Apesar de ser comum pensar somente no segurado especial como trabalhador rural, a Lei 8.213/91 prevê, na verdade, quatro espécies de categorias para aqueles que laboram nas lides campestres. São elas: o empregado rural, o trabalhador avulso, o contribuinte individual e o segurado especial.

Tratam-se de categorias distintas e que merecem especial atenção, principalmente, no que tange à forma de contribuição para o INSS. Isso porque, muitas vezes, uma contribuição feita sob o código errado ou da maneira incorreta pode resultar em complicações para a demonstração do efetivo exercício de atividade rural para uma categoria ou outra. Em razão disso, faz-se necessária uma breve explanação sobre as formas de contribuição de cada uma das espécies de trabalhador rural, com o apontamento de eventuais atualizações legislativas.

1. Empregado rural

A previsão do empregado rural está contida no art. 11, inciso I, alínea “a”, da Lei 8.213/91, nos seguintes termos:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (Redação dada pela Lei nº 8.647, de 1993)

I – como empregado: (Redação dada pela Lei nº 8.647, de 1993)

a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado;

No ponto, destaca-se que, conforme a Instrução Normativa nº 77/2015, a natureza do serviço como urbana ou rural é definida conforme “as atividades efetivamente prestadas pelo empregado ou contribuinte individual e não do meio em que se inserem”. Ainda, de acordo com o art. 2º, do Estatuto do Trabalhador Rural (Lei nº 5.889/1973), é empregado rural “toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário”.

Todavia, insta ressaltar que a regulamentação do INSS prevê que não se encaixam como empregado rural, mesmo tendo prestado serviços para empregador rural ou empresa prestadora de serviço rural, a qualquer tempo, tratoristas, motosseristas e o administrador da fazenda, por exemplo. Nesses e em outros casos (art. 7º, inciso V, da IN 77/2015), para a Autarquia, o empregado é considerado somente como empregado de natureza urbana.

Recentemente o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, e o STJ confirmou, que, em se tratando de tratorista e capataz é de se reconhecer a qualidade de trabalhador rural do segurado (processo nº 2005.71.00.044110-9 e REsp1148040). Nessa senda, a própria Turma Nacional de Uniformização já definiu que “não é ramo de exploração de atividade econômica do empregador que define a natureza do trabalho desempenhado pelo empregado, se rural ou urbano, para fins de concessão do benefício previdenciário de aposentadoria”.

Em todas essas hipóteses, a forma de contribuição para a Previdência Social se dá em cima do valor recebido como forma de remuneração pelos serviços prestados, nos termos do art. 28, da Lei 8.212/91. Isso porque, em regra, os empregados rurais laboram mediante vínculo empregatício e a percepção de um salário mensal.

O que ocorre, porém, é que, muitas vezes, diante da informalidade do campo, poucos são os casos em que efetivamente o empregado rural preenche todos os requisitos que enquadrariam a sua relação como vínculo empregatício. Da mesma forma, também não é sempre que o empregador cumpre com as suas obrigações e realiza a contribuição devida, já que, neste caso, ela é de sua responsabilidade. Todavia, restando comprovado o exercício da atividade rural, não pode o INSS recursar-se a reconhecer o período em questão. Veja-se:

PREVIDENCIÁRIO. EXPEDIÇÃO DE CTC. EMPREGADO SEGURADO OBRIGATÓRIO DO RGPS. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ÔNUS DO EMPREGADOR. TUTELA ESPECÍFICA. 1. A atividade exercida como empregado rural se equipara à condição dos trabalhadores empregados urbanos, não se confundindo com a qualidade de segurado especial, traduzida nos trabalhadores rurais em regime de economia familiar. 2. Em se tratando de empregado rural, a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social é de seu empregador. 3. Tendo havido a comprovação do exercício de atividade laborativa pela parte autora através da CTPS, deve o INSS averbá-lo e incluí-lo na certidão por tempo de contribuição – CTC. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de expedir CTC com o tempo reconhecido em favor da parte autora, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).   (TRF4, AC 5059110-70.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 24/05/2019)

Dessa forma, caso haja robusto conjunto probatório, o período laborado pelo segurado deve ser reconhecido.

 

2. Trabalhador avulso

De acordo com o art. 11, inciso VI, da Lei 8.213/91, é considerado trabalhador avulso “quem presta, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, serviço de natureza urbana ou rural definidos no Regulamento”. Em complementação, o Decreto nº 3.048/1999 prevê a necessidade de intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra ou do sindicato da categoria.

Aqui, destaca-se que podem ser incluídos, por exemplo, o trabalhador de estiva de mercadorias de qualquer natureza, inclusive carvão e minério e o ensacador de café, cacau, sal e similares. Por um bom tempo, esta também era a forma com que era enquadrado o boia-fria, hoje tido mais seguramente como segurado especial ou, em alguns casos, como contribuinte individual.

No caso do trabalhador avulso, o responsável pelas contribuições não é o órgão gestor de mão-de-obra ou o sindicato da categoria, mas, sim, as empresas para as quais os serviços são prestados. Assim, o trabalhador avulso acaba contribuindo para a Previdência da mesma forma que o empregado, obedecendo às mesmas alíquotas, variáveis somente conforme o valor total da sua remuneração.

 

3. Contribuinte individual rural

Existem duas formas de se enquadrar o segurado como contribuinte individual rural, conforme a redação da Lei 8.213/91:

a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais; ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou atividade pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos; ou ainda nas hipóteses dos §§ 9o e 10 deste artigo (art. 11, inciso V, alínea “a”)

b) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego (art. 11, inciso V, alínea “g”)

No primeiro caso, se trata da hipótese do empregador rural. Em verdade, essa forma de enquadramento não é considerada como trabalhador rural, mas, antes, uma espécie de trabalhador urbano. Em razão disso, a jurisprudência não tem lhe concedido o direito à aposentadoria por idade rural, aplicando-se-lhe os requisitos para a concessão da aposentadoria urbana. Veja-se:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. ATIVIDADE RURAL. PRODUTOR RURAL. NÃO ENQUADRAMENTO COMO SEGURADO ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. 1. A concessão de aposentadoria por idade, conforme § 1º do artigo 48 da Lei n. 8.213/91, não é possível ao empregador rural porque, em se tratando de segurado equiparado a trabalhador autônomo, erigido posteriormente à categoria de contribuinte individual, necessita implementar os requisitos estipulados no caput do mencionado dispositivo legal (65 anos de idade se homem e 60 se mulher, além de contribuições previdenciárias em número equivalente à carência). 2. O segurado que ainda não implementa a carência legalmente exigida quando atingido o requisito etário, pode cumpri-la ou complementá-la posteriormente, observando-se o mesmo número de contribuições previstas para a data em que implementou o requisito etário. (TRF4, AC 5004153-95.2017.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 03/06/2019)

No segundo caso, em que o contribuinte individual presta serviço de natureza rural de forma eventual a uma ou mais empresas, sem vínculo empregatício, destaca-se que se trata da hipótese do produtor rural. Conforme o art. 231, da IN 77/2015, os segurados enquadrados nessa categoria poderão comprovar o exercício de atividade rural até 31/12/2010, para fins de concessão de aposentadoria por idade rural, nos mesmos moldes das regras de comprovação do segurado especial.

Assim, ressalta-se que a mera contribuição como individual pelo trabalhador rural não implica na perda do direito à aposentadoria por idade. Pelo contrário, é necessária a análise do caso concreto, com início de prova material suficiente que possa permitir distinguir os casos em que se trata de empregador ou de produtor rural.

Por fim, giza-se que, em se tratando de contribuinte individual, o salário de contribuição corresponde à remuneração auferida em uma ou mais empresas ou em razão do exercício de atividade por conta própria (art. 28, III, Lei 8.212/1991).

 

4. Segurado especial

A mais conhecida das categorias de trabalhador rural, o segurado especial é a “pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de”:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

Para fins de contribuição nessa categoria, o segurado precisa verter valores que serão calculados sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. Assim, desde a edição da Lei 13.606/2018, a contribuição do segurado especial é de 1,2% sobre a produção rural e de 0,1% para financiamento das prestações por acidente de trabalho.

Insta registrar, porém, que essa contribuição, prevista no art. 25, da Lei 8.212/91, é a contribuição obrigatória deste segurado. Para além dela, caso seja de interesse do trabalhador rural, é possível também verter contribuições facultativas.

A principal diferença entre as contribuições, fora o valor, é que somente com a realização da contribuição obrigatória, o segurado especial pode pleitear apenas a concessão de aposentadoria por idade rural futuramente. Com a contribuição facultativa, por outro lado, também lhe será possível postular pela aposentadoria por tempo de contribuição, nos termos da súmula 272, do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 272 do STJ: O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à

contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus

à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas.

Ressalta-se que, quando se fala em contribuição facultativa, porém, não se está falando de contribuinte segurado facultativo. A contribuição é facultativa, ou seja, pode ou não ser realizada, mas a categoria do segurado permanece a mesma, como segurado especial.

Por fim, verifica-se que, recentemente, a jurisprudência do TRF4 tem enquadrado como segurado especial o trabalhador boia-fria. Em razão disso, dispensa-se o recolhimento de contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que comprovado o exercício da atividade rural. Veja-se:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. TRABALHADOR RURAL BOIA-FRIA. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. 1. A comprovação do exercício de atividade rural deve-se realizar na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, mediante início de prova material complementado por prova testemunhal idônea. 2. Em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, que seguiu o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural. 3. Esta Corte já pacificou o entendimento de que o trabalhador rural boia-fria deve ser equiparado ao segurado especial de que trata o art. 11, VII, da Lei de Benefícios, sendo-lhe dispensado, portanto, o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário. 4. Cumprido o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício de atividade rural durante o período exigido em lei, é devida a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, a contar da data do requerimento administrativo. 5. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando, no recurso paradigma, a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária. 6. Considerando que o recurso que originou o precedente do STF tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC. 7. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29/06/2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança. (TRF4, AC 5011509-34.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 05/09/2018)

Assim, apesar de laborarem todos no mesmo ambiente, isto é, no meio rural, existem importantes distinções quanto à classificação das espécies de trabalhadores rurais. Em cada caso, é necessário avaliar as peculiaridades existentes, a fim de seja possível distinguir de que maneira o segurado deve contribuir ao Regime Geral de Previdência Social, com o objetivo de obter benefícios previdenciários em momento oportuno.

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