
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARCOS VILANOVA DE SOUSA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: NOELSON FERREIRA DA SILVA - PI5857-A
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1038375-87.2020.4.01.0000
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCOS VILANOVA DE SOUSA
Advogado do(a) APELADO: NOELSON FERREIRA DA SILVA - PI5857-A
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contra sentença que julgou procedente o pedido de aposentadoria rural por idade.
Em suas razões, o INSS sustenta que a parte autora não trouxe aos autos documentos suficientes que pudessem servir de início razoável de prova material do efetivo exercício das atividades campesinas no período total afirmado, tal como exigido pelo §3º, do art. 55 da Lei 8.213/91.
Em contrarrazões, a parte autora pugna pela manutenção da sentença.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1038375-87.2020.4.01.0000
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCOS VILANOVA DE SOUSA
Advogado do(a) APELADO: NOELSON FERREIRA DA SILVA - PI5857-A
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
A apresentação de novas razões recursais, assim como a substituição ou aditamento daquelas inicialmente ofertadas, encontra óbice no princípio da unirrecorribilidade, pois a interposição do recurso adequado leva à preclusão consumativa do direito de recorrer, inviabilizando-se a apreciação daquele protocolizado por último.
Nesse sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVOS REGIMENTAIS EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO QUALIFICADO. VIOLAÇÃO DO ART. 155, § 4º, I, DO CP. PLEITO DE AFASTAMENTO DO RECONHECIMENTO DA BAGATELA. RES FURTIVA AVALIADA EM VALOR SUPERIOR A 10% DO SALÁRIO MÍNIMO. RESTITUIÇÃO INTEGRAL À VÍTIMA E REINCIDÊNCIA NÃO ESPECÍFICA EM CRIME DE ORDEM PATRIMONIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. MANUTENÇÃO DO ENTENDIMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, QUE ABSOLVERAM SUMARIAMENTE O RECORRIDO, QUE SE IMPÕE. INTERPOSIÇÃO DE MAIS DE UM RECURSO CONTRA A MESMA DECISÃO. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. PRECEDENTES. (…) 5. Contra a decisão ora combatida, já houvera sido interposto agravo regimental pelo mesmo agravante (expediente n. 81.142/2022). Dessa forma, pelo princípio da unirrecorribilidade e pela preclusão consumativa, a presente demanda não comporta conhecimento. 6. O agravo regimental de fls. 520-530 não merece ser conhecido, pois, segundo a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, "quando da interposição simultânea de dois agravos regimentais contra o mesmo ato judicial e pelo mesmo agravante, deve ser conhecido apenas o primeiro deles, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa" (AgInt no AREsp 1.227.973/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 12/06/2018) - (AgRg no REsp n. 1.819.769/PR, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 28/11/2019). 7. Na hipótese, a Defesa protocolou 02 (dois) agravos regimentais contra a mesma decisão, situação que, "ante o princípio da unirrecorribilidade recursal e da preclusão consumativa, impede a análise da segunda insurgência" (AgRg no AREsp 940.135/AC, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 12/09/2018) - (AgRg no AREsp n. 1.426.730/SP, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 23/4/2019). 8. Agravo regimental de fls. 310/314 desprovido e agravo regimental de fls. 316/320 não conhecido. (AgRg no REsp 1949420/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/03/2022, DJe 23/03/2022)
Nesta perspectiva, no caso concreto, considerando que o INSS apresentou duas petições contendo recursos de apelação, o primeiro deles protocolizado no dia 03/02/2017, e o segundo deles apresentado no dia 19/12/2017, não serão objeto de análise as razões declinadas na segunda petição, eis que, com a apresentação daquele primeiro apelo, consumou-se o ato de recorrer.
DO MÉRITO
A concessão do benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural exige o preenchimento da idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulher, bem como a efetiva comprovação de exercício em atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142, ambos da Lei nº 8.213/91).
O efetivo exercício da atividade campesina deve ser demonstrado através do início de prova material.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Registra-se, na oportunidade, não ser necessário que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício, conforme disposto na Súmula 14 da TNU, nem que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91).
Por fim, convém registrar que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar etc., não são aptos a demonstrar o início de prova material na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
Fixadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 08/12/1954, preencheu o requisito etário em 08/12/2014 (60 anos) e requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade em 22/01/2015, o qual restou indeferido por ausência de comprovação de efetivo exercício de atividade rural. Ajuizou a presente ação em 2015.
Para comprovação da qualidade de segurado e carência, a parte autora trouxe aos autos, entre outros, os seguintes documentos: certidão de casamento celebrado em 1982, constando a profissão do autor como lavrador; CNIS; CTPS sem vínculos empregatícios; contrato de comodato rural de 05/04/2010, com firma reconhecida na mesma data; contrato de comodato rural de 16/12/2011, com firma reconhecida em 17/12/2014; carteira de sindicato rural sem os recolhimentos devidos; declaração de exercício de atividade rural emitida por sindicato, e outros documentos em nome de terceiros como CCIR, certidão de inteiro teor, certidão de imóvel rural, certidão de óbito e autodeclaração.
Da análise das provas apresentadas, verifica-se que a certidão de casamento, celebrado em 1982, na qual consta a profissão do autor como lavrador, constitui início razoável de prova material da sua condição de rurícola até 1996, quando iniciou atividade urbana observada no CNIS, entre 07/1996 a 07/2005. No entanto, o requerente comprovou o retorno ao labor rural em 2010, conforme se observa nos contratos de comodato rural de 05/04/2010, com firma reconhecida na mesma data; e de 16/12/2011, com firma reconhecida em 17/12/2014. Não há registro de vínculos urbanos posteriores pelo autor.
Portanto, está comprovado o exercício de atividade rural, com base em início de prova material corroborado por prova oral, no período de 1982 a 1996 e a partir de 2010, o que perfaz mais de 180 meses, de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo.
Embora o INSS alegue que os documentos são extemporâneos, por serem antigos, eles são suficientes como início de prova material para comprovar o labor rurícola exercido pela autora durante o período de carência, sobretudo quando se verifica que não há, nos autos, documento posterior que desconstitua a presunção de que o labor rural se estendeu ao longo de sua vida.
O início de prova material foi corroborado pela prova oral, constando da sentença que as testemunhas confirmaram o labor da parte autora voltado às atividades rurícolas.
Considerando ainda que o INSS não trouxe aos autos outros documentos aptos a desconstituir a qualidade de segurado especial, a parte autora faz jus ao benefício de aposentadoria por idade rural, a contar da data do requerimento administrativo (22/01/2015), nos termos do art. 49 da Lei nº 8.213/91.
Não há parcelas prescritas (Súmula 85/STJ).
Juros e correção monetária
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE, em sede de repercussão geral (Tema 810), e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905). “Nos termos do art. 3° da Emenda Constitucional nº113/2021, após 8/12/2021, deverá incidir apenas a taxa SELIC para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação de mora até o efetivo pagamento” (AC 1017905-06.2023.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS, TRF1 - NONA TURMA, PJe 26/03/2024).
A sentença destoa parcialmente desse entendimento, devendo ser ajustada de ofício quanto aos encargos moratórios.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Honorários advocatícios majorados na fase recursal em R$2.000,00 (dois mil reais), além do montante já fixado pelo Juízo de origem (art. 85, §11, CPC).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS. Ajusto, de ofício, os encargos moratórios, nos termos explicitados acima.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1038375-87.2020.4.01.0000
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCOS VILANOVA DE SOUSA
Advogado do(a) APELADO: NOELSON FERREIRA DA SILVA - PI5857-A
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. DOCUMENTOS EXTEMPORÂNEOS. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. Apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra sentença que concedeu à parte autora o benefício de aposentadoria rural por idade, reconhecendo sua condição de segurado especial.
2. Discute-se a suficiência do início de prova material apresentado pela parte autora para comprovar o exercício de atividade rural, requisito para concessão do benefício de aposentadoria rural por idade nos termos do art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142 da Lei n. 8.213/91.
3. A concessão de aposentadoria por idade ao trabalhador rural exige o cumprimento da idade mínima e a comprovação de atividade rural no período de carência, mesmo que de forma descontínua.
4. Os documentos apresentados pela parte autora, como a certidão de casamento de 1982, em que consta sua profissão como lavrador, e contratos de comodato rural de 2010 e 2011, foram considerados início razoável de prova material, corroborados por prova testemunhal que confirmou o trabalho rural da autora.
5. Embora o INSS alegue que os documentos são extemporâneos, tal argumento não prevalece, pois esses documentos são aceitos como início de prova material para comprovar o labor rural, conforme jurisprudência pacífica do STJ. A ausência de vínculos urbanos posteriores e a continuidade das atividades rurais até a DER fortalecem a comprovação.
6. A correção monetária e os juros de mora devem seguir o entendimento fixado pelo STF no Tema 810 e pelo STJ no Tema 905, aplicando-se a taxa SELIC a partir de 8/12/2021, nos termos da Emenda Constitucional nº 113/2021. Ajuste, de ofício, dos encargos moratórios.
7. Apelação do INSS desprovida.
Tese de julgamento:
- A concessão de aposentadoria rural por idade para segurado especial pode ser fundamentada em início razoável de prova material, mesmo que extemporânea, desde que corroborada por prova testemunhal idônea.
- Para atualização das parcelas vencidas, aplica-se o INPC até 8/12/2021, e, a partir dessa data, a taxa SELIC, conforme disposto na Emenda Constitucional nº 113/2021.
Legislação relevante citada:
Lei n. 8.213/1991, art. 48, §§ 1º e 2º
Lei n. 8.213/1991, art. 142
Emenda Constitucional n. 113/2021, art. 3º
Jurisprudência relevante citada:
STF, RE 870.947, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, j. 20/09/2017 (Tema 810)
STJ, REsp 1.495.146/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 22/02/2018 (Tema 905)
STJ, REsp 1.719.021/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 1º/3/2018
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator