Prescrição e decadência em matéria de Previdência Social são tópicos básicos que devem nortear o trabalho diário do Advogado Previdenciarista. Todavia, tendo em vista os pormenores desse conteúdo, às vezes ainda ocorrem algumas confusões entre os referidos institutos. Dessa forma, o presente blog tem por finalidade sanar as dúvidas restantes e servir como base para os profissionais da área previdenciária.
Prescrição e benefícios previdenciários
Inicialmente, cumpre ressaltar a principal regra quanto a prescrição e benefício previdenciário: o que prescreve não é o direito ao benefício em si, mas o direito à percepção das prestações não requeridas dentro de terminado interregno. Veja-se entendimento do STJ, destacando que não há prescrição do fundo de direito quando se trata de concessão do benefício previdenciário:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 103 CAPUT DA LEI 8.213/1991 APLICÁVEL AO ATO DE REVISÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. No presente caso, o benefício previdenciário ainda não foi concedido. O caput do art. 103 da Lei 8.213/1991 está voltado tão somente para o ato revisional de concessão do benefício. Prescrição do fundo de direito não há, quando se trata de concessão de benefício previdenciário, inserido no rol dos direitos fundamentais. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 493.997 – PR (2014/0070481-6)
Uma vez que a concessão de benefícios previdenciários envolve o pagamento de prestações sucessivos, aplica-se disposição expressa do parágrafo único do art. 103, da Lei 8.213/91, que assim prevê:
Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
Com efeito, ressalvada somente as hipóteses de menores, incapazes e ausentes, a prescrição a ser aplicada às parcelas dos benefícios previdenciários é quinquenal, a contar desde a data em que deveriam ser pagas, isto é, desde o seu vencimento, “e não a partir das competências a que tais créditos se referem” (CASTRO; LAZZARI, 2019, p. 874).
Insta registrar que, uma vez apresentado o requerimento administrativo do benefício pretendido, ocorre a suspensão do prazo prescricional até a comunicação da decisão ao segurado, conforme dispõe a súmula nº 74, da Turma Nacional de Uniformização. No caso de ajuizamento de ação judicial, a prescrição atinge apenas as prestações que já se venceram antes do quinquênio anterior à propositura da ação. Veja-se a redação da Súmula nº 85, do Superior Tribunal de Justiça:
Nas relações jurídicas de trato sucessivo, em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.
Nessa senda, caso haja a necessidade de ajuizar ação revisional contra benefício concedido em sede judicial, o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o trânsito em julgado do processo anterior, de acordo com entendimento pacificado pela Turma Regional de Uniformização da 4ª Região. No que tange a revisões de renda mensal inicial em virtude de reclamação trabalhista, ressalta-se que há Representativo de Controvérsia admitido pela TNU, sob o Tema 200, que decidirá ainda sobre a definição dos critérios de contagem do prazo prescricional da pretensão ao recebimento de diferenças decorrentes dessa revisão.
Por fim, cumpre ressaltar que a conversão da MP 871/2019 na Lei 13.846/2019 resultou na inserção de prazo prescricional contra menores. Com efeito, conforme já referido nesta coluna, para os óbitos que ocorreram desde a entrada em vigência da MP, os menores de 16 anos que deixarem de requerer o benefício de pensão por morte em até 180 dias após o falecimento só terão direito aos efeitos financeiros a partir da data de entrada do requerimento administrativo (DER).
Apesar de, em um primeiro momento, tal dispositivo aparentar ir de encontro a outras normas jurídicas e entendimentos consolidados, é necessário aguardar para saber de que forma as instâncias superiores se manifestarão a respeito da sua redação.
Decadência e benefícios previdenciários
A previsão sobre decadência se encontra próxima à da prescrição, no caput do art. 103, da Lei 8.213/91, vejamos:
Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado: (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
I – do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
II – do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
Conforme se depreende, a partir da nova redação conferida pela Lei 13.846, há prazo decadencial para qualquer decisão administrativa que vise a revisão de benefício previdenciário (novamente, não é o direito ao benefício previdenciário que decai, mas o direito à revisão). Assim, entende-se que não se aplica mais a parte inicial da súmula nº 81, da TNU, que assim dispunha: “não incide o prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de benefícios, bem como em relação às questões não apreciadas pela Administração no ato da concessão”. Quanto ao trecho final, entende-se que ainda pode ser aplicado, tendo em vista que, havendo fatos novos a serem apreciados pela Administração, não há que se falar em decadência.
Todavia, verifica-se que o STJ já afetou o julgamento de Repetitivo, sob o Tema nº 975, que julgará a seguinte tese:
Questão atinente à incidência do prazo decadencial sobre o direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário do regime geral (art. 103 da Lei 8.213/1991) nas hipóteses em que o ato administrativo da autarquia previdenciária não apreciou o mérito do objeto da revisão.
Outrossim, verifica-se que o inciso II do art. 103 prevê a hipótese de interrupção do prazo decadencial nos casos em que houver a postulação administrativa do pedido de revisão. Assim, desconsidera-se todo o prazo já percorrido até o requerimento administrativo, reiniciando a contagem a partir da ciência da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento da revisão.
No que tange ao termo inicial do prazo decadencial para revisão de benefício previdenciário derivado de outro benefício, a pensão por morte merece especial atenção. Isso porque o STJ já fixou entendimento de que o direito de revisão do benefício originário da pensão pode ser discutido pelo pensionista, “ainda que fundado em dados que poderiam ter sido questionados pelo aposentado atingido pela decadência” (CASTRO; LAZZARI, 2019, p. 885).
Dessa forma, o início do prazo decadencial passa a contar somente após o deferimento do benefício de pensão por morte, a partir da aplicação do princípio da actio nata, considerando que é somente após o falecimento do segurado instituidor que surge a legitimidade do pensionista de requerer a revisão (antes ela era do próprio segurado extinto). Veja-se:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. PENSÃO DERIVADA DE APOSENTADORIA OBTIDA JUNTO AO INSS. VIÚVA TITULAR DE PENSÃO POR MORTE DE MARIDO APOSENTADO. MAJORAÇÃO DA PENSÃO MEDIANTE A REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL (RMI) DA PRETÉRITA APOSENTAÇÃO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
DESCABIMENTO.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II – A Autora, somente com o falecimento do titular da aposentadoria, e, consequentemente, com a concessão da pensão por morte, adquiriu legitimidade para questionar o ato de concessão do benefício originário recebido pelo falecido marido, cujos reflexos financeiros afetam diretamente o cálculo da renda mensal inicial do benefício derivado – pensão por morte. III – De acordo com o princípio da actio nata, não há falar em decadência em relação à pretensão da parte autora de revisão da pensão por morte por intermédio da revisão da renda mensal inicial da aposentadoria, se proposta a ação antes de decorridos 10 anos contados do ato de concessão do benefício derivado. IV – O prazo extintivo do direito só pode ser imputado àquele que se manteve silente e inerte no decorrer do tempo quando poderia ter atuado. Logo, a inércia do titular da aposentadoria não pode prejudicar o titular do benefício derivado em buscar a revisão da renda mensal inicial da pensão morte por intermédio da revisão do benefício originário de aposentadoria, porque, antes do óbito do segurado, a pensionista, por óbvio, não possuía legitimidade para discutir o ato de concessão da aposentadoria e seus efeitos patrimoniais no benefício derivado. V – No caso em tela, entre a data de concessão da pensão por morte que a Autora pretende ver recalculada (DIB em abril/2000) e o ajuizamento da presente ação (em fevereiro/2010) não transcorreu o prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91. VI – Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida (…) (AgInt no REsp 1546751/RS, 1ª Turma, DJe 14/05/2018)
Por fim, a respeito da aplicação do prazo de decadência, nos termos do que ficou definido pela MP 871, convertida em Lei, Castro e Lazzari (2019) já se posicionaram no seguinte sentido de que deve ser aplicada, por similaridade, a tese fixada pelo STF na Repercussão Geral Tema 313. Assim, as novas estipulações sobre decadência só valeriam após 10 anos para as decisões administrativas anteriores à mudança legislativa, tendo como marco inicial o dia 18/01/2019 ou 01/03/2019. Ainda, sustentam que a nova lei continua não atingindo revisões que não envolvam decisões administrativas, como aquelas com questões não apreciadas pela Administração no ato da concessão, bem como o pedido de retroação da DER, salvo a existência de decisão administrativa denegatória (CASTRO; LAZZARI, 2019, p. 881).
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Referências Bibliográficas:
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 22 ed. Rio de janeiro: Forense, 2019.
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