Muitas vezes em virtude do óbito do pai durante a gravidez, o nascituro fica desprovido do sustento que este lhe assegurava, sendo possível, a partir do fato gerador morte, discutir seu direito à pensão por morte. Trata-se de situação em que ainda não houve o nascimento com vida, em que sua genitora ainda o está gestando.

A partir desse contexto, é possível discutir se o nascituro enquadra-se como dependente do segurado instituidor, na qualidade de filho de qualquer condição, menor de vinte e um anos. Para explicar a existência ou não dos direitos do nascituro (período conceptivo), existem três teorias: natalista, personalidade condicional e concepcionista.

Para a teoria natalista, o nascituro não é pessoa, razão pela qual não possui qualquer direito considerável, possuindo mera expectativa de direitos, uma vez que o Código Civil exige o nascimento com vida (art. 2º do Código Civil). Já para a teoria da personalidade condicional entende que o nascituro seria titular de um direito eventual, sujeitando-se a uma condição suspensiva, qual seja o nascimento com vida.

Finalmente, a teoria concepcionista entende que a personalidade do nascituro já se faz presente desde a sua concepção, possuindo todos os direitos que decorrem da qualidade de pessoa humana. Hoje, grande parte da doutrina civilista pátria é adepta desta corrente, a qual se amolda na especial necessidade de proteção à vida do nascituro.

Nesse contexto, deve-se registrar que, embora o art. 16 da Lei 8.213 faça menção ao filho, de qualquer condição, menor de vinte e um anos, silencia a respeito da situação do nascituro. Veja-se:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

Não obstante, é de suma importância a garantia da pensão em situações, por exemplo, que a genitora não possui direito à pensão por morte ou quando possui direito por apenas quatro meses (casamento ou união estável com duração inferior a dois anos) ou, ainda, quando há outros filhos menores habilitados. Em tais casos, não havendo a cota destinada para o nascituro, resta prejudicada a sua garantia de verba alimentar.

A respeito do tema, é válido ressaltar o posicionamento de FARIAS e ROSENVALD:

De fato, é induvidoso o reconhecimento ao nascituro dos direitos necessários para que venha a nascer vivo (direitos da personalidade), enfim, dos direitos ligados à sua condição essencial para adquirir personalidade, tais como o direito de reclamar alimentos, à assistência pré-natal e à indenização por eventuais danos causados pela violação de sua imagem (…) ou de sua honra (FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 305)

Desta forma, salvo melhor juízo, a exegese mais acertada para proteção do nascituro está em consonância com a garantia dada pelo Código Civil de receber doação e ser curatelado (arts. 542 e 1.779), da proteção do atendimento de pré-natal (art. 8º do ECA), dos alimentos gravídicos (Lei 11.804/2008), do tratamento do crime de aborto na lista dos “crimes contra a pessoa”, no capítulo dos “crimes contra a vida” (Código Penal), entre outras situações.

Ademais, cabe aqui evidenciar a alusão que se pode fazer, especialmente nesse caso, em relação aos alimentos gravídicos, devidos pelo futuro pai em eventual ação de alimentos proposta pela gestante. Acerca do assunto redige a Lei 11.804/2008:

Art. 2° Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

Por meio do referido artigo, vislumbra-se para a semelhança no caso de requerimento de pensão por morte ao nascituro, visto que a própria gestante não teria condições de manter as despesas da gravidez de forma desajudada. O pai, ora de cujus, teria de prover os gastos com a gestação, tais como exames preventivos, assistência médica de qualquer cunho, eventuais internações e, inclusive, as despesas do futuro parto.

Embora atribua o direito à mulher gestante, é certo que o legislador visou à proteção do nascituro, possibilitando-lhe o nascimento com dignidade. A pensão por morte, da mesma forma, ostenta natureza alimentar, tratando-se de direito de cunho existencial.

O certo é que desde sua concepção o nascituro tem seus direitos preservados pela lei. Tanto isso é verdadeiro que, constitucionalmente, o embrião tem assegurados direitos da personalidade, já que é possível o dano moral em favor desse. Portanto, se o ordenamento jurídico o trata de tal maneira se acaba por entender que o nascituro não é ser despersonalizado.

Além do mais, é importante notar que para ter o direito, diga-se “ser sujeito de direito”, não se faz necessário que seja pessoa nascida. No que tange a esta matéria, se faz contundente mencionar o pensamento de César Fiuza, em seu livro “Direito Civil: Curso Completo”:

Em outras palavras, há certos entes que, embora não sejam pessoas, são sujeitos de direitos e deveres por expressa força de lei, isto é, porque dotados de direitos e deveres pelo ordenamento. Exemplo seria o nascituro, ou seja, o feto em desenvolvimento. Não é pessoa, mas possui direitos desde a concepção, por força do art. 2° do Código Civil. Vemos, pois, que são ideias distintas: sujeito de direito e pessoa. (FIUZA, Cesar, 2011, p. 121.)

Nesse sentido, importante destacar trecho da sentença proferida no processo nº 0001211-38.2017.4.01.3807, em 24/01/2019, que tramitou na Subseção Judiciária de Montes Carlos (decisão disponível neste link):

[…] Solução pertinente é colocada por Tércio Sampaio Ferraz Jr. (Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 157), segundo o qual a noção de sujeito de direito é mais abrangente que a de pessoa. Ao sujeito se atribuem normas que conferem direitos e deveres, e pode ser uma pessoa, natural ou jurídica, ou um patrimônio, ou o nascituro:

[…] há direitos do nascituro que não aguardam o nascimento para que sejam exercidos; são os direitos de cunho existencial (e não patrimonial), como o direito à vida, à saúde, à integridade física, a alimentos, não podendo, por conseguinte, falar-se em direito em potência ou mesmo direito condicional

[…] Portanto, não há razão para negar à requerente o recebimento da pensão por morte desde a data do óbito do instituidor até o dia anterior ao nascimento, levando em conta que a qualidade de segurado do instituidor a qualidade de dependente da autora estão presentes. […]

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.415.727, firmou o seguinte entendimento:

[…] Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais. […]

Primeiramente, o art. 1º afirma que “[t]oda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, o que não impede que outros sujeitos/entes/situações jurídicas desprovidos de personalidade jurídica também o sejam, como é o caso da massa falida – a qual, pelo seu viés subjetivo, configura a coletividade de credores –, condomínio e a herança jacente. Tais entes despersonalizados fornecem seguros sinais de que, do ponto de vista técnico-jurídico, se toda pessoa é capaz de direitos, nem todo sujeito de direitos é pessoa, construção essa que pode, sem maior esforço, alcançar o nascituro como sujeito de direito, mesmo para aqueles que entendem não seja ele uma pessoa. […]

Porém, segundo penso, a principal conclusão é a de que, se a existência da pessoa natural tem início antes do nascimento, nascituro deve mesmo ser considerado pessoa, e, portanto, sujeito de direito, uma vez que, por força do art. 1º, “[t]oda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” […]

Ressalte-se, ainda, que o fato de nem todos os direitos poderem ser titularizados ou exercidos pelo nascituro não é relevante para a constatação de que o nascituro pode ser considerado uma pessoa, haja vista que nem todas as pessoas exercem de forma plena todos os direitos, como é o caso dos incapazes e presos. […][1]

Em outro julgamento proferido no REsp 1.170.239, fora ressaltado pelo Ministro do STJ Marco Buzzi que há um “inequívoco avanço, na doutrina, assim como na jurisprudência, acerca da proteção dos direitos do nascituro. A par das teorias que objetivam definir, com precisão, o momento em que o indivíduo adquire personalidade jurídica, assim compreendida como a capacidade de titularizar direitos e obrigações, é certo que o nascituro, ainda que considerado como realidade jurídica distinta da pessoa natural, é, igualmente, titular de direitos da personalidade (ao menos reflexamente)[2].

A prévia comprovação da paternidade pode se dar por meio de qualquer meio lícito de prova, sendo a demonstração da existência de relacionamento público e duradouro dos genitores (affectio maritalis), a ultrassonografia, a caderneta da gestante, os exames laboratoriais e eventuais postagens em redes sociais, meios que podem colaborar nesse sentido. Ademais, é provável que em tais situações a solução jurídica do caso chegue após o nascimento do nascituro, ocasião em que a comprovação da paternidade se dará pela apresentação da certidão de nascimento, a qual detém de presunção de veracidade, só podendo ser elidida por prova em sentido contrário.

Ao final, destaque-se que o nascituro (ora filho), como dependente de 1ª classe, não precisa comprovar dependência econômica, eis que esta é presumida, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei 8.213/91.

Pelo narrado, com o avanço da doutrina civilista e o entendimento jurisprudencial adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, importante que o tratamento dado ao nascituro, em matéria previdenciária, contemple a proteção aos bens de personalidade, consistentes na integridade física, moral e psíquica, abrangendo a  dependência alimentar em face de seus genitores, por meio da pensão por morte.

Por fim, saliento que o Prev já disponibilizou um modelo de petição inicial de concessão de pensão por morte ao nascituro.

 

[1] Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1346306&num_registro=201303604913&data=20140929&formato=PDF>.

[2] Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1231792&num_registro=200902402627&data=20130828&formato=PDF>.

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