda do núcleo familiar para cumprimento do limite de que trata o citado artigo.
§ 2o º Não será revertida aos demais a parte do dependente cujo direito ao auxílio cessar.
Art. 8o Compete ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS administrar os requerimentos e os pagamentos do auxílio especial mensal.
Parágrafo único. Compete ao Ministério do Esporte informar ao INSS a relação de jogadores de que trata o art. 1o.
Art. 9º O pagamento do auxílio especial mensal retroagirá à data em que, atendidos os requisitos, tenha sido protocolado requerimento no INSS.
Art. 10. O auxílio especial mensal sujeita-se à incidência de Imposto de Renda, nos termos da legislação específica, mas não está sujeito ao pagamento de contribuição previdenciária.
Origem dos recursos
Art. 11. As despesas decorrentes desta Lei correrão à conta do Tesouro Nacional e constarão de programação orçamentária específica existente no Ministério do Esporte, no tocante ao prêmio, e do Ministério da Previdência Social, no tocante ao auxílio especial mensal.
Vigência
Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
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