Diferentemente do que acontecia no cálculo das aposentadorias programáveis do INSS antes da reforma, sejam elas por tempo de contribuição, idade e especial, os benefícios trazidos pela EC 103/2019 (Reforma da Previdência) não possuem limitação a 100% da média dos salários de contribuição. Isso mesmo, é possível obter benefícios com 110% ou até coeficiente maior da média dos salários de contribuição!
Por mais que as novas regras tenham gerado grande perda no cálculo em comparação a legislação anterior a a EC 103, para segurados com bastante tempo de contribuições poderá ocorrer uma vantagem no cálculo da renda mensal inicial (RMI) em relação aos cálculos com base na lei 9.876/99. É o que veremos no Blog de hoje:
Nova regra geral de cálculo dos benefícios:
Conforme adiantamos no nosso blog sobre as novas regras trazidas pela Reforma da Previdência, a nova regra geral de base de cálculo para os benefícios está prevista no art. 26 da EC 103:
Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.
(…)
§ 2º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º, com acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de contribuição (…);
Somente as aposentadorias por incapacidade permanente que decorrerem de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho terão direito ao coeficiente de 100% da média das contribuições independentemente do tempo de contribuição do segurado, conforme previsto no inciso II do § 2.º do art. 26 da EC 103.
Salienta-se que a garantia do salário mínimo enquanto piso constitucional dos benefícios previdenciários ainda está garantida.
Assim, a nova regra geral traz como base dos benefícios o coeficiente de 60% da média de todos salários de contribuição a partir de julho de 1994, acrescido de 2% a cada ano que exceder 20 anos de tempo de contribuição para homem e 15 anos para mulher. Importante adiantar que não há nenhuma disposição constitucional que limite o coeficiente a 100% da média, ou seja, a segurada mulher que tiver 36 anos de contribuição e o homem que tiver 41 anos terão direito a 102% sobre a média das contribuições nos benefícios de coeficiente progressivo, e assim sucessivamente.
Para melhor entendimento, segue gráfico com a evolução do coeficiente a ser aplicado na médias das contribuições do segurado para o cálculo da Renda Mensal Inicial dos benefícios, com exceção apenas para as regras de transição com pedágio, aposentadoria da pessoa com deficiência, auxílio-doença e auxílio-acidente, que terão regras de cálculos diferenciadas.
Não limitação a 100% da média de contribuições
Conforme demonstrado nos gráficos, mulheres com 36 anos ou mais de contribuição e homens a partir de 41 anos de tempo de contribuição terão o coeficiente aplicado na média de contribuições acima de 100%, ou seja, conforme as novas regras, homens com 41 anos de contribuição e mulheres com 36 terão o coeficiente de 102% da média dos salários de contribuição, e assim irão ganhando 2% por cada ano de contribuições que tiver acima desse tempo no cálculo dos benefícios.
Para melhor compreensão, vejam o gráfico abaixo:

Esse vantagem de cálculo faz lembrar do efeito benéfico promovido pelo fator previdenciário superior a 1,0 nos benefícios “pré-reforma”, pois antes da EC 103 havia limitação a 100% da média das contribuições e o fator previdenciário acima de 1,0 era a única possibilidade de cálculo de RMI acima de 100% média de contribuição.
Importante assinalar que o entendimento já encontra respaldo nas primeiras doutrinas sobre o tema, inclusive Ivan Kertzman, auditor-fiscal da Receita Federal, defende em sua obra a não limitação a 100% do coeficiente.
Questões de Constitucionalidade em Análise
As alterações promovidas pela EC 103/2019 têm sido objeto de questionamentos constitucionais perante o Supremo Tribunal Federal. A ADI 6.384, o cenário jurisprudencial demonstra que várias ações diretas de inconstitucionalidade questionam aspectos das novas regras previdenciárias. A diferenciação entre benefícios acidentários e não acidentários, sem justificativa objetiva evidente, constitui um dos pontos centrais dos debates sobre constitucionalidade. A situação em que auxílio-doença pode ter valor superior à aposentadoria por invalidez contraria a lógica tradicional da proteção previdenciária, levantando questionamentos sobre a coerência do sistema reformado.
Ademais, impõe-se a inclusão do Tema 1300, pagamento de aposentadoria por incapacidade permanente decorrente de doença grave, contagiosa ou incurável de forma integral, sem a incidência do art. 26, § 2º, III, da EC nº 103/2019 — como parâmetro vinculante para a interpretação e aplicação das normas reformadas. A adoção do Tema 1300 reforça a necessidade de proteção reforçada ao segurado em situação de grave vulnerabilidade, alinhando-se aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, solidariedade, proteção da saúde e dos direitos sociais (arts. 1º, III; 6º; 196; 201 da CF/88). Nesse contexto, sustenta-se que o art. 26, § 2º, III, da EC 103/2019 não pode ser aplicado de forma a reduzir o valor da aposentadoria por incapacidade permanente quando decorrente de doença grave, contagiosa ou incurável, sob pena de violação ao núcleo essencial dos direitos sociais e à finalidade protetiva do sistema previdenciário.
Conclusão
A ausência de limitação superior no coeficiente de cálculo representa inovação significativa que cria oportunidades para segurados com extenso histórico contributivo, mas também gera complexidades jurídicas que demandam análise cuidadosa dos tribunais superiores. A complexidade do novo sistema exige estratégias previdenciárias sofisticadas para maximização dos benefícios disponíveis, tornando ainda mais relevante o assessoramento especializado na área previdenciária.
Concluindo, as dicas do Blog de hoje são mais uma oportunidade para os Previdenciaristas analisarem detalhadamente a melhor opção de benefício para seus clientes, podendo adicionar as técnicas de conversão de tempo de contribuição especial em comum até a publicação da EC 103, averbação de atividade rural ou militar, reconhecimentos trabalhistas e outra possibilidades para somar maior tempo de contribuição e possibilitar o melhor valor da RMI para o segurados.
Referências
KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 37.