Indiscutivelmente, a Reforma da Previdência (EC 103/2019) já é uma realidade para todos os Previdenciaristas do país. Contudo, até o momento o INSS ainda não está analisando plenamente os pedidos sob a vigência das novas regras.

Somente quando tivermos indeferimentos abarcando todas as novas regras, os casos serão levados ao Judiciário. A partir deste ponto é que teremos um desenvolvimento concreto de novas teses.

De qualquer forma, uma das discussões que vem recebendo pouca atenção é o fim da carência nas regras da Reforma.

No post de hoje iremos abordar esta tese.

Sumário:

O que é carência? Qual a diferença com o tempo de contribuição?

Exigência de carência nas regras pré-reforma e nas regras da Reforma da Previdência

Carência e Regras pré-reforma

Carência e regras pós-reforma

Carência e regras de transição da Reforma

Conclusão

 

O que é carência? Qual a diferença com o tempo de contribuição?

O processo de discussão da Reforma da Previdência deixou latente uma confusão sobre dois conceitos: carência e tempo de contribuição.

Mas afinal de contas, o que é carência?

Segundo o art. 24 da Lei 8.213/91, carência é conceituada como “o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”.

Nesse sentido, a carência é contada segundo o número de contribuições vertidas, ou seja em número de meses. 

Exemplo prático: segurado com vínculo de emprego de 31/01/2019 até 01/03/2019. O segurado possui 3 meses de carência. Assim, por mais que tenha apenas 1 mês e 2 dias de tempo de contribuição, terá 3 contribuições de carência no período. Isto, pois a contribuição de janeiro e março é paga proporcionalmente ao número de dias trabalhados.

Por outro lado, o tempo de contribuição é contado pelo tempo efetivamente laborado pelo segurado. 

Ocorre que a mídia veiculou que a aposentadoria por idade não teria sofrido alterações, tendo sido mantidos os 15 anos de tempo de contribuição como requisito.

Porém, como sabemos, o requisito da aposentadoria por idade pelas regras pré-reforma era de 180 contribuições de carência.

Dessa forma, isso nos leva à compreensão de que a carência (requisito da aposentadoria por idade antes da Reforma) pode divergir do tempo de contribuição (requisito da aposentadoria por idade nas regras da EC 103/2019).

 

Exigência de carência nas regras pré-reforma e nas regras da Reforma da Previdência

A partir daqui, faremos um comparativo das regras pré-reforma com as novas regras da EC 103/2019.

Outrossim, cabe ressaltar que o INSS emitiu a Portaria nº 450/2020, estabelecendo que a exigência de carência seria mantida para as aposentadorias programáveis (art. 4º).

Por outro lado, a carência foi prevista apenas nos artigos da portaria que elencam os requisitos das regras da aposentadoria por idade.

Assim, devemos desmistificar este equívoco cometido pelo entendimento do INSS.

 

Carência e Regras pré-reforma

Vejamos que antes da vigência da EC nº 103/2019, a previsão legal das duas principais formas de aposentadoria (por idade e tempo de contribuição) eram os incisos do art. 201, §7º da Constituição, com a redação dada pela EC nº 20/1998:

§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:

I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

Observem que não só o dispositivo remete “aos termos da lei” como também, no caso da aposentadoria por idade, somente está prevista a idade mínima.

Nesse ínterim, tanto o texto da Constituição modificado pela EC 20/1998, quanto a própria EC 20/1998 são omissos quanto ao requisito contributivo.

Por este motivo é que para encontrarmos o requisito contributivo tínhamos que nos remeter à carência da Lei 8.213/91.

Isto é o que José Afonso da Silva chamava de norma constitucional de eficácia limitada.

Ou ainda, nas palavras do autor:

normas que não produzem, com a simples entrar em vigor, todos os seus efeitos, pelo fato do legislador constituinte não ter estabelecido uma normatividade suficiente, deixando essa tarefa ao legislador ordinário.

Ou seja, precisamos de uma lei integrativa infraconstitucional para que a norma constitucional produza efeitos em sua plenitude.

Assim, faz todo sentido aplicarmos a carência da Lei 8.213/91, pois a Constituição e a EC 20/1998 não nos brindavam com a solução para esta lacuna.

 

Carência e regras pós-reforma

Por outro lado, a EC 103/2019 alterou o art. 201, §7º da Constituição e criou a regra permanente (para quem se filiou após a sua entrada em vigência):

§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I – 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, observado tempo mínimo de contribuição;

(…)

Aqui, temos uma situação bem diferente da antiga redação, pois temos a previsão da idade, porém remetendo à expressão “observado o tempo mínimo de contribuição“.

Diferente da EC 20/1998, que não previu nem qual seria a carência e nem o tempo de contribuição, a EC 103/2019 previu expressamente o tempo de contribuição a ser utilizado:

Art. 19. Até que lei disponha sobre o tempo de contribuição a que se refere o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social após a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional será aposentado (…) com 15 (quinze) anos de tempo de contribuição, se mulher, e 20(vinte) anos de tempo de contribuição, se homem.

Nessa sentido, a EC 103/2019 é suficiente em si mesma, possuindo todo o regramento jurídico necessário para se conceder uma aposentadoria.

Nos valendo novamente da doutrina de José Afonso da Silva, temos agora uma norma constitucional de eficácia plena, produzindo efeitos independente de integração normativa infraconstitucional.

Ou ainda, como refere o autor:

normas que desde a sua entrada em vigor produzem todos os seus efeitos, com uma normatividade para isso suficiente.

Portanto, aqui nós não precisamos procurar em uma lei infraconstitucional os requisitos. A EC 103/2019 nos deu tudo o que a Constituição pedia: a idade e o tempo de contribuição.

 

Carência e regras de transição da Reforma

Por fim, nas regras de transição, vamos abordar o caso da aposentadoria por idade, que é o benefício na qual esta tese possui mais aplicabilidade prática.

A regra de transição da aposentadoria por idade está prevista no artigo 18 da EC 103/2019:

Art. 18. O segurado de que trata o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I – 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem; e

II – 15 (quinze) anos de contribuição, para ambos os sexos.

Note-se aqui a plenitude da norma constitucional. A redação do artigo 18 é muito clara: para se aposentar basta os seguintes requisitos: idade e tempo de contribuição.

Não há remissão da norma constitucional à lei infraconstitucional. Em outras palavras, não precisamos buscar em norma alguma o requisito contributivo para esta aposentadoria.

A norma constitucional não faz menção à carência e exige apenas que o segurado preencha 2 requisitos (idade e tempo de contribuição).

Nesse sentido, temos novamente uma norma constitucional de eficácia plena, produzindo efeitos independente de integração normativa infraconstitucional.

Portanto, podemos dizer que a regra de transição da EC 103/2019 se exaure em si mesma, não precisando se valer de outro regramento normativo para produzir efeitos.

 

Conclusão

Então, após a digressão apresentada, questionamos: qual seria o fundamento jurídico para aplicar por analogia a carência da Lei 8.213/91 nos benefícios da Reforma?

Após os fundamentos apresentados, propomos um exercício prático:

Imaginem que a Lei 8.213/91 não existisse. O INSS conseguiria conceder uma aposentadoria por idade somente com o texto da EC 20/1998 e da Constituição?

Não, pois inexistia no corpo da EC 20/1998 e da Constituição o requisito contributivo (seja ele carência ou tempo de contribuição) para aposentar um segurado por idade. Se não utilizássemos a Lei 8.213/91 teríamos a supressão do direito social.

E com a EC 103/2019 e o novo art. 201, §7º da CF?

Neste caso, bastaria se socorrer dos artigos 18 e 19 que teríamos todos os requisitos para conceder uma aposentadoria, o que não ocorre com a EC 20/1998.

Pois bem, se o legislador “esqueceu” de inserir a carência nos requisitos do benefício, ou de remeter à Lei 8.213/91, não podemos fazer malabarismos jurídicos para criarmos requisitos à míngua do texto constitucional.

Nesse sentido, exigir carência neste caso seria criar um novo requisito para acesso ao benefício. Em outras palavras, estaríamos admitindo uma restrição de direito social originada por mera portaria do INSS, com o intuito de utilizar lei anterior para restringir norma constitucional posterior de eficácia plena!

Diante disso, a solução correta seria disciplinar a questão por meio de Lei ou ainda, fazer uma nova emenda constitucional.

Assim, qualquer outra opção seria baseada em fundamentos de caráter não jurídico.

Esperamos que os apontamentos trazidos neste post possam contribuir para o desenvolvimento desta tese e do Direito Previdenciário!

Por fim, seguem abaixo um modelo de petição que aborda esta temática:

Petição inicial de concessão de aposentadoria por idade.

Forte abraço!

 

REFERÊNCIAS:

BRASIL . Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília:

Senado Federal, 1988.

______ . Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 16.12.1998. Disponível em: . Acesso em 06 abr. 2020.

______ . Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 13.11.2019. Disponível em: . Acesso em 06 abr. 2020.

______ . Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Diário Oficial [da] República Federativa do

Brasil, Brasília, 25.07.1991. Disponível em: . Acesso em 06 abr. 2020.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

 

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