Caros colegas, na coluna de hoje vou falar sobre importante matéria processual, a qual pode definir o resultado de um processo. Trata-se do efeito interruptivo dos embargos de declaração.
O que diz o Código de Processo Civil?
Em um primeiro momento, o tema pode parecer absolutamente fácil para o leitor, já que o Código de Processo Civil é claro:
Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.
Todavia, a questão merece aprofundamento, sobretudo diante de preocupantes julgados, como este que ora colaciono:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284/STF. RAZÕES RECURSAIS DOS EMBARGOS DISSOCIADAS DA FUNDAMENTAÇÃO EXISTENTE NA DECISÃO. EMBARGOS NÃO CONHECIDOS.
1. A recorribilidade vazia, infundada, tão somente com nítido intuito protelatório, configura abuso do direito de recorrer e não é admissível em nosso ordenamento jurídico, notadamente em respeito aos postulados da lealdade e boa-fé processual, além de configurar desvirtuamento do próprio cânone da ampla defesa. Incidência do enunciado n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.2. Embargos de declaração não conhecidos. Deve, ainda, ser certificado o trânsito em julgado do acórdão que negou provimento ao agravo interno, contado a partir do transcurso do prazo para a interposição do recurso cabível na espécie, pois, tratando-se de recurso não conhecido, não há nem a suspensão nem a interrupção do prazo para a interposição de recursos.
(EDcl no AgInt no RE nos EDcl no AgInt no AREsp 1100142/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/05/2019, DJe 24/05/2019)
De acordo com o precedente acima, os embargos de declaração não conhecidos por serem considerados protelatórios não interrompem o prazo para interposição de outros recursos, mesmo que opostos dentro do prazo legal (tempestivos).
Para entender…
Agora, imagine você, previdenciarista, representando um segurado na via judicial:
Entendendo existir omissão no acórdão que julgou a improcedência da ação, você opõe embargos declaratórios para sanar o vício, inclusive a fim de viabilizar o acesso aos tribunais superiores. Seu recurso é oposto tempestivamente. Meses depois, o tribunal julga pelo não conhecimento de seu recurso, entendo este ser incabível ou protelatório, o que ensejou a não interrupção do prazo recursal para interposição de outros recursos. Diante do julgamento, você teria, em tese, “perdido” o prazo para interpor recurso especial ou extraordinário. A decisão já teria transitado em julgado. Neste momento do processo, não restaria mais o que fazer. Consolidou-se a improcedência da ação.
Respeitosamente, discordo deste entendimento.
Primeiro, porque o artigo 1.026 do CPC estabelece que os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição de outros recursos.
Segundo, não me parece adequado condicionar o conhecimento ou não dos embargos (e, por consequência, a interrupção ou não do prazo recursal) à subjetividade do que é considerado “protelatório”.
Terceiro, a própria lei processual estabelece a hipótese de não conhecimento dos embargos declaratórios:
Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.
[…]
§ 4º Não serão admitidos novos embargos de declaração se os 2 (dois) anteriores houverem sido considerados protelatórios.
De acordo com o CPC, apenas o terceiro embargos de declaração, após os dois primeiros serem considerandos protelatórios, não seria conhecido (admitido).
Portanto, penso que somente duas situações ensejariam o não conhecimento dos embargos declaratórios e a consequente não interrupção do prazo recursal: (1) a hipótese do art. 1.026, § 4º, do CPC, e (2) os embargos intempestivos.
Como pensam os doutrinadores?
Quanto ao tema, peço licença ao notável doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves[1], o qual analisa a questão com brilhantismo:
“Pouco importa, para fins de interrupção do prazo para a interposição de outros recursos, o resultado dos embargos, incidindo mesmo na hipótese de rejeição dos embargos por serem considerados meramente protelatórios, visto que a sanção processual para esse caso vem expressamente prevista no art. 1.026, § 2º, do Novo CPC, comentado em tópico próprio. Apesar de parcela doutrinária minoritária defender que o não recebimento dos embargos é causa para a não interrupção do prazo, uma questão de segurança jurídica, mais pragmática do que técnica, justifica que a interrupção ocorra sempre.”
Concordo plenamente com o raciocínio do professor Daniel Amorim.
A insegurança jurídica causada por alguns precedentes “defensivos” é inegável, deixando o causídico, muitas vezes, à mercê da subjetividade do que o intérprete considera como “protelatório”.
Neste sentido, o jurista Daniel Amorim muito bem expõe o que vem acontecendo nos tribunais brasileiros:
“É consideravelmente preocupante julgamentos do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os embargos de declaração com irregularidade formal e manifestamente incabíveis não interrompem o prazo para interposição de outros recursos. O subjetivismo no significado de qual irregularidade formal afasta o efeito interruptivo ou o que seria um manifesto não cabimento dos embargos de declaração traz ao sistema uma insegurança jurídica insuportável. Em especial se constatarmos que na praxe forense é comum o julgamento dos embargos de declaração ser realizado depois da contagem de prazo de outros recursos que seriam cabíveis sem a interrupção do prazo.”
Matéria não está pacificada nos tribunais
Apesar do precedente “desfavorável” apresentado no início desta coluna, o próprio Superior Tribunal de Justiça possui precedentes no sentido de que apenas os embargos declaratórios intempestivos não interrompem o prazo para interposição de outros recursos:
[…] 3. Os embargos de declaração tempestivos, ainda que rejeitados por terem o propósito de rejulgamento, interrompem o prazo recursal. 4. O STJ firmou o entendimento de que a ausência de peças facultativas, ainda que consideradas essenciais à compreensão da controvérsia e necessárias para instrução do agravo de instrumento, não enseja a inadmissão liminar do recurso, devendo ser dada oportunidade para que a parte agravante complemente o instrumento com as peças indicadas. […] (AgInt no REsp 1480537/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 19/09/2019)
[…] 3. Os Embargos de declaração, com exceção dos intempestivos, interrompem o prazo para a utilização de outros recursos. Precedentes. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt nos EDcl no REsp 1.457.036/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe de 27/03/2019)
[…] 2. A jurisprudência do STJ firmou a orientação de que os Embargos de Declaração são cabíveis contra quaisquer decisões judiciais, ainda que interlocutórias, suspendendo o prazo recursal para a interposição de outros recursos, exceto se aviados intempestivamente. 3. Recurso Especial provido. (REsp 1.661.931/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe de 2.6.2017)
Todavia, como podemos observar, a matéria não está pacificada.
O entendimento restritivo trazido nesta coluna poderia induzir o advogado a, eventualmente, adotar a estratégia “esdrúxula” de interpor dois recursos simultaneamente (por exemplo, embargos de declaração e recurso especial), diante do justo receio de seu embargos não ser conhecido e perder o momento processual de interpor o recurso especial.
Logo, como de costume, novamente é exigida muita prudência e expertise do advogado em sua atuação judicial. É necessário o estudo do caso e verificada a pertinência (relevância) da oposição do recurso, evitando-se, assim, preclusão temporal e prejuízo ao cliente.
Peças relacionadas
Por fim, disponibilizo ao colegas um modelo de embargos declaratórios.
Bom trabalho!
Forte abraço!
[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 9. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
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