
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:JOSE ROBERTO ALVES e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: EDUARDO PIMENTA DE FARIAS - MT15715-A
RELATOR(A):EDUARDO MORAIS DA ROCHA
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1020691-23.2023.4.01.9999
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
A parte autora propôs ação de procedimento comum contra o INSS, a fim de obter o restabelecimento de benefício de prestação continuada desde a data da sua cessação na via administrativa.
Sentença prolatada pelo MM. Juiz a quo julgando o pedido procedente.
Apela a parte ré sustentando, em síntese, que restou demonstrado nos autos que a parte autora não ostenta a condição de miserabilidade necessária à manutenção do BPC.
É o breve relatório.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1020691-23.2023.4.01.9999
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
Segundo os termos do Enunciado Administrativo n. 3/STJ, aprovado pelo Plenário da Corte na sessão de 9/3/2016: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
A sentença proferida na vigência do CPC/2015 não está sujeita à remessa necessária, pois a condenação nela imposta não tem o potencial de ultrapassar o limite previsto no art. 496, § 3º, do novo CPC. Fica, pois, delimitada à presente análise, os pontos controvertidos recursais.
A sentença recorrida, no ponto objeto da controvérsia recursal, se fundamenta, em síntese, no seguinte: “Desse modo, restou comprovado o requisito da incapacidade, por ser portadora de paralisia cerebral – CID: 10 G80. Assim, ficou evidenciado o impedimento de longo prazo, que, em interação com diversas barreiras, que possam obstruir a participação plena e efetiva da parte autora na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo que a parte requerente se enquadra no conceito previsto no §2º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. Quanto ao segundo requisito, o §3º dispõe que a incapacidade para o sustento verifica-se quando a renda familiar per capita for inferior a ¼, sendo que a parte requerente se enquadra ao cumprimento do requisito, conforme estudo socioeconômico – id. 115089252. Logo, a negativa em conceder-se o benefício assistencial levaria a parte requerente a sobreviver em condições precárias, violando, além da dignidade da pessoa humana, a finalidade do sistema assistencial brasileiro, que é justamente garantir vida digna aos hipossuficientes na sociedade brasileira. Dessa forma, conclui-se preenchido o requisito da miserabilidade”.
Compulsando os autos, verifico, no laudo sócio econômico às fls. 146/148 do doc de id 364570131, que ficaram demonstradas condições subjetivas como gastos com aluguel, empréstimos e tratamentos de saúde que levam à conclusão sobre a situação de vulnerabilidade social da autora, objeto da controvérsia recursal. Conquanto ainda se possa suscitar alguma dúvida, creio que seria o caso de aplicar o primado do in dubio pro misero.
Noutro turno, no julgamento do Tema Repetitivo 640, REsp 1.355.052/SP, fixou a seguinte tese: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93”(grifamos). Só por isso, no caso concreto, a parte autora já se enquadraria no aspecto objetivo legal da renda per capita de ¼ do salário mínimo.
Assim, se considerasse apenas um salário mínimo percebido pela genitora do autor como renda, considerando o grupo familiar composto por 2 pessoas, a renda per capita seria de de ½ salário mínimo .
Assim, mesmo quanto ao critério objetivo da renda per capita, o autor estaria enquadrado no critério de miserabilidade, consoante a interpretação do Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da Reclamação nº 4.374/PE, na qual se reconheceu que teria ocorrido um processo de inconstitucionalização da regra estabelecida no art. 20, § 3º, da LOAS, em razão das mudanças políticas, econômicas, sociais e jurídicas ocorridas no Brasil nos 20 anos seguintes à publicação da Lei.
Da leitura do voto do Ministro Relator, Gilmar Mendes (Reclamação nº 4.374/PE), é possível extrair que o reconhecimento de inconstitucionalidade superveniente da norma decorreu da compreensão de que o critério legal de ¼ do salário mínimo seria insuficiente para identificar os casos de miserabilidade que a Constituição e a Lei se propunham a combater. Assim, o STF não afastou o critério objetivo para apuração da miserabilidade da família, mas permitiu que critérios objetivos outros (½ SM de renda per capita, por exemplo) e, sequencialmente (caso não se conseguisse apurar a miserabilidade por aquele critério), os subjetivos que conseguissem demonstrar a miserabilidade real (há casos em que a renda per capita supera o critério objetivo, mas os critérios subjetivos denotam a presença da miserabilidade).
Nesse contexto, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, no entendimento firmado por ocasião do julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob a sistemática dos recursos repetitivos, Tema 185, reconhece, expressamente, que a renda per capita inferior ao critério objetivo legal (¼ do salário mínimo) deve ser usada como suficiente, quando verificada a exigência legal, obstando o avanço para critérios subjetivos nesses casos (STJ - REsp: 1112557 MG 2009/0040999-9, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 28/10/2009, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/11/2009 RSTJ vol. 217 p. 963, grifamos)
Não foi por outro motivo, senão pela inteligência jurisprudencial ditada pelo STJ e pelo STF, que o próprio legislador ordinário previu a aplicação do critério objetivo de 1/2 salário mínimo de renda per capita para demonstração da miserabilidade por meio de regulamentação pelo INSS ( o que seria contributivo para redução da litigiosidade), tal como dispõe o Art. 20, §11-A. da Lei 8.742/93 ( LOAS): " § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei".
Nos casos em que o valor da renda per capita familiar supera ½ salário mínimo, a análise subjetiva deve ser feita para verificar se as condições pessoais (devido aos gastos familiares) não reduzem a capacidade da família de prover o seu sustento de forma digna. É possível, pois, afirmar que uma pessoa que um dia possuiu uma boa condição de vida, pode ter ficado miserável (sem uma renda familiar razoável para se viver dignamente na velhice). Não é o caso dos autos, uma vez que a descrição das condições financeiras da família contida no laudo sócio econômico produzido nos autos do processo (fls. 146/148 do doc de id 364570131), demonstra simplicidade condizente com um padrão de vida sem luxos, apenas com o razoável para uma vida digna.
Conquanto se possa discutir aspectos teleológicos da LOAS, o caso dos autos se resume ao contexto eminentemente probatório: os documentos juntados aos autos, acompanhados do Estudo sócio econômico realizado revelou a renda per capita inferior a 1/2 salário mínimo, critério objetivo de aferição da miserabilidade, considerando que a renda de um salário mínimo da idosa não entra no cálculo da renda per capita. Para além do critério objetivo, se não excluíssemos o um salário mínimo do cálculo e adentrássemos aos critérios subjetivos, os gastos familiares jusficariam a manutenção do benefício diante da patente miserabilidade.
Honorários de advogado majorados em um ponto percentual sobre o valor arbitrado na origem, consoante o disposto no art. 85, §11, do cpc.
Em face do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1020691-23.2023.4.01.9999
RELATOR: Des. MORAIS DA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: JOSE ROBERTO ALVES
REPRESENTANTE: RUTH ESTEVAO DE SOUSA ALVES
Advogado do(a) REPRESENTANTE: EDUARDO PIMENTA DE FARIAS - MT15715-A
Advogado do(a) APELADO: EDUARDO PIMENTA DE FARIAS - MT15715-A
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO DEFICIENTE. CRITÉRIO DE APURAÇÃO DA RENDA FAMILIAR. MISERABILIDADE COMPROVADA POR ASPECTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. Segundo os termos do Enunciado Administrativo n. 3/STJ, aprovado pelo Plenário da Corte na sessão de 9/3/2016: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
2. A sentença proferida na vigência do CPC/2015 não está sujeita à remessa necessária, pois a condenação nela imposta não tem o potencial de ultrapassar o limite previsto no art. 496, § 3º, do novo CPC. Fica, pois, delimitada à presente análise, os pontos controvertidos recursais.
3. A sentença recorrida, no ponto objeto da controvérsia recursal, se fundamenta, em síntese, no seguinte: “Desse modo, restou comprovado o requisito da incapacidade, por ser portadora de paralisia cerebral – CID: 10 G80. Assim, ficou evidenciado o impedimento de longo prazo, que, em interação com diversas barreiras, que possam obstruir a participação plena e efetiva da parte autora na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo que a parte requerente se enquadra no conceito previsto no §2º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. Quanto ao segundo requisito, o §3º dispõe que a incapacidade para o sustento verifica-se quando a renda familiar per capita for inferior a ¼, sendo que a parte requerente se enquadra ao cumprimento do requisito, conforme estudo socioeconômico – id. 115089252. Logo, a negativa em conceder-se o benefício assistencial levaria a parte requerente a sobreviver em condições precárias, violando, além da dignidade da pessoa humana, a finalidade do sistema assistencial brasileiro, que é justamente garantir vida digna aos hipossuficientes na sociedade brasileira. Dessa forma, conclui-se preenchido o requisito da miserabilidade”.
4. Compulsando os autos, verifica-se, no laudo sócio econômico às fls. 146/148 do doc de id 364570131, que ficaram demonstradas condições subjetivas como gastos com aluguel, empréstimos e tratamentos de saúde que levam à conclusão sobre a miserabilidade, objeto da controvérsia recursal. Conquanto ainda se possa suscitar alguma dúvida, creio que seria o caso de aplicar o primado do in dubio pro misero.
5. Noutro turno, no julgamento do Tema Repetitivo 640, REsp 1.355.052/SP, fixou a seguinte tese: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93”(grifamos). Só por isso, no caso concreto, a parte autora já se enquadraria no aspecto objetivo legal da renda per capita de ¼ do salário mínimo.
6. Assim, se considerasse apenas um salário mínimo percebido pela genitora do autor como renda, considerando o grupo familiar composto por 2 pessoas, a renda per capita seria de de ½ salário mínimo .
7. Assim, mesmo quanto ao critério objetivo da renda per capita, o autor estaria enquadrado no critério de miserabilidade, consoante a interpretação do Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da Reclamação nº 4.374/PE, na qual se reconheceu que teria ocorrido um processo de inconstitucionalização da regra estabelecida no art. 20, § 3º, da LOAS, em razão das mudanças políticas, econômicas, sociais e jurídicas ocorridas no Brasil nos 20 anos seguintes à publicação da Lei.
8. Nesse contexto, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, no entendimento firmado por ocasião do julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob a sistemática dos recursos repetitivos, Tema 185, reconhece, expressamente, que a renda per capita inferior ao critério objetivo legal (¼ do salário mínimo) deve ser usada como suficiente, quando verificada a exigência legal, obstando o avanço para critérios subjetivos nesses casos (STJ - REsp: 1112557 MG 2009/0040999-9, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 28/10/2009, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/11/2009 RSTJ vol. 217 p. 963, grifamos)
8. Não foi por outro motivo, senão pela inteligência jurisprudencial ditada pelo STJ e pelo STF, que o próprio legislador ordinário previu a aplicação do critério objetivo de 1/2 salário mínimo de renda per capita para demonstração da miserabilidade por meio de regulamentação pelo INSS ( o que seria contributivo para redução da litigiosidade), tal como dispõe o Art. 20, §11-A. da Lei 8.742/93 ( LOAS): " § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei".
9. Nos casos em que o valor da renda per capita familiar supera ½ salário mínimo, a análise subjetiva deve ser feita para verificar se as condições pessoais (devido aos gastos familiares) não reduzem a capacidade da família de prover o seu sustento de forma digna. É possível, pois, afirmar que uma pessoa que um dia possuiu uma boa condição de vida, pode ter ficado miserável (sem uma renda familiar razoável para se viver dignamente na velhice). Não é o caso dos autos, uma vez que a descrição das condições financeiras da família contida no laudo sócio econômico produzido nos autos do processo (fls. 146/148 do doc de id 364570131), demonstra simplicidade condizente com um padrão de vida sem luxos, apenas com o razoável para uma vida digna.
10. Honorários de advogado majorados em um ponto percentual sobre o valor arbitrado na origem, consoante a previsão do art. 85, §11, do CPC.
11. Apelação improvida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Primeira Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação , nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA