A obesidade é uma condição de saúde que cresce em ritmo acelerado no Brasil e no mundo, com impactos significativos na vida social, emocional e profissional de milhões de pessoas, muitas delas em plena idade produtiva. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência da obesidade aumentou de forma expressiva nas últimas décadas, tornando-se uma preocupação de saúde pública.

Diante desse cenário, surge uma dúvida comum entre trabalhadores afetados por essa condição: a obesidade pode ser reconhecida como causa de incapacidade para fins de aposentadoria? Hoje chamada de Aposentadoria por Incapacidade Permanente — nomenclatura que substituiu a antiga “Aposentadoria por Invalidez” —, essa modalidade de benefício ainda gera incertezas quando relacionada à obesidade.

Trata-se de uma questão sensível, que exige uma análise atenta sob os ângulos médico, jurídico e social, especialmente diante dos entendimentos já firmados pela jurisprudência.

A obesidade como doença

A obesidade é reconhecida como doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo próprio CID-11. Trata-se de uma condição crônica, caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, geralmente causada por fatores genéticos, metabólicos, comportamentais e ambientais.

A obesidade pode provocar limitações funcionais severas, comprometendo a mobilidade, a capacidade cardiorrespiratória e a aptidão para o trabalho, especialmente em funções que exigem esforço físico. Assim, em alguns casos, a obesidade pode, sim, gerar incapacidade laborativa total e permanente, o que é um dos requisitos para concessão da Aposentadoria por Incapacidade Permanente.

Requisitos legais para a Aposentadoria por Incapacidade Permanente

A Aposentadoria por Incapacidade Permanente é um benefício previdenciário previsto na Lei nº 8.213/1991, concedido ao segurado que, após cumprimento da carência, estiver total e permanentemente incapaz para o trabalho, sem possibilidade de reabilitação para outra atividade.

São requisitos:

  •         Qualidade de segurado no momento da incapacidade;
  •         Cumprimento da carência, ou seja, ter contribuído para o INSS por um período mínimo de 12 meses, salvo nos casos de doenças isentas;
  •         Incapacidade total e permanente, atestada por perícia médica.

Portanto, o foco da análise está na existência da incapacidade e não apenas na doença em si. A obesidade, por si só, não garante o benefício, mas pode ensejá-lo se comprovada a incapacidade.

Importância dos laudos e exames médicos

Para requerer o benefício, o segurado deve apresentar laudos médicos completos, indicando:

  •         O grau de obesidade, identificado pelo cálculo do IMC (Índice de Massa Corporal);
  •         Complicações associadas, como diabetes, hipertensão, problemas ortopédicos, apneia do sono;
  •         Limitações funcionais no ambiente de trabalho, especialmente em funções que exigem esforço físico ou mobilidade;;
  •         Evolução da condição de saúde, indicando se há chances de melhora ou se o quadro tende a se manter ou piorar.

É fundamental que o médico descreva com precisão como a obesidade compromete a capacidade laborativa e que não há possibilidade de reabilitaçãopara outra atividade. Quanto mais detalhado e fundamentado o laudo, maiores as chances de deferimento do benefício.

Entendimento da jurisprudência

A análise dos tribunais revela que não há consenso absoluto sobre o tema, mas diversas decisões reconhecem o direito à Aposentadoria por Incapacidade Permanente nos casos de obesidade grave com complicações múltiplas.

Por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu em favor de uma segurada com obesidade associada a outros doenças, entendendo que a condição resultava em incapacidade total e permanente. Vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO RELATIVA AO LAUDO. PROVA INDICIÁRIA. CONDIÇÕES PESSOAIS. DOENÇAS DEGENERATIVAS NOS JOELHOS E NA COLUNA E OBESIDADE GRAU II. SEGURADA ESPECIAL. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA CONCEDIDO E CONVERTIDO EM APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. 1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do CPC, podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito, em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos. 2. Segundo os Enunciados 21, 27, 28 e 47 da I Jornada de Direito da Seguridade Social do Conselho da Justiça Federal (CJF): ENUNCIADO 21: Quando demonstrada a presença de várias patologias, a circunstância de individualmente não serem consideradas incapacitantes não afasta a possibilidade de, numa visão sistêmica, conduzirem à impossibilidade, temporária ou definitiva, do desempenho de atividade laborativa. ENUNCIADO 27: Com base no princípio da precaução, entendendo o perito que há riscos ocupacionais suscetíveis de agravar a condição clínica do segurado e riscos potenciais para este e para terceiros, caso seja mantido o labor, deve considerá-lo incapaz para fins previdenciários. ENUNCIADO 28: A incapacidade para fins previdenciários é aquela em relação à atividade habitual do periciado, devendo o perito fazer o registro das informações declaradas pelo segurado de forma a caracterizar adequadamente a rotina de trabalho, suas tarefas e exigências profissionais inerentes. ENUNCIADO 47: Em ações judiciais que versem sobre benefícios previdenciários, especialmente quando figurarem no polo ativo mulheres seguradas trabalhadoras rurais, donas de casa, empregadas domésticas e faxineiras, na valoração da prova, inclusive de laudos médicos, além da observância do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, previsto na Resolução CNJ n. 492/2023, as julgadoras e os julgadores devem rechaçar conclusões que tratem das atividades domésticas e de cuidado como improdutivas ou como tarefas leves, isto é, como se não demandassem esforço físico médio ou intenso. 3. Hipótese em que o acervo probatório permite relativizar as conclusões do jusperito para conceder auxílio por incapacidade temporária e convertê-lo em aposentadoria por incapacidade permanente, em decorrência de patologias degenerativas nos joelhos e na coluna, somadas à obesidade grau II, a segurada que atua profissionalmente como agricultora. (TRF4, AC 5007201-76.2023.4.04.9999, 9ª Turma , Relator JOSÉ ANTONIO SAVARIS , julgado em 12/02/2025)

Em outros casos, os tribunais também analisam o contexto social e profissional do segurado, levando em conta idade, escolaridade e natureza da atividade exercida, como este julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADOR URBANO. QUALIDADE DE SEGURADO E PERÍODO DE CARÊNCIA DEMONSTRADOS. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO. INCAPACIDADE LABORAL TOTAL E PERMANENTE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. BENEFÍCIO DEVIDO. 1. Os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez estão dispostos no art. 42, caput e § 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: 1) qualidade de segurado; 2) cumprimento do período de carência (12 contribuições), quando exigida; 3) incapacidade insuscetível de recuperação ou de reabilitação para o exercício de atividade que garanta a subsistência (incapacidade total e permanente para o trabalho) e 4) não ser a doença ou lesão preexistente à filiação do segurado ao Regime Geral da Previdência Social. 2. Nos termos do art. 15, II, da Lei 8.213/91, mantém a qualidade de segurado até 12 meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social, podendo ser prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado (§ 1º), somando-se, ainda, mais 12 (doze) meses para o segurado desempregado (§ 2º). 3. Na hipótese, verifica-se que a parte autora percebeu auxílio doença no período de 16/04/2013 a 01/04/2016, tendo seu pedido de prorrogação do referido benefício indeferido pelo INSS, sob o argumento de inexistência de incapacidade laborativa, evidenciando-se, pois, a sua qualidade de segurada, inexistindo, inclusive, insurgência recursal neste ponto. No que concerne à incapacidade, segundo a perícia médica judicial (pp. 40-44), a autora é portadora de espondiloartrose avançada da coluna cervical e lombar (CID M47.8), discopatia degenerativa avançada, degeneração óssea, instabilidade ortostática e obesidade mórbida, acarretando, pois, sua incapacidade laborativa de modo total e permanente. O expert revelou, ainda, que a parte autora não apresenta condições de ser reabilitada para as atividades que sempre exerceu, in casu, camareira/serviços gerais, considerando-a inapta para o exercício de sua profissão. Tendo em conta, outrossim, as condições pessoais (57 anos de idade, ensino primário) e socioeconômicas desfavoráveis à requerente, bem assim a impossibilidade de concorrência frente ao exigente mercado de trabalho, revela-se, pois, razoável e adequado o benefício de aposentadoria por invalidez concedido pelo juízo a quo. 4. O fato de a parte autora ter exercido atividade profissional durante o período em que apresentava incapacidade para o labor, de per si, não impede o reconhecimento da limitação laboral, em razão da precariedade da sua situação e porque não havia decisão judicial acerca da concessão do pedido requerido na inaugural. Não se trata da hipótese de retorno voluntário ao trabalho (art. 46 da Lei 8.213/1991), mas continuação do vínculo até ser definida a situação jurídica do segurado na ação em que se postula a benesse previdenciária. Por seu turno, o STJ, no julgamento do tema repetitivo n. 1.013, consolidou o entendimento de que “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RGPS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.” 5. Honorários recursais arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor/percentual a que foi condenada a parte ré na sentença, e sem prejuízo deste, observados os limites mínimo e máximo estabelecidos nos incisos do §3º do art. 85 do CPC. 6. Apelação do INSS desprovido. (TRF1, AC 1010263-84.2020.4.01.9999, 2ª Turma , Relator JOAO LUIZ DE SOUSA, julgado em 22/11/2024)

Contudo, há decisões que negam o benefício, especialmente quando a obesidade é considerada tratável ou se o segurado não realizou os tratamentos recomendados, como cirurgia bariátrica ou acompanhamento nutricional.

A reabilitação profissional como alternativa

Quando a incapacidade não é total e permanente, mas apenas para a atividade habitual, o INSS pode oferecer reabilitação profissional, preparando o segurado para nova função compatível com suas limitações.

Nesses casos, é comum a concessão temporária de Auxílio por Incapacidade Temporária (antigo Auxílio-Doença), com posterior encaminhamento para programa de reabilitação. A Aposentadoria por Incapacidade Permanente será analisada apenas se não houver possibilidade de readaptação.

Conclusão: obesidade pode ser sim incapacitante

A obesidade, especialmente em estágios avançados e com complicações associadas, pode gerar incapacidade laborativa total e permanente, ensejando a Aposentadoria por Incapacidade Permanente. No entanto, a análise é sempre individualizada, considerando laudos médicos, grau da doença, profissão do segurado e possibilidade de reabilitação.

O tema é relevante porque envolve direitos fundamentais de segurados que, muitas vezes, enfrentam preconceito e falta de compreensão sobre sua condição. É essencial que advogados, peritos e segurados estejam atentos aos critérios legais e saibam como comprovar a incapacidade.

Por fim, reforça-se que a obesidade não é motivo automático para aposentadoria, mas também não pode ser ignorada como fator relevante quando compromete seriamente a capacidade de trabalho. O sistema deve garantir proteção social justa e eficaz, de forma responsável e humana.

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